Enquanto Você Respirar (DEGUS...

By MichellePassos

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Obra registrada, direitos reservados. PLÁGIO É CRIME! Sinopse: Leandro é um rapaz de bem com a vida e sempre... More

Booktrailer - Enquanto Você Respirar
É amanhã! Preparadas? <3
PRÓLOGO
Capítulo 1 - Leandro
Capítulo 3 - Cindy
Capítulo 4 - Leandro
Capítulo 5 - Leandro e Cindy
Capítulo 6 - Cindy
BLACK WEEK!
Capítulo 7 - Leandro
Capítulo 8 - Cindy e Leandro
Capítulo 9 - Cindy e Leandro
Promoção/Sorteio "Leia Enquanto Você Respirar"
Capítulo 10 - Cindy
Resultado do sorteio!
Capítulo 11 - Leandro
Aos Teus Pés gratuito na amazon!
Capítulo 12 - Cindy
Capítulo 13 - Leandro e Cindy
Capítulo 14 - Cindy
Capítulo 15 - Leandro
Capítulo 16 - Leandro
Capítulo 17 - Cindy
Capítulo 18 - Cindy e Leandro
Capítulo 19 - Leandro e Cindy
Capítulo 20 - Leandro e Cindy
Capítulo 21 - Cindy
Live para conversamos!
Capítulo 22 - Leandro e Cindy
Capitulo 23 - Leandro
Capítulo 24 - Leandro
Capítulo 25 - Leandro
Capítulo 26 - Cindy e Leandro
Capítulo 27 - Leandro
Capítulo 28 - Leandro e Cindy
Capítulo 29 - Cindy e Leandro
Capítulo 30 - Leandro e Fred
Capítulo 31 - Leandro
Capítulo 32 - Cindy
Conto de dia dos namorados!
Capítulo 33 - Fred
Capítulo 34 - Leandro
Capítulo 35 - Leandro
Capítulo 36 - Cindy
Capítulo 37
Esclarecimentos sobre Enquanto Você Respirar
Bienal do Rio!
Ultimo capítulo e Bienal do Rio!
Epílogo
Lançamento na Amazon e livro físico
Livros fisicos! Começaram as vendas ♥️
Promoção e-books gratuitos!
Nova edição dos livros "Aos Teus Pés" e "Em Tuas Mãos" e Bienal do Rio 2019!

Capítulo 2 - Cindy

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By MichellePassos



Corro sem fôlego para fora da sala enquanto meus ouvidos zumbem com a batida forte do meu coração. Ele me chamou pra sair? Deve ter sido uma piada, dessas bem sacanas, que o pessoal faz com a gente quando somos calouros na universidade. Minha prima Suzy já tinha me avisado sobre isso. "Fique longe dos caras bonitos e de sorrisos fáceis, eles só querem fazer hora com a sua cara!". E foi o que eu fiz, o mais rápido que dei conta. Meu Deus! Ele tinha um perfume tão bom que pensei que não conseguiria ficar mais que dois minutos sentada perto dele. E o professor não falava nada com nada, o que dificultou bastante minha tentativa de concentração no que ele dizia para eu não ter que olhar para ele. O tal do Leandro.

Cruzo o campus até o refeitório. Cheguei há cinco dias e andei cada canto desse lugar para conhecer tudo e não ficar perdida. A universidade mais parece um mundo e do jeito que eu sou lerda, é bem capaz de eu não saber voltar para o dormitório.

Escolho a mesa mais afastada das pessoas para me sentar depois de pegar a comida. Ainda é assustador para mim um lugar tão grande e cheio de gente. Na minha cidade, Lemos, tudo é tão pequeno comparado com essa cidade, que qualquer muvuca de meia dúzias de pessoas na praça principal já vira um evento. E todo mundo aqui é tão diferente de mim. Ainda me pergunto se realmente vou me adaptar a isso tudo.

