A Elfa Maga

By VivianneFair

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O que você faria se descobrisse que seu mestre pode ser um monstro? Literalmente falando? Conto! O sonho de... More

A Elfa Maga

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By VivianneFair

Eu não queria acreditar no quanto havia me enganado. Mas havia. Agora estava à mercê da criatura e totalmente ensanguentada e ferida, sem ter como salvar aquele que confiou em mim. Eu deveria ter seguido meu coração desta vez.

A razão só fez estragar as coisas.

Alguns dias antes...

Já colhi a lenha. Já varri a casa, já limpei o jardim, plantei as ervas, tirei as daninhas, esquentei a água. Eu não deveria fazer isso. Sou a aprendiz, não a empregada da casa. Mas quem sou eu pra reclamar?

Na verdade, acho que posso reclamar sim. E muito. Antes eu era a elfa Ferry. Agora sou a doméstica Ferry. Não que eu tenha algum problema com isso, certo, mas não foi pra isso que eu vim.

Sempre admirei os magos. Sempre admirei aqueles homens que passavam pela minha aldeia oferecendo curas e fazendo encantamentos, por que não? Eu também queria ser útil. O que tem demais em eu ser uma elfa? Ou o que teria demais em ser uma mulher elfa?

Para minha aldeia tinha. Certo, eu não era a mais útil das pessoas, especialmente por não saber lá cozinhar muito bem, mas ao menos eu não quebrava coisas TODOS os dias. E nem sempre eram tão importantes assim. Eu sempre dizia que seria uma grande elfa maga. Os aldeões me respondiam dizendo que eu já era uma elfa muito magra.

Idiotas.

Quando aquele mago em especial passou pela aldeia, eu me sentia preparada. Ele fez alguns encantamentos simples, curou algumas pessoas, mas não impressionou os outros elfos. Não fazia muito alarde e suas curas não tinham nada de espetacular como as outras, não havia explosões ou cores. Talvez ele fosse diferente. Talvez não fosse me escorraçar como os outros ou me destratar como fizeram.

Quando pedi, na frente de toda a aldeia, para que eu pudesse ser sua aprendiz, todos ficaram de ouvidos atentos para a próxima humilhação pública. Eu já virara piada nos bares. Todos os magos até então tiraram sarro de mim ou me trataram feito cachorro, me enxotando como se eu não fosse nada demais.

Entretanto, após alguns minutos em silêncio, pude ouvir as palavras que há tanto tempo esperava:

– Ah, tá. Ok. Tanto faz.

Certo, não eram exatamente as palavras que eu esperava, mas ele também não parecia grande coisa. Corri para minha cabana, juntei minhas coisas, me despedi de todos rapidamente antes que pudessem me impedir. Na verdade, parecia que estavam felizes ao me ver partir. Ou então não acreditavam muito que eu iria conseguir, dada as risadinhas espaçadas.

Mas eu conseguiria. Voltaria como uma grande maga ou não voltaria.

Bem, provavelmente voltaria, não tinha lá muitos outros lugares para uma elfa morar.

O mago era humano. Ele não se incomodou de eu ser de outra raça ou, se importou, não pareceu ligar muito. Mas ele não era tão misterioso como eu pensei que fosse. Na verdade falava como se o mundo fosse acabar amanhã.

– Então teve aquela outra vila...Qual era o nome dela mesmo? Ah, não importa, o fato é que fiquei com eles dois meses e aí o filho do chefe ficou doente. Claro que me chamaram inevitavelmente e rapidamente o curei. Não pude contar a eles que o filho do chefe havia comido uma das minhas ervas antes de ficar doente. Ninguém precisa saber como opero minhas curas.

Revirei os olhos. E se, ao invés de mago, ele fosse só um curandeiro? Eu vou saber voltar para casa?

Sorri quando ele me fez uma pergunta. Normalmente eu não precisava responder; ele mesmo fazia isso.

O nome dele era Maron. Era um senhor de idade meio encurvado, que se apoiava em um cajado e usava roupas azuladas, moídas. Faltava carregar uma placa escrita: "MAGO AQUI".

A casa de Maron era distante apenas alguns quilômetros da minha aldeia. Estranho nunca ter ouvido falar dele. Estranho ninguém nunca o ter visto antes.

Rapidamente fui apresentada à casa e às minhas tarefas. Lavar, passar, cozinhar (ele que me aguarde), varrer, cuidar das ervas e o que mais ele pudesse lembrar. Disse que um bom aprendiz tem que saber servir antes de aprender.

Hum, sei. Vamos ver por quanto tempo vou servir.

Já é um avanço, entretanto. Todos achavam que eu não servia para nada.

Já estava há quase um mês com ele, e pouco ou quase nada havia aprendido. Sabia misturar algumas ervas para impedir ou dar dor de barriga. Aprendi a curar um resfriado esfregando uma planta no nariz. Descobri que colocar vinagre na roupa durante a lavagem era bom para tirar odores desagradáveis (é sério).

Quando fui buscar alguns mantimentos na vila humana mais próxima, tentei me cobrir como podia. Coloquei um capuz em volta da cabeça para que minhas orelhas não ficassem muito expostas e evitava falar com as pessoas. Eles provavelmente sabiam que eu era uma forasteira, mas não se preocupavam muito. Só diziam: "Deve ser a nova assistente do tal mago. É a quarta?"

Provavelmente todos os outros desistiram. Não conseguiram lidar com a magia.

Ou se deram conta que era um embuste e cansaram de ser empregados. Pode ser também.

Depois de comprar todos os mantimentos, percebi que poderia tentar ser útil de alguma forma. Poderia entrar na taverna, comprar alguma bebida básica e tentar me aproximar dos aldeões para conseguir informações.

Confesso que estava bem entediada e gostaria de poder saber mais para poder ruminar fofocas aleatórias. Ou saber um pouco mais sobre Maron.

