Para uma pessoa que dizia que a magia não é para ser usada de qualquer maneira, a Sophie Laurent parece usá-la de uma maneira muito estranha. Isto é, se ela realmente tiver feito alguma coisa para ajudar a mãe do Cameron com o seu problema.
Mas afinal, o que é que uma bruxa pode fazer por uma mulher que não pode ter filhos? Ou duas, visto que ao que parece a minha mãe também está incluída nesta história. E ela que não estivesse...
Assim que a Natalie saiu da pequena sala despachei-me a fazer o mesmo. Precisava de falar com o Cameron. Quando mais depressa formos falar com a Sophie, mais depressa conseguiremos as respostas que tanto procuramos.
A verdade é que os membros do Conselho só nos deram três meses para descobrirmos a origem deste nosso poder, como eles tanto lhe chamam, e esses três meses estão quase a passar e nós ainda não sabemos nada de concreto. Não podemos propriamente chegar lá e dizer que conseguimos abrir portais porque as nossas mães andaram em reuniões estranhas com uma bruxa. Para além de isso não explicar nada, eu também prometi à Natalie que não iria espalhar por aí a sua história. Posso ser tudo o que as pessoas dizem que eu sou, mas sei cumprir as promessas que faço. Até mesmo a pessoas arrogantes como a mãe do Cam.
Abro a porta do carro e saio. Infelizmente ainda temos um longo caminho a percorrer a pé.
Eu realmente espero que viver no meio da floresta tenha as suas vantagens, porque isto de ter que deixar o carro perto da estrada e ter que atravessar metade de um monte cheio de árvores e plantas estranhas - já para não falar na lama - para chegar até à casa da bruxa, é muito irritante.
Ouço a porta do condutor fechar com força e logo de seguida a voz do Cameron.
- Rebekah, espera! - ele grita fazendo-me parar de andar. Eu não devia mesmo ter-lhe dito que cá vinha, seria muito mais fácil e rápido tratar disto sozinha. - Eu não consigo confiar nessa bruxa. - a maneira como ele diz a palavra "bruxa" contém tanto desagrado como os membros do conselho tinham ao olhar para nós e falar sobre o facto de abrirmos portais para outras dimensões.
- Ótimo. - confesso, acabando por me virar para o encarar. - Assim percebes como me sinto em relação a ti. - inicialmente era suposto dizer isto num simples murmuro, um simples desabafo só para mim, mas acho que depois de passar sei lá eu quanto tempo fechada num carro com ele, a minha paciência fugiu por completo.
Ele encara-me de volta meio surpreso com o que eu disse. Os seus lábios separam-se ligeiramente mas ele não diz nada - parece ponderar bem o que vai dizer a seguir. As suas mãos estão como de costume dentro dos bolsos das calças e as mangas da sua camisa branca estão dobradas para cima, de maneira que metade do seu braço está exposto ao meu olhar.
- Eu estou a falar a sério. - diz após algum tempo. Ele dá alguns passos em frente, aproximando-se de mim e continua. - Vá lá... ela vive no meio da floresta!
Volto a minha atenção novamente para o rosto do rapaz.
- Sim, porque existem pessoas como tu que a julgam antes mesmo de a conhecerem! - respondo. - Onde queres que ela viva?
- Numa casa como qualquer outra pessoa normal. - protesta de volta. - Becky, ela aqui nem sequer tem luz. Já para não falar do seu animal de estimação. Um corvo... - bufa. - Super normal!
Ter um corvo como animal de estimação nem é a parte mais estranha. Estranho é o facto da Sophie conseguir entrar na cabeça do animal e ver através do seus olhos.
Suspiro.
- Ok. - falo e encolho os ombros. De certa forma ele tem razão. - Talvez a Sophie seja um pouco estranha, mas não é isso que faz dela uma pessoa má.
- Eu sei que não, mas mesmo assim não consigo.
- Bom, nós precisamos da ajuda dela, então não tens alternativa se não confiar.
Antes que o Cameron diga mais alguma coisa que nos atrase ainda mais viro as costas e começo a andar. Não consigo dar muito mais do que três passos até que ele agarra no meu braço e me puxa para si, fazendo com que os nossos corpos colidam.
- Apenas... promete-me uma coisa. - fala. O meu rosto está a escassos centímetros do seu e estarei claramente a mentir se disser que esta proximidade não me intimida. Engulo em seco no momento em que o meu olhar passa dos seus olhos negros para os seus lábios, que se movem enquanto ele fala. - Promete-me que enquanto estivermos lá dentro não vais fazer nada estúpido sem antes falares comigo. Por favor.
