Decidi que deveria ir dormir mais cedo naquela noite após chegar do Ori's e quando eu acordasse levaria Zayon para passear.
A casa estava vazia e ao me levantar vi meu corpo dormindo em minha cama, eu estava em meu quarto. Ouvi um baque no andar de baixo e me dirigi até a porta forçando a maçaneta. A porta abriu-se com um rangido e eu parei de respirar. Andei pelo corredor que parecia mais longo que o comum e ao chegar na escada travei com a imagem captada por meus olhos. As gotas caiam meticulosamente sobre o carpete e uma figura sem forma movia-se envolta dela. E ali atrás da porta eu estava parada olhando horrorizada para o chão onde um corpo decapitado estava jogado e um homem estava de costas para mim com uma cabeça em sua mão direita.
Assustada, acordei no meio da noite e não consegui voltar a dormir então ao ver que já eram nove horas decidi levar Zayon para fazer suas necessidades. Me arrastei para o andar de baixo vestida em um blusão quente de lã e moletom procurando pela coleira de Zayon, a encontrei e chamei por ele com um assobio prendendo-o e saindo de casa.
O husky siberiano arrastava o focinho no chão procurando o lugar mais adequado enquanto eu só conseguia pensar na morte de Jéssica. Um mês havia se passado desde a morte dela e como esperado Lottie se apossou do seu lugar no pedestal.
"Alguém precisa continuar de onde Jess parou e ninguém melhor do que eu para fazer isso."
Essas foram suas palavras um dia depois do funeral de sua "melhor amiga" e ela realmente continuou mesmo do lugar onde Jéssica parou. Mal esperou ela ser enterrada e já estava comandando tudo inclusive o namorado dela Grant Piper. Ela deve ter consolado ele depois do funeral. E também fazia um mês que eu não falava com Dean desde a vergonha em minha casa, parecia que ele estava me evitando. O pior de tudo é que eu me incomodava quando ele não dirigia seu olhar para mim. Lesley percebeu e disse que eu deveria falar com ele, foi uma péssima ideia porque ele me ignorou totalmente. Eu não sabia qual era a dele? Não sabia se eu tinha feito alguma coisa para ele. Infelizmente eu ainda tinha a dúvida de como ele sabia o meu endereço, mas nem ao menos podia confronta-lo com ele me ignorando. O que eu sabia é que em um dia ele diz que quer me beijar e no outro me ignorava totalmente. Meu trabalho no Ori's ia bem tirando o fato de Evelyn continuar me enchendo.
Zayon finalmente terminou e eu o levei para dentro retirando a coleira indo para a cozinha esquentar o jantar. Lavei as mãos e abri o forno pegando o prato que Akira deixou preparado para mim e ao tirar o alumínio que o cobria senti meu estômago revirar-se. Vermes estavam por toda a comida. Peguei o prato abrindo a porta dos fundos e o jogando dentro da lata de lixo. Um verme subiu pela minha mão e eu gritei abanando-a me livrando dele. Corri para a pia sentindo náuseas e coloquei tudo para fora. Parecia que tinha um nó em meu estômago. Zayon latia freneticamente em direção a porta.
-Pare Zayon! -gritei com ele, mas não adiantou -Droga. Eu já disse para você parar!
Ele não me obedeceu, ficou latindo por meia hora parado em frente a porta dos fundos. Me encolhi perto da bancada e soltei um grito de horror ao ver uma sombra passar por ali. Peguei o telefone discando para a emergência, mas as linhas estavam mudas. Então corri para cima trancando a porta do meu quarto e me enfiei em baixo da cama prendendo a minha respiração. Na manhã seguinte ao entrar no prédio da escola sentia-me do tamanho de uma formiga parecia que todos sabiam do que aconteceu comigo ontem à noite. Estava tão submersa em meus pensamentos que não conseguia prestar atenção em uma só palavra que Les dizia, estava me segurando para não manda-la calar a boca e sair correndo para longe de todos. Era como se eu escutasse o pensamento de cada um deles.
-O que você acha? -perguntou Les quando fechei meu armário.
