Oliver acordou com a corda toda. Comeu, se arrumou e foi à luta. Cedo da manhã. Num domingo, quem diria! Dormir agarrado com Sarah era como carregar as energias num carregador original. A cama vazia equivalia a um carregador daqueles vagabundos que se compra nos camelôs.
A rua estava vazia, mas a loja que ele precisava já estava aberta. Amém! Ele comprou todas as lâmpadas que precisava e mais um pouco. Só por diversão, comprou também um abajur para leituras noturnas. E filtro de café, que ele por acidente viu que estava faltando.
Voltou para a casa dela, que não era muito distante de onde ele tinha ido, e entrou no maior silêncio. Ela continuava dormindo, tão linda, dava até pena de acordar. Mas ele tinha muitos planos para o dia. Eles começavam cedo.
- Sarah – ele chamou. – Hora de acordar.
Não houve nenhuma resposta. O vento bateu na cortina e deixou entrar um pouquinho de luz. Sarah continuava respirando num ritmo calmo e encolhida feito um novelo de lã no canto da cama.
Oliver se inclinou pelo colchão para poder falar no ouvido dela.
- Sar, acorda. Pizza de café da manhã.
Ele não sabia como, mas o cabelo dela sempre tinha o melhor cheiro. Era tipo avelã misturado com alguma outra coisa, que ele não sabia identificar, nem queria. O cheiro do cabelo de Sarah era apenas o cheio do cabelo de Sarah e mais nada.
- Hum – Sarah resmungou e virou para o lado. O lado dele. O rosto dela se apoiou mais ou menos no seu ombro e o braço passou por cima do seu peito. Oliver se ajeitou melhor na cama, do jeito mais quieto que pode.
- Deixa pra lá – ele disse, colocando o prato de pizza na mesinha de cabeceira e puxando Sarah um pouquinho mais contra si.
Às vezes não dava para acreditar. Que ele estava ali, com ela, em paz. Olhar para Sarah dormindo com a cabeça repousada em seu ombro era a melhor definição de paz.
- Oli – ela falou ainda grogue, sem abrir os olhos, escorregando uma perna entre as dele. – O que foi que você falou?
- Deixa pra lá – ele repetiu, afastando um pouco de cabelo da testa dela, para poder deixar um beijo ali. – Volta a dormir. Eu vou fazer o mesmo.
Por que, afinal, o que eram planos? Situações que facilmente poderiam ser desfeitas. E ele, Oliver Timber, trocaria qualquer coisa para poder ficar na cama com Sarah.
Porque Sarah era Sarah. Sarah Atteli, a garota que ele esteve apaixonado por mais de dez anos e que tudo sempre deu errado. Agora finalmente as coisas estavam caminhando para dar certo, tudo bem que ainda faltavam muitos passos para dar, o importante era ter as coisas caminhando. Era um prazer caminhar ao lado de Sarah. Ele torcia para que ela sentisse o mesmo.
- Não – Sarah protestou. – Você disse alguma coisa de pizza?
Ele riu e observou bem de perto o sorriso que ela abriu. Era difícil fazê-la sorrir ultimamente, ainda mais quando não tinha motivo, como naquela ocasião, ou seja, era uma dupla satisfação. Ou tripla. Ou quádrupla. Ou a multiplicação que um ser humano feliz estivesse disposto a fazer.
- Disse – ele confirmou a abraçando um tiquinho mais – A pizza que sobrou de ontem, lembra? Que no final das contas a gente acabou não comendo. Porque você sabe, outras coisas acabaram surgindo no nosso horizonte...
- Lembro – disse Sarah abrindo os olhos. – O sabor era pepperoni?
- Isso mesmo – Oliver esticou o braço e alcançou o prato, Sarah não perdeu tempo em se sentar na cama e devorar a pizza.
**
- Tem certeza que você não pode me contar para onde estamos indo? Eu meio que preciso dessa informação pra poder dirigir com segurança.
A única coisa que ela precisava para dirigir com segurança era colocar o cinto de segurança e seguir as instruções de Oliver. Ele não queria estragar a surpresa. Na verdade, o que ele queria mesmo, era beijá-la. Por isso se inclinou em direção ao banco do motorista e colou a boca na dela.
