Por Entre as Cores

By LehHGodoy

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PLÁGIO É CRIME - RESPEITE O TRABALHO DO AUTOR Sinopse: Por Entre as Cores é um conto sensível que conta a his... More

Parte 1

Parte 2

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By LehHGodoy


— Entre Agenor, esta porta sempre lhe será aberta meu jovem e sempre será bem-vindo! — respondeu o senhor puxando Sandra para o lado para que ele pudesse entrar. — Olhe para você! Está um homem feito!

Um rapaz alto e robusto adentrou a sala, sua pele cor de ébano reluzia a luz da lamparina, o cabelo negro lhe caia aos ombros e aqueles olhos misteriosos fitaram todo o lugar. Pensei que ele iria me reconhecer, mas não me deu muita atenção, em lugar disso, seus lábios grossos se abriram em um sorriso maroto e ele começou a falar de forma alegre me fazendo relembrar o garoto das antigas, aquele que brincava com Sandra de embalar bonecas.

Ele foi convidado a se sentar e começou a contar todas as aventuras que viveu nos anos em que esteve fora estudando, voltava advogado e completamente agradecido ao senhor, pois ele era um homem bom. Homens de sua cor, dizia Agenor, estavam condenados a uma vida de servidão, mas graças a ele o seu futuro era promissor.

Foi uma alegria, o senhor há muito tempo não conversava tanto e se alegrava daquela forma, Sandra observava os dois emudecida, apenas admirando o seu velho companheiro como se não acreditasse nas incríveis mudanças realizadas pelo tempo.

Quando o relógio bateu meia noite, o senhor se levantou e convidou Agenor a acompanhá-lo, iria lhe mostrar o quarto em que iria dormir e sem delongas os dois se retiraram da sala. Sandra ficou sozinha no cômodo e ao perceber que os dois já estavam longe se jogou no sofá como se estivesse se sentindo sufocada, botou as mãos na testa e fechou os olhos suspirando fundo.

— Meu Deus... Como Agenor está lindo... Meu Deus, ainda é o meu Agenor... Eu o amo, eu ainda o amo! — Eu fui o único a testemunhar sua confissão feita em sussurros e parecendo assustada com a própria descoberta, Sandra botou as mãos na boca e em seguida saiu correndo.

O clima na casa ficou muito diferente depois que ele retornou, todos pareciam revigorados com a presença do jovem Agenor que voltara educado, culto e um ótimo contador de piadas. De manhã ele saia com o senhor, andavam pela propriedade, faziam planos para que os negócios pudessem progredir e a tarde sempre vinha tomar o chá com Sandra. Ele tentava conversar com ela sobre os mais diferenciados assuntos, mas ela parecia resistir a ele com certo acanhamento que o deixava bastante intrigado. O que Agenor não percebia é que apesar das suas atitudes, Sandra o olhava de maneira apaixonada enquanto ele lhe contava suas histórias e saia completamente furiosa quando começava a falar de seus namoricos.

Sandra começou, então, a desenvolver hábitos noturnos bastante curiosos. No começo ela vinha até a sala, acendia a lamparina e ficava durante horas sentada, pensativa e depois, na maioria das vezes, ia embora com lágrimas nos olhos. Com o passar dos dias ela começou a andar de um lado para o outro, sempre inquieta, às vezes sorria, às vezes chorava, eu já estava crente que minha jovem estava enlouquecendo.

Uma noite em que Sandra aparentava certa calmaria, como de costume, estava sentada no sofá com a camisola aberta, pois estava fazendo bastante calor, virava de um lado, depois para o outro, colocava as mãos na cabeça e repetia tudo de novo, eu já estava acostumado com a nova rotina de minha querida, mas ele não. Agenor entrou na sala silenciosamente e ela estava com os olhos fechados passando as mãos na testa e descendo até o busto constantemente, ele de certo achou que ela estava passando mal e logo se aproximou perguntando se estava bem. Sandra levou um grande susto e levantou-se de um salto fechando a camisola, deu-lhe as costas e ralhou com ele pedindo que a deixasse em paz.

Agenor pareceu achar graça daquilo e esboçando uma expressão malandra aproximou-se dela e a abraçou, começando a sussurrar no seu ouvido:

— Eu não tive a oportunidade de lhe falar assim desde que voltei... — Ele pegou nas mãos dela as segurando forte. — Oh, Sandra, não teve um dia em que estive fora em que não pensei em você... Está linda, linda...

Ela tentou se libertar dos braços fortes dele, mas não obteve sucesso, ao invés disso ele a virou de frente para ele e beijou-a nos lábios... Pareciam duas crianças descobrindo a magia de uma nova traquinagem, Sandra o envolveu com seus braços e retribuiu o carinho de maneira desajeitada e ele a segurava pela cintura com certa experiência e desejo. Quando ela percebeu o que estava fazendo empurrou-o e ele não tentou segurá-la, escandalizada saiu correndo escadaria acima deixando na sala um homem completamente apaixonado.

