O Conde de Monte Cristo - Ale...

By AlineTomeh

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Traições, denúncias anônimas, tesouros fabulosos, envenenamentos, vinganças e muito suspense. A trama de "O C... More

Referências Bibliográficas
Apresentação
Prefácio - O estado civil do Conde de Monte Cristo¹
PARTE I
1. Marselha: A Chegada
2. O Pai e o Filho
3. Os Catalães
4. Complô
5. O Almoço de Noivado
6. O Substituto do Procurador do Rei
7. O Interrogatório
8. O Castelo de If
9. A Noite do Noivado
10. O Pequeno Gabinete das Tulherias
11. O Ogro da Córsega
12. O Pai e o Filho
13. Os Cem Dias
14. O Prisioneiro Furioso e o Prisioneiro Louco
15. O Número 34 e o Número 27
16. Um Sábio Italiano
17. A Cela do Abade
18. O Tesouro
19. A Terceira Crise
20. O Cemitério do Castelo de If
21. A Ilha de Tiboulen
PARTE II
1. Os Contrabandistas
2. A Ilha de Monte Cristo
3. Deslumbramento
4. O Desconhecido
5. A Estalagem da Ponte do Gard
6. O Relato
7. O Livro de Registro das Prisões
8. A Casa Morrel & Filho
9. O 5 de Setembro
10. Itália - Simbad, O Marujo
11. Despertar
12. Bandidos Romanos
13. Aparição
14. A Mazzolata
15. O Carnaval de Roma
16. As Catacumbas de São Sebastião
17. O Encontro
PARTE III
1. Os Comensais
2. O Café da Manhã
3. A Apresentação
4. O Sr. Bertuccio
5. A Casa de Auteuil
6. A Vendetta
7. A Chuva de Sangue
8. O Crédito Ilimitado
9. A Parelha Tordilha
10. Ideologia
11. Haydée
12. A Família Morrel
13. Píramo e Tisbe ¹
14. Toxicologia
15. Roberto Diabo ¹
16. A Alta e a Baixa
17. O Major Cavalcanti
18. Andrea Cavalcanti
19. O Cercado de Alfafa
PARTE IV
1. O Sr. Noirtier de Villefort
2. O Testamento
3. O Telégrafo
4. Como Livrar Um Jardineiro Dos Arganazes Que Comem Seus Pêssegos ¹
5. Os Fantasmas
6. O Jantar
7. O Mendigo
8. Cena Conjugal
9. Planos de Casamento
10. O Gabinete do Procurador do Rei
11. Um Baile de Verão
12. As Informações
13. O Baile
14. O Pão e o Sal
15. A Sra. de Saint-Méran
16. A Promessa
17. O Jazigo da Família Villefort
18. A Ata
19. Os Progressos de Cavalcanti Filho
20. Haydée
PARTE V
2. A Limonada
3. A Acusação
4. O Quarto do Padeiro Aposentado
5. O Arrombamento
6. A Mão de Deus
7. Beauchamp
8. A Viagem
9. O Julgamento
10. A Provocação
11. O Insulto
12. A Noite
13. O Encontro
14. A Mãe e o Filho
15. O Suicídio
16. Valentine
17. A Confissão
18. O Pai e a Filha
19. O Contrato
20. A Estrada da Bélgica
PARTE VI
1. O Hotel do Sino e da Garrafa
2. A Lei
3. A Aparição
4. Locusta
5. Valentine
6. Maximilien
7. A Assinatura Danglars
8. O Cemitério Père-Lachaise
9. A Partilha
10. O Covil dos Leões
11. O Juiz
12. O Júri
13. O Auto de Acusação
14. Expiação
15. A Partida
16. O Passado
17. Peppino
18. O Cardápio de Luigi Vampa
19. O Perdão
20. O 5 de Outubro

1. " Escrevem-nos de Janina "

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By AlineTomeh

          Franz saíra do quarto de Noirtier tão vacilante e perplexo que até mesmo Valentine sentira pena dele.

          Villefort, que articulara apenas algumas palavras sem sentido e se refugiara em seu gabinete, recebeu a seguinte carta duas horas depois:


          " Após as revelações desta manhã, o sr. Noirtier de Villefort não pode supor que seja possível uma aliança entre sua família e a do sr. Franz d'Épinay. O sr. Franz d'Épinay tem horror de pensar que o sr. de Villefort, aparentemente conhecedor dos fatos narrados esta manhã, não o tenha prevenido devidamente. "


          Naquele momento, qualquer um que tivesse visto o magistrado abatido por tal golpe não acreditaria que ele o previsse. Com efeito, Villefort nunca imaginou que seu pai levaria a franqueza, ou melhor, a rudeza, a ponto de contar uma história daquelas. É bem verdade que o sr. Noirtier, sempre desdenhoso para com a opinião do filho, jamais se preocupara em lhe esclarecer a verdade dos fatos, e Villefort sempre acreditara que o general de Quesnel, ou barão d'Épinay, conforme se queira chamá-lo, pelo nome com que ele se fez ou pelo nome que lhe deram, morrera assassinado e não em um duelo justo.

          Essa carta tão dura, da lavra de um rapaz até aquele momento tão respeitoso, era mortal para o orgulho de um homem como Villefort.

          Assim que entrara em seu gabinete, sua mulher chegava em casa. A saída de Franz, chamado pelo sr. Noirtier, havia surpreendido a todos de tal maneira que a posição da sra. de Villefort, permanecendo sozinha com o tabelião e as testemunhas, tornou-se cada vez mais embaraçosa.

          Isso fez com que tomasse uma decisão, e saiu dizendo que ia à cata de notícias.