Não precisava ser um gênio para perceber que ela estava sorrindo, mas o sentimento era esse por fazê-la sorri pela segunda vez no dia, um gênio. Ele não conseguia lembrar quando foi que a vida se tornou tão genial. A mão dela veio parar no seu pescoço e os dentes da frente morderam de leve seus lábios.
- E agora? Vai me contar? – ela perguntou a centímetros de distância dele.
Com certeza percebeu o "não" que ele fez com a cabeça. A maneira que a ponta do nariz dele passava pela ponta do nariz dela a cada vez que ele mudava a cabeça de lado era bastante perceptível.
- Vamos lá, Sarah. Dá a partida.
Ela ligou o carro e eles seguiram viagem.
A cada curva que ele indicava, ela insistia mais uma vez que queria saber para onde eles estavam indo. Tinha horas que ela exigia saber. Pelo bem da segurança. Mas eles estavam seguros, eles estavam juntos. E se ela continuasse dirigindo em velocidade baixa, seguindo as instruções que ele dava, Oliver não se incomodava de cuidar de todo o resto.
Pensar em cuidados lembrava Oliver de uma coisa.
- Sar, eu não quero que você fique brava, mas eu comprei umas lâmpadas...
- Isso ainda é aquele papo de falta de iluminação?
- É, então, não estou querendo invadir seu espaço nem nada, sua casa é totalmente sua e se você quiser continuar vivendo nela numa meia penumbra, é uma opção totalmente sua.
- Talvez eu queira – ela falou, empinando queixo lá no alto.
- Mas é que eu fiquei me perguntando, como é que você lê seus livros daquele jeito? Deve fazer muito mal para o olho.
- Pois é, então... – ela largou o volante para prender o cabelo no topo da cabeça, Oliver assumiu o controle, não porque eles estavam numa parte da estrada que era imprescindível ter alguém ao volante, mas porque queria se fazer útil em todos os aspectos possíveis, inclusive os mais bobos. – Eu não tenho lido tanto quanto costumava.
- Ora, por quê? Você amava ler. Você era a presidente do clube do livro!
- Eu não tenho mais tempo – ela respondeu reassumindo o volante.
- Como assim? Por causa do trabalho? Eu não tinha ideia de que consumia tanto seu tempo.
- Vai ver meus hobbies mudaram.
- Você não gosta mais de ler? – Oliver perguntou, abismado.
Ele não sabia o que fazer com essa informação. Se isso fosse verdade, ele ficaria horrorizado. A Sarah que ele conhecia e amava sempre carregava um livro aonde quer que fosse. Dois, se já tivesse passado da metade na leitura do primeiro, ela levava o segundo para caso de emergência. Se ela não era mais aquela pessoa, se ela não gostasse mais de ser aquela pessoa, Oliver não sabia mais direito que pessoa ela era.
E um dos seus hobbies era conhecer os mínimos detalhes da pessoa que Sarah era.
- Eu gosto! Acho. É só que eu não tenho tido chance ultimamente. E ler é uma coisa de hábito.
- Se é de tempo que você precisa, a gente arruma tempo. Eu posso te ajudar com o trabalho. Eu posso te ajudar com tudo o que você quiser, Sarah.
- Pode me contar para onde estamos indo? Isso me ajudaria a decidir em que lado da pista ficar.
- Pode ficar onde você está. Isso é o máximo que eu posso ajudar – ele sorriu com um sorriso satisfeito de quem sabia o que ia fazer.
**
- Meu Deus, isso é real? – Sarah perguntou andando entre um dos corredores do galpão.
- Tão real quanto a poeira que a cerca.
Era o terceiro sorriso que ele arrancava de Sarah. Tinha sido enorme, ocupou o rosto todo, quando ela não sabia que ele estava olhando. Mas ele estava, olhava o tempo todo, porque ele tampouco acreditava que era real, Sarah Atteli, bem ali na gráfica deles.
- Pra que serve isso? – ela apontou para um dos aparelhos.
- Guilhotina – ele explicou. – Para afilar as bordas das coisas, deixar tudo exatamente do mesmo tamanho.
- Por um momento pensei que era para falar: "Cortem a cabeça dela!".
- Não, no máximo podemos gritar: "Cortem as arestas dela!"
- Serve também – disse Sarah com um encolher de ombros enquanto seguia adiante.
Ela caminhava com passos distraídos pelo corredor, Oliver seguia logo atrás dela, examinando a produção que tinha sido feita antes que eles chegassem. Parte do pessoal tinha chegado antes do sol nascer para dar conta de fazer tudo até o fim do dia. Depois do almoço eles iriam embora e sobraria apenas para Oliver terminar tudo o que faltava.