Foi assim que tudo começou. Durante as noites seguintes ela fingia não o ver, vinha para a sala e depois ele chegava fingindo também que não esperava a encontrar, beijavam-se, e ele lhe fazia juras de amor... Sandra confessou que sentia o mesmo e prometeu se casar com ele, por isso Agenor fazia planos de pedir a mão da moça ao pai, achava que por tudo o que tinha feito para ele, o homem não lhe negaria mais este pedido.

Mas nem tudo saiu conforme os dois esperavam. Antes que os planos de pedir Sandra em casamento se concretizassem, o senhor anunciou durante o jantar que havia encontrado o noivo ideal para sua filha. A noticia pegou a moça desprevenida e ela deixou o talher cair no prato, irritada disse que não iria se casar com ninguém, mas paciente o pai lhe explicou que era o filho do médico que havia cuidado de sua mãe, um rapaz digno de desposá-la e que ela deveria ficar imensamente feliz com tal honra. Agenor ouvia tudo transtornado, não sabia o que fazer e aos prantos Sandra deixou a mesa do jantar.

Tomando coragem, Agenor largou o seu prato e olhou seriamente para o senhor que reclamava da atitude mal criada da filha, ele estava amedrontado, mas disse que tinha que lhe falar algo sério. Confuso, o senhor disse que não precisava fazer cerimônias, que ele podia falar. Agenor, então, falou-lhe sobre suas intenções para com a senhorita sua filha, disse que tinha condições suficientes para sustentá-la e dar-lhe conforto acrescentando que Sandra desejava o mesmo que ele.

Por um momento achei que o senhor iria explodir! Começou a dizer horrores para Agenor, ofendendo-o principalmente por conta de sua cor. Chamava-o de ingrato, dizendo que havia o ajudado por não querer lhe deixar desamparado no mundo quando morresse e não contente ele queria também sua filha.

Completamente decepcionado, Agenor não esperou para ouvir o resto, retirou-se e deixou o homem praguejando-o de todos os nomes sozinho. Completamente desesperado, o senhor não dormiu naquela noite, ficou na sala, pensativo. Talvez estivesse arrependido de tudo o que havia falado para o pobre Agenor.

Na manhã seguinte ninguém imaginava o que tinha acontecido. Ninguém de fato iria pensar que tamanha tragédia iria acontecer. A discussão, as revelações do dia anterior foram muito fortes para Sandra e todos estranharam que ela não tivesse descido para tomar o café. Agenor e o senhor se olharam de maneira ressentida durante todo o tempo, nenhum dos dois falava qualquer coisa que fosse e então uma das criadas veio dizer ao senhor que a sua filha ainda não tinha acordado, era cerca de meio dia.

Intrigado com o comportamento da moça, o senhor pediu para que a criada pegasse as chaves e abrisse a porta do quarto para que pudesse acordá-la, pois desejava vê-la. A mulher saiu apressada para atender aos pedidos do senhor e não demorou muito tempo para que um grito horrível de terror invadisse toda a casa. Assustados, os homens se olharam e saíram correndo escadaria acima. Ah, como eu gostaria de poder também sair do lugar sozinho e ter ido presenciar tal cena... Pude ouvir, minutos depois, um grito que mais parecia o rugido de uma fera ferida que me remeteu logo a Agenor. Não entendi, na verdade me senti bastante confuso, mas uma movimentação fora do comum começou a me assustar bastante.

Sandra havia se suicidado. Como eu soube disso? Bem, a criadagem corria apavorada pela casa dizendo que a senhorita havia ficado louca, que ela tinha partido desta para melhor... Entrei em um pânico que não podia explicar, eu gostaria de ter respostas concretas, de que alguém pudesse dizer-me que estava tirando conclusões precipitadas... Mas não foi isso que aconteceu.

Agenor desceu as escadarias com os olhos cheios de lágrimas e trazia em mãos um pedaço de papel, o senhor chegou logo em seguida e com a voz embargada de emoção, pediu para que o moço começasse a ler o conteúdo de tal papel. Olhando o velho com raiva, Agenor abriu o envelope, estava trêmulo, e emocionado começou a ler... Nunca me esqueci de nenhuma frase que ele proferiu.

