Além do Esperado | DEGUSTAÇÃO

By AlemDoEsperado

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Beatriz é uma mulher forte e determinada. Nada poderia a abalar, é o que ela pensava antes de receber uma mis... More

Dedicatória
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
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Capítulo 4

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By AlemDoEsperado

Gustavo

Interessante. Essa era a única palavra que poderia pairar na minha mente nesse momento, e talvez o resto daquele dia. A viagem para Teresina foi uma longa trajetória de situações que alguém poderia dizer: uau, quanta coincidência! Mas essa frase não existe em meu repertório. Deitado em minha cama no hotel, percebo que todos os acontecimentos das últimas 24 horas estão em torno da garota do quarto ao lado.

Beatriz, linda e misteriosa. Quais as chances de se conhecer uma pessoa num voo, que está indo para a mesma cidade e para estreitar ainda mais, que se hospeda no mesmo hotel? Definitivamente, interessante.

A viagem foi uma caixa de surpresas, com um voo turbulento, ao lado de uma mulher morrendo de medo a cada sacolejada que o avião dava. Pode ser engraçado se você tiver um senso de humor legal e alguns problemas para esquecer. Lembrar da expressão de pânico no rosto dela, enquanto o avião balançava por conta das inúmeras manobras que o piloto realizou para desviar das nuvens carregadas, me fez sorrir.

Durante a viagem, nos momentos em que o avião retomava seu ritmo normal e que ela se acalmava, conversamos sobre vários assuntos. Descobri que seus pais eram missionários e que estão em viagem pela África, mas, não me revelou o motivo de sua viagem para o Brasil, e não a questionei. Não pude deixar de reparar em sua cara de estranheza quando afirmei ser missionário. Expliquei para ela o porquê da minha decisão de desbravar o mundo e espalhar a mensagem da cruz.

— Decidi ser missionário por que é algo que nasceu comigo desde o dia que conheci o amor de Deus. Minha família e eu conhecemos a verdade através de um jovem missionário que percorria várias cidades todos os anos. Sempre o admirei... seu rosto resplandeceu luz até o último dia de vida. João, era o seu nome. – Ela disse que sentia muito pela morte dele, ao que balancei a cabeça e afirmei: — Não se preocupe, foi há algum tempo e com certeza ele está em um ótimo lugar.

Ela me contou algumas de suas histórias, na maioria engraçadas, que envolviam fugas pela selva e motins em bases missionárias. O rumo da conversa mudou, e ela se abriu um pouco mais... contou-me sobre os pesadelos que tinha com frequência e as idas ao psicólogo para entender um trauma que a fez esquecer de grande parte de suas lembranças. Não sei explicar, mas enquanto ela contava, sem muitos detalhes, suas experiências, senti uma inexplicável vontade de tomá-la em meus braços e afirmar que tudo ficaria bem. Mas, para não parecer um louco, precisei me segurar nos braços da poltrona, fato que ela notou e questionou se eu estava passando bem.

Depois, falamos sobre nossos ideais de vida, preferencias de esporte e até sobre o ar condicionado do avião, que estava nos congelando, enfim, os assuntos mais variados possíveis. Era como se eu a estivesse salvando do enfado da viagem e, em troca, ela me salvava dos meus próprios pensamentos. O humor dela me fascinou, várias vezes precisei me conter para não sorrir de seus comentários afiados, prontos para me dilacerar.

Quando estávamos quase completando a viagem, depois das duas escalas, nossos olhos não resistiram ao cansaço e ao balanço do avião. Chegamos ao aeroporto e nossos vizinhos de poltronas precisaram nos acordar. A senhora que estava ao lado de Beatriz balançou a cabeça em sinal de desaprovação, como se tivéssemos ofendido alguma regra de etiqueta que diz ser proibido conversar em voos longos e ao final dormir pesadamente.

Fazia mais de uma hora que havíamos feito o check-in no hotel, e lembrar da cara de incredulidade dela quando me viu segurar a porta do elevador me fez sorrir novamente.

— Não acredito que você está aqui... você só pode estar me seguindo. Você é algum tipo de psicopata ou algo assim? – Soltou a pesada mala que trazia na mão que foi parar direto no meu pé.

— Ai! Você está tentando se vingar com seu jeito desastrado de ser, por ter tropeçado em minha perna e agora joga sua mala no meu pé de propósito! — Talvez eu tenha visto errado, mas, era um sorriso nascendo no canto de sua boca?

— Acidentes acontecem... – lançou as mãos para o alto, como quem se defende de uma falsa acusação.

Nem para se desculpar.

— Isso realmente doeu... – falei indignado, tentando impulsioná-la a um pedido de desculpas, mas ela continuou parada me olhando como que se nada tivesse acontecido. — Olha... – no mesmo instante em que eu ia falar para ela algumas verdades sobre boa educação, a porta do elevador abriu e ela saiu arrastando a mala de rodinhas. Olhei para o painel e sim, hospedados no mesmo hotel e no mesmo andar. Segui-a pelo corredor em busca do meu quarto.

Ela olhou para trás e revirou os olhos.

Não a respondi. De fato, aquilo tudo era arranjado demais e parecia uma verdadeira perseguição. De repente, ela parou abruptamente e voltou-se para mim.