Dou uma mordida no meu sanduiche e tomo um pouco do suco. Que absurdo o que aquele garoto acabou de me perguntar. Qual é o problema com a cadeira dele? Não entendi. Não sei se não deixei claro na minha testa que eu, Cindy Oliver, e uma festa de irmandade não combinamos em nada. Pensa só, eu no meio daquele monte de gente bêbada, aquelas garotas esquisitas usando um band aid no lugar de uma saia... Não combina. Será que ele não percebeu? Sem contar que o meu pai ou o Charles, meu irmão, viriam a pé de Lemos me buscar pelos cabelos se soubessem de uma coisa dessas. E que forma boa de começar as aulas, derrubando minhas coisas no chão bem na frente de um cara tão bonito quanto ele. Essas são coisas que realmente só acontecem comigo!

Dou outra mordida no meu sanduiche e olho para frente quando dou de cara com o garoto em sua cadeira do outro lado do refeitório, frequentando uma roda com outros caras. Eles riem alto e se divertem, enquanto ele também ri, mas de repente me olha. Eu tenho certeza de que estou vermelha nesse momento! Ele tem uns olhos bonitos e diferentes de todos os outros que eu já vi antes. Ele acena bem devagar com a cabeça para mim e eu dou um sorriso meio sem graça, voltando a prestar atenção no meu sanduiche. O que é uma mentira, porque não estou prestando atenção em nada. Sinto seu olhar em cima de mim mesmo que eu não olhe para ele. Garotos bonitos feito o Leandro não deveriam olhar para garotas sem graça como eu. Deveriam? Mas também, do que eu estou falando? O garoto só foi educado e me chamou para uma festa. Não tem nada a ver com estar interessado ou querer me levar para sair, essas coisas...

Termino meu lanche e pego a mochila com pressa, passando por ele e seus amigos, mas sem olhar para trás.

***

Minha colega de quarto é uma garota de cabelo colorido em tons de azul, rosa e roxo e tem um piercing nos lábios. Seu nome é Roxanna. Talvez o roxo seja por causa do nome, o que eu não tenho muita certeza, porque seu nome se diz "roquiçana", como ela mesma já deixou claro várias vezes. A garota tem algum tique nervoso quando erram o seu nome. Ela é legal, só não se parece muito comigo, sabe como é? Minha mãe teria um infarto se soubesse que dividimos o mesmo quarto, mas a menina não faz mais que dar Oi e Tchau na maioria do tempo, já que ela quase não fica por aqui.

Volto do banho e resolvo arrumar um pouco da bagunça que ela deixou no quarto. Têm roupas, sapatos, alguns livros e um monte de revistas espalhadas por tudo que é lugar. Se ela está achando que eu vou ser sua empregada, bom, teremos problemas.

Pego meus livros de Introdução aos Estudos de Direito e abro um deles em um texto que o professor pediu que lêssemos para a próxima aula. Dou uma olhada no tamanho dele e penso em ir ao corredor e comprar algumas barras de chocolate na máquina para comer durante a leitura. Visto meu moleton, uma camiseta rosa, bato o secador de qualquer jeito nos meus cabelos, coloco os chinelos e então pego algumas moedas na minha escrivaninha e enfrento o lado de fora dos dormitórios. O lado direito dos dormitórios são só de garotas, o lado esquerdo, garotos. Existem monitores que observam toda a movimentação de um pavilhão para o outro, que são ligados por um corredor mais estreito. Porém, a área de convivência é compartilhada e eu preciso chegar até lá para conseguir meu chocolate. Algumas meninas estão andando e conversando a toa, outras estão com livros nas mãos discutindo com outras sobre alguma matéria. Tem até uma sentada na porta do seu quarto tocando violão.

"Oh, uma vez na sua vida você acha alguém que irá fazer seu mundo virar, te colocar pra cima quando você sentir pra baixo. É, nada pode mudar o que você significa pra mim. Oh, tem muitas coisas que eu poderia dizer, mas só me abrace agora porque o nosso amor vai iluminar o caminho"

E eu me pego cantarolando junto com ela: "Querido, você é tudo que eu quero e quando você está deitado em meus braços, quase não consigo acreditar que estamos no paraíso. E amor é tudo o que eu preciso, e encontrei em seu coração. Não é tão difícil de ver que estamos no paraíso."

Ela me vê cantando e sorri. Sorrio de volta, ainda embalada por essa música do Bryan Adams que eu adoro desde muito pequena. Chego até a área de convivência e está lotada. Sons vêm de todos os lados enquanto grupos se formam e conversam, riem, fazem barulho e se divertem. Vou em direção à máquina e paro na sua frente, olhando quais as opções de chocolate eu tenho: branco, ao leite com passas e meio amargo. Ok. Nada de passas. Coloco as moedas na máquina e aperto para pegar um branco e um meio amargo. A máquina faz um barulho esquisito e eu fico aguardando até que os meus chocolates caiam para que eu os pegue. Mas eles não caem!

- Cadê a merda do chocolate? – eu falo mais pra mim mesma, porque não tem ninguém perto. Fico olhando para a máquina e nada. – Anda, chocolate! Aparece! – eu faço uma prece entre os dentes. Me abaixo, tento olhar dentro da "casinha" onde ele deveria estar, mas nada. Me levanto e começo a apertar todos os botões que eu vejo na frente, já xingando a quarta geração do moço que faz a manutenção nessa joça, quando de repente escuto um estrondo.

- Meus chips também não quiseram sair hoje de tarde. – dou um pulo para trás quando olho para o lado e vejo Leandro esmurrando o lado da máquina e os meus chocolates caem onde deveriam estar há pelo menos cinco minutos. Coloco a mão no peito com os olhos arregalados de susto. – Parece que essa belezinha só funciona na base do carinho! – ele treme as sobrancelhas e sorri de lado para mim. – Desculpa, não quis te assustar.

- Não, tudo bem. – eu respondo com meu coração ainda disparado dentro do peito. Pelo barulho e por vê-lo novamente.

- Acho que deviam trocar essa máquina. Pelo visto não funciona mais direito. – ele diz e ajeita a cadeira dele. Me abaixo e pego os chocolates.

- Pois é. Acho que vou colocar na caixinha de sugestão. – sorrio e aperto as barras entre os meus dedos. – Obrigada.

- Não tem de quê. Imagina. – ele sorri de novo e a gente fica se olhando. Ele está com um casaco de moletom verde, uma bermuda bege e all stars pretos. Um boné virado para trás deixa seu rosto ainda mais jovem do que é. E eu? Bom... Eu estou na frente dele com esse moletom velho e horroroso e essa camiseta rosa. Deus...

- Você aceita? – estendo a mão para ele com as duas barras. Ele olha para os chocolates e deles para mim, respondendo:

- Não! Valeu. – e pisca. Ainda estou tentando decidir o que é mais bonito: seu olhar ou essa sua piscada. – Como foi com a Introdução dos Estudos de Direito?

Dou uma risada enquanto olho para os lados e vejo como realmente este lugar está cheio.

- Foi interessante. E com a Antropologia?

- Um saco. – ele bufa e revira os olhos de forma teatral. Dou uma risada e ele também. – Estou pensando em métodos de como sobreviver nessa aula por todo o semestre. Olha, não vai ser fácil!

- Foi só seu primeiro dia de aula. Como você pode falar isso? – pergunto.

- Eu sou um cara um pouco dinâmico demais. – ele gesticula com as mãos. – Aulas monótonas serão um grande problema para mim.

- Talvez um café te ajude, não sei? – digo para ele.

Ele me devolve um sorriso com todos os dentes brancos e bonitos dele e balança a cabeça.

- Qualquer coisa da Starbucks me ajuda e muito! – Leandro responde. Damos mais um sorriso e um silêncio que me parece bem longo cai entre nós. De repente eu digo:

- Bom, eu preciso ir nessa.

- Mas já? Meus amigos estão logo ali, naquela rodinha. – ele aponta para o lado e eu vejo uma turma sentada em volta de uma das mesas, um cara está tocando violão e todos eles cantam juntos. Meninos e meninas. – Dois amigos têm uma banda, eles estão cantando junto com o pessoal. Você vai gostar deles.

- Ah! Deixa para uma próxima. Eu preciso estudar.

- Essa história de estudar de novo? – ele enruga a testa e faz uma cara engraçada. Tenho vontade de rir, mas deixo somente um sorriso me escapar.

- Eu preciso me dedicar. É importante pra mim. – digo somente. Ele ajeita o boné na cabeça e faz que sim.

- Tudo bem. Já sabemos quem será o advogado mais bem sucedido entre nós dois.

