Um Amor Para Miriam

由 RodrigoVinholo

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Após uma atualização na rede social mais popular do planeta, o destino de seus usuários deixa de ser um segre... 更多

Um Amor para Miriam

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由 RodrigoVinholo

Miriam havia acabado de preencher os dados que a rede social requisitava, um pouco a contragosto. O problema não era exatamente os dados, mas o nome com que haviam batizado a nova função: "Destino".

Dias antes, haviam anunciado que, em busca de avanços tecnológicos e sociais, apresentariam com mais clareza a maneira como trabalhavam segmentações de públicos de publicidade, como decidiam que conteúdo (e de que pessoas) mostrariam mais, e, em breve, prometiam utilizar essas informações para tornar a experiência de cada usuário mais agradável.

Miriam no começo não se incomodou tanto. A tela de opções de publicidade era surpreendentemente detalhada em suas preferências de alimentação, hobbies, celebridades, programas de televisão, filmes, livros, música, hábitos de compra e até posicionamento político. Erravam um detalhe ou outro, mas no geral, entendiam quase tudo que ela se interessava simplesmente por seus hábitos de uso da rede social. A própria Miriam deu mais dados ainda de bom grado, não tanto pela publicidade, mas pela promessa de conteúdo de qualidade. Informou que gostava de curry, dos Beatles e de ir ao parque caminhar. Que preferia chá de menta e não gostava de rádios, e que era indiferente em relação a Picasso.

A outra tela de opções lhe dava um pouco de culpa, mas nada que durasse muito tempo: ela tinha a lista de usuários que eram entendidos como importantes para ela, a partir das interações que fazia. Apenas 30 de suas centenas de amigos virtuais realmente importavam, dizia a rede social. O site ainda lhe dava a opção de nunca ver conteúdo das centenas menos importantes, garantindo que eles nunca saberiam que ela havia feito aquilo. Miriam sabia que sua mãe, mais boa parte de sua família e colegas de trabalho figuravam naquela lista, mas não pode deixar de concordar em deixar de ver o que compartilhavam.

Na semana seguinte, veio a grande novidade: "Destino". A equipe da rede social agora dizia que depois de aprender a entender o presente de cada um de seus usuários, queria usar seus algoritmos complexos para prever o futuro. As tendências lhe ofereceriam, por exemplo, a entrega de comida que queria, quando quisesse, os produtos e roupas que buscava quando precisasse e até mesmo as pessoas que queria conhecer, mesmo que não as conhecesse.

Destino resumia seu principal diferencial em um slogan que Miriam pensou ser pouco criativo, mas que, por outro lado, talvez fosse o único que seria plausível: "O Destino traz o que você precisa." O texto explicativo dizia que o maior objetivo ali era acabar com o caótico fator de indecisão humana. Trazer o que os usuários precisavam, mesmo que não soubessem que precisavam e o que queriam, mesmo que ainda não soubessem que queriam.

Mais do que aquilo, Destino convidava os usuários a responderem uma série de questionários sobre outros tópicos que não seus hábitos de consumo e preferências, prometendo, com isso, prever como a vida de cada usuário poderia seguir e, ainda por cima, fornecer direcionamentos de ações para que alterassem seus destinos, dentro do possível e se assim desejassem. O sistema prometia o uso de algortimos avançados, análises de tendências e comparações automatizadas com modelos probabilísticos, mais uma série de outros jargões que apenas lembravam Miriam de que ela já havia fornecido praticamente todas as informações que sabia de si mesma para aquele site em nome de momentos de diversão e contato com outras pessoas. Mas ela não se enganava: em parte por curiosidade, em parte para ao menos tentar amenizar aquele pequeno vazio que sentia (e que imaginava que todos sentiam), aceitou os "Termos de Serviço" sem ler uma única linha e passou a preencher uma série de perguntas que lhe lembravam de um teste psicológico. Nada parecia ter resposta certa ou errada, nem depender de informações embasadas, muito menos lógica.

E assim, Destino revelou-se a Miriam.

Miriam não se surpreendeu quando o site previu que viajaria ao Japão em outubro do ano seguinte. Já estava planejando a viagem há tempos, pesquisando destinos, preços e passagens. Também não se surpreendeu quando o site previu suas próprias compras de roupas e sapatos, que havia planejado para o momento que caísse seu próximo salário.

Mas ela se surpreendeu quando descobriu que mudaria de emprego, já que ela mesma não estava procurando, ainda que pensasse sobre isso. E se surpreendeu quando viu que o programa já sabia não apenas que se mudaria de apartamento, mas quando. E também que trocaria de carro dentro de 8 meses.