— Essas últimas horas tem sido uma loucura pra mim. Ter conhecido você no voo para cá e agora estarmos no mesmo hotel e no mesmo andar... – ela passou a mão pelo cabelo, o que me fez acompanhar o movimento.

— E agora também, somos vizinhos de apartamento – tentei sorrir, mas a situação estava realmente esquisita.

— Enfim, tenha um bom descanso, e obrigada pela conversa durante o voo, isso me ajudou... sabe, a esquecer que estava longe do chão... e... segura...

Não sei se pelo cansaço ou o que, mas foi ficando sem voz e seus olhos encontraram os meus. Ficamos ali, parados de frente um para o outro, como se o tempo tivesse estagnado naquele momento. Para evitar o ímpeto de abraçá-la, passei o cartão pela fechadura.

— Ok, eu que agradeço pelo pé inchado que você me rendeu depois de mais de dezoito horas viajando... – tentei soar irônico. Ela sorriu gentilmente e colocou a mão em meu ombro.

— Sinto muito, realmente não foi por querer... – não consegui mais me localizar. Essa mulher realmente mexeu com meu psicológico! Peguei a mão dela que estava em meu ombro e a puxei em minha direção, a abraçando forte, e o cheiro do seu cabelo me embriagou.

Sussurrei em seu ouvido:

— Espero que você encontre o que está procurando. – E com a mesma velocidade com que a abracei, a soltei e entrei para o meu quarto.

Agora, após uma hora deitado nessa cama analisando os fatos, cheguei a uma conclusão: eu devo ter algum distúrbio psicológico. Talvez Beatriz tenha razão, sou algum tipo de psicopata, que não sabe como se comportar diante de uma bela mulher. Vamos combinar que é algo aceitável depois de anos viajando e convivendo na maior parte do tempo com crianças e pessoas que eu não conseguia ver com outros olhos a não ser como irmãos, como se fossem de sangue mesmo.

Levantei e caminhei em direção a varanda, abri as portas de vidro e uma leve brisa dançou ao meu redor. Debrucei-me sobre a proteção da sacada e fiquei observando a cidade e suas luzes. Olhei na direção do céu e as pequenas estrelas tremeluziam. Suspirei e, junto com o suspiro, uma enxurrada de novos pensamentos invadiram a minha mente, encobrindo o rosto de Beatriz. Desabei na cadeira mais próxima e as lágrimas simplesmente apareceram, como velhas companheiras noturnas. O verdadeiro motivo que me trouxe até essa cidade... ninguém consegue fugir de seus problemas por muito tempo.

Voltei novamente meus olhos para o céu e as estrelas estavam embaçadas pelas minhas lágrimas.

— Deus, o Senhor ainda pode me ouvir?

O silêncio pairou sobre mim, estreitei os olhos e procurei por algum sinal pelo céu que pudesse me dar esperança, mas o único som que ouvi foi o de uma sirene longe dali, abafada pelos prédios no entorno do hotel. Num sobressalto, levantei e peguei o cartão do apartamento e fui para os elevadores.

Andar pelas ruas escuras daquela cidade, uma velha conhecida, pareceu ser uma boa opção. Ignorando o fato de ter dormido menos de uma hora no último dia, segui a passos lentos pela calçada com as mãos no bolso. O silêncio nos persegue quando procuramos respostas por questões não resolvidas. Olhei para o relógio, e logo as ruas estariam movimentadas.

Caminhei sem rumo, ou pensei estar sem rumo, quando na verdade, meus passos inconscientemente me guiaram a uma pequena praça, para o mesmo velho banco que presenciou outros momentos da minha vida.

O som de um sorriso conhecido ressoou em minha mente. As dúvidas se fundiram com o sorriso, e a tristeza me brindou com uma enxurrada de outras lembranças. Cerrei o punho e bati com força no banco e algo se mexeu embaixo. Olhei curioso e ali estava uma figura peculiar.

Um pequeno felino amarelo. O gato espreguiçou-se e saiu lentamente do seu esconderijo, ronronou entre minhas pernas e sem que eu o convidasse, pulou para o meu lado, com olhos suplicantes implorou por um carinho. Cocei sua orelha ao que ele demonstrou uma visível satisfação.

— Se o hotel aceitasse hóspedes peludos, te levaria comigo... mas infelizmente, desculpa falar, você não vai ser nem um pouco bem-vindo.

Eu realmente estou falando com um gato, a prova final da minha loucura!

A bola de pelos amarelos com suas passadas elegantes, desceu aos meus pés e, pode parecer loucura total, mas ele me convidava para segui-lo.

Francamente! Preciso repor essas horas de sono perdidas antes que isso vire crônico.

Levantei do banco quando do outro lado da rua alguém gritou:

— Chuvisco! Aí está você! – E soltou uma gargalhada muito animada para um início de manhã. Olhei para o céu e o alvorecer iniciava seu espetáculo de belas cores. Percebi que Chuvisco era o gato, pois na hora em que o homem gargalhou, o animal atravessou a rua correndo na direção dele. O homem de cabelos grisalhos afagou a cabeça do pequeno animal e quando eu já estava de costas, seguindo em direção ao hotel, pude ouvi-lo dizer:

— A gente sempre encontra o que procura, quando procura com vontade e muitas vezes encontra algo além do esperado.


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