Ok, eu não arranquei as minhas roupas. Aquele vestido era lindo demais para ser retirado com tanto selvageria e dentro de um banheiro que cheirava a cocô de gato. Nossa! Cameron beijava tão bem que eu me senti no céu, sendo que o Cam era um pedaço de mau caminho, ou até mesmo um pedaço de filé. Tudo bem, isso não soou muito legal.
Enquanto eu tentava ter um equilíbrio lógico entre a razão e o desespero de um beijo atrás de outro, aquele fogo que eu sentia com ele, não ajudava em nada.
Até que nós somos interrompidos por um vento frio que logo bate nas minhas costas.
Ah, droga!
Olho com receio para trás e vejo Blake com cara de poucos amigos, prestes a destruir a coluna cervical de alguém. Engoli em seco e ajeitei o vestido. Dar desculpas àquela hora era tarde demais, mas eu precisava tentar:
- Estávamos estudando as aranhas. São aracnídeos, sabia?
Ele não respondeu nada. As mãos no bolso e o olhar dele se suavizaram sobre o meu.
- O que eu disse sobre essa festa, Cameron?
- Nada de sexo.
- E o que mais?
- Bebida alcoólica.
Blake balança a cabeça positivamente como se estivesse escutando uma música boa.
- Brooke Williams, a senhorita vem comigo.
- O quê? Eu não estava fazendo isso que você está pensando!
- Por que o seu vestido está aberto, então?
- Tá calor aqui, sabe? Se eu quiser andar peladona, eu ando peladona, meu chapa! Você já me viu nua e nem vem dizer que não gostou! – exaspero-me. Alguém me cala, por favor?
Ele só me encarou, com raiva. Droga, eu estava piorando as coisas pro meu lado. Parabéns, Brooke! Você mal entra em um lugar, e provavelmente, já vai ser expulsa. Isso ai, minha amiga, isso ai!
- Vou ser expulsa?
- Não. Vou levar você à diretora. Merece uma punição. Não só você, mas todos os membros da festa. Cameron, eu falo com você mais tarde. Sua situação é bem pior que a dela.
Olhei de soslaio para Cam e vi que ela estava fervendo de raiva. Não é nada legal ver uma briga entre garotos, mas Blake parecia que não iria brigar. Estava bem calmo e confiante.
- Quem te contou sobre as bebidas?
- Erfieu.
Ui. Saudades daquele esqueleto.
- Vamos, Brooke. Por favor, ajeite seu vestido – Blake disse, tentando não olhar para mim.
- Tudo bem – digo.
Ajeito o zíper do meu vestido e saio cambaleante do banheiro. Minha sorte, era que os meus saltos-alto, não eram tão alto assim. Blake passava por todos aqueles adolescentes com tanta tranquilidade e charme, que atraia todos os olhares. Ninguém acreditava que ele estava ali, e muito menos acreditavam, que estavam encrencados no dia seguinte.
- Vou mandar um bilhete para todos – ele fala para mim, baixinho.
- O que você vai fazer com o Cam? – pergunto. – Não vai matá-lo, vai?
Ele me olha incrédulo, como se eu tivesse perguntado se ele ia servir macarrão com queijo a Cameron.
- Claro que não, Brooke. De onde você tira essas ideias malucas?
- Ah, não sei! Você é tipo a Dona Morte, não é?
- Dona Morte? Eu já disse a você que sou só um mensageiro.
Eu ri, mas logo me lembrei do vestido.
- Para onde estamos indo? – decido perguntar. Tratemos do vestido depois.
- Para o meu quarto?
Ah, safado!
- Por quê? Escuta aqui, seu tarado, eu...
- Brooke, eu vou apenas lhe dar o horário da sua aula e a de Samirah. Meu Deus.
- Só isso?
- Só.
O quarto de Blake ficava em uma espécie de porão. A escada era feita de ossos, o que me deu vontade de vomitar.
Assim que descemos – o que pareceu uma eternidade – chegamos ao quarto de Blake. Era pintado de uma cor cinza e havia muitos, mas muitos livros. A cama de madeira estava perfeitamente arrumada, assim como o resto do quarto. Impecavelmente limpo. Não havia nenhuma foto naquele lugar, o que me deixou assustada.
Há quanto tempo ele estava naquele lugar?
Blake exalava segredo e mistério, até que eu me lembrei do meu sonho. Droga! Será que ele vai me atacar, tacar o meu corpo num rio poluído e dar tchauzinho?
Não, claro que não.
Ou ia?
Observei ele abriu uma mesinha e pegar dois papeizinhos. Era o meu horário e o de Samirah.
- Obrigada – digo, guardando o papel, pois iria lê-lo mais tarde.
- Não precisa agradecer – ele falou com um ar profissional.
Blake não estava mais usando óculos. O cabelo impecavelmente liso e negro caia nos olhos como uma franja e, ele estava com olheiras. Já falei o quanto o cabelo dele era legal? Todo lisinho.
- O vestido é seu ou você é travesti? – pergunto, cruzando os braços. Eu estava curiosíssima.
Blake riu.
- Era da minha mãe.
- Sua mãe?
Por essa eu realmente não esperava.
- Sim. Ela gostava de usar quando eu era criança. Ela ia para bailes da sociedade com ele e às vezes eu a acompanhava.
- E o seu pai?
Cale a boca, Brooke.
- Meu pai... – ele pareceu olhar para o horizonte. Cara de paisagem, para ser mais exata. – Ele costumava ir a bares.
Blake não queria me contar do seu passado. Ele tinha toda a razão em não contar, caso isso lhe incomodasse.
- Quantos anos você tem, Blake? – mudei de assunto.
- Vinte e um. – ele respondeu.
- Uau.
Nós dois rimos e ele me apresentou o seu quarto. Olhei para a parede de livros a minha frente. Peguei Hamlet de Shakespeare.
- Menino culto.
Blake riu.
- Acho que está na hora de você dormir – ele disse.
- Ah, poxa! Posso pegar um livro para mim? Preciso de algo para pegar no sono.
- Pode pegar qual quiser.
Dentre tantos, eu peguei Persuasão da Jane Austen. Eu gostava tanto daquele livro, que não me importava em ler mais uma vez.
- Boa escolha – ele piscou para mim.
Sorri meio sem graça.
- Eu devolvo o vestido amanhã.
- Não precisa. Ficou ótimo em você.
Eu não ruborizei. Eu não ruborizei. EU NