Desejo de Sombras

By lucianojuniors

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Numa cidade do interior da França, de nome Le Plie, os cidadãos vivem suas vidas miseráveis. Um dia, de repen... More

Desejo de Sombras

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By lucianojuniors

Em uma pacata cidade do interior da França os cidadãos viviam suas vidas normais, suas miseráveis vidas normais. Não tinham rotina, e viviam individualmente, sem muitas relações interpessoais, apenas se envolviam quando era para falar mal da vida dos outros. Essa era a cidade de Le Plie.

Nela viviam algumas pessoas boas, muito poucas por sinal, que faziam bem para os outros. Seus apelidos, como eram conhecidos pelas más línguas, eram Père Noël e Blanche-Neige. Dá para perceber como as coisas são por lá, uma vida sem sentido em que o bem não interessava. O bem era só uma parte idiota que precisava existir para que as pessoas pudessem falar mal das outras.

Hei de crer que um dia tudo isso vai mudar, mas enquanto não muda que conheçamos mais alguns miseráveis dessa cidade. Jean Coullet era uma das figuras mais perversas da cidade, conhecido como Le Shérif, era o homem mais temido dentre os mais temidos. Seu dinheiro nem era tanto, mas sua arma sempre carregada empunhava certo respeito, respeito esse que ninguém ousava quebrar.

Dainele Talonneur era a mais famosa meretriz da cidade, uma mulher bela e livre sexualmente, e que por isso fazia os homens ficarem loucos por ela. Trabalhava no mais famoso cabaré da cidade, o Ciel de Plie. Mas apesar de tudo isso, guardava um grande coração. Seu sonho era achar um príncipe encantado, poder finalmente ter uma vida comum, ter filhos e amar alguém para o resto da vida. O único problema era que Dainele adorava sexo, e os miseráveis dessa cidade não viam isso com bons olhos.

Outra personagem importante dessa cidade era o Marquet de Dubet, o fanfarrão da cidade. Filho de pais ricos, Marquet nunca precisou trabalhar, bastava ter o sobrenome Dubet que já era suficiente. Com a morte dos seus pais anos atrás, ele teve que assumir a empresa da família. Mas esperto como era, resolveu dar um emprego de presidente a um funcionário da sua casa, e assim ele poderia viver livremente, bastava existir.

Essa era a pequena cidade de Le Plie, a mais perversa cidade de toda a França, e quem sabe de toda a Europa. Contudo Le Plie não era só tristeza, tinha os campos verdes, a água cristalina, a praça central, e também um belo sol, que não pertencia à cidade, mas parecia brilhar muito mais por lá. Sol esse que decidiu ficar para sempre.

Era um domingo, como qualquer outro, e ninguém fazia nada mais do que o usual, o que sempre faziam em um domingo a tarde. Exatas 16:39 no relógio que ficava em frente à igreja que quase ninguém ia. De repente tudo parou, e por dez minutos não se ouviu barulho algum. No céu, durante dez minutos, uma escuridão tomou conta. De repente, não mais que de repente, um clarão veio nos olhos de todos os cidadãos da cidade, e de agora em diante só se via um sol, o sol das 16:49, que nunca mais passou.

Num primeiro momento pareceu que tudo se tratou de um grande eclipse feito por mãos divinas. Porém todo mundo lá imaginava que não, dessa vez tinha sido algo diferente, algo nunca antes visto pelos povos comuns. E era mesmo, essa tarde de domingo seria a mais longa do ano, aliás, ela nunca mais passaria.

No bar e nas janelas da cidade o povo comentava que tinha sido uma obra de Margaret Ferrand, a química da cidade que muitas vezes era chamada de bruxa. Mas Margaret só fazia remédios que iriam ajudar a curar as doenças desses miseráveis, pena que ela não curava a miserabilidade.

Sem usar nenhuma prova, Jean Coullet e alguns amigos se dirigiram a casa de Margaret para tirar suas satisfações. E ela foi atendê-los na porta.

- Quem fez isto? – indagou Jean.

- Quem fez o quê? – a senhora Margaret perguntou morrendo de medo.

- Isto, olhe para o céu sua idiota, o que você fez? – perguntou ao segurar a cabeça da mulher com grande força e aponta-la para o céu.