Sentei-me perto da bancada do bar. Havia poucas pessoas, considerando aquela hora da manhã. Três homens na mesa ao lado da janela já pareciam bem embriagados. Um estranho encapuzado encostado na parede oposta bebericando alguma coisa; provavelmente tentando escutar a conversa que vinha da mesa do centro do bar, onde quatro homens parrudos não poupavam esforços em chamar a atenção, fazendo de conta que estavam sussurrando.

No entanto, não eram muito úteis: "Ouvi falar que a nova assistente daquele mago maluco é uma elfa". "Ela está bem ali, fingindo que está bebendo alguma coisa" "Acha que devíamos falar com ela que o homem é um pirado?" "Não, talvez ela seja louca também".

Tudo o que eu já sabia. Até agora nada de novo.

O estranho encapuzado aproximou-se de mim. Segurei meu copo com força, como se ele pudesse ser uma arma. Até agora havia sido apenas uma arma contra meu estômago, já que eu já estava sentindo os efeitos.

Tudo bem, eu sei de algumas ervas para controlar isso.

– Você é a tal elfa louca então.

Tive que dar um sorriso. O estranho tinha uma voz melodiosa e um sotaque estranhamente familiar.

– Quer ser uma maga?

Aquilo me supreendeu. Virei-me rapidamente para fitar os olhos dele. Eram profundos, amarelados e ele era de uma beleza ímpar. Pude notar as orelhas pontudas escapando pelo capuz. Ou provavelmente ele deixou que aparecessem para que eu pudesse perceber.

– Você não é da minha aldeia – constatei.

– Não, sou de uma outra bem além. Do outro lado do mar.

– Jura? – fiquei impressionada – E o que faz deste lado?

O rosto dele ficou sombrio por um leve instante.

– Faço pesquisas. E uma delas me trouxe até aqui.

– Mesmo? O que procura?

– O motivo de uma doença.

Olhei para ele sem entender.

– Que tipo?

– Uma doença que vem acometendo o reino. Uma espécie de escuridão amarga que se infiltra nas pessoas e as deixa desacordadas. Seus olhos ficam negros e sua pele envelhecida. Como se... como se algo sugasse sua energia.

Estremeci.

– Eu nunca vi isso acontecer.

– Mas vai ver. Porque ela dominou minha vila e agora atravessou o oceano.

Meu queixo caiu. Aquilo era muito além do que eu queria saber. Olhei ao meu redor. Todos já haviam deixado a taverna. O taverneiro já havia parado de limpar as mesas e agora babava dormindo em uma delas.

– C-como sabe?

Ele suspirou e tomou um gole do conteúdo do copo que estava em sua mão.

– Vi que muitos já estavam desacordados em minha vila e, por onde passei, percebi que outros estavam sofrendo desta maldição... ou doença... Embarquei em um navio. Queria encontrar a resposta ou fugir daquilo tudo, eu... – ele escondeu o rosto nas mãos – pode me chamar de covarde, se quiser. Mas assim que vi alguns dos marinheiros caírem pelo navio acometidos por essa praga, eu... resolvi buscar a cura. Ou o motivo. Afinal, nenhum de nós está a salvo.

Engoli mais um pouco daquela minha bebida amarga torcendo para que conseguisse ficar boa usando só aquela erva do mago. Talvez fosse precisar de algo mais forte.

– Bem, você chegou a alguma conclusão?

Ele me fitou por alguns instantes e me senti intimidada. Nunca alguém havia me encarado por tanto tempo.

– Desculpe – ele sorriu – você é linda, mas...

– Mas...?

– Mas não sei se posso confiar em você.

Suspirei. Achei que ele ia dizer "...mas nem tanto!"

– Bem, já me contou tanta coisa, por que não fala de uma vez?

Ele olhou ao redor e pensou alguns instantes antes de falar.

– Há quanto tempo você está com aquele mago?

– Maron? Ah... bem...acho que já faz um mês.

Ele fitou as garrafas à frente.

– Então não sabe muito sobre ele, não é?

– Bem...é um senhor de idade simpático que fala pelos cotovelos e aparentemente estou perdendo meu tempo, porque não parece saber magia. No máximo faz fumaça colorida com suas poções.

Mais um momento de silêncio. Desta vez comecei a me sentir constrangida, já que o elfo estava me fitando. Suspirou.

– Ele mesmo. Sabia que ele veio naquela viagem que fiz?

– Você diz... do outro lado do oceano?

– Sim. E estava no mesmo barco em que eu estava, trancado em sua cabine.

– Bem...deve ser uma coincidência.

– Sim, claro – ele riu de deboche e bebericou seja lá o que fosse que estava tomando. Devia ser melhor do que meu chá terrível – Depois que chegamos em terra, as pessoas pelas vilas pelas quais ele passava coincidentemente iam caindo com a praga.

– O... o quê?

– Eu o venho seguindo há pelo menos dois meses, desde aquela época... naquele navio amaldiçoado. Até agora todas as minhas suspeitas estão se confirmando. Ele é o bruxo desta praga maldita!

Ele deu um soco na mesa. Eu não podia acreditar que Maron poderia ser o responsável por tudo isso. Bem, quem vê cara não vê coração.

– Mas você disse que estava fugindo...

– Achei que ele também estava fugindo. Só que o homem parecia calmo demais. As pessoas estavam apavoradas e, nos raros momentos em que ele saía da cabine, fitava as pessoas no chão com descaso. Não se ofereceu para ajudar nenhuma.

– Não consigo imaginar Maron...

– Ele já teve outros assistentes, não foi? Por que não pergunta a ele o que aconteceu com eles?

Engoli em seco.

– Não foram embora?

– Foram? – ele me deu um sorriso enigmático.

– Eu não sei o que dizer.

Uma atmosfera fria tomou conta do lugar. Senti que iria desmaiar. Aquele velhinho simpático...um monstro? Para onde esse interesse por magia me levou?

