A sensação insuportável de estar sendo sufocada por um espartilho fez Anabete inclinar o corpo para frente e soltar um gemido de dor. A ideia de Diana era: ficar o mais bonita possível e conquistar o Sr. Hamilton de vez. E enquanto a Srta. Montez puxava os cordões, Anabete pensava se aquela não seria a hora de desistir.
- Eu não... entendo. - a Srta. Moreira tentava respirar, porém sentira como se seus pulmões fossem esmagados. - Como ficar sem... ar pode... ajudar a... conquistar o Sr. Hamilton?
- Sei que espartilho apertado é ruim, querida, mas - Diana fez uma pausa para puxar os cordões uma última vez. - sua cintura ficará impecável! - ela deu um nó e se afastou. - Pronto.
- Não consigo respirar. - Anabete tentou sentar na cama, mas não foi possível e ficou de pé.
- Respire pela boca! - a amiga ordenou. - Agora vestirá um de meus vestidos e desceremos para o jantar.
- Diana, será mesmo que devo continuar investindo nisso?
- Claro que sim! Pelo que me contou, o Sr. Hamilton tem muita atração por você e se não for esperta, Celina o pegará de você!
Bastou ouvir o nome da irmã de Diana e suas mãos já começaram a tremer. Era ódio, só podia ser. Aquela moça a tirava do sério. Sempre aparecendo quando não devia, interrompendo suas conversas com o Sr. Hamilton e fazendo todo o tipo de comentário egocêntrico ao lado de sua avó. Ela adoraria vê-la partir junto daquela velha, tinha certeza de que não fariam um pingo de falta. Na verdade, seria uma benção de Deus.
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No decorrer das semanas, Anabete estava tentando perder a timidez e se tornar mais amigável com seu patrão. Escrever todas aquelas cartas ajudavam um pouco, pois assim ela já conseguia se sentir confiante e isso facilitara um diálogo entre os dois. Porém, a proximidade entre Robert e a simples dama de companhia não deixava a condessa de Montez dormir direito. Ela ficava pensando em planos para juntá-lo com Celina o mais rápido possível e seria durante o aniversário da loira que ela estava disposta a por um fim na amizade do Sr. Hamilton com Anabete.
Em mais um dia refrescante da temporada, Diana tivera a ideia de todos aproveitarem a manhã em um picnic. O Sr. Hamilton pediu para que os empregados preparassem cestas com lanches e tudo que Diana exigisse. Perto do riacho da propriedade, os Borges, os Montez e Anabete seguiam Robert até uma área muito agradável. Chegando lá, Celina pôs a grande toalha avermelhada sobre a grama e todos sentaram no chão para admirar a paisagem. Rodolfo Borges e Diana passavam a maior parte do tempo rindo e conversando baixinho, já Celina fez questão de ficar próxima do Sr. Hamilton e isso fez Anabete soltar um longo suspiro e levantar da toalha para caminhar até a beira do riacho.
- Está tudo bem, Srta. Moreira? - Maurício Borges quis saber enquanto se aproximava.
- Sim. Estou apenas fadigada. Nada demais.
Houve um breve silêncio, mas ele o quebrou:
- A senhorita já ouviu as novas?
- Que novas? - ela o olhou.
- Hamilton pedirá a mão de Celina durante o baile de aniversário dela.
O coração de Anabete partiu-se em pedaços e ao sentir uma forte tontura, tudo a sua volta pareceu girar. Fraca e com a visão turva, o Sr. Borges a segurou pelos ombros e a manteve de pé por alguns segundos, porém a dor em seu peito foi maior e ela não conseguiu manter os olhos abertos por muito tempo
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Robert carregou Anabete nos braços até chegarem à grande casa. Maurício se ofereceu várias vezes para levá-la, mas o Sr. Hamilton não deixara de forma alguma. Estava aflito demais e senti-la ainda quente em seu colo o deixava mais tranquilo, assim ele sabia que ela ficaria bem. Logo no hall de entrada, a condessa viu todos chegarem às pressas e se apavorou ao ver Anabete nos braços do Sr. Hamilton. Porém ela não estava preocupada com o estado de saúde da moça, mas sim com o fato de seu plano casamenteiro não estar indo nada bem.
- O que aconteceu? - ela fingiu importa-se.
- A Srta. Moreira desmaiou. - Robert correu para as escadas.
- Sr. Borges, chame o pai de Anabete, por favor. - Diana pediu ao noivo com os olhos cheios de aflição. - Diga que ela está inconsciente. O esperaremos em meu quarto.
- Direi, sim. Fique tranquila. Tenho certeza de que sua amiga ficará bem. - Rodolfo tocou as mãos gélidas da Srta. Montez e correu à procura do pai de Anabete para avisá-lo sobre o estado da filha.