— Querido Agenor. Não posso mais viver. Não posso mais estar em um mundo onde eu não possa escolher o que fazer de minha vida medíocre. Não, eu não posso... Se eu não posso casar-me contigo por ser um homem negro, então por que tenho que me casar com um branco? O que teria o outro de melhor que você, meu querido Agenor? Nunca pensei que o meu próprio pai tivesse também esta visão preconceituosa, lembro-me que mamãe não gostava de ti quando éramos crianças, mas papai, ele sempre foi um homem íntegro, deu-lhe estudo, tinha-lhe estima, mas ao saber de nosso amor também se tornou um homem arrogante. Humilhou-lhe, desconsiderou todo o carinho e respeito que você tinha por ele somente por causa da cor de sua pele, e tudo isto por minha causa. Não quero ser mais motivos de discórdia e meu amor, por favor, não fique triste por minha causa, quero libertá-lo de mim. Eu sou o mal de sua vida, mas quero que saiba que sempre o amei. Desde que éramos pequenos eu nutria por ti um amor incondicional que não sei como descrever em palavras e sinto muito por não poder permanecer aqui para vivê-lo contigo. Pensei em você em todos os momentos em que esteve fora, pensei mais em você do que em mim mesma e nestes poucos dias em que pude desfrutar de seus carinhos eu me senti a mulher mais feliz do mundo, pela primeira vez eu tinha motivos para sonhar e você perturbava o meu sono... Não, não estou lhe culpando meu amor, quero que saiba que me perturbava porque eu estava ansiosa em ter uma vida ao seu lado, mas ao ouvir todas as ofensas que meu pai lhe fez eu tomei uma decisão. Não seria um doutor, um homem rico, não seriam presentes ou jóias que iriam me fazer te esquecer e ser feliz ao lado de alguém que não amo. Eu sempre tive consciência disso. Nunca ouvi tantas coisas horríveis como as que meu pai lhe disse e meu amor, cada palavra dele também me feriu, feriu o meu peito e dilacerou-me porque eu nunca me importei com a cor de sua pele, com sua classe social. Eu amo o homem que você se tornou e fico muito triste porque meu pai, depois de tudo, não conseguiu ver em ti o que eu vi. Peço-lhe desculpas por tudo o que ele lhe disse, neste momento eu gostaria de ter um pote de lama mágica para poder também ter a cor de sua pele e ir embora contigo para vivermos este amor tão antigo e verdadeiro, mas eu não tenho. Eu não saí da sala naquele momento, fiquei escondida e escutei tudo, oh meu amor... Não posso viver após este episódio! Mas eu tenho um último desejo: quero que leve o espelho que ficava em meu quarto quando éramos crianças para que você possa olhar-se nele e ver sempre o homem maravilhoso que és e vá embora desta casa, encontre uma mulher que seja ideal para ti, igual ou melhor do que eu e seja feliz... Quanto ao meu pai, perdoe a ignorância dele, perdoe as palavras dele e me perdoe Agenor, porque eu o amo mais do que amo a mim mesma e por este motivo eu decidi partir... Sempre, sempre te amarei... De sua estimada Sandra.

Quando ele terminou de ler aquelas palavras o senhor estava aos prantos, Agenor deixou o corpo cair no sofá e ficou olhando para o vazio. Eu também me sentia triste... Ninguém compreendia exatamente o que Sandra havia pensado, mas tínhamos certeza de uma coisa: nossa queridinha já não estava viva e aqueles olhos azuis não se alegrariam mais ao mirar sua imagem doce e delicada em minha superfície.

Alguns dias se passaram depois do que havia acontecido e Agenor estava de malas prontas para partir, ele e o senhor não haviam conversado mais desde aquele dia e então o moço me tirou da parede, embrulhou-me e fiquei no escuro por bastante tempo... Não posso lhes dizer exatamente o que aconteceu, pois eu não pude ver nada, nada mesmo... Mas um tempo, não sei dizer quanto tempo, se passou e Agenor me tirou do embrulho e me pendurou novamente na parede de um quarto, lá estava eu novamente sendo aconchegado em um pedaço de parede. Fiquei feliz de ter chegado inteiro até aqui, muito feliz, mas sentia muitas saudades de minha Sandra.

Tenho permanecido nesta parede há bastante tempo, muitas estações se passaram e tem passado a todo instante, já faz algum tempo que ninguém tira a poeira de minha moldura, já faz algum tempo que ninguém se mira em minhas superfícies... Solidão? Sim, muita solidão... Não tem nada de interessante para eu bisbilhotar. Uma pena. Por entre as cores já não viajo, já não sonho em ser objeto do acervo de um grande rei, mas algo me conforta: Sandra se lembrou de mim... Eu que os observei desde que eram pequenos... Eu que sempre fui um amigo transparente e só lhes mostrei a verdade, somente a verdade, hoje posso perceber que fui importante para ela e quando Agenor mirar-se em mim, ele se lembrará dela, mas onde será que está o meu jovem? Não sei... Não sei. Talvez esteja por entre as cores desta primavera que acaba de chegar, apaixonando-se... Vivendo, como ela lhe pediu para fazer.


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