A Herdeira do Trono

By LauraaMachado

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E se você tivesse que cruzar seu país para uma última chance de se tornar quem sempre foi? De... More

Nota da Autora
Epígrafe
Prólogo
Capítulo 1 - Pelo Bem do Trono
Capítulo 3 - Baile do Século Vinte e Um
Capítulo 4 - Uma Ordem de sua Princesa
Capítulo 5 - Estou Aqui Por Você
Capítulo 6 - Convicções e Princípios
Capítulo 7 - Festa com Máscaras
Capítulo 8 - Caminho de Volta para Casa
Capítulo 9 - Celebração da Fênix
Capítulo 10 - O Maior Segredo do Mundo
Capítulo 11 - Reconhecimento
Capítulo 12 - Só o Primeiro Encontro
Capítulo 13 - Uma Garota Conversando com um Garoto
Capítulo 14 - Sua Única Opção
Capítulo 15 - Eles Sabem
Capítulo 16 - Seu Direito e Dever
Capítulo 17 - Inapropriado para Princesas
Capítulo 18 - Você Nem Imagina
Capítulo 19 - Todas as Formas de Comunicação
Capítulo 20 - Uma Questão de Honra
PERSONAGENS
Explicações

Capítulo 2 - De Todas as Pessoas do Mundo

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By LauraaMachado

 Ashland era um país grande. Descoberto pouco antes da América, ainda que tenha sido praticamente evitado por todos os outros povos por seu terreno difícil de cultivar, muitos ingleses se estabeleceram em volta de rios aqui para começar uma vida nova. E era exatamente esse o nosso lema.

Depois de uma história complicada onde nossa grande ilha foi vendida para vários países diferentes, acabamos conseguindo nos estabelecer e finalmente tomar o poder do nosso país. Fazia menos de duzentos anos que nós tínhamos nos libertado e começado a nossa linha real, que se desviou até chegar em mim. Nosso povo, feito na sua maioria de imigrantes do Reino Unido como a família da minha mãe, passou por muita dificuldade, principalmente no começo. Mas, depois de cada guerra, depois da fome e da instabilidade de um rei louco, nós sempre recomeçamos cada vez mais fortes.

Eu mesma gostava de pensar que existia algo quase mágico aqui, uma incapacidade de desistir, uma força que nos fazia levantar sempre que caímos. Era bastante apropriado que nosso símbolo fosse a fênix, que renascia das cinzas, bem apropriado nós celebrarmos o fogo, seu poder de destruição e renovação, principalmente quando um dos lugares mais famosos do país era o antigo vulcão de Holfburg.

Era isso que o mês da Celebração Fênix celebrava, tudo aquilo que nos caracterizava. Nossa história, nossos símbolos, nosso povo. E o poder eterno de renovação.

Como vários anos anteriores, contaríamos com a presença de algumas câmeras. Mas, dessa vez, elas não estariam aqui só para capturar momentos rápidos dos eventos mais icônicos para passar em jornais. Elas fariam questão de filmar um pouco do dia a dia dos nobres convidados. Em menos de um mês desde que eu tinha descoberto que aquele seria o mês mais importante da minha vida, Liev tinha conseguido fazer a maior propaganda pelo canal mais rico e tradicional de televisão por todo o país. Ela tinha me convencido de que toda aquela publicidade seria boa para mim e, mais ainda, para fazer o povo aceitar seu futuro rei.

Ainda que eu tivesse pegado um avião para voar do nosso castelo real até o de verão no sul do país, pude ver quando estava dentro da limusine algumas propagandas pela rua. Se já não estivesse acostumada a ver jornais e revistas usando fotos minhas para o que quer que eles quisessem, teria me incomodado. Mas, afinal, foi só bastante estranho. Eles falavam sobre a Celebração da Fênix como se fosse um reality show, anunciando insights exclusivos, um olhar pelos bastidores e inúmeras entrevistas com nobres de outros países e de Ashland, sem contar com imagens de outros anos. Por um segundo, até eu fiquei com vontade de assistir, no mínimo por curiosidade.