          O sr. de Villefort contentou-se em dizer-lhe que, por meio de um acordo entre ele, o sr. Noirtier e o sr. d'Épinay , o casamento de Valentine com Franz estava rompido.

          Era difícil comunicar a decisão aos que aguardavam; assim, a sra. de Villefort, ao voltar, contentou-se em dizer que, devido a uma espécie de ataque de apoplexia sofrido pelo sr. Noirtier no início da conversa com o noivo, o contrato estava naturalmente adiado para dali a alguns dias.

          Tal notícia, por mais mentirosa que fosse, encaixava-se tão singularmente na sequência de duas tragédias do mesmo gênero que os ouvintes entreolharam-se, espantados, e se retiraram sem uma palavra.

          Nesse intervalo, Valentine, feliz e aturdida ao mesmo tempo, após ter beijado e agradecido ao débil ancião, que dessa forma, com apenas um golpe, acabava de romper definitivamente uma corrente que ela já via como inquebrantável, pedira para se retirar aos seus aposentos a fim de se recompor, e Noirtier, com o olho, concedera-lhe a permissão solicitada.

          Porém, assim que foi liberada, Valentine, em vez de subir para o quarto, tomou o corredor e, saindo pelo portãozinho, correu até o jardim. Em meio a todos esses acontecimentos, que se acumulavam uns sobre os outros, um terror surdo atormentara constantemente seu coração.

          Esperava que, de uma hora para outra, Morrel irrompesse, pálido e ameaçador como o laird de Ravenswood na assinatura do contrato de Lucia de Lammermoor ¹.

          Com efeito, chegou bem a tempo no portãozinho. Maximilien, que desconfiara do que estava para acontecer ao ver Franz deixar o cemitério com o sr. de Villefort, seguira-o. Depois de o ver entrar, vira-o também sair e entrar novamente com Albert e Château-Renaud. Para ele, portanto, não restava mais dúvida. Correra então para o cercado, disposto a tudo e com a convicção de que, ao primeiro momento de liberdade, Valentine viria a seu encontro.

          Não se enganara. Seu olho, colado nas tábuas, avistou de fato a chegada da moça, que, sem tomar nenhuma das precauções de costume, corria para o portãozinho. Assim que a viu, Maximilien tranquilizou-se. À primeira palavra que ela pronunciou, pulou de alegria.

          — Salvos! — disse Valentine.

          — Salvos! — repetiu Morrel, sem conseguir acreditar naquela felicidade.

          — Mas salvos por quem?

          — Pelo meu avô. Oh, ame-o muito, Morrel!

          Morrel jurou amar o velho com toda a sua alma; e não lhe custava nada esse juramento, uma vez que, naquele instante, não se contentava em amá-lo como um amigo ou um pai, adorava-o como a um deus.

          — Mas como foi isso? — perguntou Morrel. — Que recurso extravagante ele usou?

          Valentine abria a boca para contar tudo, quando julgou haver no fundo de tudo aquilo um segredo terrível que não pertencia apenas ao seu avô.

          — Mais tarde — ela disse —, conto-lhe tudo.

          — Mas quando?

          — Quando eu for sua mulher.

          Isso era introduzir a conversa num capítulo que deixava Morrel receptivo a tudo; dispôs-se inclusive a ouvir que devia contentar-se com o que sabia, pois era o suficiente para um dia.

          Entretanto, só consentiu em se retirar diante da promessa de que encontraria Valentine na noite seguinte.

          Valentine prometeu o que Morrel exigia. Tudo mudara aos seus olhos. Decerto, agora, era-lhe menos difícil acreditar que se casaria com Maximilien do que acreditar uma hora antes que não se casaria com Franz.

          Nesse ínterim, a sra. de Villefort dirigira-se ao quarto de Noirtier. Noirtier fitou-a com o olho ameaçador e severo com que tinha o hábito de recebê-la.

          — Senhor — ela disse —, não preciso dizer-lhe que o casamento de Valentine foi rompido, uma vez que foi aqui que se deu esse rompimento.

          Noirtier permaneceu impassível.

          — Porém — continuou a sra. de Villefort —, o que o senhor não sabe, é que sempre me opus a esse casamento, arquitetado à minha revelia.

          Noirtier olhou para a nora como quem espera uma explicação.

          — Ora, agora que esse casamento, que, eu sabia, tanto o contrariava, está rompido, venho tratar de um assunto que nem o sr. de Villefort nem Valentine podem tratar.

          Os olhos de Noirtier perguntaram que assunto era esse.

          — Venho pedir-lhe, senhor — continuou a sra. de Villefort —, como única detentora desse direito, pois sou a única que não ganhará nada com isso, para que restitua, não direi suas boas graças, ela nunca as perdeu, mas sua fortuna, à sua neta.

          Os olhos de Noirtier permaneceram vacilantes por um instante. Ele evidentemente procurava os motivos daquele pedido e não os conseguia encontrar.

          — Posso ter a esperança, senhor — perguntou a sra. de Villefort —, de que suas intenções conciliam-se com o pedido que acabo de lhe fazer?

          — Sim — fez Noirtier.

          — Nesse caso, senhor — disse a sra. de Villefort —, retiro-me ao mesmo tempo grata e feliz.

          E, cumprimentando o sr. Noirtier, retirou-se.

          Com efeito, logo no dia seguinte Noirtier mandou chamar o tabelião. O primeiro testamento foi rasgado e fez-se um novo, pelo qual toda a sua fortuna era legada a Valentine, com a condição de que não a separassem dele.

          Houve então, na sociedade, quem calculasse que a srta. de Villefort, herdeira do marquês e da marquesa de Saint-Méran, e novamente nas boas graças do avô, um dia viria a dispor de cerca de trezentas mil libras de renda.