- Não fui eu – e seus olhos lacrimejaram.

Nesse momento Jean sacou sua arma e apontou para a senhora, ele precisava achar um culpado, e como não havia outro suspeito, puxou o gatilho. Oh céus, a vida de Margaret Ferrand foi embora, ela nunca mais iria fazer outros remédios.

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Sete dias se passaram e nada daquele sol ir embora. O Marquet de Dubet mandou um de seus funcionários, um cidadão comum, sair da cidade para ver se nas cidades vizinhas também estava acontecendo o mesmo. O funcionário nunca mais voltou para contar história.

Agora as pessoas perguntavam quem seria o culpado, já que Margaret estava morta e mesmo assim o efeito ainda continuava. Eles também se perguntavam se um dia isso iria passar, se um dia a noite voltaria a cair, e se eles ainda estariam vivos para ver tudo.

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No oitavo dia um outro fenômeno começou, agora além de viverem sempre iluminados pelo sol, eles passaram a perder também suas sombras. Era como se a luz do sol não permitisse que nenhuma sombra existisse. O único jeito de fazer sombra era acender uma vela e posiciona-la corretamente. Mas para quê velas? Se a luz do sol nunca ia embora. Era como se alimentar quando já se está saciado. Desnecessário.

Tudo que era estranho estava acontecendo nessa cidade. É na desgraça e no aperto que as pessoas realmente se revelam. Durante esse tempo Jean matou mais outras duas pessoas, uma porque reclamou dele ter assassinado Margaret, e outra que disse que essa obra era divina e que todos ali mereciam isso. Dainele nunca antes na vida tinha atendido tantos clientes como nos últimos dias, parece que todos queriam um pouquinho do paraíso agora, até Marquet de Dubet foi lá, logo ele que nunca precisava pagar para ter sexo. Père Noël e Blanche-Neige, um dos poucos que frequentavam a igreja, continuaram a ir por lá, rezando para que tudo isso passasse e que todos saíssem vivos.

Quase um mês se passou e nada do sol aparentar ir embora. Todos já aceitavam o fato de que iriam morrer ali. Sem Margaret, o pequeno hospital local ficou sem remédios, e assim não tinha como tratar de nenhum doente. Além disso, a insolação estava prejudicando a vida de muitos. Como não havia nenhum remédio as coisas estavam ficando complicadas demais. Todos concordavam, era preciso fazer algo. Blanche-Neige então decidiu visitar a casa de Margaret em busca de algo que ela tivesse feito antes de morrer, qualquer coisa poderia servir. Ela foi junto com Dainele, a única que teve coragem de entrar com Blanche na casa.

As duas procuraram e encontraram diversos remédios, alguns com nome e outros sem identificação alguma. Também encontraram diversas anotações com fórmulas químicas, provavelmente as fórmulas dos remédios e que só alguém que entende de química poderia compreender, pena que Margaret era a única. Entretanto um pequeno pote de vidro chamou a atenção das duas, em seu interior um líquido verde brilhante repousava. Elas dividiram o líquido em dois potes, fecharam e o colocaram dentro do vestido. Dainele com certa habilidade e sem nenhum problema, Blanche com certo desconforto.

Elas saíram às ruas e contaram a todos que não havia nada lá além de líquidos não identificados, e que somente alguém que conhecesse química poderia fazer alguma coisa. Como ninguém se habilitou, as duas partiram em direção as suas respectivas moradias.

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Dainele guardou seu pote em meio a suas calcinhas e sutiãs, já que só ela mexia por lá. Os clientes mexiam apenas nas que estavam em seu corpo. Já Blanche-Neige resolveu mostrar ao padre o que havia encontrado. O padre logo ficou interessado por aquele líquido brilhante, e logo pediu para guarda-lo dentro da igreja. Blanche negou o pedido e o padre disse que Deus iria castigá-la se ela ficasse com essa obra do Diabo, e logo então ela passou o pote para o padre, que o guardou na gaveta ao lado de sua cama.

Outros quinze dias se passaram e eles quase não lembravam mais do pote e seu líquido. Até que um dia Dainele estava procurando uma roupa íntima bem mais íntima, já que o homem que ela amava seria seu próximo cliente. Ela e Blanche não tinham percebido, mas no pote original, no fundo, havia escrito algo em letras miúdas, algo escrito diretamente no vidro.

AS LETRAS MIÚDAS

“Boire et être libre.”

“Beba e seja livre”, eram essas as palavras escritas no fundo do pote de vidro do líquido brilhante. Sem pensar muito Dainele molhou seus dedos no líquido e os colocou na boca. Alguns minutos se passaram e seu próximo cliente chegou. Ela fez nesse dia sua melhor transa, não só por ser com o homem que amava, mas também porque aquele pouco de líquido aumentou seu apetite sexual. 

Ela ficou louca com isso, como uma pequena quantidade de líquido poderia ter aumentado tanto seu apetite sexual. Dessa forma resolveu voltar na casa de Margaret, para ver se achava alguma coisa sobre o boire et être libre.

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Do outro lado da cidade, motivado por não se sabe o que, o padre resolveu dar uma olhada naquele líquido misterioso. Deu apenas uma cheirada forte no líquido e concluiu que aquilo deveria ser algum remédio para feridas. Horas depois o padre foi preso tentando roubar bebidas alcoólicas do bar da cidade.

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Dainele chegou ao portão da casa de Margaret, olhou para os lados e não viu ninguém por perto. Decidiu então entrar pela porta que foi deixada aberta quando Margaret saiu de casa sem saber que não mais voltaria. Dainele procurou bastante por algo que pudesse dar uma luz sobre o boire et être libre, e resolveu procurar entre as anotações se havia alguma que a revelasse o segredo daquele misterioso líquido. Logo ela achou um pequeno pedaço de papel, nele havia algumas palavras escritas.

O PEDAÇO DE PAPEL

Boire et être libre. Formule censuré. Dossier B114. Effet secon

Ela sabia que B114 deveria ser alguma marcação de uma pasta. Resolveu então procurar por toda a casa de Margaret. Revistou todos os cômodos, e no quarto encontrou uma série de gavetas, todas com uma letra na frente, então, ela já sabia o que fazer. Abriu a gaveta B e procurou pela pasta 114. Achou. Abriu a pasta e viu que além do nome boire et être libre haviam alguns tópicos: Formule, composition, utiliser e sur. Todos tinham algo escrito abaixo, mas o texto desse último era o maior de todos, parecia uma carta explicando para que serve.

A CARTA

“Beba e seja livre. Esta porção deve ser manuseada com cuidado. Sua fórmula não pode cair nas mãos da pessoa errada. Esta porção é a única porção no mundo capaz de ativar os maiores desejos de cada um, aquele mais sombrio, e que muitas vezes fica guardado lá no fundo. Mesmo que a própria pessoa não saiba que tem esse desejo, beba e seja livre é capaz de ativa-lo. Sua dosagem é muito forte, por isso basta uma pequena gota para que tudo funcione bem, e quanto menos guardado o desejo está, menor será a quantidade necessária. O efeito de uma gota passa em aproximadamente 5 horas. Até o presente momento não foram relatados quaisquer contraindicações, ou quaisquer efeitos colaterais.”

A meretriz ficou abismada com o que leu. Como uma simples porção poderia ativar o desejo mais sombrio de qualquer um, mesmo que a própria pessoa não soubesse que tinha esse desejo. Ela agora entendeu porque a fórmula da porção estava censurada naquele outro papel, e porque era repetido tantas vezes para que tivesse cuidado com isso. 

Ela então colocou a pasta por dentro de seu vestido, e saiu em direção ao cabaré. Queria entender a fórmula, e ver se conseguiria fazê-la novamente utilizando as instruções que Margaret deixou. Ao sair da casa deu de cara com Père Noël.

- Dainele! O que fazes aqui? – disse Père Noël com uma cara de surpresa.

- Père Noël! Eu, eu, eu... – quase gaguejando.

- Desembucha, o que fazes aqui? – perguntou novamente.

- Eu? Eu, eu estava olhando os pertences de Margaret, pois o Jean me pediu para vir aqui – disse, pois sabia que até Père Noël tinha medo de Jean.