Eu não poderia dizer que não estava ouvindo, Lesley odiava quando isso acontecia e era bastante agressiva nessas ocasiões.
-Eu acho ótimo -me vi falando sem pensar muito. Eu só queria me livrar dela por alguns instantes. Isso me fazia uma péssima melhor amiga, mas é claro que não diria isto a ela.
-Legal! Eu te pego ás oito -ela saiu saltitante e tudo o que me restou foi bater a cabeça no armário e me perguntar em que merda eu tinha me metido.
Fui para minha aula de inglês me sentindo mórbida. A Sra. Merlin ainda não tinha chegado então somente me sentei no fundo da sala longe de todos. No final da aula não encontrei Lesley na porta então o resto do meu horário passou voando. Na cafeteria me contive apenas em pegar uma bebida, eu não conseguiria comer depois de ontem. Ela tagarelava sem parar em como seria divertido hoje à noite e eu só pensava em minha cama. Graças ao bom Deus eu não teria de trabalhar hoje o que já era um milagre. Eu só trabalhava de segunda, terça e as sextas, Josh dizia que era por eu ter de estudar e me senti grata por isso. Principalmente por ele ter me dado folga hoje, um primo dele iria casar então ele não abriria a lanchonete. Lesley pegou a maça em sua bandeja mordendo-a e instantaneamente reprimi um grito. Ela mastigava as larvas que estavam na maça e pareciam pular para fora da fruta caindo sobre a mesa, senti uma mão tocar meu ombro e olhei para trás vendo Dean ali.
-Calissa -chamou por mim, mas eu estava paralisada -Você está bem?
Olhei para ele sem saber o que dizer voltando a encarar aquela cena horrenda, porém não tinha nada na maça. Ela estava limpa, normal, sem vestígios de vermes impertinentes.
Minha voz ficou presa quando encontrei seus olhos.
-Você se importa?
-Porque não me importaria?
Estava claro que ele não se importava, ele estava brincando comigo. Levantei da cadeira afastando-me dele, eu não queria que ele fingisse que se importava comigo. Num dia ele conversa comigo e no outro me ignorava. Ao meio dia e meio eu já estava fora dos portões da escola acomodada no banco estofado do Howie ouvindo música pop vagabunda na rádio enquanto Lesley batia os dedos no volante. Ela estava inquieta demais desde a morte de Jéssica.
-Anda desembucha -ditei sem perca de tempo.
-Você não acha esquisito Jéssica ter sido assassinada uma semana depois de Sebastian e o seu amiguinho sexy terem se transferido para cá? Não me entenda mal, eu não estou acusando ninguém. Mas a verdade é que eles são bem suspeitos para mim -quando ela terminou minha mente estava girando.
Fazia um pouco de sentindo, mas por que eu deveria acreditar nisso. Até onde eu sei poderia ser qualquer pessoa. O assassino já deveria estar a quilômetros e quilômetros de Yellowkinife, não seria burro o suficiente para cometer um crime desses e continuar aqui. Sei que Dean é misterioso e intrigante, e que seu olhar vinha com o aviso "Não se aproxime, perigo" mais ainda sim eu não conseguia acreditar tão facilmente.
-Não temos provas Les, não podemos sair dizendo essas coisas por aí. Aliás se o seu pai escuta você dizendo isso vai ficar na cola daqueles dois por um bom tempo.
-Relaxa, papai não ficará sabendo de nada. Mas algo me diz que eles têm alguma relação com a morte de Jéssica, além disso depois que ele levou você para casa naquele dia ele não falou mais com você. Eu vi bem a sua cara quando ele passava pelo corredor sem olhar para você. Vai por mim meu sexto sentido sempre está certo.
Certo essa coisa de sexto sentido sempre foi ridícula para mim, porém para Lesley era algo como o seu terceiro olho. Sério se ela abrisse a droga da boca para dizer que iria chover adivinhem só o que acontecia? Isso mesmo um temporal caia sobre você no segundo em que ela fechava a boca. Uma vez Togger Black me chamou para sair e acabamos dando uns amassos no final da noite, ela me avisou que o sexto sentido dela disse algo sobre ele e como sempre eu a ignorei em relação a essa baboseira. No dia seguinte ele fez exatamente o que ela tinha dito, Togger apareceu com sua namorada na escola e ainda piscou para mim enquanto seus braços estavam envoltos no ombro dela. Desde aquele dia mesmo achando ridículo toda essa coisa passei a ouvir mais o que ela dizia. Eu odiava concordar, mas fiquei com um pé atrás em relação a isso.