          Enquanto o casamento era rompido na casa dos Villefort, o sr. conde de Morcerf recebera a visita de Monte Cristo. Em seguida, como demonstração de boa vontade para com Danglars, envergou seu uniforme de gala de tenente-general, que mandara paramentar com todas as suas cruzes, e pediu seus melhores cavalos. Assim ataviado, dirigiu-se à rua de la Chaussé d'Antin, onde se fez anunciar a Danglars, que fazia seu balanço de fim de mês.

          Não era exatamente ocasião para encontrar o banqueiro de bom humor. Assim, quando o ex-amigo apareceu, Danglars assumiu sua expressão majestosa e instalou-se resolutamente em sua poltrona.

          Morcerf, sempre tão grave, adotara, ao contrário, um semblante risonho e afável. Por conseguinte, convencido de que sua boa vontade ia ser bem acolhida, não usou de diplomacia e, indo direto ao assunto, disse:

          — Barão, aqui estou. Há tempos estamos a remoer nossas palavras de outrora...

          Com esse introito Morcerf esperava desanuviar o semblante do banqueiro, cujo mau humor atribuía a seu silêncio; porém, ao contrário, aquele semblante tornou-se, o que era quase inacreditável, ainda mais frio e impassível.

          Eis por que Morcerf detivera-se no meio da frase.

          — Que palavras, sr. conde? — perguntou o banqueiro, como se inutilmente procurasse em seu espírito a explicação do que o general queria dizer-lhe.

          — Oh — disse o conde —, está sendo formal, meu caro senhor, o que me lembra que o cerimonial deve seguir todos os ritos. Muito bem, pela minha fé! Sinto muito; como tenho apenas um filho, e como esta é a primeira vez em que cogito casá-lo, ainda sou um mero aprendiz: às suas ordens, obedeço.

          E Morcerf, com um sorriso forçado, levantou-se, fez uma profunda reverência a Danglars e disse:

          — Sr. barão, tenho a honra de lhe pedir a mão da srta. Eugénie Danglars, sua filha, para meu filho o visconde Albert de Morcerf.

          Mas Danglars, em vez de acolher essas palavras com a benevolência que dele se podia esperar, franziu o cenho e, sem convidar o conde, que permanecera de pé, a sentar, ganhou tempo:

          — Sr. conde, antes de lhe responder, eu precisaria refletir.

          — Refletir! — reagiu Morcerf, cada vez mais perplexo. — Não teve tempo de refletir desde a primeira vez que conversamos sobre esse casamento, já se vão oito anos?

          — Sr. conde — disse Danglars —, todos os dias acontecem coisas que exigem um reexame das reflexões que julgávamos feitas.

          — Como assim? — perguntou Morcerf. — Não o compreendo muito bem, barão!

          — Quero dizer, cavalheiro, que de quinze dias para cá novas circunstâncias...

          — Com licença — atalhou Morcerf —, não estaríamos representando uma farsa?

          — Como assim, uma farsa?

          — Pois bem, expliquemo-nos francamente!

          — Não lhe peço outra coisa.

          — Esteve com o sr. de Monte Cristo?

          — Vejo-o com frequência — respondeu Danglars, balançando seu plastrão —, é um amigo.

          — Pois bem! Uma das últimas vezes em que esteve com ele, o senhor lhe disse que eu parecia ressabiado, vacilante, com relação a esse casamento.

          — É verdade.

          — Pois bem! Aqui estou. Não estou nem ressabiado nem vacilante, como vê, uma vez que venho intimá-lo a cumprir sua promessa.

          Danglars não respondeu.

          — Faz tempo que mudou sua opinião — acrescentou Morcerf —, ou só provocou meu pedido para se proporcionar o prazer de me humilhar?

          Danglars compreendeu que, se continuasse a conversa no tom que a encetara, poderia se dar mal.

          — Sr. conde — disse ele —, tem todo o direito de ficar surpreso com a minha hesitação, eu o compreendo. Mas saiba que ela me aflige em primeiro lugar; saiba que ela me é imposta por circunstâncias imperiosas.

          — Isto não passa de palavras ao vento, meu caro senhor — disse o conde —, com as quais talvez um qualquer se contentasse; mas o conde de Morcerf não é um qualquer; e, quando um homem como ele vai ao encontro de outro homem, lembrando-o da palavra empenhada, e esse homem falta com sua palavra, tem o direito de exigir prontamente pelo menos uma boa razão.

          Danglars era covarde, mas não queria deixar transparecer. Ficou irritado com o tom que Morcerf acabava de adotar.

          — Boas razões é que não me faltam — replicou ele.

          — Que pretende dizer com isso?

          — Que boas razões eu tenho, mas elas são difíceis de expor.

          — Percebe, entretanto — disse Morcerf —, que não posso me satisfazer com sua reticência? Em todo caso, uma coisa me parece clara, é que o senhor recusa minha aliança.

          — Não, senhor — disse Danglars —, deixo minha decisão em suspenso, só isso.

          — Contudo, suponho que não tenha a pretensão de achar que subscrevo seus caprichos a ponto de esperar tranquila e humildemente o retorno de sua boa vontade...

          — Nesse caso — sr. conde —, se não pode esperar, consideremos nossos projetos letra morta.

          O conde mordeu os lábios até sangrar para não explodir como exigia seu temperamento arrogante e irritadiço. No entanto, compreendendo que, em tais circunstâncias, o ridículo recairia sobre si mesmo, já começara a se dirigir para a porta do salão quando, pensando melhor, deu meia-volta.

          Uma nuvem acabava de atravessar sua fronte, deixando ali, no lugar do orgulho ofendido, o vestígio de uma vaga inquietude.