Mas aí eu me lembrei de que eles estavam se empenhando tanto, porque tinham certeza de que, no meio de muita filmagem inútil, acabariam encontrando cenas exclusivas e valiosas de meu futuro marido e eu. Cenas talvez íntimas demais. O fato de que eu estaria procurando um rei entre os convidados já tinha passado de rumor para certeza, mesmo que eu quisesse negar veemente todas as vezes que pudesse.

Meu interesse pelo programa, ainda que fosse mesmo só curiosidade mórbida, desapareceu completamente quando eu saí do meu quarto temporário no castelo de Wentnor naquela quinta-feira. No da capital, em Knighton, ninguém de fora podia entrar no último andar, o dos aposentos reais. Aqui, dei de cara com uma câmera ligada e uma produtora que instruía seu funcionário a focar em meu rosto.

Consegui disfarçar meu susto na hora, sorrindo rapidamente e já planejando minha rota de fuga. Minhas damas de companhia estavam todas espalhadas pelo castelo, arrumando os últimos detalhes de quando nós receberíamos meus convidados, e meu único apoio era Clare.

"Será que poderíamos fazer algumas perguntas à Vossa Alteza?" A produtora de TV perguntou. "Queremos dar uma chance à Vossa Alteza de falar suas impressões, suas expectativas, seus desejos para esse mês."

Para quem estava vendo de fora, meu sorriso se alargou levemente. Eu sabia exatamente o que aquilo queria dizer. Ela falava que queria me dar a chance de falar, porque, eu falando ou não, eles dariam suas próprias opiniões. Era quase uma ameaça. Dê a entrevista ou nós diremos o que vier à nossa cabeça.

"Claro," respondi, já contrariada. Liev não estava ali, mas ela tinha me treinado bem o suficiente em relações públicas para eu não ser pega por uma câmera negando um pedido tão simples. "Assim que o último convidado de hoje chegar, vou pedir para marcarem uma entrevista."

Falando isso, eu dei a volta na câmera, que se virou conforme eu andava, e comecei a descer as escadas.

"Mas nós gostaríamos de saber suas impressões antes mesmo de receber seus convidados," a produtora insistiu, me seguindo.

Clare devia estar perdida lá atrás, incapaz de se impor e passar na frente do câmera.

"Eu entendo," falei, parando mais uma vez, tendo que ajeitar discretamente meus joelhos dentro do vestido justo que usava. "Se tivesse pensado nisso, teria arrumado um tempo para vocês antes," mentira, pensei. Teria me certificado de estar ocupada. "Mas eu tenho uma responsabilidade com meus convidados. Não posso deixá-los esperando no carro. Preciso ir agora. Mas eu vejo vocês depois." Meus olhos encontraram os de Clare atrás deles. "Acompanhe-me, Clarissa," pedi, e ela finalmente se espremeu entre o câmera e a produtora para me alcançar.

Assim que estava do meu lado, eu entrelacei meu braço no seu. Sabia que a câmera não ia desistir de mim. Eles ainda não teriam sua entrevista, mas me veriam andar pelo castelo. Parecia bem idiota filmar cada passo meu, mas seria o tipo de cena perfeita para encher um programa de televisão sem nada para falar.

"Qual foi a última vez em que estivemos aqui, Clare?" Perguntei, calma e pausadamente, no limite de parecer natural.

Ela olhou rapidamente por cima do ombro, percebendo que ainda éramos seguidas. "No mês da Fênix ano passado?" Perguntou, e eu concordei com a cabeça.

"É estranho, não?" Aquela conversa cordial preenchia os momentos enquanto nós nos direcionávamos até as portas principais, mas ainda era bem desconfortável. "O castelo parece tão diferente e, ao mesmo tempo, familiar."