- Bobagem! – digo e faço uma cara que me parece ser engraçada, porque ele ri. Ri mesmo, de gargalhar, e seu som chega ao meu coração. Em Lemos não me lembro de nenhum dos garotos serem tão legais comigo como esse menino tem sido. E ele me parece muito sincero.

- Nos vemos em Sociologia amanhã?

- Hm! Acho que sim.

- Fechou. Não esquece do meu Starbucks, hein? Prevejo mais uma aula de muito sono. – ele sorri como um garoto de dez anos e pisca novamente. – Boa noite, Cindy. Bons estudos. – ele me dá um sorriso fechado e rola com sua cadeira para longe de mim. Depois de segundos é que percebo que estou prendendo a respiração e nem o respondi. Meu Deus. Um garoto foi realmente legal comigo!

O vejo andando com sua cadeira para sua turma e dou meia volta para o corredor, mais correndo do que andando para o meu quarto. Quando chego e fecho a porta, percebo que meu coração ainda está acelerado.  É tudo tão novo nesse lugar e ser tratada de uma forma tão legal por um cara que eu nem conheço, até agora, tem sido o ponto alto dessa experiência maluca que eu resolvi fazer. Vir para a capital estudar contra a vontade do meu pai e do meu irmão foi sem duvida alguma uma das decisões mais difíceis que eu tomei. Meu pai é meio durão, criado por um pai muito autoritário, fazendo com que meu irmão seja uma cópia fiel da sua ignorância. Por ele eu ficaria em Lemos, ele me arrumaria um marido do gosto dele (Deus me livre!), e eu seria uma dona do lar como a minha mãe e as minhas tias são. Mas, pelo amor de Deus, não tem nada que eu queira menos na vida do que ser dona de casa. Eu detesto limpar coisas, eu detesto organizar casa. Eu gosto mesmo é de defender causas, seja lá qual ela for. Está em mim desde muito pequena e eu sempre soube que gostaria de ser advogada quando crescesse. Ele e minha mãe até tentaram me fazer ser muito mocinha me colocando na escola de balé e me mandando para a escola de culinária. Tomei gosto pelas duas coisas, mas como um complemento de vida, não para ser delicada e viver presa em casa cuidando de marido e filhos.

Essa era ainda uma época boa em nossas vidas, quando meus pais tinham dinheiro para me colocar em aulas particulares e mandar meu irmão para o futebol e o judô. Depois de perder quase tudo em jogos de carta, meu pai foi obrigado a cortar gastos como esse e nossa vida financeira virou de cabeça para baixo. Hoje, se estou na universidade é porque meu avô deixou uma quantia, pouca, mas que já ajuda, para os meus estudos e os do Charles, mesmo que meu pai tenha me dito que era uma bobeira gastar esse dinheiro com isso. Estudamos os dois em colégio particular, e agora, com o pouquinho que sobrou, consegui entrar na universidade e vim tentar o que sempre sonhei. O dinheiro mal deu para cobrir alguns gastos como os livros, garantir um mês de lanche e comprar algumas coisas para mim. De verdade, não sei como vão ser as coisas no mês que vem.

Pego o livro novamente e me encosto na cabeceira da cama para começar a leitura. Abro uma das barras e dou uma mordida, olhando atentamente para o texto, destampando o marcador e grifando algumas partes que acho importante. De repende começo a me lembrar do estrondo enorme que o murro que ele deu na máquina fez e então, depois de passado o susto, começo a rir sozinha. Seu sorriso de moleque e seu jeito de colocar o boné para trás não saem da minha cabeça e eu me pergunto como alguém em uma cadeira de rodas possa me parecer tão de bem com a vida como ele é. Não que isso seja o que não deveria acontecer. Não importa se você depende ou não de uma cadeira para se locomover e ser feliz. É que a gente tem tanto problema na vida e reclama se achando cheio de razão como se o mundo só não fosse fácil para a gente, que eu me pergunto como deve ser o mundo para quem realmente precisa muito mais de uma mãozinha de Deus pra encarar a vida do que eu.

Depois de muito tempo em cima de tantas letras e com o sono me vencendo, fecho o livro e me preparo para dormir. Assim que escovo os dentes e me ajeito debaixo do cobertor, simplesmente apago.