-Apesar dele ser perigoso você precisa admitir que ele é um gato.
-Cala a boca e dirigi -ela gargalhou com um olhar zombeteiro direcionado a mim.
-Como quiser madame.
O resto do caminho foi preenchido por suas risadinhas e piadas inconvenientes sobre mim e Dean. Hoje era sexta e Lottie daria uma festa em sua casa, por isso eu me encontrava jogada na cama da Lesley vendo-a arrancar dezenas e dezenas de roupas do seu armário. Segundo ela nós iriamos a tal festa, já que ela deu um jeito de convencer Nash a me deixar dormir em sua casa. É claro que ele ficou desconfiado afinal tudo o que Lesley estava envolvida não podia ser bom, porém Akira o convenceu a parar de implicar e aqui estamos nós escolhendo uma roupa para a tal festa.
-Roxo ou verde? -perguntou Les com dois vestidos em mãos. Um sobre o seu corpo e o outro pendendo entre seus dedos.
-O verde, realça os seus olhos -eu disse apontando para o vestido com decote em V.
-Verdade eu fico maravilhosa de verde -revirei os olhos perante sua humildade -E você não vai se arrumar?
Rolei na cama ficando de barriga para cima.
-Já estou arrumada -falei apontando para meus jeans surrados, um blusão com uma estampa de bolinhas e meus típicos allstar pretos.
-Oh, não você irá assim nem morta. Vamos vista isso e sem reclamações.
Ela entrou no banheiro e jogou um cropped preto para mim. Ele era todo rendado então o vesti sem reclamar imaginado o frio que eu passaria com esse pequeno pedaço de pano que não tampava nem mesmo minha barriga inteira, e para ajudar meus seios pulavam para fora do decote. Meus jeans surrados são de cintura alta e cobriam parte da pele exposta, procurei por uma jaqueta também jeans e a coloquei. Esperava não passar tanto frio. Calcei as botas pretas de salto e fitei meu reflexo no espelho, estava faltando alguma coisa.
-Bem melhor não? -perguntou Les enrolada em sua toalha -Só esta faltado um pouco de rímel e delineador, e então você estará incrível.
-Você é tão exagerada.
Sentei-me na cadeira em frente a penteadeira e comecei minha obra de arte. O delineado fino deixava meu olhar mais marcante juntamente com o rímel, finalizei com um batom vermelho sangue. Esperei Lesley se arrumar e quando ela terminou já era tarde. Desci as escadas de dois em dois degraus encontrando a Sra. Stuart parada na soleira da porta pagando a pizza para o entregador.
-Vocês irão perder o dia da pizza -disse Marie fechando a porta atrás de si.
Lesley e sua mãe eram idênticas, exceto pelos cabelos ruivos que ela herdará do pai. Os fios loiros da Sra. Stuart a deixavam mais jovem. Todas as sextas a noite eles faziam o dia da pizza, é como um culto para eles e eu sempre era convidada.
-Nem me lembre -eu disse sentido o cheiro tão familiar pregar em minhas narinas -Sinto o cheiro de queijo derretido daqui.
-O sabor é ainda melhor -brincou Marie.
-Mãe pare de nos tentar, vamos Lissa antes que eu fique pelo peperonne.
A casa de Lottie era tão grande quanto a de Jéssica e ela era tão esnobe quanto a sua amiga morta. Ela realmente esforçou-se para superar Jéssica nesta festa, as luzes neon e as bebidas caras deixavam isso claro, principalmente pelo Dj que parecia nos surpreender esta noite com sua playlist. Uma música sensual e envolvente tocava e o cheiro de álcool e sexo impregnava o local, parecia que as pessoas estavam se divertindo. Pelo menos Lottie parecia se divertir com Grant Piper enquanto esfregava-se nele. Como será que é para ela saber que sua falecida "melhor amiga" já passou por ali? É bem nojento. Me arrastei por entre a multidão de adolescentes com seus hormônios a flor da pele indo pegar alguma coisa para beber, minha garganta estava estranhamente seca. Ao chegar lá peguei uma água e tomei um longo gole da mesma. Lesley ficou na pista de dança improvisada no centro da sala. Apesar de estar frio do lado de fora da casa ao lado de dentro estava quente e abafado.