Destino havia mapeado todas as suas principais tendências de vida e lhe garantia que sabia, teoricamente com 99,99% de certeza, tudo o que faria na vida. Se uma ou outra variável mudasse, todo o destino apresentado por Destino mudava, mas como a própria funcionalidade ressaltava, "com base no histórico de análise, mudanças drásticas da base de cálculo probabilístico são improváveis". Ela podia navegar em uma linha do tempo, os anos se desdobrando à sua frente indicando promoções em trabalho, acidentes, novas amizades e até quando esperavam que ela lançasse um livro que nem havia pensado em escrever.

Um conjunto de abas catalogava tendências por temas, que incluíam, em letras garrafais, SAÚDE, SOCIAL, PROFISSIONAL, entre outras, incluindo várias subdivisões de subtemas. A aba que indicava MORTE PROVÁVEL era uma opção que, no momento, continuava desativada. FULANA decidiu então que seguiria para a aba logo abaixo, que marcava, simplesmente, AMOR.

A tela em branco que se seguiu deixou Miriam em dúvida. Tentou atualizar a página, mas nada mudou. Tentou trocar o navegador, mas a tela que falava sobre o amor continuava vazia. Testou outras funcionalidades, incluindo uma ferramenta que lhe dava uma distribuição dos dias em que estatisticamente tinha maior chance de tropeçar, mas nada do AMOR atualizar.

Observando as páginas de seus amigos, Miriam agora via que vários já colocavam estados de relacionamentos futuros com datas marcadas, outros já preparavam divórcios pois tinham datas marcadas, outros triplicavam juras de amor para seus parceiros atuais e outros tantos lidavam com crises que haviam surgido, inesperadas, das promessas do programa de felicidade com outras pessoas. Uma pesquisa rápida lhe mostrou que não havia mais ninguém com o mesmo erro de sistema que afetava o seu computador.

Um amigo, extremamente feliz com a perspectiva de arranjar uma namorada dentro de uma semana, lhe dizia que como o sistema era novo, talvez fosse um bug que tornava a função invisível para ela. Lhe encaminhou um link de onde podia tentar, sem garantia alguma, um contato com a equipe de atendimento da rede social. Miriam agradeceu, ignorando o convite do rapaz para que saíssem, e mandou uma mensagem que imaginou que seria ignorada frente à torrente de crises que Destino iria gerar.

De fato, nos dias que se seguiram, ela observou crises que resultaram em todo tipo de desgraças que invariavelmente afetavam a vida real, incluindo descobertas de infidelidades futuras, causando brigas e até agressões físicas, quando não algo pior.

Uma das características principais do sistema, além de seus complexos cálculos probabilisticos, era o fato de que todo mundo estava nele. O número de usuários se aproximava de 7 bilhões, praticamente todos os habitantes do planeta, então o sistema chegava a marcar, em alguns casos, quais pessoas tinham as maiores chances de acabarem juntas. Enquanto existiam aqueles que não confiavam nisso e outros que não haviam preenchido informações o suficiente para que essa opção funcionasse corretamente, os casais que se formavam a partir dessas combinações juravam que eram feitos uns para os outros, que os relacionamentos recém-iniciados eram perfeitos.

Miriam acompanhava tudo isso com uma curiosidade quase científica. Havia muitas pessoas que, em vez de se renderem ao caos e ao pânico que apenas aumentava, tomavam a oportunidade como uma maneira de atingir uma imensa tranquilidade. Não existiam mais incertezas, dúvidas ou preocupações. Podiam esperar, sabiam aproximadamente o que fazer e tudo que aconteceria. Existiam aqueles que se revoltavam, sempre temporariamente, mas a maior parte deles aceitava de bom grado, sem muita demora. A própria Miriam havia descoberto que as sugestões de investimentos e de locais que ela deveria visitar estavam sendo precisas e eficazes, e não via muitos problemas com a maior parte das previsões.

Nos dias que se passaram, o que realmente a incomodava era a tela vazia na aba AMOR. Isso não a incomodava tanto pela ausência de informação, mas sim pelo fato de que era a única pessoa, aparentemente, que tinha essa experiência. Imaginou que com o passar dos dias novas vítimas do bug surgiriam, revoltosas e incomodadas, mas ninguém se manifestava. No mínimo, imaginou, suas manifestações não a alcançavam, ou as pessoas eram pacientes como ela ou resignadas. No máximo, ela era a única, e isso lhe soava muito improvável, tanto porque achava que não era única em muitas coisas, quanto porque confiava no expertise técnico da equipe responsável pela rede social.

O único sinal que recebeu da equipe técnica foi uma mensagem de aparência genérica, que falava que estavam trabalhando em seu caso e que um representante entraria em contato em breve. Não levou o contato muito a sério, até que, no dia seguinte, seu telefone tocou durante a tarde.