Limito-me a assentir, incapaz de dizer o que quer que seja. Ao mesmo tempo que quero lhe bater e força-lo a largar-me, quero que ele se aproxime mais. Eu tenho saudades dele porra!
O rosto do Cameron acaba por se aproximar do meu e os seus lábios tocam nos meus. Já nem me lembro da última vez que nos tínhamos beijado, mas a sensação das borboletas não mudou. Continua imponente dentro do meu estômago como se fossem totais donas do lugar.
Nós tentamos esconder os nossos sentimentos, mas esquecêmo-nos que os nossos olhos também falam. Esquecêmo-nos que existem momentos em que não há nada que possamos fazer e que até o nosso próprio corpo ganha vida. Percebi isso no momento em que as minhas mãos voaram até à gola da camisa do rapaz, agarrando-a com força e puxando-o para mais perto de mim.
Eu estou claramente louca, só pode. Depois de tanto tempo a controlar-me simplesmente deixei que esta situação acontecesse.
Lutando contra cada molécula do meu corpo que quer permanecer perto do Cameron, afasto o rapaz. Ambos nos encontramos ligeiramente ofegantes e os seus olhos não descolam dos meus. Antes que seja tarde demais e volte a fazer mais alguma parvoíce, viro-lhe as costas e começo novamente a andar em direção à casa da bruxa. Nós viemos aqui com o objetivo de falar com ela, não podemos perder o foco da verdadeira razão pela qual temos passado tanto tempo juntos.
- Eu sou assim tão fácil de esquecer? - ouço-o gritar atrás de mim. A sua voz soa um pouco irritada.
- Não! - grito de volta sem parar de andar. - E é exatamente esse o problema.
O Cameron não diz mais nada e eu agradeço mentalmente por isso.
Continuo a andar e rapidamente chego até à porta de casa da Sophie. Puxo a corda da sua campainha e a porta é aberta pela mulher de cabelos negros. Ela estranha a presença do Cameron alguns metros atrás de mim, mas nada que a impeça de nos convidar a entrar.
Sentamo-nos na mesa da sua sala e ela serve-nos o seu tão típico chá. Acho que qualquer dia em vez de ter sangue nas minhas veias, irei ter chá. Qual é o problema destas pessoas de oferecerem um café ou até mesmo um simples copo de água?
A mulher deixa-nos sozinhos na sala depois de se lembrar que se tinha esquecido do açúcar na cozinha.
Encaro a chávena branca com pequenas flores azuis, e falo.
- Posso beber isto ou o Sr. desconfiado acha que é perigoso fazê-lo? - pergunto.
Desde que entramos na casa da Sophie que eu e o Cameron não trocamos mais nenhuma palavra. Acho que ele não estava mesmo à espera que eu falasse porque o seu olhar reage em total surpresa à minha pergunta.
- Eu preferia que não.
- É só um chá. - protesto.
- Oh vá lá, Rebekah... Tu nem sequer gostas de chá. Para além disso olha só para a cor dessa coisa! Isso parece tudo menos um chá.
Volto a olhar para a minha chávena cheia de um líquido verde. A Sophie serve-me sempre chá com esta cor e até agora nunca notei a diferença no seu sabor.
- É chá verde. - a bruxa volta a entrar na sala, com um pequeno açucareiro na mão. - É muito bom na prevenção de doenças como o cancro e para o antievelhecimento.
A bruxa senta-se novamente à mesa e pousa o açucareiro. Ela sorri na minha direção e deposita uma colher de açúcar na minha bebida.
- Que eu saiba o chá é sempre da mesma cor. - o Cameron volta a protestar. Neste momento ele está a fazer-me lembrar o Alec. Na altura em que o meu irmão me trouxe aqui, o ambiente entre ele e a bruxa estava um pouco... pesado. Neste momento o Cam está agir da mesma maneira que ele. - O chá verde não é literalmente verde.
A Sophie solta um pequeno sorriso e aponta para o seu pescoço.
- A gola da sua camisa... está torta. - diz. Olho para o Cameron e constato que a gola da camisa está desdobrada para cima. O Cameron volta a dobrá-la, e eu volto a olhar para a bruxa antes que o nosso olhar se volte a cruzar. Já basta o momento que isto me fez relembrar. - O menino sabe que este mundo não é igual ao mundo do qual vocês saíram. As plantas com as quais fazemos este chá verde não devem ser iguais às vossas.
O Cameron preparava-se para protestar, mas eu falo antes que ele tenha hipótese de o fazer. Estamos aqui para resolver esta história, e não para entrar numa discussão sobre plantas e sabores de chá.