Ele tocou em minhas costas e senti um arrepio descendo pela minha espinha.

– Acalme-se. Não vou permitir que ele te machuque.

– Não sei ainda se posso confiar em você.

– Muito bem – ele não pareceu irritado, muito pelo contrário – vamos fazer assim. Vá até ele e faça uma série de perguntas, tudo o que está te incomodando. Vamos ver quais serão as respostas. Mas fique atenta. Ao primeiro sinal de praga, tente ver de onde está vindo.

Assenti levemente. Talvez seja tolice. Talvez ele tenha inventado tudo aquilo. Maron era uma ótima pessoa, apesar de ser um pouco tagarela e vívido demais. Não poderia ser culpa dele.

Deixei o bar sem olhar para trás. Mas e se ele estivesse certo? E se Maron fosse um bruxo e estivesse realmente lançando essa praga, maldição, o que fosse? Muito embora eu não tenha visto ninguém...bem...

Carreguei os mantimentos o mais perto do corpo que eu pude, talvez pela sensação de que pudesse me proteger. Esperava do fundo do coração que fosse uma história idiota inventada por um elfo idiota.

Idiota, mas lindo, tenho que confessar.

A casa de Maron não ficava muito longe da aldeia, mas levei cerca de meia hora para chegar. Quando cheguei, já havia me convencido de que era tudo uma farsa. Quem o conhecesse saberia que de ameaçador Maron não tinha nada. Sequer sabia me ensinar alguma coisa que prestasse.

Bem, fora a erva que eu já iria usar.

Quando entrei, a casa estava silenciosa. Maron devia estar em seus aposentos fazendo testes com poções ou lendo mais um daqueles livros esquisitos de capa escura. Joguei os mantimentos sobre a mesa da cozinha, lavei algumas frutas e fui procurar o mago.

– Maron?

Ele estava na sala, em transe. No caldeirão, algumas ervas fediam um pouco. Uma fumaça violeta saía do que quer que estivesse naquela poção e senti um arrepio.

– Maron?

Ele estava completamente absorto. Lentamente, a fumaça saía pela janela e se espalhava do lado de fora, mas parecia seguir uma trajetória.

Como se estivesse procurando... algo.

– Maaron?

Ele abriu os olhos de repente e gritou, me fazendo cair no chão surpresa.

– Não se afaste nem aspire muito a fumaça!

Engoli em seco.

– Por quê?

Ele pensou alguns instantes antes de responder.

– Bem, eu...estou caçando um... hã, animal para nos alimentar e a fumaça vai atrás de um. Se você ficar no caminho vai estragar o feitiço.

– Nunca te vi fazendo isso antes.

– Porque você sempre está fora – ele revirou os olhos – por que saiu? Onde esteve desta vez?

Foi minha vez de revirar os olhos.

– Eu estava lá fora na vila, Maron. Lembra? Você me mandou buscar mantimentos. E como essa fumaça funciona?

– Hoje você está cheia de perguntas, hein? – ele assumiu um tom sério. Tentei desconversar.

– Bem, sou sua aprendiz. Tenho que fazer perguntas. Como isso funciona?

– A fumaça atrai o que eu quiser e depois a presa vem caminhando até aqui. Simples, não? Não viu os coelhos que pendurei do lado de fora?

– Bem, sim, mas...

– Viu? Não precisa ficar aí com essa cara. Venha, vamos comer!

Quando estávamos na cozinha, servi a nós dois nos pratos improvisados que havia arrumado e coloquei-os nos nossos lugares à mesa. Maron sorriu e colocou uma porção no prato. Tentando desfazer o desconforto que eu havia causado, puxei assunto.

– Está com fome, hein?

– Fazer magia me dá fome. Você vai ver quando aprender.

– Já queria ver.

– Ainda não está pronta. Eu vou saber quando estiver.

Fiz um muxoxo. Preferi não contrariar. Eu até gostava de morar ali. Maron era como um avô que nunca tive.

– Sabe, conheci um rapaz hoje. Na taverna.

Ele ergueu uma sobrancelha.

– Uma taverna não é um local para conhecer um bom rapaz.

– Que seja – resmunguei – não sou lá muito boa moça também, já que todo mundo me recrimina.

Maron deu um sorriso e tapinhas na minha mão.

– Só estou brincando, Ferry, continue. Qual o nome dele?

– Hã...eu... ele não me disse.

– Pelo visto não conversaram muito, não é?

– Bom... – dei um sorriso enigmático – eu percebi pelas orelhas dele que era um elfo. E elfos são misteriosos, você sabe.

– Você é misteriosa?

– Ora...não enche. Como eu dizia, ele me disse que veio além mar.

A colher de Maron caiu no prato, derramando parte da sopa na mesa e nele. Entretanto ele parecia muito em choque para perceber.

– Maron?

– Você não sabe mesmo o nome dele? Como ele era?

– Bem, estava envolto num capuz, falava com mansidão, era lindo...

– Ele tinhas orelhas pontudas – ele pareceu ansioso – Como sabe que era um elfo?

– Acho que sei reconhecer o sotaque da minha raça, senhor Maron.

Ele sacudiu a cabeça parecendo discordar dele mesmo.

– Algum problema?

– O que mais ele disse a você? Além de ter dito que cruzou o oceano?

– Não... não muita coisa – subitamente senti que já havia falado demais – disse que procurava um lugar para se aquietar porque já sofrera um bocado... acho que foi algo que aconteceu lá na vila dele. Não entendi bem.

Ele me fitou por alguns instantes como se estivesse me avaliando.

– Entendo... – murmurou.

Maron voltou a tomar a sopa. Entretanto eu já havia perdido o interesse pela minha.

– Você já viajou além mar, Maron?

Ele não olhou para mim e nem respondeu. Quando achei que já havia perguntado demais, ele murmurou alguma coisa. Ergueu a voz para que eu escutasse.