          — Vejamos — ele disse —, meu caro Danglars, conhecemo-nos há muitos anos e, portanto, temos o dever de nos dispensar certas gentilezas mútuas. O senhor me deve uma explicação; o mínimo que exijo saber é a que infeliz acaso meu filho deve a perda de suas boas intenções para ele.

          — Nada pessoal com relação ao visconde, eis tudo que lhe posso dizer, cavalheiro — respondeu Danglars, que recuperava a impertinência ao ver o outro fraquejar.

          — E é pessoal com relação a quem? — perguntou Morcerf, com uma voz alterada, lívido.

          Danglars, a quem não escapava nenhum desses sintomas, dardejou sobre ele um olhar mais determinado que o de costume.

          — Agradeça-me por não me explicar mais.

          Um tremor nervoso, sem dúvida fruto de uma cólera contida, agitava Morcerf.

          — Tenho o direito — respondeu ele, fazendo um violento esforço sobre si mesmo — e a intenção de exigir que o senhor se explique. Será contra a sra. Morcerf que tem alguma coisa? Minha fortuna seria insuficiente? São minhas opiniões, que, contrariando as suas...

          — Nada disso, cavalheiro — disse Danglars —, seria imperdoável de minha parte fazer tais alegações, pois me comprometi sabendo tudo isso. Não, não indague mais, sinto-me deveras envergonhado de fazê-lo fazer esse exame de consciência. Fiquemos por aqui, creia-me. Vamos estipular um prazo razoável, que não signifique nem um rompimento, nem um compromisso. Nada nos apressa, meu Deus! Minha filha tem dezessete anos e seu filho, vinte e um. Durante nossa trégua, o tempo irá colaborar; suscitará novos acontecimentos. As coisas que parecem obscuras na véspera às vezes clareiam no dia seguinte; às vezes, num dia, esfumam-se as mais cruéis calúnias.

          — Disse calúnias, cavalheiro? — exclamou Morcerf, empalidecendo. — Alguém anda a me caluniar?

          — Sr. conde, não nos aprofundemos, repito.

          — Quer dizer, cavalheiro, que me obriga a engolir calado essa recusa.

          — Constrangedora principalmente para mim, senhor. Sim, mais constrangedora para mim que para o senhor, pois eu contava com a honra de sua aliança, e um casamento frustrado sempre prejudica mais à noiva que ao noivo.

          — Pois bem, senhor, não falemos mais nisto — disse Morcerf. E, amarfanhando as luvas com raiva, deixou os aposentos.

          Danglars reparou que, sequer uma vez, Morcerf ousara perguntar se era por sua causa, dele, Morcerf, que ele, Danglars, retirava sua palavra.

          À noite, teve uma longa confabulação com vários amigos, e o sr. Cavalcanti, que passara a maior parte do tempo no salão das damas, foi o último a deixar a casa do banqueiro.

          No dia seguinte, ao acordar, Danglars pediu os jornais, que logo lhe foram trazidos: deixou de lado três ou quatro e pegou o Impartial ².

          Era nele que Beauchamp trabalhava como redator-chefe.

          Rasgou rapidamente a tarja de papel, abriu-o com uma precipitação nervosa, passou desdenhosamente pela página de Paris e, chegando às notas sociais, parou com um sorriso malvado numa coluna que começava com estas palavras: Escrevem-nos de Janina.

          — Bom — disse ele, após ter lido —, eis um trechinho sobre o coronel Fernand que, segundo toda probabilidade, irá dispensar-me de dar explicações ao sr. conde de Morcerf.

          No mesmo instante, isto é, quando soavam nove da manhã, Albert de Morcerf, vestindo preto, metodicamente abotoado, o passo agitado e a palavra lacônica, apresentava-se na casa de Champs-Élysées.

          — O sr. conde acaba de sair faz meia hora — disse o porteiro.

          — Baptistin foi com ele? — perguntou.

          — Não, sr. visconde.

          — Então chame Baptistin, preciso dar-lhe uma palavrinha.

          O porteiro foi chamar o mordomo e, um instante depois, voltou com ele.

          — Amigo — disse Albert —, peço-lhe desculpas pela indiscrição, mas quis lhe perguntar pessoalmente se o seu patrão saíra de fato.

          — Sim, senhor — disse Baptistin.

          — Inclusive para mim?

          — Sei muito bem o quanto meu patrão ficaria feliz em recebê-lo, e eu nunca misturaria o senhor com os demais.

          — Ainda bem, pois preciso conversar um assunto sério com ele. Acha que demora a voltar?

          — Não, pois pediu o almoço para as dez horas.

          — Bem, vou dar uma volta nos Champs-Élysées, às dez estarei aqui. Se o sr. conde voltar antes de mim, diga-lhe que peço que me aguarde.

          — Farei o que me pede, senhor, tenha certeza disso.

          Albert deixou o fiacre na porta do conde e foi dar um passeio a pé.

          Ao passar em frente à alameda das Viúvas ³, julgou reconhecer os cavalos do conde estacionando em frente ao estande de tiro de Gosset. Aproximou-se e, reconhecendo de fato os cavalos, reconheceu o cocheiro.

          — O sr. conde está no estande? — perguntou-lhe Morcerf.

          — Sim, senhor — respondeu o cocheiro.

          Com efeito, ao se aproximar, Morcerf começou a ouvir uma série de tiros regularmente espaçados.

          Entrou.

          No jardinzinho, encontrou o menino.

          — Perdão — ele disse —, mas o sr. visconde pode esperar um instante?

          — Por que isso, Philippe? — perguntou Albert, que, sendo um íntimo, surpreendia-se com aquele obstáculo incompreensível.

          — Porque a pessoa que está se exercitando neste momento atira apenas a sós, nunca na presença de alguém.

          — Nem sequer na sua presença, Philippe?