"Nós deveríamos vir mais vezes," até ela parecia estudada. "Para aproveitar o verão, principalmente."

"Verdade," respondi, escondendo a felicidade que senti ao ver as portas principais, separadas por nós, que descíamos o último degrau, pela largura do corredor principal. "O que acha que nos espera nesse mês?"

Minha pergunta ainda era para ser só um comentário inocente, mas Clare sorriu com vontade.

"Só posso dizer que estou louca para descobrir."

Olhei rapidamente na direção da câmera e, escondendo meu rosto em seguida, revirei os olhos.

E então percebi que outras duas câmeras nos esperavam. Tive que rir com ela, forçada até, exagerando para mostrar que nós falávamos de algo engraçado, algo descontraído. Meu coração tinha acelerado com a mera possibilidade de terem me filmado parecendo mal-educada e irritada em ter que estar ali, e eu quis adiar tudo aquilo só mais alguns minutos para poder explicar o porquê de tudo.

Esse era o maior problema de ter uma vida pública, de ver as pessoas usando fotos e filmagens suas para o que eles quisessem. Eu quase nunca tinha mesmo a chance de falar o meu lado, e, quando tinha, eles não pareciam se importar. Uma história criada em uma revista de tabloide sempre faria mais sucesso. Uma revirada de olhos seria rapidamente vista como um defeito meu. E todos estavam mais uma vez usando minha vida amorosa para criar os rumores mais absurdos.

Quando me posicionei logo à frente das portas, senti uma onda de medo passar por mim como se viesse com o vento. Medo do que diriam. Medo de todas as especulações, de como sempre teria uma parte do país que me veria como fraca, como inútil e mal-amada. Meu histórico já dava uma base muito boa para isso, e eu sabia que meu passado já estava sendo desenterrado.

Preferia ignorar. Não importava. Eu só tinha que encontrar um marido e o país finalmente pertenceria a mim, quem nunca devia ter que lutar por ele. As pessoas podiam falar o que fosse.

O medo parecia ter desaparecido tão rápido quanto tinha chegado, mas, quando as portas se abriram, foi impossível não lembrar do meu pai e ter que engolir o amargo que tomou conta da minha boca. Ele quase nunca estava mesmo ali para receber os convidados. Nos últimos anos, só vinha para Wentnor no meio do mês e depois ia embora, só voltando no último dia, o feriado nacional de Ashland. Mas, mesmo assim, mesmo que eu já tivesse estado naquela posição sozinha milhares de vezes, foi impossível não pensar na sua ausência como algo que seria forçado a se repetir. Não conseguia me deixar pensar em viver sem ele, mas às vezes até meus pensamentos ganhavam de mim mesma.

"Preparada?" Clare perguntou com olhar de quem estava louca para ver meus pretendentes, curiosa e levemente tentando me provocar, mas sua voz fez muito mais por mim. Conseguiu me fazer sorrir genuinamente e me esquecer, nem que só por aquele momento, de tudo que me forçava a estar ali.

Assenti, olhando rapidamente para Liev e cada uma das minhas damas de companhia, que tinham acabado de se posicionar atrás de mim. Quando o mordomo principal fez um sinal para os guardas se afastarem da porta, Clare fez menção de ir se juntar aos outros criados, mas eu a segurei pelo braço.

Sim, ela ainda era uma criada, mas era minha criada e minha amiga. Ela poderia usar seu uniforme e continuar ao meu lado. Eu precisava dela ali.

Os primeiros convidados a aparecerem pela porta foram primos distantes meus, familiares o suficiente para eu conseguir me portar quase naturalmente, mas também estranhos e cordiais, que logo entregaram suas malas a alguns criados e desapareceram pela escadaria.

Ótimo, pensei. Já foram os primeiros. Agora só faltava mais uma lista interminável de convidados. Nem tinha perguntado o número exato para Liev para não desanimar completamente.