– Além mar existem coisas terríveis. Mas coisas terríveis já chegaram nesta terra também.

Engoli em seco, mas não deixei transparecer meu medo.

Terminamos a sopa em silêncio e Maron resmungou dizendo que já ia deitar. Achei estranho ele se aborrecer comigo. O mago jamais se irritara com nada do que eu fiz. E olha que já destruí seis poções, quebrei quatro vidros, risquei receitas em dois pergaminhos e derramei a sopa toda no tapete da sala. Tudo o que ele fazia era rir. Por que estava sempre alegre?

Sentei-me lá fora, no batente da porta. Parecia que um mundo desconhecido havia se aberto para mim. Realmente eu não conhecia Maron bem, só o obedecia. Ele era simpático com todos, atencioso com todos. Sempre o procuravam por ajuda e a ninguém ele se recusava a ajudar. Será que o subestimei? Será que Maron sabe muito mais do que imagino?

Não percebi que havia passado algumas horas desde que o sol havia se posto. As estrelas apontavam serenas. Tudo parecia estar normal. Por que tive que encontrar aquele estranho? Por que tive que trazer perguntas para mim mesma?

Entrei na casa. Maron já deveria estar ferrado no sono e eu deveria fazer a mesma coisa, já que em breve teria que acordar e fazer a limpeza da casa outra vez.

Foi quando notei alguns livros atrás do sofá. Maron deveria estar lendo antes de começar aquele feitiço no caldeirão. Sentei-me em sua poltrona e comecei a folheá-los. A princípio pareceram outra língua para mim, mas depois percebi que os títulos eram garranchos do próprio mago. Ele devia ou ter perdido ou arrancado as capas. O primeiro título dizia: "Sugadores de energia".

Deixei o livro cair no chão com um baque surdo. Meu coração batia com tanta força entre as minhas costelas que temi que Maron pudesse ouvir. Tremendo, alcancei outro livro. Neste o título era instigante: "Como sugar energia de uma pessoa em 10 lições."

Por que raios ele estava estudando essas coisas? Subitamente me lembrei das palavras do estranho: pessoas com olhos negros, secas, como se toda a energia tivesse sido sugada de dentro delas.

Não... eu não podia acreditar. Mas por que outra razão Maron estava tão cheio de vida sempre? E por que ficou tão irritado quando perguntei do além mar?

Coloquei os livros de volta no lugar. Ainda era pouco para saber. Maron nunca me havia feito mal algum. Na verdade, nunca o vi fazendo mal algum para ninguém.

Fui para minha cama, determinada a encontrar respostas. Eu voltaria a encontrar o rapaz da taverna. E exigiria que ele me contasse mais segredos.

Ou me chamasse para sair, alguma coisa boa eu tinha que ter.

No dia seguinte, um Maron muito animado me acordou batucando na porta do meu quarto.

– Acorde, Ferry, acorde! Tenho que levar a cura a um aldeão gripado. Vamos lá, antes que ele piore!

Resmunguei do outro lado da porta. É uma gripe, pelo amor de Deus. Mande-o esfregar uma erva no nariz.

– Vamos, Ferry, é uma ótima chance de você ver um grande mago em ação!

Abri a porta do quarto completamente descabelada.

– Eu já te vi em ação, Maron, e sinceramente você parece só um curandeiro.

Ele não ficou ofendido com meu mau humor. Muito pelo contrário, só me ignorou alegremente.

– Vamos, vamos. É bom fazer o bem pelos outros de vez em quando.

– Eu faço o bem pelos outros. Eu ajudo um velho cansado com os serviços domésticos.

Ele piscou pra mim.

– Quem está parecendo o velho cansado no momento?

Preparei as coisas para partirmos para a aldeia e comecei a relembrar meus lampejos de ontem. Talvez essa seja a melhor oportunidade que eu tenha para provar que Maron não tem nada a ver com essa tal doença. Ninguém ficou doente, não é mesmo?

Seguimos pelo caminho com Maron contando suas peripécias, como sempre. Eu já não sabia se começava a duvidar ou lhe dava um voto de confiança. Tudo estava muito confuso para mim.

Quando chegamos à aldeia, muitos nem nos deram importância. Normalmente eles valorizavam ou tinham medo de magos, mas Maron não aparentava nem ser ameaçador e nem não confiável. Ele não parecia ligar muito, no entanto.

Entramos na casa do aldeão e o homem parecia muito mal, deitado na cama. A família chorava ao redor, parecendo um pouco aflita. Minha nossa, como humanos eram frágeis. Nem gripe era. Era apenas um ridículo resfriado!

Maron deu tapinhas nas minhas costas. Provavelmente eu não estava com uma expressão lá muito amigável. O mago então deu início a uma série de procedimentos, procurando ser convincente. Um caldeirão foi arrumado ao seu lado, pequenas ervas esmagadas foram jogadas no líquido que fervia gerando uma série de cores no ar acompanhado de pequenas explosões e alguns murmúrios de surpresa. Controlei meu humor para não revirar os olhos ao máximo. Maron fazia isso porque alguns humanos precisavam de sinais visíveis para acreditar, mesmo sabendo que há um vasto mundo invisível além deles.

Ao final, Marlon jogou um punhado de eucalipto no caldeirão e deu ao pobre homem para cheirar o conteúdo. Também deu a ele algumas cápsulas de uma espécie de conteúdo que ele chamava de "Vi a tal Mina e Ce vai Ficar Bem". Eu estava tão acostumada com essa tal cápsula que eu já chamava de vitamina C. Muito mais fácil. Maron disse que ia levar minha opinião em consideração.

Quando saímos da casa, com muitos dos familiares dando tapinhas em nossas costas e o mago ainda dando alguns conselhos, percebi o estranho – e lindo – elfo de ontem nos encarando encostado em uma esquina. Ele procurava não ser visto por Maron, mas aparentemente quis que eu o notasse. Fez um sinal mínimo de cabeça para mim e sumiu nas sombras.

O mago pareceu notar minha distração.

– Alguma notícia do seu amigo, percebo?

– Hã... não, nada. Achei que o tinha visto, mas ele teria falado comigo, acho.

– Se ele não te der valor é porque ele não vale a pena.

Dei um sorriso discreto da tentativa de Maron de querer ajudar e o acompanhei. Ganhamos dos aldeões algumas galinhas, coelhos e chás. Não era lá muito fã de ganhar comida ao invés de dinheiro, mas Maron não era nada exigente.

– Se eu fosse uma maga, acho que pediria um pouco mais do que comida.

– É por isso que não é uma ainda.

– Porque sou ambiciosa?

– É por isso, sim.

Estalei os lábios. Cada dia tinha um motivo. Era porque eu não tinha idade. Ou então porque era impulsiva. Ou ainda porque não tinha autocontrole.

Quando chegamos em casa, sobrou pra mim cuidar do almoço. Tive que limpar as aves, temperar o caldo, preparar a carne seca dos coelhos. Maron, claro, foi tirar uma pestana.

Percebi que os livros estranhos não estavam mais no canto da casa. Melhor assim. Um mago como Maron tinha um coração até bom demais para ser um tipo de sugador de energia qualquer. E também não parecia saber muita coisa.

Uma semana se passou. Eu já havia esquecido todo o episódio e não retornara mais à vila. Muito provavelmente o tal elfo misterioso nem estivesse mais por lá.

Uma batida violenta na porta me desconcentrou das tarefas. Tomei um susto, já que estava perdida em devaneios. Como estava preparando o almoço, o mago mesmo foi atender a porta. Pude escutar a conversa sussurrada e apressada pelas madeiras finas da parede da cozinha.

– Ele caiu doente novamente, mas não é nada como a gripe anterior...ele está... ele não acorda!

– Como assim, não acorda? Já experimentou um balde de água fria?

– Senhor mago, os olhos dele abaixo das pálpebras estão negros e ele está...seco. Como... como se não houvesse sangue em seu corpo! Está respirando tão fracamente que não sei por quanto tempo vai aguentar...

Suspirei fundo. Não podem estar falando daquele mesmo senhor que curamos. Não pode ser. Maron o curou, eu vi, eu...

Engoli em seco. Será que Maron...

Dei um pequeno grito quando o mago chamou por mim.

– Ferry! Pegue nossas coisas! Alguém precisa de mim.

Chegamos rapidamente. O homem jazia sobre a cama, inerte. Parecia mesmo fraco e seu peito descia e subia muito lentamente. Imediatamente Maron começou os preparativos e uma série de infusões. Nós dois sabíamos que aquilo não daria certo. Minhas suspeitas sobre Maron começaram a crescer consideravelmente. Após algumas horas bem cansativas, o mago disse que ia procurar alguma cura alternativa e pediu para que entrassem em contato caso o homem piorasse.

Ou morresse.

Estava emudecida. O que aconteceu? Por que Maron curaria aquele homem para então sugar sua energia? Será que o que pensei sobre ele estava errado? Será que eu estive enganada todo esse tempo? Passei o caminho de volta à casa respondendo o mago monossilabicamente. Como ele estava acostumado a só falar mesmo, sequer percebeu que eu não estava envolvida em suas histórias.

Quando chegamos e ele se retirou dizendo estar muito cansado, um calafrio percorreu minha espinha. E se ele perceber que já sei que ele é o sugador de energia? E se eu confrontá-lo?

Eu devia tentar encontrar o elfo novamente. Era o que eu precisava fazer.

Olhei para a porta do quarto por onde Maron havia se retirado. Ele nem perceberia se eu saísse.

Quando saí da casa, a fumaça estava mais forte do que nunca. Era bela, violeta e cheia de pequenos pontos brilhantes que se assemelhavam a estrelas. Senti um arrepio como nunca havia sentido antes.

Corri para a vila, já não me preocupando muito em passar despercebida. Voltei à taverna, mas ele não estava lá. Vasculhei cada estalagem, mercado ou beco. Será que Maron... não, não pode ser.

Encostei em um muro para pensar em meu próximo passo.

Dei um grito curto quando senti uma mão tocando em meu ombro.

Ali estava ele, mais belo do que nunca.

– Está convencida agora?

– Como sabe que eu...

– Não é mesmo nem um pouco estranho que o mago cure o homem e subitamente ele caia do mal alguns dias depois?

Abaixei a cabeça. Realmente era meio óbvio.

– O que posso fazer?

Ele pegou em meu braço delicadamente e me puxou para baixo de uma árvore, um pouco afastado das pessoas.

– Primeiro, não diga nada a ninguém. Em segundo, não o confronte mais. Ele já entregou quem é, então deve estar em alerta. Em terceiro, uma pergunta: há alguma fumaça arroxeada que está contornando a cabana dele? Algo que se pareça com isso, talvez?

Engoli em seco.

– S-sim...

Ele cobriu o rosto com uma das mãos.

– Meu Deus... então ele já começou... Aquela fumaça é o que persegue as pessoas e suga a vida delas. Mas eu já sei como impedi-lo.

– Sabe?

– Sim, mas ele já está desconfiado de mim. Perguntou se você conhecia alguém na cidade?

– Para falar a verdade, perguntou.

– Você falou sobre mim? – os olhos dele arregalaram-se por um instante.

– Bem... mais ou menos. Sequer sei seu nome.

Ele abriu um sorriso constrangido.

– É verdade...estamos lutando contra um mal juntos e nem nos apresentamos. Meu nome é Rain – ele estendeu a mão para mim – e o seu, bela dama?

– Ferry – apertei a mão dele dando um ligeiro sorriso.