          — Pode ver que estou na porta do meu camarim.

          — E quem carrega as pistolas dele?

          — Seu criado.

          — Um núbio?

          — Um negro.

          — Isso mesmo.

          — Conhece então esse fidalgo?

          — Vim procurá-lo; é meu amigo.

          — Oh! Nesse caso, é diferente. Entrarei para avisá-lo.

          E Philippe, impulsionado pela própria curiosidade, entrou no galpão de tábuas. Um segundo depois, Monte Cristo apareceu no portal.

          — Peço desculpas por persegui-lo até aqui, meu caro conde — disse Albert. — Mas comunico-lhe desde já que seus criados não têm culpa e que a indiscrição é toda minha. Apresentei-me em sua casa, disseram-me que estava fora, mas voltaria às dez horas para almoçar. Aproveitei para dar o meu passeio aguardando as dez horas e, enquanto andava, avistei seus cavalos e seu coche.

          — O que o senhor diz me dá esperanças de que venha se convidar para almoçar.

          — Não, obrigado, não se trata de almoçar numa hora dessas; quem sabe almoçamos mais tarde, mas em má companhia, devo dizer!

          — Que diabos está dizendo?

          — Meu caro, bato-me em hoje duelo.

          — O senhor? E para quê?

          — Para lutar, caramba!

          — Sim, eu entendi, mas qual o motivo? Duela-se por todo tipo de coisa, compreenda.

          — Por uma questão de honra.

         — Ah, sim, isto é sério!

          — Tão sério que venho para lhe pedir um favor.

          — Qual?

          — Ser minha testemunha.

          — A coisa está ficando grave; não falemos nisto aqui e voltemos para a minha casa. Ali, dê-me água.

          O conde arregaçou as mangas e passou para o pequeno vestíbulo que precede os estandes, onde os atiradores costumam lavar as mãos.

          — Ora, entre, sr. visconde — sussurrou Philippe —, verá uma coisa estranha.

          Morcerf entrou. Em vez de alvos, cartas de baralho estavam coladas nos painéis.

          De longe, Morcerf julgou que era o baralho completo; havia desde o ás até o dez.

          — Ah, ah! — riu Albert. — Estava jogando dardo?

          — Não — disse o conde —, estava formando um baralho.

          — Como assim?

          — Pois é, são ases e dois que o senhor vê; só que minhas balas fizeram três, cinco, sete, oito, nove e dez.

          Albert se aproximou.

          Com efeito, as balas tinham, com linhas absolutamente precisas e distâncias absolutamente iguais, substituído os símbolos ausentes e perfurado a cartolina nos lugares pintados. Como se não bastasse, dirigindo-se ao painel, Morcerf recolheu duas ou três andorinhas que haviam cometido a imprudência de passar ao alcance da pistola do conde e que ele abatera.

          — Diabos! — exclamou Morcerf.

          — O que posso fazer, meu caro visconde? — disse Monte Cristo, enxugando as mãos na toalha trazida por Ali. — Tenho que me entreter nos meus momentos de ócio; mas, venha, acompanhe-me.

          Ambos entraram no cupê de Monte Cristo, o qual, passados alguns instantes, deixou-os na porta do nº 30.

          Monte Cristo conduziu Morcerf até seu gabinete e apontou-lhe uma cadeira. Ambos sentaram.

          — Agora, conversemos com calma — disse o conde.

          — Pode ver que estou completamente calmo.

          — Com quem pretende duelar?

          — Com Beauchamp.

          — Um amigo seu!

          — É sempre com amigos que se duela.

          — É preciso pelo menos uma razão.

          — Tenho uma.

          — O que ele lhe fez?

          — Num jornal de ontem à noite... Mas, tome, leia.

          Albert estendeu a Monte Cristo um jornal onde se liam as seguintes palavras:


          "Escrevem-nos de Janina:

          Um fato até agora ignorado, ou pelo menos inédito, chegou ao nosso conhecimento. Os castelos que defendiam a cidade foram entregues aos turcos por um oficial francês em quem o vizir Ali Tebelin depositara toda a sua confiança e que se chamava Fernand."


          — Ora — perguntou Monte Cristo —, o que vê nisto para ficar tão chocado?

          — Como! O que vejo?

          — É. Em que lhe concerne os castelos de Janina terem sido entregues por um oficial chamado Fernand?

          — Concerne-me na medida em que o nome de batismo do meu pai, o conde de Morcerf, é Fernand.

          — E o seu pai servia nas fileiras de Ali Paxá?

          — O que significa que lutava pela independência dos gregos; eis a calúnia.

          — Ah, meu caro visconde, conversemos sensatamente.

          — Não quero outra coisa.

          — Cá entre nós: quem diabos sabe, na França, que o oficial Fernand e o conde de Morcerf são o mesmo homem; quem se preocupa, numa altura dessas, com Janina, que foi tomada em 1822 ou 1823, acho?

          — Aqui é que está a perfídia: deixaram o tempo passar e hoje voltam a acontecimentos esquecidos para provocar um escândalo capaz de deslustrar uma alta posição. Pois bem! Eu, herdeiro do nome do meu pai, não admito que nenhuma sombra de dúvida paire sobre esse nome. Vou enviar a Beauchamp, cujo jornal publicou esta nota, duas testemunhas, e ele se retratará.

          — Beauchamp não se retratará.

          — Então, duelaremos.

          — Não, não duelarão, pois ele lhe responderá que talvez houvesse uns cinquenta oficiais de nome Fernand no exército grego.

          — Duelaremos a despeito dessa resposta. Oh, quero que isso desapareça... Meu pai, um soldado tão nobre, uma carreira tão ilustre...