***

As aulas vão passando cada dia mais rápido, e os professores não fazem a mínima questão de nos dar qualquer tipo de moleza. Hoje é sexta-feira e eu já tenho uns três textos de matérias diferentes para ler e participar de discussões na semana que vem.

Acabei fazendo duas "amigas" durante esses dias e resolvemos fazer algumas reuniões para discutirmos juntas os textos e não nos perdermos nas discussões. Vi o garoto, o Leandro, nas aulas algumas vezes. Trocamos cumprimentos, ele brincou comigo vez ou outra, mas não passou disso. O que eu acho muito bom, tendo em vista a grande tendência que eu tenho em me meter em problemas, principalmente os do coração. E sem dúvida, ele é um dos caras mais bonitos que eu já conheci até hoje. Ele ganha até do meu ex, o Alex, por quem eu fui perdidamente apaixonada até descobrir que ele me traia com uma das minhas melhores amigas. Se é que você pode chamar de melhor amiga a criatura que fica com seu namorado bem debaixo do seu nariz. Esperta ela, lerda eu. Por isso acho melhor que ele fique bem longe de mim, antes que eu resolva criar uma queda por ele e meus planos com o direito sejam abalados.

Depois de deixar a Tati e a Ana na biblioteca após terminarmos um dos textos de Sociologia, vou até o xerox da univesidade para ver quanto ficará o material do qual eu preciso para a semana que vem e quando o moço me fala o total, quase caio dura para trás.

- Isso tudo? Você tem certeza?

- Sim, eu tenho. – ele diz enquanto folheia alguma coisa, bem desinteressado em mim.

Droga! Onde eu vou parar com a grana que eu tenho, tendo que gastar tanto assim com xerox e com os livros? E isso porque eu ainda estou na primeira semana do semestre. Estou perdida!

Sigo para o quarto e pego meu telefone celular no caminho. Resolvo ligar para casa.

- Alô?

- Oi, mãe. Sou eu!

- Oi, minha filha! Que bom que você ligou. Eu já estava ficando preocupada. Como é que você está? Me conte tudo!

- Está tudo bem por aqui. E aí? O pai, o Charles?

- Estamos todos bem, Cindy. Já estamos com saudades suas.

- Mentira! – escuto meu irmão idiota gritando lá no fundo. Reviro os olhos e pego a chave do quarto na minha bolsa, destrancando em seguida.

- Tambem estou com saudades, mãe. A vida aqui é bem diferente.

- Você tem se alimentado bem? Está se agasalhando para dormir? Não está dando ideia para rapazes, não é mesmo?

- Mãe! – entro e jogo a mochila em uma cadeira, sentando na cama e desamarrando com a mão desocupada o meu tênis direito. – Não tenho tempo para isso!

- Você sabe que essa é a nossa verdadeira preocupação, não é, meu amor? Voce é uma moça muito boa e pura. Os rapazes vão querer se aproveitar de você. Deus me livre e guarde disso. Só de pensar eu já me desespero.

- Mãe, eu não sou mais criança, ok? E para de ficar falando que eu sou pura. Ninguém tem que ficar sabendo o que eu sou ou deixo de ser. Pelo amor de Deus!

- É jeito de dizer. E você é pura, até onde eu sei. – escuto o tom de reprovação na voz da minha mãe. – Ou estou enganada?

Me jogo na cama e bufo, colocando um braço por cima dos olhos.

- Eu não liguei para ficar falando disso, tá bom? Eu queria ver com a senhora se existe a possibilidade de na próxima semana vocês me mandarem algum dinheiro. A grana já está começando a ficar curta.

- Mas já? Tem dez dias que você está ai, Cindy!

- Pois é. Se a senhora visse a lista dos livros que ainda me faltam e todos os textos que eu tenho que xerocar, a senhora choraria junto comigo!

- Tenho que ver, minha filha! Você sabe que as coisas aqui também não estão das melhores.

- Sei. Eu sei, sim. E a senhora sabe que eu não estaria pedindo se eu realmente não estivesse precisando.

De repente escuto um barulho e alguém pega o telefone da minha mãe.