– Certo, Ferry – ele pronunciou meu nome com suavidade – então vou exigir algo difícil para você. Se achar que não está à altura... bem, pode me ajudar a fazê-lo.

Senti-me ofendida por ele achar que eu não estava à altura para fazer qualquer coisa. Tenho sentido isso à vida inteira. Não podia ser maga. Não podia realizar tarefas. Não estava pronta.

– Eu posso fazer qualquer coisa que você consegue.

– Opa, desculpe, não quis ofender – ele abriu um belo sorriso largo – se acha que pode, então... pode pegar o cajado do mago então?

– O... o cajado de Maron? Ele mal usa aquilo. Apenas para se locomover!

– É o que você pensa, Ferry. Aquela fumaça mágica é mantida por ele. Se é o que pensa, então não há mal algum em pegá-lo, certo?

Eu cogitei. Realmente, se ele estivesse enganado, o máximo que eu teria que fazer era arrumar outro apoio para o mago.

– Certo. Vou pegá-lo. Onde posso te encontrar?

– Embaixo do grande carvalho, perto do rio. Você sabe onde é, Maron sempre vai lá arrancar ervas.

– Ah, eu sei. Está bem. Estarei lá. Só preciso de uma hora.

Quando dei as costas para cumprir minha missão, Rain me segurou pelo braço.

– Ferry, espere... por favor, tome cuidado – sua expressão para mim era de preocupação – se você não voltar em uma hora, eu... eu vou atrás de você. E... sinto muito.

Eu assenti, procurando manter minha expressão neutra, mas a verdade era que sentia meu coração despedaçado. Maron foi meu melhor amigo. Aquele que apostara em mim. Fui traída.

Corri de volta para à cabana, meus sentimentos um misto de raiva e tristeza, na boca um gosto salgado, lábios salpicados pelas lágrimas. Tudo aquilo era um pesadelo. O que eu diria quando chegasse lá? "Entregue agora mesmo esse cajado, seu sugador de energia mentiroso ex-melhor amigo e..."? Maron era como se fosse um avô pra mim. Seria eu capaz...?

Quando cheguei à cabana, enxuguei as lágrimas antes de entrar. Não queria mostrar que estivera chorando. Não queria mostrar que eu descobrira seu segredo mais sórdido.

Empurrei a porta. O mago estava mexendo no caldeirão, absorto em pensamentos. O cajado estava apoiado perto da lareira.

– Ferry, onde esteve? Tive que vir fazer o jantar! Como pode forçar um pobre velho a fazer seu serviço?

– Eu quero ser maga, não cozinheira – respondi um pouco mais amarga do que pretendia.

– Já falei que não está pronta – resmungou – seja uma boa menina e me passe o tempero azul sobre a prateleira.

Mecanicamente me arrastei para lá e lancei um olhar para o cajado. Parecia inofensivo, apoiado sobre a pedra, inerte. Seria aquele pedaço de pau tão poderoso assim?

– Sua fumaça não atraiu mais nada? – inquiri.

– Hum? O que quer dizer?

– Sua caça, lembra? A fumaça? Não apareceram mais coelhos?

– Aparecer... ah, sim – ele teve um súbito lampejo – é, realmente não. O que se pode fazer, não é mesmo?

Ergui uma sobrancelha. Ele estava mentindo sobre o que era aquela maldita fumaça.

Esperei que se distraísse. Agora era uma questão de honra.

Joguei o vidro de tempero para ele, que deu um grito ao não conseguir pegá-lo e deixou que caísse no caldeirão. Quando abaixou para pegá-lo com a concha, corri e peguei o cajado. O objeto continuava inerte e assim permaneceu em minhas mãos.

Notando que Maron ainda estava distraído tentando alcançar o vidro, abri a porta e passei por ela, rezando para que não me notasse. Ao cruzar o batente, o mago paralisou na tarefa de súbito.

– Ferry? Pretende ir a algum lugar com meu cajado?

– Você mentiu pra mim!

Ele ergueu-se, ainda virado para o caldeirão. De súbito parecia ainda mais alto. Não estava mais encurvado.

– Ferry... há muitas coisas que você desconhece...

– Sim! – eu gritei, tentando segurar as lágrimas e a fúria – Você é um monstro!

Ele suspirou e virou-se. Sua expressão era de descaso e decepção.

– Não faz ideia do que está se metendo. Não quero que você também... – suspirou com resignação.

– Que eu também o quê? – gritei – Você teve outros discípulos, não foi?

– Sim, eu tive. Muitos.

– O que houve com eles?

Ele sacudiu a cabeça.

– Você não, Ferry. Pensei que era diferente.

– O que houve com eles? Responda!

– Todos mortos.

Engoli em seco.

– Pela maldição. O sugador de energia.

– Sim – o olhar dele era frio – espero que não cometa o mesmo erro.

Meus músculos tencionaram. Senti que tremia enquanto segurava o cajado. Eu não seria fraca como eles foram. Eu faria a coisa certa.

– Me entregue o cajado, Ferry.

– Ele é poderoso, não é? Não é apenas um apoio para seu corpo. Você também não é um velho cansado.

Ele deu um passo em minha direção com a mão estendida.

– Você não quer isso, minha querida. Você não quer a morte. Entregue o cajado.

Pequenas partículas de energia começaram a estalar em meu corpo. Achei que era por causa de alguma maldição de Maron, mas ele estava tão espantado como eu.

– O cajado, Ferry! Não ouse me desafiar! Não você!

– Você jamais vai me enganar de novo, seu... MONSTRO!

Com a pronúncia dessas palavras, o cajado soltou uma descarga de energia acertando o mago com intensidade e fazendo seu corpo voar para trás alguns metros. Aproveitei-me daquela chance. Corri para fora, vendo a fumaça violeta me envolver com insistência. Seria aquela coisa viva? Saberia que eu acabara de atingir o mago?