Enquanto assistia os próximos entrarem, passei a mão pelo tecido do meu vestido. Ele era simples, inteiro vermelho e poderia ser usado em um dia normal. Mas o fato de acabar logo depois dos joelhos o deixava um pouco apertado para andar. Foi impossível não questionar rapidamente na minha cabeça se eu aguentaria muito tempo ali, com saltos tão altos e um vestido tão justo.

Mas eu me esqueci na hora do que estava falando quando reconheci o primeiro dos pretendentes entrando. Respirei fundo, levantando um pouco mais meu queixo. Sabia que era uma mania minha de quando eu me sentia prestes a ficar intimidada, e funcionava muito bem. Quando ele chegou mais perto, eu já não me sentia tão vulnerável, já não achava que ele podia ver em meu rosto que eu tinha qualquer interesse em me aproximar dele. Pelo contrário, ainda que ele fosse mais alto que eu, foi ele que me olhou como se estivesse honrado de estar ali.

"Alteza," disse, se encurvando para a frente em uma reverência ao parar na minha frente. "Niels Bernhard, Duque de Schleswig, a seu dispor."

Ele era impecável, até no inglês, mesmo tendo vindo da Dinamarca. A única coisa nele que não estava perfeitamente alinhada dos pés à cabeça era seu cabelo loiro e ondulado que parecia ir para todos os lados e acabava pouco abaixo de suas orelhas.

Eu lhe devolvi a reverência rapidamente, repassando na minha cabeça que ele era o juiz, que tinha também já sido piloto de helicóptero para o exército real dinamarquês.

"Seja bem-vindo, Sr. Bernhard," talvez ignorar seu título fosse outra defesa minha, mantendo-o abaixo, ainda que fosse desnecessário. "Seu pai foi um grande amigo do meu, e é uma honra recebê-los aqui."

Sua mãe logo fez uma reverência também e me certificou de que a honra era deles.

Assim que eles estavam livres para ir para seus quartos, Liev lhes fez um sinal para continuar andando. Eu aproveitei que Niels procurava o criado que carregava suas malas para observá-lo uma última vez.

Uma das maiores tradições do mês da Fênix era começar com um baile de máscaras em que todos se vestiam praticamente do mesmo jeito. Então, enquanto podia vê-lo andando na minha frente, tentei memorizar seu ritmo quase robótico, sua altura, sua dureza ao acenar rapidamente outra vez na minha direção antes de começar a subir as escadas.

Ele não era nada feio, bem parecido com sua foto, mas chegava quase a ser cômico, de tão alto, magro e rígido em seus modos, principalmente por combinar tudo isso ao seu cabelo rebelde. Mesmo assim, era o primeiro dos pretendentes que nós tínhamos todas aprovadas e, quando ele já desaparecia atrás de mim, me peguei o olhando por cima do ombro.

Infelizmente, uma câmera também me pegou, e eu tive que sorrir para ela depois de perceber, já odiando na minha cabeça todas as especulações que sairiam de uma olhada como aquela.

Ao virar de volta para a frente, tentei focar na próxima pessoa que saía do carro e começava seu caminho na nossa direção. Eu não podia voltar atrás, nem dois minutos atrás, então não importava.

Durante a próxima meia hora, várias outras pessoas chegaram, entre elas Stefan Dietrich, de Liechtenstein, que era extremamente bonito e quase me fez reconsiderar a possibilidade de me aliar a um país tão pequeno; Miguel Sanchez, para quem eu só aceitei dar uma chance, porque Liev tinha insistido que ele seria um ótimo aliado; além de Gustaf Andersson, da Suécia, que parecia focado em se mostrar bom de vida, pois até trouxe criados próprios. Ele devia pensar que, ao me mostrar que tinha dinheiro, eu realmente o consideraria. Em pleno século vinte e um, não era exército que definia o poder de um país, e sim sua capacidade econômica.

Mas eu queria mais para Ashland e o rejeitei na minha cabeça outra vez, ainda que o deixasse beijar as costas da minha mão e achar que estava mesmo me impressionando.