          — Ou então ele publicará: "Temos elementos para crer que esse Fernand nada tem em comum com o sr. conde de Morcerf, cujo nome de batismo também é Fernand."

          — Preciso de uma retratação plena e integral. Não me contentarei em absoluto com esta.

          — E vai enviar-lhe testemunhas?

          — Sim.

          — Está errado.

          — Quer dizer que me recusa o favor que acabo de lhe pedir.

          — Ora! Conhece minha teoria a respeito do duelo; fiz-lhe minha profissão de fé em Roma, lembra-se?

          — Entretanto, meu caro conde, encontrei-o esta manhã, agora há pouco, exercitando-se numa atividade nada compatível com essa teoria.

          — Porque, meu caro amigo, há de compreender que nunca se deve ser impermeável. Quando se vive com loucos, convém fazer o aprendizado da loucura. De uma hora para outra, algum cérebro desmiolado, que não terá mais motivo para brigar comigo do que o senhor tem para brigar com Beauchamp, virá procurar-me pela primeira ninharia ocorrida, ou me enviar testemunhas, ou me insultará num local público. Pois bem, sinto-me na obrigação de matar esse cérebro desmiolado!

          — Admite então que lutaria pessoalmente?

          — Claro que sim!

          — Então por que não quer que eu duele?

          — Não digo que não deva lutar; digo apenas que um duelo é coisa grave e na qual é preciso refletir.

          — Por acaso ele refletiu quando insultou meu pai?

          — Se não refletiu, e caso o admita, não há por que ter raiva dele.

          — Oh, meu caro conde, o senhor é demasiado indulgente!

          — E o senhor, excessivamente rigoroso. Vejamos, suponha... escute bem, suponha... Não vá zangar-se com o que vou dizer!

          — Sou todo ouvidos.

          — Suponha que o fato noticiado seja verdadeiro...

          — Um filho não pode admitir tal suposição acerca da honra do pai.

          — Ora, meu Deus, vivemos numa época em que se admitem tantas coisas!

          — É este justamente o vício da época.

          — Tem a pretensão de reformá-la?

          — Sim, nos assuntos que me dizem respeito.

          — Meu Deus! Que intransigência, caro amigo!

          — Sou assim.

          — É inacessível aos bons conselhos?

          — Não, quando vêm de um amigo.

          — Acredita que sou um deles?

          — Sim.

          — Ótimo! Antes de enviar suas testemunhas a Beauchamp, informe-se.

          — Junto a quem?

          — Ora, meu Deus! Junto a Haydée, por exemplo.

          — Misturar uma mulher em tudo isso, para quê?

          — Para lhe dizer se o seu pai esteve ou não envolvido na morte do pai dela, por exemplo, ou esclarecê-lo a respeito, caso o sr. conde de Morcerf tivesse tido a infelicidade...

          — Já lhe disse, meu caro conde, que não posso admitir uma suposição dessas.

          — Recusa então essa alternativa?

          — Recuso.

          — Em definitivo?

          — Em definitivo.

          — Então, um último conselho.

          — De acordo! Mas o último.

          — Não quer?

          — Ao contrário, peço.

          — Não envie testemunhas a Beauchamp.

          — Como?

          — Vá encontrá-lo pessoalmente.

          — É contra todos os procedimentos usuais.

          — Seu caso extrapola os procedimentos usuais.

          — E por que devo ir pessoalmente, posso saber?

          — Porque assim o episódio fica entre o senhor e Beauchamp.

          — Explique-se.

          — Pois não. Se Beauchamp estiver disposto a retratar-se, convém conceder-lhe o mérito da boa vontade, e nem por isso a retratação deixará de ser feita. Se, ao contrário, recusar, será hora de introduzir dois estranhos no seu segredo.

          — Não serão dois estranhos, serão dois amigos.

          — Os amigos de hoje são os inimigos de amanhã.

          — Oh, deixe de balela!

          — Uma prova disso é Beauchamp.

          — Quer dizer...

          — Quer dizer que lhe recomendo prudência.

          — Então acha que devo ir falar pessoalmente com Beauchamp?

          — Sim.

          — Sozinho?

          — Sozinho. Quando se quer obter alguma coisa do amor-próprio de um homem, convém arrancar desse amor-próprio até mesmo a aparência do sofrimento.

          — Acho que tem razão.

          — Ah, que bom!

          — Irei sozinho.

          — Vá, mas ainda seria preferível se simplesmente não fosse.

          — Isso é impossível.

          — Então, aja dessa forma. Ainda é preferível a levar adiante seu plano original.

          — Mas, nesse caso, vejamos, se, a despeito de todas as minhas precauções e procedimentos, eu tiver um duelo pela frente, o senhor seria minha testemunha?

          — Meu caro visconde — disse Monte Cristo, com suprema gravidade —, o senhor deve ter notado que, em todas as circunstâncias, tenho-lhe sido fiel; mas esse favor que me pede extrapola o âmbito daqueles que lhe posso prestar.

          — Por quê?

          — Talvez venha a saber um dia.

          — Mas, enquanto isso...

          — Peço sua indulgência para com meu segredo.

          — Muito bem. Chamarei Franz e Château-Renaud.

          — Chame Franz e Château-Renaud, será perfeito.

          — Mas, para concluir, no caso de eu duelar, pode me dar uma aulinha de espada ou de pistola?

          — Não, esta é outra coisa impossível.

          — Que sujeito extravagante o senhor está me saindo! Então não quer participar de nada?

          — De absolutamente nada.

          — Então não falemos mais nisso. Até logo, conde.

          — Até logo, visconde.

          Morcerf pegou seu chapéu e se retirou.

          Na porta, reencontrou seu fiacre e, contendo ao máximo sua cólera, ordenou que o levassem até a casa de Beauchamp; Beauchamp estava no jornal.