Corri vitoriosa segurando o cajado com força e sorrindo para mim mesma. Eu não me tornara uma vítima de Maron. Eu não acabaria como os outros seguidores!

Enquanto corria ao encontro de Rain, as lágrimas escorriam pela minha face. Elas não concordavam comigo. Maron deixara sim, uma ferida em meu coração. Ele me traíra. Era meu melhor amigo e eu perdera tudo, exceto a própria vida.

Quando cheguei no local de encontro, o elfo estava lá. Sua expressão de alívio trouxe paz ao meu coração. Talvez eu não houvesse perdido tudo. Rain estava comigo.

– Você conseguiu! Eu não... eu não posso acreditar! Achei que perderia você também!

Entreguei o cajado a ele, que o segurou com uma certa reverência.

– O que quer dizer com "perder você também?" – inquiri.

– Ora, os outros seguidores de Maron, claro. Mas você realmente conseguiu, Ferry!

– Você conheceu os outros seguidores de Maron? – estranhei, sentindo uma desconfiança brotar no fundo da alma.

– Ah, sim. Todos eles. Boas pessoas, mas que acabaram vítimas do próprio mestre.

– Mas como? Disse que está seguindo o mago há cerca de dois meses. Maron não pode ter tido tantos seguidores em tão pouco tempo.

Ele deu de ombros.

– Você faz perguntas demais.

Rain levantou o cajado no alto com a intenção estampada no rosto. Antes que eu pudesse impedi-lo, ele bateu o objeto com toda a força que pôde no chão, partindo-o em dois pedaços. Um deles voou para longe, para perto da rocha ao lado do rio. O outro pedaço ele sacudiu e riu, atirando-o contra a árvore.

– Parabéns, Ferry. Agora você está livre.

– Livre?

– Claro, querida. Livre dele. Vá até a cabana e pegue suas coisas. Ele não pode mais te fazer mal.

Eu assenti, ainda meio inerte. Olhei para os pedaços do cajado na relva. Como uma coisa tão insignificante poderia fazer um estrago tão grande?

Por todo o caminho meu coração estava apertado. Será que Maron estava bem? O que realmente acontecera ali? Rain pareceu tão... satisfeito consigo mesmo. E se ele estivesse errado? E se Maron na verdade fosse aquele velho mago cansado que aparentava ser?

Mas o que houve com os outros discípulos?

Quando cheguei à cabana, tudo parecia meio escuro. Não havia mais a fumaça violeta rondando a casa e a magia parecia ter desaparecido por completo. Não pensei muito ao correr para casa e abrir a porta de ímpeto.

Maron estava no chão, inerte. Aproximei-me dele.

Sua pele estava ressecada, seus olhos enegrecidos.

Maron havia sido sugado. Sua energia drenada.

Rompi em lágrimas. O que eu havia feito? O que acontecera?

Ajoelhei-me ao seu lado e segurei sua cabeça. Sufoquei um grito quando ele piscou e seus lábios mexeram. Tive que me aproximar para poder ouvir o que ele queria me dizer. Tudo o que eu entendi foi: "tarrair."

Eu não entendera, mas senti em meu coração que sim. Tarrair. Trair.

Eu o traíra. Maron não era o sugador de energia. Aquela fumaça não era para sugar a força das pessoas e sim impedir que sugassem as nossas.

Coloquei Maron no chão, minha alma clamando por vingança.

Rain.

Corri de volta para a floresta, ignorando todos os arranhões que os galhos secos infligiam furiosamente em minha pele. Lá estava ele, sorrindo consigo mesmo, deitado na relva e mascando um pedaço de planta.

– Rain!

Ele olhou para mim surpreso, achando que eu não voltaria.

– Ora, ora, Ferry. Por que voltou? A missão terminou. Vá para a casa.

– Maron estava deitado no chão, completamente seco. Sem energia. Se ele era o sugador de energia, como...?

– Simples. A energia saiu dele. Voltou para as pessoas. Não era o que queria? Acabou, Ferry.

Sacudi a cabeça. Alguma coisa ainda estava errada.

– Você conheceu todos os seguidores de Maron. Disse que estavam todos mortos agora. Por que ele não os matara antes? Por que me disse que apenas eu consegui? E como você os conheceu?

O rosto dele se fechou.

– Muitas perguntas, elfa.

– Responda-as então, elfo.

– Elfo? – ele sorriu – Ah, sim. Ainda estou nessa forma.

Assim que pronunciou tais palavras, seu corpo começou a se transformar. Seu sorriso aumentou tanto que rasgou os dois lados do rosto. Dentes afiados e amarelados surgiram, mostrando que sua forma ainda estava para piorar. Seu corpo duplicou de tamanho, rasgando as roupas de camponês e mostrando músculos em uma corcunda enorme, com braços que tocavam até o chão, terminando em garras afiadas e negras.

– Este sou eu de verdade. Prazer.

– Você... você é o sugador de energia! – percebi, horrorizada. O que eu havia feito?

– Ah, você é uma doçura, Ferry. Todos os outros discípulos de Maron falharam, mas não você. Eu vou poupá-la por isso, mas minha paciência não vai durar muito. Sugiro que parta.

– Mas... você... a fumaça...

Ele fez um som que dava a entender que era uma risada.

– Ah, aquela fumaça. Ele sempre se protegeu por ela; ele e seus seguidores. De alguma forma eu conseguira seduzi-los, um por um. Só que falhavam. Sempre falhavam. E eu os matava. Maron estava me perturbando, sempre me seguindo. Sempre me rondando. Eu estava cansado dele.

– Era uma fumaça de proteção... eu sabia! Ah, meu Deus... Maron... o que eu fiz?