Vi Dean do outro lado da cozinha abrindo a geladeira e tirando de lá uma garrafa de vodka. Seus olhos encontraram com os meus e ele veio em minha direção ficando próximo ao meu corpo, próximo demais.
-Você está linda -Dean disse percorrendo seus olhos por todo o meu corpo. Ele abriu a garrafa e bebericou.
-Obrigada -foi tudo o que eu consegui dizer.
-Não sabia que você frequentava esse tipo de ambiente, não combina muito com você.
Ele tinha razão não combinava nenhum pouco comigo, mas o modo como as palavras saltaram de sua boca me irritou profundamente.
-Você não sabe muita coisa sobre mim, afinal você mal me conhece -eu disse entre dentes.
Seu corpo prensou o meu contra a bancada da cozinha, podia sentir seu nariz roçar no meu e sua respiração chicotear em meu rosto.
-Sei mais do que você imagina. Quando se trata de mim você é como um livro aberto, pronto para ser lido.
Minhas pernas fraquejaram diante de suas palavras. O fulgor nos olhos dele me fez sentir medo. Minha mente dizia que era melhor eu ficar longe dele, mas meu coração idiota dizia que mesmo ele sendo assustador eu não precisava ter medo dele. Os lábios dele entreabertos chamaram minha atenção e tudo o que eu consegui fazer foi fechar os olhos. Encarar sua boca era torturante demais.
-Não sou um livro aberto para você Dean -sussurrei quase sem voz.
A língua dele deslizou para o meu pescoço seguido de um beijo quente que se alastrou por toda minha pele. Eu estava em chamas.
-Sim você é e mesmo que não admita em voz alta você sabe que é minha -dito isso ele afastou-se com um sorriso nos lábios.
Então um sentimento sinistro se apoderou de mim e a noite em que ele visitará minha casa me veio à mente.
-Como você sabia? -perguntei aterrorizada.
Ele apoiou-se em seus braços no balcão de mármore e bebeu o liquido transparente de sua garrafa novamente.
-O quê?
-O meu endereço, como sabia onde ficava a minha casa? -eu estava hiperventilado. Esfreguei as palmas da mão suadas na calça.
-Você me disse -sua voz soou séria e a expressão no rosto estava confusa.
Travei por um momento buscando algo em seu rosto.
-Não, eu não disse -eu me lembraria se tivesse dito.
-Sim, você disse Calissa. Já faz um mês você não deve se lembrar.
Dean sorriu debochado. O idiota estava zombando de mim.
-Eu posso não ter a melhor das memórias, mas não sou esquecida Dean.
-Acho que você está ficando um pouco histérica. Podemos resolver isso no banco de trás do meu carro, sei como acalmar você e além disso você ficaria relaxada.
-Você é um cretino -vociferei.
-Isso não é nenhuma novidade por aqui -gargalhou jogando a cabeça para trás.
Empurrei ele para longe de mim procurando Lesley. Encontrei ela conversando com Sebastian então preferi deixá-los. Peguei um copo de um garoto que passava por mim e tomei metade devolvendo o copo vazio para ele que me encarou confuso. Virei a cabeça a tempo de ver Dean sumir na escadaria. Depois de mais algumas doses eu me sentia tonta, minha bexiga parecia que iria estourar. Fui para o andar de cima a procura de um banheiro e quando achei um no final do corredor tateei a parede a procura do interruptor.
-Merda eu não estou vendo nada.
Toquei a parede sentindo o botão e o apertei soltando um grito de horror em seguida. Ali estirada dentro da banheira completamente ensanguentada com as roupas rasgadas Blair Frey encontrava-se morta.