          Albert fez-se conduzir ao jornal.

          Beauchamp estava numa sala escura e empoeirada, como são, por princípio, as redações de jornal.

          Anunciaram-lhe Albert de Morcerf. Ele pediu para repetirem o anúncio duas vezes. Em seguida, ainda sem acreditar, gritou:

          — Entre!

          Albert apareceu. Beauchamp soltou uma exclamação ao ver seu amigo transpor os fardos de papel e pisotear com um pé desacostumado os jornais de todos os tamanhos que atulhavam não apenas o assoalho, mas o quadrado avermelhado do recinto.

          — Por aqui, por aqui, meu caro Albert — disse ele, estendendo a mão ao rapaz —, que diabos o traz aqui? Está perdido como o Pequeno Polegar, ou vem apenas pedir-me que lhe pague um almoço? Trate de encontrar uma cadeira. Veja, ali, perto daquele gerânio que é a única coisa que me lembra que no mundo existem folhas que não são de papel.

          — Beauchamp — recusou Albert —, é do seu jornal que venho falar.

          — Você, Morcerf? Que deseja?

          — Desejo uma retificação.

          — Você? Uma retificação? A propósito de quê, Albert? Mas, vamos, sente-se!

          — Obrigado — recusou Albert pela segunda vez, com um ligeiro meneio da cabeça. — Explique-se.

          — Uma retificação sobre uma notícia que atenta contra a honra de um membro da minha família.

          — Não me diga! — exclamou Beauchamp, surpreso. — Que notícia? Isso é impossível.

          — A notícia que você transcreveu de Janina.

          — De Janina?

          — Sim, de Janina. Você realmente tem o desplante de ignorar o que me traz aqui?

          — Palavra de honra... Baptiste! Um jornal de ontem! — gritou Beauchamp.

          — Isso é desnecessário, eu trouxe o meu.

          Beauchamp leu, tartamudeando: "Escrevem-nos de Janina etc. etc."

          — Você compreende que o fato é grave — disse Morcerf quando Beauchamp terminou.

          — Esse oficial então é seu parente? — perguntou o jornalista.

          — Sim — respondeu Albert, ruborizando.

          — Muito bem! O que quer eu que faça para lhe ser agradável? — indagou Beauchamp, com tranquilidade.

          — Eu gostaria, meu caro Beauchamp, que retificasse essa informação. Beauchamp olhou para Albert com uma atenção que certamente demonstrava grande benevolência.

          — Vejamos — disse ele —, isso irá nos arrastar numa longa discussão, pois uma retificação é sempre grave. Sente-se; vou reler estas três ou quatro linhas.

          Albert sentou-se, e Beauchamp releu as linhas incriminadas por seu amigo com mais atenção que da primeira vez.

          — E então?! Como vê — disse Albert com firmeza, com rudeza até —, insultaram alguém da minha família em seu jornal, e exijo uma retratação.

          — Você... exige...

          — Sim, exijo.

          — Permito-me lembrar-lhe que o senhor não é parlamentar, meu caro visconde.

          — Nem quero ser — replicou o rapaz, levantando-se. — Exijo a retratação de um fato que você difundiu ontem, e a obterei. Você é suficientemente meu amigo — prosseguiu Albert, com os lábios apertados, vendo que Beauchamp, por sua vez, começava a levantar sua cabeça desdenhosa —, e, como tal, me conhece o suficiente, espero, para compreender minha tenacidade nesta circunstância.

          — Morcerf, com palavras como a que usou há pouco, você acabará me fazendo esquecer de que sou seu amigo... Mas, por favor, não briguemos ou, pelo menos, ainda não... Você está preocupado, irritado, suscetível... Vejamos, que parente é esse chamado Fernand?

          — É simplesmente o meu pai — disse Albert —, o sr. Fernand Mondego, conde de Morcerf, um veterano militar que viu campos de batalha e cujas nobres cicatrizes alguém pretende cobrir com a lama abjeta recolhida ao léu.

         — É seu pai? — disse Beauchamp. — Então a coisa muda de figura; compreendo sua indignação, meu caro Albert, vamos reler então...

          E releu a nota, sopesando dessa vez cada palavra.

          — Mas onde você vê — perguntou Beauchamp — que o Fernand da notícia seja o seu pai?

          — Em lugar nenhum, sei muito bem disso, mas outros verão. Por isso exijo que a notícia seja desmentida.

          À palavra "exijo", Beauchamp ergueu os olhos para Morcerf e, baixando-os quase imediatamente, permaneceu pensativo um instante.

          — Você desmentirá essa notícia, não é, Beauchamp? — repetiu Morcerf, com uma cólera crescente e, não obstante, sempre concentrada.

          — Sim — disse Beauchamp.

          — Graças a Deus! — disse Albert.

          — Mas só quando me certificar que a notícia é falsa.

          — Como!?

          — Sim, a coisa vale a pena ser esclarecida, e vou esclarecê-la.

          — Mas o que vê para esclarecer nisso tudo, cavalheiro? — disse Albert, já sem meias medidas. — Se não acredita que seja meu pai, retrate-se imediatamente; se acredita que seja ele, exijo explicações.

          Beauchamp olhou para Albert com o sorriso que lhe era peculiar, o qual sabia assumir a nuance de todas as paixões.

          — Cavalheiro — retorquiu ele —, uma vez que este é o tratamento adequado para a situação, se foi para me pedir explicações que veio, deveria tê-lo feito de saída, e não ter me falado de amizade e outras coisas ociosas como as que tive a pachorra de ouvir nesta meia hora. É nesse terreno que vamos pisar agora? Decida!

          — Sim, caso não se retrate da infame calúnia!