– Você fez o que achava certo – ele riu com escárnio. Ao menos, ainda acho que era uma risada – Não se sinta mal por isso. Provavelmente achou que toda aquela energia alegre do mago era porque ele sugava de alguém. Não, era dele mesmo. Um homem que extraía sua alegria do bem que fazia pelos outros. Patético. Entretanto, eu queria muito essa força. E agora a tenho. Obrigado, Ferry.

Eu o fitei com desespero, ódio, angústia. Como pude chamar Rain de monstro se eu era simplesmente a pior das criaturas? Aproximei-me do pedaço do cajado que estava no rio. Apanhei-o. Era o que sempre pareceu, um simples pedaço de madeira.

– Quer colher recordações?

Fitando o cajado partido, percebi que havia algo talhado abaixo dele.

"Em caso de quebra, encaixe aqui"

Dei um sorriso. Maron.

– Sim. Posso ficar com o outro pedaço já que não interessa a você?

– Está começando a me irritar, elfa. Tem algum truque na manga? Eu vou ficar com este pedaço aqui. Agora saia.

Sacudi a cabeça.

– Não. Eu vou enterrar Maron com seu cajado.

Ele rugiu pra mim, mostrando uma fileira de dentes ameaçadores e um hálito podre. Não senti medo. Eu fora enganada. Eu traíra Maron.

Ele se aproximou velozmente e me bateu com força no lado do corpo, levando-me a colidir com uma rocha do rio. Era ainda mais forte do que eu suspeitava.

– Você está bancando a esperta! Sabe de algo que não sei!

Ele aproximou-se do outro pedaço do cajado. Eu corri na direção dele e, sem pensar, me atirei sobre suas costas. Ele rugiu e me atirou com força contra a árvore mais próxima. Os galhos me cortaram e senti o sangue escorrer das feridas. Minhas costelas gemeram quando me ergui. Eu já podia imaginar algumas quebradas. Alguns golpes a mais e eu não resistiria.

Eu não queria acreditar no quanto havia me enganado. Mas havia. Agora estava à mercê da criatura, e totalmente ensanguentada e ferida, sem ter como salvar aquele que confiou em mim. Eu deveria ter seguido meu coração desta vez.

A razão só fez estragar as coisas.

Ergui-me novamente. A criatura pegou o outro pedaço do cajado e o examinou. Para ele também parecia um simples pedaço de madeira.

– Por favor... eu só gostaria de poder enterrar Maron com dignidade – gemi, curvada pela dor em meu lado esquerdo – só quero o cajado... mais nada...

Ele estreitou os olhos e resmungou. Com força, atirou o pedaço de madeira em meu rosto, me ferindo ainda mais. Gemi quando caí no chão atordoada pelo golpe. Estiquei o braço para apanhar o objeto. Rain se aproximou e rosnou.

– Pois vai morrer junto com Maron. Aquele mago idiota não deve estar mais vivo agora. E sua força mágica me encheu de poder. Eu vou sugar toda a energia deste lugar e você, minha cara elfa, será a responsável por ter levado o mundo à ruína!

Ignorei-o enquanto falava. Ignorei-o enquanto se aproximava. Consegui alcançar o pedaço do cajado e, reunindo minhas últimas forças, sentindo que a vida se esvaía de mim junto com meu sangue e feridas, ergui-me, e olhando firmemente para o monstro, juntei os dois pedaços do cajado. Uma luz brilhou das duas partes unidas, mas nada mais do que isso. O cajado ainda permanecia quebrado.

Rain riu e segurou minhas mãos que ainda permaneciam segurando o objeto mágico.

– É isso? Um truque de mágica? Não há mais nada?

As lágrimas escorriam pela minha face. Eu não tinha mais nada a dizer a não ser aquela palavra que se insistia em formar em minha mente.

Olhando fundo nos olhos do monstro, Rain, aquele que um dia eu confiara, pronunciei com autoridade:

– Tarrair.

O cajado começou a estremecer instantaneamente. Raios de energia partiam dele, atingindo as árvores ao nosso redor em centelhas de luz e poder. Uma luz fortíssima nos envolveu, tão intensa que mal podia abrir meus olhos. Rain gritou e tentou se desvencilhar, mas estava preso ao cajado. Ambos estávamos. Entretanto, enquanto a magia do cajado curava minhas feridas e restaurava minhas forças, o monstro gritava de agonia, enquanto diminuía de tamanho. O cajado estava sugando a energia dele, tal qual ele fizera com todos.

Tal qual ele fizera com Maron.

Presos ao cajado, tudo o que eu podia fazer era assistir enquanto o monstro se encolhia no chão, sua pele secando e diminuindo de tamanho, seus músculos enormes agora reduzidos a nada mais que pele flácida, seus olhos vermelhos agora escurecendo aos poucos.

Em poucos minutos, o cajado nos soltou. Eu estava renovada, apenas manchada pelo sangue que um dia escorrera de minhas feridas, mas completamente bem. Rain agora não passava de um monstro seco como uma uva passa, completamente imóvel no chão. Um brilho surgiu de seu corpo, dividindo-se e espalhando-se por todas as direções. Até que finalmente cessou.

Chutei-o. Não respirava. Não mexia.

Rain já era.

A maldição já era.

O cajado estava restaurado e desta vez brilhava fracamente, demonstrando sinais de estar reconstruído. Segurei-o firme e corri para a cabana, gritando "Maron!" por todo o caminho.

Quando me aproximei da casa, a porta estava aberta, e um velho senhor sorria esperando por mim. Com lágrimas nos olhos, aumentei a força de minhas pernas, segurando o cajado no alto para que não batesse no chão e me fizesse cair.

O sorriso de Maron aumentou ainda mais quando me viu bem, assim como seu cajado. Abracei-o chorando, mas ele me afastou olhando bem fundo nos meus olhos. Temendo ser rejeitada e preparando um arsenal de desculpas, prendi a respiração. Sua expressão desanuviou e ele sorriu.

– Ora, ora. Acho que finalmente você está preparada...


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Fim! ;)
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