- É o dinheiro, não é? Eu te falei, Cindy. Isso não ia dar certo. Essa vida de doutora que você cismou que quer tanto não é pra gente, minha filha! – meu pai meio que fala, meio que grita do outro lado.

Suspiro e respondo:

- Oi, pai. A benção.

- Deus te abençoe, bebê. – ele sempre fala isso para me irritar. - Volta para casa, filha. Esquece essa coisa de faculdade.

- Pai, de novo não! – eu falo e rolo na minha cama. – E para de me chamar de bebê. Eu já tenho dezenove anos. Sei que o senhor não percebe, mas eu tenho.

- Sua mãe já está que não se aguenta de tão magrinha por sua causa. E só tem dez dias, hein?

- Eu não vou cair nessa, pai. Para! – eu apelo.

- Pra que essa porcaria de querer ser doutora, menina? – agora sim meu pai tomou a postura daquele cara arrogante que todo mundo conhece. – Mulher não precisa ser doutora. Mulher tem que ter um bom casamento, saber cuidar dos filhos, da casa. É disso que você precisa. Um bom casamento. Não de um diploma.

- Eu vou desligar, tá certo? A gente se fala depois.

- E o dinheiro, garota? Não foi para isso que você ligou?

- Esquece. Não preciso de dinheiro.

- Você precisa é voltar para casa, e logo! Esse lugar aí não é para você, Cindy. Seu lugar é aqui, na sua casa, no interior, aprendendo com a sua mãe como cuidar da casa, de nós... – e daí pra frente eu já paro de ouvir o que ele diz. É a mesma falação toda vez. Ninguém merece.

- Ok, pai. Foi bom falar com o senhor também. Tchau! – e eu desligo. Sei que ele deve estar querendo me matar, mas eu prometi que não ia mais ficar escutando essas coisas. "Esse lugar aí não para você!". Que inferno isso! Quem escolhe onde é lugar pra mim sou eu, penso comigo mesma.

De repente a porta do quarto se abre e Roxanna entra.

- Olá, baby girl. – ela só me chama assim.

- Oi, Rox. Como foi o dia nas artes cênicas?

- Foi tão legal, cara! Nós vamos montar uma peça de teatro. – ela diz jogando sua mochila perto da minha e amarrando o cabelo colorido no topo da cabeça. Hoje ela está vestida com uma camiseta preta e uma saia longa meio hippie.

- Ah, que legal! Me chama para ir te ver.

- Claro que eu vou te chamar. – ela olha pra mim como se eu tivesse dito algo ofensivo. – Vou te guardar um lugar na primeira fila. Como foi no direito?

- Bem até. Só estou assustada com a quantidade de xerox e material que esses professores pedem.

Ela se joga em uma cadeira e me olha bufando.

- Vai se acostumando. É assim e tende a ficar pior. – ela tira suas sandálias e diz: - Acho que vou dormir um pouco, tem uma festa hoje a noite. Quer vir?

- Festa? Do que? – pergunto mais por educação do que por interesse.

- É uma festa de irmandade, daquelas patricinhas ridículas que vivem andando por aqui, sabe qual é? Não que eu ande com elas, mas eu nunca dispenso uma cerveja de graça, você me entende, né?

A verdade é que eu não entendo como uma pessoa vê graça em se embreagar, mesmo que não precise gastar um centavo com aquilo.

- Claro que te entendo! – minto.

- Você podia ir. Claro, se você quiser. – ela se levanta e vai para sua cama, se jogando de uma vez. – Vai ser legal. Não sei se é a sua praia. – ela dá de ombros. – Enfim, fica o convite.

Rox se vira para o lado e em segundos está apagada. Fico olhando seus cabelos coloridos e seu jeito largado na cama, despreocupada e desinteressada dos problemas. Suspiro pesadamente. Queria muito ser assim, como ela. Queria pertencer a outra coisa que não fosse minhas raízes tradicionalistas demais de Lemos. "Esse lugar aí não é para você!" escuto a voz do meu pai na minha cabeça falando mais uma vez e um ódio me sobe. Quer saber? Esse lugar é pra mim, sim! Me levanto e vou até o guarda-roupas tentando achar algo apresentável onde eu possa me enfiar. Hoje a noite eu tenho uma festa de irmandade para ir!

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