Respirei fundo quando ele desapareceu atrás de nós, sorrindo só um pouco para satisfazer minha vontade de rir do jeito dele.

Meus pés já tinham começado a ficar amortecidos de cansaço, mas eu tinha estado até bastante entretida pelos olhares de Clare durante todo aquele tempo para me importar. Se antes estava levemente ansiosa, o pouco que tinha visto de possíveis pretendentes tinha ajudado a me acalmar. Então, quando o próximo passou pelas portas, eu estava bem mais confiante.

E, mesmo que não estivesse, no pouco que eu o vi, soube que ele seria capaz de acalmar qualquer pessoa. Era o belga, Géraud Duval e, diferente de todos os outros, ele parecia ter insistido em carregar sua própria mala e não foi entregar a um criado de primeira. Na verdade, veio até mim, sem parecer saber se era o que ele devia fazer ou não.

"Princesa Lola," disse, se encurvando, mas parou na metade e esticou seu braço, inseguro.

Eu só apoiei minha mão na sua e ele a apertou, me pegando completamente desprevenida. Pelos olhares que as meninas devem ter trocado atrás de mim ou o meu de surpresa, ele percebeu que aquilo não estava exatamente certo.

"Ah, perdão," ainda que só falasse poucas palavras, era impossível não perceber seu sotaque, que quase me dava a impressão de estar falando francês.

Ele levou minha mão para um beijo também, mas hesitou um segundo antes de deixar seus lábios encostarem na minha pele, ainda confuso. Quando me soltou, parecia que já estava louco para desaparecer dali. Seus olhos se recusavam a encontrar os meus, e ele parecia usar sua mala como escudo.

Eu sorri, mais para mim mesma do que para ele, achando até adorável seu nervosismo. "Sr. Duval, é um prazer vê-lo aqui," falei. "Seus pais não vieram com você?"

Pela primeira vez, ele me olhou propriamente. "Eles chegam depois de amanhã."

"Certo," eu disse, me sentindo livre para olhá-lo de verdade, já que ele logo voltou a abaixar a cabeça.

Nenhuma de suas feições parecia especial. Ele tinha cabelo e olhos castanhos, pele clara, mas nem tanto. E, ainda assim, tudo parecia harmonizar tão bem, que seria impossível negar que ele era bem bonito.

"Bom," continuei, depois de um tempo em silêncio, "espero te encontrar hoje durante o baile."

Não sabia se conseguiria vê-lo como rei, mas não poderia negar que já sentia alguma empatia por ele, nem que fosse por seu jeito atrapalhado. Talvez nunca o escolhesse, mas pelo menos sabia que ele seria como um oásis em meio aos outros pretendentes, já que ele parecia tão desprovido de interesses ambiciosos.

"Géraud?" Chamei sua atenção depois de alguns segundos dele parado à minha frente. Ele olhou do chão para mim. "Você encontrará seu criado por esse mês ali," apontei para a esquerda, e ele percebeu que tinha passado da hora de sair dali.

"Ah, sim, claro. Perdão," falou de novo, seu sotaque só o fazendo ser ainda mais adorável, principalmente quando ele se sentia na obrigação de fazer mais uma reverência desajeitada para mim.

Dessa vez, quando olhei por cima do ombro para vê-lo subindo as escadas, sabia que pelo menos uma câmera estaria filmando, e não me importei.

Só a falta de jeito dele tinha conseguido me fazer sentir bem melhor sobre os dias que me esperavam. E, afinal, talvez ele me surpreendesse. Bélgica sempre foi um dos meus países favoritos em nosso continente mesmo.

Fiquei tão distraída com ele e como as meninas trocaram olhares comigo, que só percebi que o próximo cara tinha entrado quando ele estava logo à minha frente.

E seus olhos azuis me fizeram ficar completamente sem reação.

Era Trevor.

