Nos dois dias que se seguiram, Ander não apareceu para a aula de natação. No terceiro dia eu tinha chegado cedo e nadava livremente pela piscina.
De repente percebi que alguém estava agachado na borda. Eu não conseguia distinguir quem era, pois a água fazia a imagem tremeluzir.
Permaneci submersa por mais alguns segundos para só então ir para a superfície.
Quase engasguei quando vi Ander ali parado olhando para mim. Ele tinha alguns pontos no supercílio, mas tirando isso parecia bem.
– Olá, como você está? – perguntei muito sem jeito.
Ele tocou levemente o corte recém fechado e deu de ombros.
– Isso não foi nada! – ele disse abrindo um mega sorriso para mim. Seus dentes eram tão brancos que poderiam me cegar dependendo do ângulo de incidência da luz.
– Que bom. – conseguir balbuciar.
Nossa, ele era bonito mesmo, principalmente seco e consciente.
– Era você que estava na piscina quando eu caí, não era? – não foi uma pergunta.
– Sim, era eu.
– Então, obrigado por me salvar. – ele sorriu novamente.
– Eu não fiz nada. – disse eu dando de ombros.
– Fez sim! – insistiu ele.
Ficamos em silencio por um tempo tão longo que comecei a viajar na maionese. Por fim, disse algo que me incomodava desde o dia do acidente:
– Por que você não nadou? – perguntei de repente.
– Como é? – Ander fez cara de "ué?" para mim.
– No dia que você caiu na piscina, quando eu salvei você. – expliquei pacientemente.
– Bem, eu bati a cabeça. – ele colocou um dedo na sutura.
– E por que você caiu para começo de conversa? – ops! Falei sem pensar, aquilo não era da minha conta.
– Bem, eu... – ele começou sem saber ao certo o que me dizer; suas bochechas começaram a ficar coradas. – eu parei para olhar quem estava nadando; quando cheguei mais perto para ver quem era, escorreguei. Acho que bati forte a cabeça porque não me lembro de ter caído na água.
Ah isso explica muita coisa! Seria cômico um aluno de natação, que nada super bem, morrer afogado.
Comecei a boiar de costas na piscina. Ander me olhava atentamente e isso estava me deixando sem jeito.
– Eu gostaria de te agradecer...
– Você já fez isso. – interrompi Ander.
– Gostaria de te agradecer direito. – ele fez uma pausa e desta vez esperei que terminasse. – Vou te levar para comer alguma coisa e não aceito não como resposta.
Diante disto, o que eu poderia dizer? "Não obrigada, mas eu tenho comida em casa."
– Tudo bem. – foi o que eu disse.
– Pode ser hoje, depois da aula o que acha? Eu saio às 18 horas do colégio. – ele sorria abertamente agora.
– Também saio este horário, nos encontramos na praça.
Acho que seria bom eu ter um amigo para variar.
***
O colégio ficava bem perto da praça, então não demorei nada para chegar. Ander já estava lá me esperando.
Aquela foi uma noite muito agradável. Ander me levou a uma hamburgueria. A comida era formidável e a música de muito bom gosto.
Nós conversamos sobre todo o tipo de assunto. E quando dei por mim, Ander segurava minha mão. Era uma sensação estranha, havia uma eletricidade que ia da mão dele para a minha e que tomava todo meu corpo deliciosamente.
Fiquei tão assustada com o que senti que puxei minha mão com um pouco de violência demais.
– Eu preciso ir, está tarde. – comecei a me levantar. – E amanhã temos aula.
– Nos vemos amanhã então! – disse ele sorrindo.
***
Cheguei em casa super tarde, meu pai deveria estar furioso, pois esqueci completamente de avisá-lo.
Estava subindo a escada o mais silenciosamente possível quando de repente a luz foi acesa me cegando momentaneamente.
– Serina! Onde diabos você estava? – gritou Bob.
– Eu fui a uma hamburgueria com um amigo e esqueci-me de te avisar, Bob!
– Você é uma irresponsável, quase me matou de preocupação...
Parei de ouvir. Só sei que foi um sermão daqueles, com raios e trovões para enfatizar a ira de meu pai.
Eu só pensava em como aquilo era injusto. Ele sempre reclamou que eu não tinha amigos e quando eu saio para me divertir com alguém ele pira? Acho que a água clorada da piscina afetou o raciocínio lógico de Bob.
– Vá para seu quarto e pense bem no que fez mocinha! – aquela frase me despertou de meus devaneios. – Você está de castigo.
Ah, mais isso não ia ficar assim.
No dia seguinte eu não saí do meu quarto. E quando meu pai disse que eu estava atrasada para a aula de natação eu retruquei:
– Eu estou de castigo.
Ele ficou furibundo, mas não conseguiu me arrancar do quarto. O que era bom, eu não teria que ver Ander. Ainda estava perturbada com seu toque. Mas eu não poderia me esconder para sempre.