- Ah, se é assim, tudo bem – e seguiram os seus caminhos.

Mas qual seria o caminho de Père Noël? Será que ele estava ali só de passagem, ou será que haveria algo mais?

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Père Noël era conhecido assim por dois motivos, primeiro por causa de sua bondade com as crianças, e depois por causa da barba que ele cultivava. Um dia, ao andar na rua, uma criança quando o viu começou a gritar histericamente: Père Noël, Père Noël, Père Noël. E desse dia então ele ficou conhecido assim.

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Já havia se passado dois meses, e nada desse sol desaparecer, ou mesmo das sombras voltarem. Muitas pessoas já haviam morrido, algumas pela insolação e pelas doenças, outras pela arma de Jean Coullet. Arma essa que já estava começando a ficar sem balas. Mas não fique alegre se as balas acabarem, pois além de outras armas, Jean também tem muitas facas. E ele sabe usa-las.

Dois meses e Dainele já tinha se encontrado com o seu amado exatas quatorze vezes. Dessas ela estava sobre efeito do boire et être libre em quatorze.

Ainda restava metade do pote, mas ela sabia que isso não iria durar para sempre. Por isso foi em direção à igreja e tentou chamar Blanche-Neige, que era assim apelidada por causa do seu tom de pele. Gritou seu nome lá do lado de fora, pois sabia que não era bem-vinda lá dentro, e ficou abismada quando Blanche respondeu:

- Entre Dainele, o padre não está.

E então ela subiu as escadas da igreja. Fazia tempo que isso não acontecia, a última vez tinha sido algumas semanas antes dela entrar para o cabaré e começar a seguir seus desejos.

- Bon jour, para este dia que nunca se vai. – Blanche falou com uma cara de quem já estava cheia de tudo isso.

- Mon chére, não fiques assim, ainda tenho esperança que um dia isso vai passar. Mas como está tua porção?

- Não está mais comigo, é que...

- O quê? Como assim? O que fizesses com ela – Dainele questionou com uma cara de preocupada.

- Calma! Eu só dei ao padre para ele guardar, ele disse que aquilo era obra do demônio.

- E onde está aquilo agora?

- Não sei, o padre que guardou, e agora ele está preso, não tenho como pergunta-lo.

- Non, como assim o padre está preso? – com certa curiosidade que fez seus lábios se arreganhar.

- Oui, ele foi preso tentando roubar o bar da cidade, mas acho que ele só estava tentando roubar comida e bebida para dar a todos.

- Sei – e debochou.

- Você não quer uma xícara de café? - Blanche questionou Dainele.

- Quero sim – a garota respondeu.

Blanche-Neige então levantou e foi em direção à cozinha da igreja. Dainele ficou no salão principal, onde eram realizadas as missas, e de longe viu uma portinha entreaberta. Decidiu então seguir em direção a ela. Entrou na sala que havia alguns santos perto das paredes, e viu outra porta entreaberta, decidiu novamente entrar nessa. Entrou e descobriu logo que essa era a biblioteca da cidade, a famosa biblioteca que ninguém, além do padre e quem ele autorizasse, poderia entrar. Dainele ficou admirada com aqueles milhares de livros, e logo uma ideia veio a sua cabeça. Ela então procurou pelos livros que estavam listados na seção de Chimie. Procurou e viu um pequeno livro chamado La chimie facile. Decidiu então que seria esse que ela levaria. Não pergunte como, mas aquele livro coube dentro do seu apertado vestido.

- Dainele, onde está você, o café está pronto? – gritou Blanche no salão principal da igreja.

- Estou aqui - e saiu por aquela porta.

- O que estavas fazendo aí?

- Nada, nada, só olhando.

As duas beberam o café e conversaram mais um pouco. Logo se despediram e Dainele foi correndo para a casa de Margaret, é claro que observando se não estava sendo perseguida por ninguém. Ao chegar lá percebeu que as coisas estavam um pouco mais bagunçadas que da última vez, mas não ligou para isso. Tirou o livro do vestido e começou a folheá-lo. Depois de algumas horas começou a fazer alguns experimentos descritos naquele enorme pedaço de papel com bastantes letras.

Na primeira tentativa o líquido explodiu e quebrou o vidro, mas ela saiu ilesa. Na segunda as coisas começaram a dar certo. Mais alguns experimentos e Dainele já se sentia preparada para replicar a fórmula do boire et être libre. Foi pra casa decidida a voltar amanhã, mas talvez esse amanhã não chegasse da forma que ela queria.

______________________

Ao sair da casa de Margaret alguém agarrou Dainele, era um homem forte e que estava vestindo um capuz. O homem embebeu um lenço com clorofórmio e colocou no rosto da garota, que logo desmaiou. Antes de desmaiar um pequeno detalhe entregou quem seria o seu raptor.

Ela acordou, e ao acordar descobriu que estava amarrada em uma cadeira dentro do laboratório de Margaret. Uma mão a tocou no ombro, e mostrou um pedaço de papel. Em seguida foi mostrando outros pedaços de papel, todos com instruções que ela deveria seguir.

ALGUNS DOS PEDAÇOS

Refaça o boire et être libre.

Preciso dele.

Eu sei que você sabe replica-lo.

Vou soltar você e sair do laboratório.

As portas estarão trancadas.

Qualquer gracinha e eu te mato.

ALGUMAS DAS FALAS DE DAINELE

- Eu não sei.

- Pra quê?

- Não, eu precisaria da pasta B114.

- Me solte.

- Por que, você não confia em mim?

- Aham.

Durante essa situação o raptor deu algumas coisas a Dainele: os dois potes do boire et être libre, a pasta B114 e o livro de Chimie. E a partir disso ficou comprovado que o raptor já a seguia há muito tempo. 

Sem muitas opções ela resolveu tentar replicar a receita do líquido. Felizmente Margaret tinha deixado a fórmula explicada de uma maneira fácil, com os ingredientes e todos os passos para que isso fosse feito. Dainele então fez seu trabalho, e conseguiu chegar a um líquido que tinha a mesma cor brilhante daquele outro. Mas mesmo assim, mesmo tendo feito tudo o que o seu raptor pediu, ela tinha medo que ele não a deixasse sair viva. Mesmo que o conhecesse antes, ela nunca tinha visto esse homem de agora, era outra pessoa.

Então sem mais delongas ela gritou:

- Terminei o que você queria!

E o raptor adentrou a sala, agora sem máscara e falando normalmente.

- Tudo bem! Você fez um ótimo trabalho.

Apesar das palavras calmas do homem, Dainele não tinha certeza se podia confiar nele, pois um homem que rapta alguém não é um homem que pode ser confiado. Ela fez um plano antes de chamar o seu raptor e dizer que terminou o trabalho. Ela bebeu um pouco do boire et être libre e decidiu que tentaria seduzi-lo, então, logo depois, amará-lo-ia na mesma cadeira que ela fora outrora.

- Sim, claro que fiz um ótimo trabalho. Fiz porque era pra você. Ou você não imaginou que eu sabia quem era você? – a garota disse com uma voz sensual.

- Como você sabia?

- Esse detalhe – e apontou para uma pequena pinta no pescoço do homem – foi o que entregou.

- Sim, sempre esse detalhe.

- Mas relaxe, porque você não relaxa um pouco – e partiu em direção ao homem.

- Vamos relaxar juntos então – e entrou no jogo.

Eles começaram a se beijar, e logo encontraram um lugar para ficarem mais acomodados. Era a cadeira, aquela em que Dainele foi amarrada.

Com muita habilidade, já que ela tinha bastante habilidade com as mãos, foi amarrando o homem aos poucos, sem que ele percebesse, já que estava bastante distraído com outras coisas. E num último golpe ela levantou-se da cadeira e proferiu as palavras:

- E agora, quem é que está amarrado?

E o homem logo percebeu o que aquela meretriz havia feito.

- Droga! Sua meretriz, você entendeu tudo errado, sua idiota.

- Idiota? Não entendi nada? Então me conte tudo – comunicou com um ar de deboche – seu Marquet de Dubet.

Sim, era ele, o raptor, o homem que capturou Dainele era o homem mais fanfarrão da cidade, aquele que qualquer cidadão de Le Plie não desconfiaria que matou uma mosca. Mas por quê? Pra que tudo isso? Era o que Dainele também gostaria de saber.

- Por que, logo você, por que faria tudo isso? – expôs com um ar de preocupação.

- Você entendeu tudo errado. Tudo o que fiz foi para tentar salvar todo mundo.

- Não! Como assim?

- Eu vou explicar.

______________________

- Tudo começou a muitos anos atrás, quando eu e Margaret estudávamos na mesma escola, e ela era bem mais velha que eu. Um dia os garotos a prenderam no banheiro masculino, tudo por causa do seu pai que era farmacêutico e sua timidez. E então eu ouvi uma garota chorando no banheiro e logo abri a porta, e lá estava a linda Margaret. Desde esse dia nós ficamos amigos. Com o tempo ficamos mais que amigos, eu e Margaret éramos apaixonados um pelo outro, mas ela, tímida como era, não gostava de admitir, e por isso nunca me deixou revelar que éramos parceiros. Por isso fazíamos tudo escondidos. E o pior era que ela nem ligava para as mulheres com quem eu saia.

Uma lágrima aparentou sair do olho de Dainele, mas ela resistiu. Marquet de Dubet então continuou.

- Há uns dois anos, Margaret estava fazendo uma porção para aumentar a capacidade cerebral de qualquer pessoa. Ela conseguiu e começou a criar centenas de outras fórmulas, como você deve ter visto. Eu tomei um pouco e realmente funcionou. Então ela resolveu aperfeiçoar a fórmula, que com ela aumentou ainda mais a capacidade. Mas então eu bebi, e foi surpresa quando na verdade comecei a sair com mais mulheres e ir a mais festas. Percebemos então que esse líquido era diferente. Fizemos então testes em outras pessoas, que não sabiam que estavam participando de tudo isso. E foi surpresa quando percebemos que ele, na verdade, enfatizava o maior desejo de cada pessoa. O definimos então como B114 e o chamamos de boire et être libre.

- Então foi assim que tudo surgiu. Mas e o sol, vocês tem algo a ver com o que aconteceu com Le Plie? – a garota indagou.

- Bom, temos um pouco. Um dia eu e Margaret estávamos conversando sobre a porção, e então o Père Noël ficou nós espionando e ouviu nossa conversa. Eles nós pegou no flagra e iria contar tudo sobre nós e o que tínhamos feito, mas antes teve a genial ideia de espalhar o líquido brilhante por aí, para que todos pudessem libertar seus desejos. Nós concordamos, contanto que ele não contasse nada sobre nós, mas para isso precisávamos de um jeito de espalhar tudo facilmente. Foi então que Margaret teve a ideia de espalhar tudo pelo ar. Dessa forma ela construiu uma máquina que quebrava as partículas do líquido e espalhava tudo pela cidade. Foi assim que naquele domingo, às 16:38, um minuto antes da escuridão, nós ligamos o aparelho. E para nossa surpresa toda aquela escuridão veio. E depois o sol.

- Eu nunca fui com a cara desse Père Noël. Mas então quer dizer que tudo foi culpa de vocês? Que Jean Coullet estava certo ao ter matado Margaret?

- Não, a culpa não foi exatamente nossa. Logo após a escuridão e o sol ficar ali parado, nós três voltamos para o laboratório para entender o que havia acontecido. Foi só então que percebemos os efeitos colaterais da porção. Percebemos que ela não apenas afeta quem o toma, mas também aqueles que podem ser afetados por aquele que toma. É por isso que você conseguiu-me conquistar e me prender aqui facilmente, apesar de eu não recusar mulheres. Percebemos ainda que quando lançado no ar, ele não tem força para realizar o desejo de cada um. Sendo assim ele pega um desejo que o maior número de pessoas tem. E qual seria o maior desejo se não que um domingo a tarde nunca mais acabasse?

- Então você está dizendo que tudo isso é culpa nossa?

- Sim, de certa forma sim.

- Mas e as sombras, porque elas desapareceram?

