Receber alta. Era apenas isso que Luke mais desejava. Ele estava deitado com as pernas imóveis, com o braço direito enfaixado e com uma tala no pescoço para evitar movimentos bruscos.
O enfermeiro que tinha a estranha aparência de um suricato levava as refeições dele: uma sopa sem brilho e um copo de suco, que se parecia mais com água suja.
A hora de comer alguma coisa era a pior, pois seus movimentos de abrir e fechar a boca lhe causava uma dor terrível, como se um lutador de MMA lhe desse um murro antes de ele começar sua refeição.
A manhã no acampamento Octos chegou sem anunciar. O sol pálido que nascia ao leste demorava em clareá-lo.
Depois de uma noite agitada, os campistas acordaram com uma forte dor de cabeça. Thaíssa levantara primeiro que os outros e caminhava em volta das ruínas do chalé principal, onde ela ainda se sentia culpada por ter feito tamanha injustiça com Luke.
— Você está bem? — perguntou Louis se aproximando. — Parece preocupada.
— Estou pensando em Luke, ninguém o acompanhou até o hospital.
— Aquele grandalhão fedorento é forte demais — disse ele tentando anima-la. — Ele ficará bem.
— Foi tudo culpa minha. Se eu não tivesse...
— Ei! — interrompeu-a.
Louis chegou mais perto.
Em um eucalipto próximo deles, uma figura de olhar severo observava os dois.
— Estou com uma sensação estranha — anunciou Louis.
Thaíssa baixou a cabeça. Ao longe uma voz ecoou tão fraca que parecia um leve sussurro. A mensagem dizia: se abaixem.
— Ouviu isso? — perguntou Thaíssa.
— Ouvi o quê? — replicou Louis.
— Uma voz pareceu sussurrar ao meu ouvindo, dizendo para a gente se abaixar.
— Ahn! Como assim?
Um zumbido veloz passou entre Louis e Thaíssa. Uma haste feita em madeira com uma ponta afiada de pedra e com pequenos ganchos, como o ferrão de uma arraia, acertou de raspão o campista que logo caiu sentindo uma forte onda de dor.
— Ah meu Deus! Louis! — disse ela com espanto. — Você... você foi atingido por uma flecha.
Louis pareceu estar em transe, como se alguém o tivesse despertado de um sono pesado.
— Diga à Karla que eu... — sua voz falhou.
— Shh, não fale — disse ela agarrando-lhe o pescoço e dando-lhe um beijo na testa.
Louis não rebateu. Ele recostou a cabeça no colo dela e foi fechando os olhos vagarosamente.
— Fica comigo Louis.
Uma lágrima escorreu pelo rosto dela.
— Não saia daqui — disse ela. — Eu vou buscar ajuda.
Ele sorriu levemente.
Thaíssa afastou a cabeça dele com cuidado. Ela o deixou deitado e foi procurar Karla para lhe explicar o ocorrido.
Assim que a ouviu Karla saiu a passos rápidos até o local. Ao chegarem, ofegantes, elas tiveram uma enorme surpresa: Louis não estava mais lá. No lugar havia apenas a marca deixada pela flecha.
— Eu o deixei aqui agorinha — explicou Thaíssa. — Ele estava deitado.
— O sumiço dele pareceu premeditado — complementou Karla. — Quem quer que tenha atirado essa tal flecha, na qual você disse, fez isso com o intuito de levá-lo também.
— Só não entendo porque o levaram.
— Talvez ele soube... — Karla agitou a cabeça. — Esqueça.
Thaíssa não entendeu a atitude de Karla. Ela temeu perguntar, pois esperava que Karla fosse berrar no ouvido dela, algo como: ME OBEDEÇA, GAROTA!
— Ele tentou me falar algo — prosseguiu Thaíssa. — Mas ele estava muito fraco, então eu não o deixei terminar.
— Eu entendo, minha querida — disse ela com a voz calma. — Deve ter sido mais difícil para ele do que foi para todos nós.
— Ontem à noite — ela limpou a garganta, — se eu não tivesse chamado ele.
— Não se culpe, minha querida. Louis gosta muito de você. Você fez o possível.
— Mas...
— Nós vamos acha-lo. Eu prometo.
No caminho de volta para o aglomerado, João surgiu de dentro de alguns arbustos, coberto de pequenos galhos marrons claros e folhas verdes vívidas que emitiam um cheiro de eucalipto, assustando Karla e Thaíssa.
