Jenny se calara após despejar todo o texto que havia treinado em casa e remexeu-se desconfortável enquanto os olhos castanhos de Blair se estreitavam em sua direção.
- Escuta, Jenny... - Blair desviou o olhar, empilhando aleatoriamente alguns papéis sobre a mesa do escritório. - Não tivemos experiências felizes uma com a outra no passado, mas superei muitas coisas depois que me tornei mãe. Reconheço seu talento e só se Brian fosse cego para não reconhecer também.
Jenny piscou algumas vezes, deixando escapar uma risada assombrada, mas se refez quando Blair a encarou.
- Se tiver sucesso, será uma concorrente fortíssima da Waldorf Designs.
- Obrigada, Blair!
- Eu não vou esbarrar na sua vida profissional e espero não ter problemas com você em nenhum outro âmbito.
- Blair, se você ainda acha que eu posso ser a...
- Jenny - Blair fixou os olhos severamente. - Já pode ir!
Jenny se levantou um pouco nervosa e ajeitou os cabelos que quase lhe tocavam o quadril. Apesar do discurso motivacional, era impossível não perceber a ameaça implícita em sua ênfase. Não esperava menos de uma conversa com Blair, fora até fácil demais. Era como conversar com Miranda Priestly de O Diabo Veste Prada. Afinal, ele vestia mesmo!
Ela segurou a alça de sua bolsa e virou em direção à porta.
- Blair! - Jenny deu dois passos e a olhou, antes de sair. - Obrigada!
- Faça minha carta de recomendação valer a pena!
Jenny conteve um sorriso aberto demais e atravessou o corredor, sem dar importância à visão nauseante de Serena com os pés sobre as pernas de Nate, enquanto ria com o nariz tocando-lhe o ombro. Ela entrou no elevador e sorriu para as portas se fechando. Passara por aquele lugar muitas vezes antes e em suas lembranças sempre carregava alguns peso em suas costas, mas naquele momento, deixara todas as incertezas para traz de uma vez só. Era Jennifer Tallulah Humphrey, o nome de quem Nova York e as maiores potências de moda da Europa ainda ouviriam falar.
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O táxi estacionou em frente ao Le Poisson Rouge, no Greenwich Village. Blair jogou os cabelos castanhos sobre o capuz vermelho em suas costas, olhando para o bar.
- Ela trabalha aqui!
Clous se inclinou sobre Blair, torcendo o nariz em direção à janela. Ele tinha cheiro de loção pós-barba e bala de menta.
- Tem certeza? - Ele perguntou com um sotaque acentuado. - Ela é enfermeira! Não faz sentido!
- Não faz sentido a Rose não ter deixado Jack subir na tábua quando eles naufragaram. A sua ex-mulher é louca!
Clous quis rir da maneira como ela fazia uma frase irônica parecer tão verdadeira. Blair girou a aliança no dedo e saiu do táxi. A garçonete que riscava o quadro de avisos há semanas atrás se endireitou quando os viu atravessar a rua. Clous posou os olhos azuis sobre a garota e parou atrás de Blair.
- Você deve se lembrar de mim!
- Claro que sim, senhora Bass! Encontrou o que procurava? - Ela se apoiou na vassoura da mesma cor de seu uniforme e olhou um segundo para Clous. Ele tinha um círculo lilás ao redor da íris e parecia cheiroso, não que ela pudesse sentir.
- Procuro uma colega sua. Valley Johnson.
- A Eva! - A garota riu e se inclinou para frente. - Valley não é o verdadeiro nome dela. - cochichou.
- Que bom que o segredo dela está bem guardado com você! - Blair deu um sorriso duro e piscou algumas vezes. - Quanto quer para me dizer como encontrá-la?
- A Eva não trabalha mais aqui, senhora Bass. Deixou de vir há algum tempo, não éramos tão próximas.
- Ela não disse em que hotel estava? - Clous perguntou, vendo-a corar apenas por ter lhe dirigido a palavra.
- Ela pode ter comentado que estava no The Greenwich. Realmente não conversávamos muito.
Clous e Blair se olharam frustrados.
- Era minha melhor pista. - Ela murmurou tirando da carteira uma nota de vinte dólares.