Do outro lado da linha estava uma jovem que se identificava como Júlia, da equipe de atendimento da rede social em questão. Ela falava com a firmeza e com a convicção simulada que muitos atendentes tinham ao telefone, parecendo tentar vender alguma coisa a Miriam, ao mesmo tempo que algo em seu tom traía a leitura de um script que ela já havia lido muitas vezes. Quando Júlia começou a falar do problema específico de Miriam, porém, sua convicção simulada falhou, pois a notícia era do tipo que roteiro algum poderia ajudá-la a dar: não havia nada na aba AMOR pois não existia, probabilisticamente, um amor para Miriam.

Ela continuou explicando que haviam feito novos testes, verificado todas suas informações e tinham certeza de que não havia erro. O Destino confirmava que o destino de Miriam era a solidão, ao menos no sentido romântico da palavra. Se existisse alguém que poderia se tornar seu par romântico, essa pessoa ou não estava na rede social, ou não havia nascido. Para ambos os casos, o sistema indicava que a probabilidade de que qualquer um desses casos acontecer era estatisticamente insignificante.

Aqui, Júlia pausou e, claramente lendo de uma carta pronta, assegurou Miriam que a empresa se desculpava por qualquer angústia que pudesse ter causado ou vir a causar, que a expressão "insignificante" empregada logo antes era um termo técnico do universo de estatística e que não expressava de modo algum uma opinião sobre a importância de Miriam ou de qualquer coisa a ela relacionada e, finalmente, se dispuseram a oferecer atendimento prioritário em clínicas especializadas em atendimento psicológico que eram parceiras da empresa.

Miriam agradeceu calmamente pela informação, disse que compreendia e que a oferta não era necessária. Júlia insistiu algumas vezes, mas ela assegurou-a de seu bem-estar e desligou.

A verdade era que o bem-estar de Miriam era real. A preocupação da empresa com seu bem-estar também era real, tanto porque temiam receberem processos de seus consumidores, insatisfeitos com as estatísticas que eram as mais reais que a tecnologia comprar, quanto pelo fato de que ao menos parte dos técnicos e programadores e até o idealizador da rede social, apesar de não parecerem, tinham coração, com sonhos e sentimentos, e esperavam que quadros depressivos fossem desencadeados pelo lançamento do sistema. Eles não esperavam casos como o de Miriam, mas haviam contratado as clínicas especializadas antes mesmo do lançamento oficial. Mas nem eles, nem as clínicas e nem a própria Miriam, antes de se dar conta de que estava bem, esperavam que o lançamento de Destino pudesse, na verdade, causar a maior alegria de toda a vida para muitos dos usuários, exatamente pelo que eles não mostravam.

As outras pessoas perceberiam logo mais, pouco a pouco e de maneiras diferentes, mas Destino era a melhor coisa que havia acontecido à humanidade, pela total destruição de inúmeros modelos sociais que dependiam de expectativas. Miriam foi apenas a primeira a, forçosamente, se dar conta disso. Havia uma liberdade única em não apenas não ter expectativas próprias sobre o que o futuro reservava, especialmente em relações humanas e especialmente no amor. Miriam não precisava procurar o amor e sabia que não haveria ninguém a procurando. Ela sabia que, estatisticamente, não teria que se preocupar com a índole ou com o passado ou com as intenções de qualquer pessoa que se encontrasse, porque estatisticamente não faria mais nada disso.

Miriam se sentia incrivelmente feliz, pois sabia que as únicas expectativas que tinha de felicidade não dependiam de seu amor romântico a outra pessoa. E ela sabia o que viria a seguir. Ela sabia que as pessoas perceberiam isso, que isso e tantas outras coisas de suas vidas seriam restritas à lógica fria de computadores.

Ela chegou a pensar em se rebelar, não tanto porque desejava um amor, mas apenas por princípio, mas desistiu logo. Miriam percebeu que nunca havia desejado um amor, que sinceramente achava toda a ideia de se relacionar com alguém daquela maneira algo demasiado trabalhoso e que agora nunca mais haveria qualquer problema com a expectativa alheia. Mesmo que alguém sentisse pena dela ou tentasse a consolar pela ausência da chance de amor em sua vida - e invariavelmente, esse momento chegaria - eles se relegariam ao poder da rede social e de Destino e entenderiam que era algo infinitamente maior que ela, pois isso era mais fácil de entender e de acreditar aos outros do que os seus mais sinceros desejos, caso os exprimisse.

Miriam só poderia amar a si mesma. Teria uma paixão incondicional na saúde e na doença, até que a morte a separasse de si mesma. Miriam estava livre.

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