- Bom, Margaret nunca viveu para ver as sombras desaparecerem. Assim que percebemos os efeitos colaterais, Margaret pegou o papel e ia começar a escrevê-los, mas só deu tempo dela escrever “effet secon”, pois logo Jean bateu na porta com muita força e Margaret saiu da casa para que ele não visse o laboratório. Eu e Père Noël nos escondemos no quintal da casa e só pudemos ouvir o barulho do choro da minha amada e o tiro.

- Oui, muito triste – Dainele disse e fez uma cara triste.

- Depois, tentando resolver o que tínhamos feito, eu bebi da porção para aumentar a capacidade cerebral, mas não consegui pensar em um antídoto. O Père Noël também tentou, mas nada funcionou. E nessa hora então veio em minha cabeça uma ideia sobre o porquê do sumiço das sombras. Talvez seja porque nós tenhamos nos tornados tão egoístas, que não conseguiríamos conviver nem com nossa própria sombra, mas isso nunca conseguirei descobrir se é verdade. Além disso, agora, percebo que alguns desejos não podem ser libertos.

- Mas e porque você me raptou?

- Alguém precisa fazer um antídoto. E nem eu e nem Père Noël conseguimos.

- E por que eu? Não sou tão inteligente assim.

- Na verdade, eu ainda tenho um pouco da porção para aumentar a capacidade cerebral. Mas ela só aumenta uma capacidade que já temos dentro de nós, e vejo em você uma jovem Margaret, louca para descobrir novas coisas, e que tem um pouco de habilidade com química. Por isso preciso de você.

Dainele então concordou em fazer um antídoto para salvar a cidade de tudo isso. Ela então desamarrou Marquet de Dubet, bebeu o líquido e começou a trabalhar. Após cerca de três horas estava lá, o líquido que talvez salvasse a cidade. Para que ele ficasse diferente, Dainele o coloriu de vermelho, um vermelho extremamente brilhante. Produziu dois potes, o suficiente para colocar na máquina que Margaret havia construído.

Enquanto Dainele trabalhava, Marquet foi ao encontro de Père Noël para dizer a ele que Dainele estava fazendo o antídoto, e agradecê-lo por ter seguido ela e pegado a pasta e os dois potes. Ao chegar na casa os três logo foram ao quintal, colocaram o líquido e ativaram a máquina. O relógio marcava 01:26 da manhã de uma sexta-feira.

______________________

01:27. Uma enorme escuridão pairou nos céus novamente. Os cidadãos que estavam dormindo acordaram para ver o que estava acontecendo. Dez minutos se passaram e nada da escuridão ir embora, acreditaram agora que tudo ficaria escuro durante outros longos meses. E só descobriram que tudo havia acabado quando o relógio marcou 04:44, e o sol começou a nascer, e suas sombras também estavam lá.

______________________

- Sim, conseguimos – os três disseram.

______________________

A partir daquela sexta tudo voltou ao normal na cidade de Le Plie. Os cidadãos voltaram a viver suas vidas miseráveis, e Jean Coullet continuou matando outras pessoas.

Também aconteceu do cidadão funcionário de Marquet de Dubet, aquele que foi na cidade vizinha ver se tudo estava mal por lá também, retornar a cidade. Ele contou que chegou à cidade vizinha e descobriu que lá estava tudo normal. Então resolveu voltar para casa, mas o caminho ficou tão longo, tão longo, que foram necessários dois meses para que ele voltasse, e que durante a viagem se alimentou daquilo que encontrava pela estrada.

O padre foi solto e largou a batina. Blanche-Neige passou a cuidar da igreja junto com o novo padre. Père Noël passou a morar na casa de Margaret e começou a aprender química, tornando-se assim o novo farmacêutico da cidade, e é claro que de vez em quando usando a porção para aumentar a capacidade cerebral. Marquet de Dubet resolveu assumir as rédeas de sua vida e aceitar a presidência da empresa que seu pai deixou para ele. Dainele saiu da vida de prostituta, é que seu amado a pediu em casamento, e ela, toda derretida, não poderia deixar de aceitar. Dizem por aí que de vez em quando ela faz sexo loucamente com seu marido, deve ser efeito do boire et être libre, que agora é guardado a sete chaves e só é produzido por Père Noël e vendido somente a Dainele.

Além disso, Le Plie é, até hoje, conhecida como a cidade que não aprende com seus erros.

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