Mas não seria tão ruim se Sarah quisesse ajudar.
Sarah parou de uma hora para a outra mais adiante, na ponta do meu corredor. Olhou para Oliver com os olhos arregalados por trás dos óculos:
- Meu Deus, me diga que essa versão enorme do João não é real.
Foi a vez de Oliver encolher os ombros. Era mesmo João. Ele tinha concordado em ir lá cedo para ajudar. E era verdade, ele estava mesmo cada dia maior. Ele confirmaria para Sarah se ela ainda estivesse no seu campo de visão.
Oliver apressou o passo e alcançou a ponta do corredor a tempo de ver que Sarah cumprimentava João com o abraço. Seu irmão era to alto que ao abraçá-la fazia os pés dela se descolarem do chão. Devia fazer muito tempo mesmo que eles não se viam.
- Sarinha! Eu não sabia que você vinha! Se eu soubesse juro que eu teria me arrumado direito.
Não havia nada de errado com a roupa de João. Uma calça de moletom, uma blusa um tanto quanto esgarçada. Tudo bem, dava uns traços com um pijama, mas nada que comprometesse sua produtividade. Afinal, aquilo era uma gráfica, não um desfile de modas. Independente de quem estivesse circulando por ali ou não. Quanto mais esculachados os membros da equipe viessem, melhor.
- Se te serve de consolo – Sarah disse, ajeitando os óculos, que provavelmente devem ter saído do lugar naquele abraço tão entusiasmado. – Eu também não sabia que eu vinha.
- Belo consolo, Sarinha, pelo menos você não veio com chinelos e meia.
Quanto mais esculachado melhor, Oliver frisou na sua mente.
- Vem cá, você vai ficar me chamando de Sarinha só porque agora você é muito maior que eu?
- Sempre que puder – João disse com um dar de ombros.
Ele sentia orgulho do tamanho que tinha, ele ia à academia religiosamente para isso. Oliver se admirava por ele ainda não ter colocado o bíceps na frente de Sarah e a mandado apertar para notar firmeza no músculo.
Seria típico. Seria trágico.
- Olha só como o mundo dá voltas! – Sarah disse admirada enquanto admirava João. – Quando eu te conheci você era pequenininho, mal saído das fraldas. Posso até falar a famosa frase de tiazona: "Peguei esse menino no colo!".
- Tirando o fato de que você nunca pegou – Oliver interveio antes de perder a oportunidade de ficar calado.
- Como assim? – João perguntou, confuso.
Oliver já tinha falado para ele que a albumina estava inchando até mesmo o seu cérebro, deixando as informações desconectadas umas das outras. Mas ele ouvia os conselhos do irmão mais velho? Não, nunca.
- Sarah nunca te pegou no colo, não que eu me lembre – Oliver achou melhor enriquecer o exemplo com mais detalhes. – Pelo que eu me lembro quem ela pegou no colo fui eu, no dia em que papai comprou nossas pranchas de surf, mas esqueceu de comprar o elástico para prender as pranchas no rack. Nós tivemos que ir espremidos dentro do carro, junto com a pranchas e alguém tinha que ir no colo. Eu me ofereci meu colo pra Sarah, porque você era muito pequeno. Mas ela criou o maior caso, falando que ela aguentava tanto ou mais peso que eu. E para provar eu tive que ir no colo dela a viagem toda.
- Nossa, cara, como você se lembra dessas coisas?
- Eu maneiro na albumina – Oliver respondeu catando um serviço pra fazer.
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Oi, gente tudo bem? Espero que sim. E que todo mundo que fez ENEM esteja em paz agora que ele acabou. Desejo muita sorte nos resultados. Se eles fossem feitos de estrelas eu estrelaria pra vocês. Mas enfim, o capítulo, tirem suas próprias conclusões, eu não vou falar nada.
Comecei esse desafio NaNoWriMo e estou a louca da escrita, o que explica minha falta de papo. E vocês o que contam de novo? Porque euzinha aqui ainda não posso contar muita coisa, só queria saber o que vocês estão achando dessa fase semi-paz #Saliver.
E não se esqueçam das estrelas, por favor, não esqueçam mesmo porque hoje eu estou >triste<.
Beijos cheios delas!****************