— Então foi você! — exclamou Karla furiosa.
Ele ficou lívido.
— Não fui eu — replicou ele. — Eu estava espionando Thaíssa e Louis, mas quando eu vi aquela flecha passar entre os dois eu tive medo de sair.
— Como você pôde? — questionou Thaíssa. — Quem lhe deu esse direito de me espionar?
— Desculpe, Thaíssa. Eu só queria falar a sós com você. Mas Louis se aproximou e logo vocês dois começaram a conversar.
— O que você fez com Louis, seu monstro? — bufou ela.
Karla hesitou.
— Acalme-se, querida. Vamos ouvir o que João tem a nos dizer primeiro, depois discutimos essa questão — disse Karla em tom tranquilizador.
Thaíssa saiu correndo e chorando rumo ao desconhecido.
— Volte aqui, Thaíssa — ordenou Karla.
A voz dela ressoou como um disco arranhado e abafado, o que não surtiu efeito algum.
— Depois continuamos essa conversa — disse ela dirigindo um olhar severo para João.
Ela saiu a passos largos levantando uma nuvem de poeira pateticamente pequena.
— Atenção, todos! — gritou ela. — Quero dizer uma coisa muito importante a vocês.
Todos se aproximaram dela. Ela suspirou e continuou.
— Não fiquem desesperados — pediu ela. — Louis foi sequestrado e Thaíssa acabou de entrar naquela floresta a procura dele.
Não adiantou nada. As palavras de Karla surtiram tanto efeito quanto tomar o doce de uma criança e esperar que ela não chore. Todos entraram em pânico.
— Gente, isso é terrível — anunciou Brenda.
— O que você sugere, Karla? — perguntou Smith mordiscando alguns Donuts.
— Que ótima líder é você, hein Karla — protestou Gabriel.
Todos falavam ao mesmo tempo.
Karla gritou uma ordem.
— Façam silêncio.
Todos pararam de falar no mesmo instante.
— Vou escolher três de vocês — prosseguiu. — Os mais fortes. Os mais corajosos. Os mais habilidosos para irem à busca de Thaíssa e Louis.
Os campistas discutiam entre si para ver quem seria escolhido. Karla ordenou que todos se reunissem debaixo da árvore-alojamento ao pôr do sol.
Os três campistas que haviam se escondido quando o grifo atacou o acampamento na noite anterior, esperaram uma distração de Karla e fugiram.
Ninguém os viu saindo.
— Brenda! — Chamou João.
— Sim! — disse ela, olhando para trás.
O céu estava se fechando, emaranhados de nuvens cinzentas e pesadas lutavam por um espaço no céu. Não demorou muito para que os primeiros pingos de chuva começassem a cair.
— Preciso conversar com você.
— Acho melhor procurarmos outro lugar.
— Você tem razão.
Eles foram para a árvore-alojamento. Ela era recheada de folhas que absorviam a maior parte das gotas de chuva que caíam sobre ela e deixavam o lugar parcialmente seco. Seu tronco parecia ter uns duzentos anos, mas ela permanecia bem forte. Enquanto Brenda conversava com João debaixo da árvore, o restante dos campistas andava sem rumo à procura de um lugar para fugir da chuva que agora começava a ficar mais intensa.
Não demorou muito para que todos se agrupassem debaixo da grande árvore, interrompendo a conversar entre ambos.
Assim que a chuva deu uma trégua, Karla gritou ordens para os meninos campistas, para que estes levantassem algumas tendas em volta da árvore, visto que todo o chão do acampamento estava encharcado e aquele, sem dúvida, era o local mais seco. Eles caminhavam para a oficina até Gabriel perceber que faltava alguém. Louis estava perdido e Luke havia ido para o hospital, mas ainda faltava alguém.
— Pessoal — disse ele enquanto caminhavam.
— Se for abrir a boca para contar mais uma piada — João cerrou os punhos. — Eu mesmo vou...
— Não será necessário — interveio ele depressa. — Eu só queria perguntar se vocês viram o Jhonatan e o Richard.
— Boa pergunta — disse Smith entrando na conversa. — Eu só os vi ontem à noite, depois que derrotamos aquele grifo. Eles foram os primeiros a irem dormir.
— Mas eles não moram aqui perto? — indagou João.
— Sim, mas ontem já estava muito tarde para eles voltarem.
— Acho que eles foram embora hoje de manhã e não avisaram — concluiu Gabriel.
Os meninos pegaram o material necessário e voltaram para a árvore-alojamento. Ao terminarem de montar as tendas, eles conseguiram armar uma fogueira. O fogo demorou a acender, pois, a lenha ainda estava umedecida.
Assim que conseguiram manter o primeiro foco da chama avermelhada, que crepitava levemente e se espalhava ao redor da lenha se erguendo aos poucos, a chuva retornou.
Fortes relâmpagos riscavam o céu que gritava em trovoadas estrondosas. Brenda sentiu medo, mas Smith ficou ao seu lado para lhe fazer companhia. Ele havia deixado a Sra. Róca na oficina, segura.
— Sra. Róca foi incrível, você não acha? — disse Smith em tom animador.
Brenda deu um leve sorriso.
— Se você não a tivesse encontrado — ela suspirou, fechando os olhos. — Eu não sei o que seria de nós.
— O importante é que agora está tudo bem.
Karla chamou a atenção de todos e começou seu pronunciamento:
— Quero dizer primeiramente que temos alguns assuntos a serem tratados esta noite.
Os campistas se reagruparam mais perto. A chuva açoitava o acampamento. As tendas montadas pelos meninos pareceram funcionar.
— Quais tipos de assuntos? — perguntou Gabriel.
— Nosso campista Luke ainda está no hospital. Não temos notícias dele.
Todos abaixaram a cabeça.
— Qual a possibilidade de irmos visita-lo? — indagou Brenda.
— Não sabemos em que hospital ele está. Eu nunca vi aquele símbolo que havia na frente na ambulância, antes.
— Não devíamos ter deixado levarem ele. Aqueles enfermeiros não me pareceram confiáveis.
Todos se admiraram ao ver Brenda falando daquela maneira. Talvez seja porque ninguém dera valor a ela.
— A questão é...
Um relâmpago atingiu uma árvore próxima a eles que imediatamente começou a ser consumida pelo fogo.
Todos olharam atônitos para a cena.
Ao lado da árvore em chamas, uma figura de cabelo negro longo e liso se aproximou. Pesando, aparentemente, sessenta quilos e com uma altura de aproximadamente um metro e setenta. Seus olhos azuis ciano cintilavam com a luz das chamas da fogueira que lutavam para permanecerem acesas.
— Que... quem é você? — gaguejou Brenda, pasma.
Os olhos do menino mudaram de cor, passando para um verde-esmeralda. A chuva parou no mesmo instante.
— Nossa que estranho — disse Gabriel, perplexo.
— Como você fez isso? — indagou Karla, direcionando o olhar ao visitante.
— Não há tempo para perguntas tolas — respondeu o menino. — Seus amigos correm perigo.
— Do que você está falando? — interpelou Gabriel.
— Dois de seus campistas estão perdidos naquela floresta. Eles estão desprotegidos. Ninguém está seguro.
— Espere... — tomou a palavra, Smith. — Como é que você sabe disso?
— Não importa — respondeu o estranho, secamente.
Em um instante, um ruído literalmente agudo invadiu o acampamento Octos.
Os campistas caíram no chão, levando as mãos aos ouvidos.
Os olhos do visitante mudaram novamente de cor, passando do verde-esmeralda para um vermelho-fogo. Os ouvidos dele pareciam estar fechados, pois o forte ruído não parecera o incomodar. Smith levantou trôpego, e tentou andar até a oficina.
Dois passos depois e ele caiu.
Ao tentar se reerguer, Smith se lembrou dos protetores auriculares que sempre levava no bolso direito de sua blusa. Ele os pegou e os posicionou nos ouvidos.
A estratégia pareceu funcionar, pois ele já conseguia se levantar e andar normalmente.
— Eles estão chegando! — exclamou o visitante.
— Eles quem? — perguntou Smith.
O menino apontou para um círculo irregular marrom escuro, como uma bola de futebol murcha só que dez vezes maior, que se aproximava com lentidão, fazendo o ruído parecer mais alto à medida que avançavam.
— Chegou a hora... — anunciou o visitante.
— Hora de quê?
— Hora de lutar! — exclamou o estranho com um sorriso malicioso.
— Sra. Róca! — gritou Smith.
Dentro de instantes a robô estava ao ladodele.
Ele abriu um compartimento noantebraço direito dela e pegou alguns protetores auriculares extras. Smithdistribuiu os protetores para os campistas que aos poucos começavam a selevantar, ainda atordoados.