- Nada disso! - Clous interveio, entregando à mulher, uma nota de cem dólares com um sorriso educado. - Nos desculpe atrapalhar seu trabalho.
Blair deixou o corpo cair pesadamente do banco de trás e encostou a cabeça no couro surrado.
- E agora?
- Vou ficar na cidade por mais alguns dias. Se não conseguirmos nada, tomarei as medidas cabíveis. Queria não precisar acionar ninguém para achá-las.
Ele parecia aborrecido e cansado. No lugar onde deveria estar sua aliança, havia apenas uma marquinha branca, quase apagada. Deveriam estar separados por pelo menos cinco meses, Blair supôs. A versão dele parecia bem sólida afinal.
- Eva comentou sobre seu marido uma noite. Eu não dei muita atenção, mas deveria ter dado. Ela disse que uma pessoa que ela salvará há anos atrás estava na França e que queria ter a chance de encontrá-lo.
Blair via apenas o perfil dele, enquanto Clous monologava fitando o teto aveludado do carro.
- Não sei o que deu nela! Eu nunca levantaria um dedo para uma mulher, meu Deus!
Blair bufou e virou o rosto para a janela.
- Só prometa que a levará de volta de onde vocês vieram, quando encontrá-la.
- Sinto muito por tudo isso, Blair. Sei que seu marido acha que sou um risco e eu tive muita sorte por você não achar.
Ela respirou fundo lembrando do rosto assombrado de Chuck, quando tentou lhe explicar. Blair fizera Chuck acusar Eva injustamente uma vez e estava claro que ele receava se deixar enganar de novo. Mas que diabos! Blair era sua esposa! Ele deveria ao menos ouvi-la antes de tratá-la como uma mentirosa compulsiva.
- Quinta Avenida, por favor! - Ela disse ao motorista quando o ar fechado começou a sufocar. Ele deu partida e retornou, de volta à parte alta da cidade.
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A garoa fina fazia a escadaria escorregar. Serena agarrou o braço de Nate e eles subiram os degraus às pressas, correndo para dentro do MET onde acontecia a exposição de Natal antecipada.
- É como se já estivéssemos em Dezembro. - Serena cochichou maravilhada. - Olhá só! Parece o George que fizemos ano passado. - Ela riu apontando para um boneco de gesso no centro do espaço.
- Não era George, era Tom!
- Não começa, Nate! - Ela o empurrou e parou em frente à uma pintura de um cachorro enrolado em fios de luzes coloridas e acesas. - Isso é o máximo!
Serena mal teve tempo de perceber o homem de cabelos pretos se aproximar de Nate e empurrar seu ombro antes de lhe desferir um soco contra o rosto.
- Nate! - Ela gritou e se ajoelhou ao seu lado.
- Fique longe da minha esposa! - O homem grunhiu entredentes, passando a manga do suéter pelos lábios e afastando-se em direção à porta.
- Você está bem? - Serena apoiou a cabeça dele em seus joelhos, com o rosto franzido. - Quem é a mulher dele, Nate?
- Laurel. - Nate gemeu e se sentou, sendo amparado por dois seguranças que se aproximaram.
As pessoas em volta assistiam escandalizados, com suas taças em uma mão e hipocrisia em outra.
- Pedimos desculpas pelo incidente, senhor Archibald. - O rapaz responsável pela organização suspirou. - Espero que possa se lembrar de nós quando falar com o Capitão.
- Meu pai ficará muito interessado nessa história. - Nate respondeu com uma risada que fez todo o seu rosto latejar. Parecia estar prestes, literalmente, a ter a cara quebrada.
O funcionário os deixou à sós na sala reservada e Serena tocou a bolsa de gelo em seu olho direito.
- Merda! - ele rosnou.
- Você e suas mulheres casadas!
- Espero que o Dan acerte o lado esquerdo.
- Não é a mesma coisa, Nate! Ele havia me deixado... - Ela repetira isso para si mesma por noites a fio e finalmente se convencera.
- Sinto muito ter estragado nosso passeio!
- Tudo bem. - Serena deu de ombros. - O natal nem chegou ainda... Quem eles pensam são? O deus Chronos?
- Onde tem lido essas referências, Serena? - Nate perguntou com uma risada.
- É um aplicativo de curiosidades.
Nate engoliu outro riso, só porque mover o rosto doía, mas apesar do enorme olho roxo que ganhara, estava contente por ela estar ali, com o pulso tão próximo ao nariz dele que era impossível não sentir o perfume de lavanda e patchouli.
- Vamos sair daqui!
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Blair puxou da cama o lençol manchado de chantilly e o largou no chão, esquecera de avisar à Dorota pela manhã e não queria dormir mais uma noite com as costas sujas de açúcar.
Henry deitara sobre o carpete felpudo, erguendo dois aeromodelos no ar. Blair terminou de forrar a cama e se deitou ao seu lado, com seu braço envolvendo a barriga macia.
- O papai te levou para a ver a Bev quando estávamos na França?
Henry continuou a reproduzir o som de uma turbina de avião e de repente franziu a testa.
- Acho que não.
- Nenhuma vez?
- Não... - Ele negou com a cabeça parecendo seguro.
Blair respirou fundo e fechou os olhos. Queria poder estar dentro da cabeça de Chuck só por tempo suficiente de saber o que ele sentia em relação à Eva. Era como se estivesse em um filme muito mal feito e miseravelmente dirigido por alguém que quisesse sua personagem beirando à loucura.
Blair sentiu o celular vibrar no bolso do casaco e o pegou.
De: Número Privado
Vou antecipar seu presente, B. Não teria o mesmo impacto se eu só o entregasse no natal.
[Anexo]
Blair clicou no arquivo e viu a imagem de Chuck, com o casaco castanho prostrado ao lado de ambulâncias estacionadas, enquanto Eva, com um embrulho adormecido nos braços, se inclinava para beijar-lhe a boca.
Seu coração bateu tão forte, que Blair quase o escutava zumbir em seus ouvidos. Ela fechou a foto e a abriu outra vez, com a esperança de ter sido algum tipo de efeito visual provocado por sua mente carregada. As lágrimas se acumularam, embaçando sua visão e ela engoliu com dificuldade, sentindo o estômago embrulhar.
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Serena soltou os cabelos presos em um coque, os deixando cair em cascatas por suas costas. O vestido bordô dava a visão parcial de sua coxa esquerda, através da fenda que só era notada quando ela andava.
Ela olhou para trás para se certificar de que não havia perdido Nate de vista e se espremeu pra passar atrás de uma garota que erguia sua bebida verde com um guarda-chuva rosa pendurado.
A Set Me Free era conhecida por sua música estrondosa e a chance de começar uma conversa banal era quase nula. Por isso ela gostava tanto de lá. Podia dançar até os pés doerem sem nenhum cara se aproximar para dizer porcamente o quanto sua bunda era gostosa ou que estava deliciosamente cheirosa.
Eles alcançaram o centro da pista. This Is What You Came For tocava dentro de suas cabeças. As batidas ditando o ritmo de suas frequências cardíacas. Serena sorriu jogando os braços pra cima enquanto luzes rosas e azuis se misturavam.
Baby, this is what you came for
Lightning, strikes every time she moves
Nate se manteve à uma distância razoável, a pancada em seu rosto escurecendo aos poucos. Serena estendeu a mão, mas ele negou, ficando onde estava.
And everybody is watching her
But she's looking at you... you... you
Ela dançava com os olhos fechados, enquanto ladeava o próprio corpo acompanhando a música. Sua respiração mudando, como se ela pudesse se esvaziar de tudo.
We go fast whit the game we play
Who knows why it's gotta be this way?
Serena abriu os olhos e ergueu uma sobrancelha para Nate, levantando os cabelos com os braços, como se estivesse se espreguiçando. Ela apontava as palmas das mãos para cima, sorrindo para ele, enquanto um cara de jaqueta era ignorado com uma chuva de cabelos loiros passando por seu rosto.
And everybody is watching her
But she's looking at you... you... you
Serena tinha acabado de fechar os olhos outra vez quando sentiu um abraço familiar a puxar. Ela negou com a cabeça para Nate, mas não o afastou quando sua boca cobriu a dela.
You... you... you...
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n/a: Escrevi a cena escutando essa música, se quiserem experimentar a sensação, eu recomendo. Não esqueçam de votar!