- Com licença. - Diana então afastou-se, deixando a avó, Celina e Maurício sozinhos, e subiu os degraus segurando as saias do vestido para não tropeçar.
Depois de certificar que estavam em completa privacidade, a condessa de Montez disse em um sussurro:
- Por que cargas d'água essa garota desmaiou?
- Vovó, aparentemente ela não gostou de saber sobre meu noivado com o Sr. Hamilton. - Celina riu baixinho.
- Então vocês seguiram o plano? - a velha sorriu. - Disseram àquela criada sobre um suposto noivado?
- Sim, condessa. - Maurício confirmou. - Fiz exatamente o que a senhora me pediu. Assim que contei a mentira sobre o noivado, a Srta. Moreira desmaiou. Certamente deve amar Hamilton mais do que imaginava.
- Ela pode amá-lo, mas não casará com ele! Celina tomará o lugar de Sra. Hamilton! - a condessa cuspiu as palavras.
- E farei o que mais for necessário para tê-lo! - a loira cerrou os punhos.
- Mas viram a forma com que Hamilton se preocupa com ela? - Maurício interveio. - Ele nutre sentimentos por ela. Acham que devemos continuar com os planos?
- Cale-se, Sr. Borges! - ordenou a condessa. - É claro que continuaremos com os planos! Mais cedo ou mais tarde a criadinha desistirá do Sr. Hamilton.
Maurício apenas afirmou com a cabeça e então retirou-se para ir ver Anabete. Ele de fato a queria, mas se perguntava se armar planos diabólicos para separá-la de seu amigo era a melhor forma de tê-la. Seu coração lhe dizia que não, porém seu lado sombrio o orientava a seguir em frente com as armações. E infelizmente, o lado sombrio era o mais forte.
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Depois de acordar do desmaio repentino, Anabete sentiu uma umidade em sua testa. Tocou-a então e percebeu que um pano molhado a refrescava. Ao ver a filha despertar do sono, o Sr. Moreira correu para a beirada da cama e acariciou o rosto da moça.
- Papai?
- Graças a Deus! - ele sorriu. - Estava morrendo de preocupação, Anabete!
- O que aconteceu? - ela tirou o pano úmido da testa e sentou-se na cama, notando a presença de Diana, Maurício e Robert.
- A senhorita teve um desmaio. - o Sr. Hamilton apressou-se para responder antes do Sr. Borges. - Estávamos perto do riacho quando aconteceu.
- Lembro-me agora. - Anabete esfregou as têmporas. Estava começando a lembrar também sobre a conversa com Maurício. Ele lhe dissera sobre o noivado de Celina e Robert e isso a fez por uma das mãos sobre o coração.
- Está sentindo alguma dor? - Diana se aproximou.
- Não, não. - ela negou com a cabeça, fracamente. - Sinto muito por ter estragado uma manhã que deveria ter sido tão agradável.
- Não há porque se desculpar. - Maurício sorriu. - A sua saúde é o mais importante.
- Querida, precisa de algo? - o Sr. Moreira perguntou com carinho.
- Não. Só vou descansar um pouco. - forçou um sorriso.
- Tem certeza de que está bem? - Robert a encarou. Sua expressão era totalmente dura, mas havia um fundo de compaixão e preocupação em seu tom de voz.
- Sim, Sr. Hamilton. Obrigada.
- Voltarei para vê-la mais tarde. - ele curvou-se educadamente e lançou-lhe um último olhar antes de sair do quarto.
Maurício foi o próximo a deixar os aposentos de Anabete e quando Diana prometeu cuidar da amiga, o Sr. Moreira voltou a seus afazeres do dia. Fora realmente um susto para todos, porém já estava tudo bem. Bom, quase tudo.
- Anabete, o que aconteceu para que desmaiasse? - Diana sentou ao seu lado na cama. - Será que foi fraqueza? Não se alimentou bem esta manhã?
A dama de companhia poderia ter dito a verdade; deveria ter falado que desmaiou ao ouvir sobre o noivado de Celina e Robert. Entretanto, ela não conseguiu repetir as palavras de Maurício e por isso decidiu guardar o motivo de sua inconsciência apenas para si.
- Foi isso mesmo, Diana. - mentiu. - Não me alimentei como devia.
- Vou pedir para que tragam uma sopa para você. - a Srta. Montez ficou de pé e se dirigiu à porta. - Já volto.
Quando enfim estava sozinha, Anabete correu os dedos pelos cabelos um pouco bagunçados e olhou para o teto. Começou a pensar que talvez estivesse na hora de voltar para o convento.
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Dedico este capítulo a PriscaAtomicBomb por ser uma leitora incrível e uma escritora maravilhosa!
Muito obrigada por estar acompanhando e me motivando, Pri! 💜