          — Um momento! Nada de ameaças, por favor, sr. Albert Mondego, visconde de Morcerf; não as admito dos meus inimigos, que dirá dos amigos! Então exige que eu desminta a notícia sobre o coronel Fernand, notícia pela qual, palavra de honra, não tenho nenhuma responsabilidade?

          — Sim, exijo! — disse Albert, começando a perder a cabeça.

          — Sem o quê, duelaremos? — continuou Beauchamp, com a mesma calma.

          — Sim! — respondeu Albert, erguendo a voz.

          — Pois bem! — disse Beauchamp. — Eis a minha resposta, prezado cavalheiro: essa notícia não foi inserida por mim, eu não tinha conhecimento dela; mas o senhor, com sua insistência, atraiu minha atenção, fiquei obcecado; essa obsessão subsistirá até que esta notícia seja desmentida ou confirmada por quem de direito.

          — Cavalheiro — disse Albert, levantando-se —, então terei a honra de lhe enviar minhas testemunhas. O senhor discutirá com elas o local e as armas.

          — Perfeitamente, meu caro senhor.

          — E esta noite, por favor, ou no máximo amanhã, nos encontraremos.

          — Nada disso! Nada disso! Estarei no terreno quando me convier, e, na minha opinião, tenho direito a dá-la, uma vez que sou eu quem recebo a provocação, e, na minha opinião, como ia dizendo, ainda não é o momento. Sei que maneja muito bem a espada, manejo-a razoavelmente; sei que faz três moscas em seis, é mais ou menos o que faço; sei que um duelo entre nós será um duelo sério porque o senhor é corajoso e... eu também. Não quero portanto me expor a matá-lo ou ser morto pelo senhor sem motivo. Sou eu que vou agora fazer a pergunta, e ca-te-go-ri-camen-te: faz tanta questão assim dessa retratação a ponto de me matar se eu não a fizer, embora eu lhe diga, embora eu lhe repita, embora eu lhe afirme, dando minha palavra de honra, que eu não sabia da notícia, embora, enfim, eu lhe declare que é impossível a qualquer outro que não a um Jafé⁴ como o senhor adivinhar o conde de Morcerf sob o nome de Fernand?"

          — Questão absoluta.

          — Muito bem, prezado cavalheiro, consinto em ter a garganta cortada em sua companhia, mas quero três semanas. Em três semanas o senhor me encontrará para eu lhe dizer: "Sim, a informação é falsa, vou apagá-la", ou "Sim, a informação é verdadeira, estou tirando as espadas da bainha ou as pistolas do estojo, à sua escolha."

          — Três semanas! — exclamou Albert. — Mas três semanas são três séculos durante os quais ficarei desonrado.

          — Se tivesse permanecido meu amigo, eu lhe teria dito: "Paciência, amigo"; o senhor preferiu tornar-se meu inimigo, e lhe digo: "Que me importa, cavalheiro!"

          — Muito bem, daqui a três semanas, combinado! — disse Morcerf. — Mas, reflita bem, daqui a três semanas não haverá outro adiamento ou subterfúgio que possa dispensá-lo...

          — Sr. Albert de Morcerf — disse Beauchamp, levantando-se por sua vez —, só posso atirá-lo pelas janelas daqui a três semanas, isto é, daqui a vinte e um dias, e o senhor, por sua vez, não tem o direito de me ofender até essa data. Estamos em 29 do mês de agosto, o que nos leva ao dia 21 do mês de setembro. Até lá, creia-me, e é um conselho de cavalheiro que lhe dou, poupemo-nos dos latidos de dois buldogues acorrentados a distância.

          E Beauchamp, cumprimentando gravemente o rapaz, deu-lhe as costas e dirigiu-se à sua tipografia.

          Albert vingou-se sobre uma pilha de jornais que espalhou, rasgando-os com grandes chibatadas. Depois do que, partiu, não sem haver se voltado duas ou três vezes para a porta da tipografia.

          Enquanto Albert vergastava a dianteira do seu cabriolé, depois de ter vergastado os inocentes papéis enegrecidos que nada podiam diante de seu desapontamento, percebeu, atravessando o bulevar, Morrel, que, com o rosto ao vento, olhos acesos e braços livres, passava em frente aos Banhos Chineses⁵, vindo do lado do teatro da Porte Saint-Martin, e dirigia-se à Madeleine⁶.

          — Ah! — suspirou ele. — Eis um homem feliz!

          Por acaso, Albert não estava enganado.






¹ "como o laird de Ravenswood na assinatura do contrato de Lucia de Lammermoor": laird é a palavra escocesa para proprietário de terras. Referência ao capítulo 33 de A noiva de Lammermoor, de Walter Scott (1771-1832), no qual se lê: "Ravensmood parecia mais um espectro do que um ser vivo." Ver também Parte II, capítulo 13.

² Impartial: jornal cujo nome completo era L'Impartial, journal constitutionnel, politique et commercial, e para o qual Dumas colaborou como crítico teatral.

³ Em 13 de agosto de 1845, era possível ler no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro: "Somos obrigados a suspender hoje a publicação de O conde de Monte Cristo por não ter chegado ainda de Paris a continuação deste folhetim. Durante esta forçada interrupção, publicamos A alamedas das Viúvas ..." (apud Marly se Meyer, Folhetim, uma história. São Paulo, Companhia das Letras, 1996).

Jafé: herói burlesco da comédia em cinco atos e em versos Don Japhet, de Paul Scarron (1610-1660), que data do século XVII.

Banhos Chineses: vasta construção ao estilo oriental, ou pagode, que os habitantes de Paris usavam como uma espécie de sauna pública.

Madeleine: igreja em Paris, construída a partir de 1764 e que passou por constantes reformas, ampliações e reconstruções até o século XIX.

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