- Sophie! - digo o seu nome na tentativa de chamar a sua atenção. - Como sabe nós estamos a tentar perceber o porquê de conseguirmos abrir os portais, e precisamos que nos responda a umas perguntas. Com sinceridade. - completo.
Ela dá um gole no seu chá, e responde.
- Claro! - responde, parecendo um pouco ofendida com o facto de eu pedir que ela nos responda com sinceridade. - Diz lá.
Ajeito-me na cadeira e tento procurar a melhor maneira de explicar a situação e fazer a pergunta.
- Eu sei que a minha mãe e a mãe do Cameron vieram cá à uns anos atrás. A Natalie não podia ter filhos, e por alguma razão elas acharam que a senhora as iria ajudar. - digo. - Eu preciso de saber exatamente o que é que a senhora lhe fez.
A mulher de cabelos negros parece pensar durante algum tempo.
- Já foi à uns aninhos mesmo mas... sim eu lembro-me. Mas eu não lhe fiz nada. Não há nada que uma simples bruxa possa fazer a uma mulher estéril.
Uma mulher... Isso significa que a Francesca não tinha o mesmo problema que a mãe do Cameron.
Bebo um pequeno gole de chá, que acaba por se revelar estar muito mais doce do que deveria, enquanto ouço a Sophie voltar a falar.
- Eu compreendo que tudo indique que eu tenha feito alguma coisa, mas não há nada que eu possa fazer a uma mulher estéril. - repete. - Elas vieram aqui sim, mas eu disse-lhes na altura o mesmo que vos estou a dizer agora a vocês. Eu não posso fazer nada. - a bruxa solta um longo e exagerado suspiro. - Acho que chegou a altura das pessoas perceberem que eu não sou esse ser mágico que todos pensam que eu sou.
- Mas eu nasci e a minha irmã também. - o Cameron volta a falar após algum tempo calado. - Como é que explica que uma mulher estéril tenha tido dois filhos?
A Sophie encolhe ligeiramente os ombros.
- O menino já parou para pensar que tanto você como a sua irmã podem ter sido adotados?
O meu olhar passa da bruxa para o rapaz ao meu lado. Ele definitivamente não estava à espera que a Sophie sugerisse que ele tinha sido adotado, e para dizer a verdade, eu também não. Eu falei com a Natalie, se a resposta fosse essa ela não teria dito? Porque é que ela iria mentir e dizer que foi a Sophie? O que é que ela ganhava em mentir?
Volto a encarar a bruxa, que neste momento mantém um sorriso contido nos lábios. Ela está feliz com esta situação?
De repente ouve-se o som de uma cadeira a arrastar e o Cameron levanta-se, saindo da sala. Em poucos segundos ouve-se o som da porta da entrada abrir e voltar a fechar com um estrondo.
Faço o mesmo que o Cameron e levanto-me da cadeira para ir atrás do rapaz. Antes de sair da sala lanço um pequeno aceno de cabeça e um sorriso à Sophie, que permanece sentada a beber o seu chá.
Alguma coisa me diz que a Sophie não está a dizer a verdade. Ela parece demasiado descansada com esta situação. Arrisco-me mesmo a dizer que ela parece estar a gostar de tudo isto. Esta história está muito mal contada.
Atravesso a porta de casa e surpreendo-me ao perceber que a noite já caiu. O escuro preencheu tudo à nossa volta e a pouca luz que existe chega até mim proveniente da lua.
- Cameron! - grito o seu nome com esperanças que ele pare de andar, mas ele não o faz, aliás, até parece que ele começou a andar mais depressa. Começo a correr e fecho a porta do carro antes que ele possa entrar para o lugar do condutor. - Onde é que pensas que vais?
- Falar com a Natalie. - responde, visivelmente irritado. - Eu estou farto desta história. Eu quero saber a verdade!
Nego com a cabeça e coloco as minhas mãos nos seus ombros na tentativa de o acalmar. Acho que, tal como eu, o Cameron começa a ficar cada vez mais pressionado pelo facto dos três meses estarem quase a acabar.
- Não faças isso. Não agora. - falo. - É óbvio que há alguém que está a mentir, só não sabemos quem. Por isso espera um pouco, não faças nada estúpido sem antes falares comigo. - sorrio. O Cam disse-me exatamente a mesma coisa.
O Cameron solta um pequeno sorriso que não dura muito tempo.
- Não eras tu que tinhas muita confiança nela?
Suspiro e olho em volta.
- Sim, dizes bem... era. - respondo. - Mas esta história está muito mal contada e neste momento temos que desconfiar de todos. Tenho a certeza que tanto a Sophie como a tua mãe sabem de mais alguma coisa que não nos querem contar.