Depois de tanto tempo, depois de tudo pelo que nós dois tínhamos passado, era bem estranho vê-lo ali, tão acessível e disponível. Quase podia ouvir tudo que já tinha questionado sobre ele, sobre o que ele pensava de mim, rodando de novo pela minha cabeça. Tinha uma época em que pensar no meu futuro era pensar nele, e agora tudo estava tão diferente.

Ele estava diferente. Parecia mais alto, ou era impressão minha. Seu cabelo definitivamente estava mais comprido, o loiro um pouco mais escuro, mas o sorriso convencido ainda estava lá, enquanto ele me olhava de lado e me fazia remoer tudo que já tinha sentido por ele.

"Lola," ele foi o primeiro a falar, se encurvando de uma vez, como quem dançava, e pegando em minha mão antes que eu lhe desse.

Por mais que esperasse que seu beijo me desconcertasse ainda mais, o que eu fiz foi ganhar tempo para respirar fundo.

Sim, era Trevor, o cara que tinha praticamente crescido comigo, que tinha me feito criar a maior das quedas e que, afinal, tinha se afastado a tempo de cada um de nós seguir seu caminho. Parecia quase brincadeira do destino ele estar ali agora, quando nós já tínhamos praticamente nos tornado estranhos e, ao mesmo tempo, sabíamos de detalhes dos mais vergonhosos um do outro.

Mas eu já não era uma garotinha, não precisava da aprovação dele. Eu já o tinha superado, já tinha me apaixonado por outro cara, já tinha sentido meu coração se despedaçar por outra pessoa. Ele só me afetava pelas lembranças, e eu tinha que ser mais forte do que elas.

Era só Trevor, pensei, quando ele se esticava de volta.

"Seja bem-vindo," falei, juntando minha mão livre agora à outra à minha frente. "Ouvi dizer que estava no exército. Pensei que não viria a tempo."

Ele jogou a cabeça de leve para trás. "Eu não perderia isso por nada," me garantiu, desviando seus olhos dos meus só para inspecionar o corredor como se pertencesse a ele. "Só fui para terminar meu ano obrigatório," completou, "já que a minha amiga não me livrou dessa lei absurda."

Ele fez questão de olhar para mim quando me mencionou e ainda piscou com um olho só.

Claro. Ele ainda achava que me abalaria. Mas eu não o deixaria ganhar tão fácil. Ainda que tivéssemos todas concordado que ele era o pretendente perfeito, eu e ele tínhamos história demais para ser tão fácil e despretensioso desde o começo como seria com os outros. Era quase uma questão de honra para mim não deixar que ele achasse que poderia me conquistar e levar a coroa de Ashland junto com uma simples piscada de olho. Era mais do que meu coração que estava disposta a sacrificar e, ainda que não fosse, não poderia ser tão fácil assim.

Então eu baixei meus olhos rapidamente, sorrindo pelo seu jeito convencido e depois, quando levantei a cabeça, tinha uma sobrancelha arqueada.

"De todas as pessoas do mundo, você é um dos que mais precisava cumprir esse ano no exército, Trevor," falei e, em um impulso em que quase imitava seu jeito, eu o olhei da cabeça aos pés. "E parece que lhe fez bem."

Tive que segurar meu sorriso pelo elogio um tanto superior, enquanto ele arqueava as duas sobrancelhas, percebendo que eu o provocava.

"Obrigado, Alteza," agradeceu, sarcástico. "Mas ainda acho que meu irmão precisa do exército mais do que eu."

"Onde está Kyle, aliás?" Sem querer, perguntei um pouco alto demais. Não olhava para ela, mas vi com o canto do olho que Clare se encolhia em seu lugar, ainda que tentasse esticar discretamente seu pescoço para todos os lados, o procurando.

"Ele vem mais tarde com meus pais," Trevor explicou. "Mas eu fiz questão de vir te cumprimentar antes."

"Sempre uma honra," falei. "Te vejo hoje à noite."

Ele ainda me olhou por mais alguns segundos do que o necessário, transformando toda a atmosfera em volta de mim em mais densa do que eu conseguiria suportar por muito tempo. Seu sorriso até chegou a se desfazer, como se ele visse atrás dos meus olhos que tudo aquilo era mais sério do que parecia e que toda aquela dinâmica entre nós já não poderia durar.

Quando ele já tinha ficado ali por tempo demais, me forçou a imaginar como seria se eu desistisse de tudo de vez e simplesmente lhe fizesse uma proposta de se casar comigo por puro interesse. Seria bem mais fácil. Seria terrivelmente fácil.

Se ele aceitasse, claro.

Mas só a possibilidade me fez querer perguntar. Ele realmente era o pretendente perfeito e quase conseguia fazer meus joelhos ficarem moles só por sua presença. Mas foi exatamente isso que me impediu de abrir a boca e me fez só levantar de novo o queixo no ar, logo o assistindo fazer uma última reverência e se afastar.

Se fosse para eu fazer uma proposta para alguém, não poderia ser para ele. Nós realmente tínhamos história demais para isso. Mesmo que tudo tivesse mudado, que eu já não passasse meus dias lembrando do nosso primeiro beijo, ele ainda me conhecia desde a época em que eu nem sabia quem era. Ele tinha me visto com minha mãe.

E, depois, sem ela.

Ele era próximo demais para entrar em um casamento comigo por puro negócio. As coisas não seriam tão fáceis quanto eu queria.

E talvez fosse melhor assim, pensei, respirando fundo mais uma vez e me preparando para a família enorme de italianos que passavam pela porta. Eram alguns dos poucos que não faziam parte de qualquer nobreza, mas que tinham influência e dinheiro o suficiente para se fazerem presente no que se tornaria durante o próximo mês no maior espetáculo de Ashland.

Depois de uma hora de pé na frente das portas principais, eu finalmente estava livre. A produtora de televisão aceitou minha proposta e mandou duas câmeras atrás dos convidados para importuná-los, já que eu sabia que a maioria se sentiria honrada de aparecer no programa, enquanto a última me seguiu até uma sala lateral para a tão esperada entrevista.

Queria estar em qualquer outro lugar do mundo, mas me lembrei de tudo que estava em jogo e me sentei no sofá que tinha ali, ajeitando meu vestido para que não prendesse minha circulação. Ainda que Liev cuidasse de absolutamente tudo de cada evento daquele mês, eu continuava preocupada. Primeiro, com todas as máscaras para o baile, depois com a comida, a iluminação e, mais ainda, com os convidados que ainda estavam para chegar. Tinha recebido quase sessenta pessoas, e essas eram só as mais importantes, aquelas que apreciavam - e quase exigiam - minha presença às portas. Mas outras duzentas estavam para chegar, pessoas que nem se hospedariam no castelo, que só vinham para o baile. Tinha muita coisa para dar errado.

Principalmente, afinal, com os pretendentes, que nem sabiam que eu já os estava mirando. Meu plano não era dos melhores, mas era o único que eu tinha. Estava depositando todas as minhas esperanças nele, na mínima possibilidade de que eu conseguiria encontrar em trinta dias o amor da minha vida, o cara que mereceria tanto a coroa quanto meu coração, e só tinha conseguido escolher cinco pretendentes que tinham alguma chance, um dos quais nem tinha aparecido.

Alaric Lockwood, o segundo da minha lista, só perdendo para Trevor. Eu nunca o tinha conhecido, mas já estava desapontada. Tinha algumas grandes expectativas para ele, e, ao não aparecer, ele tinha conseguido abalar a já instável esperança que eu tinha de aquilo dar certo.

Só percebi mesmo quanto estava incomodada quando a produtora acendeu a luz que ajudaria a iluminar meu rosto para a câmera e eu tive que forçar meu sorriso mais do que o normal para a entrevista.

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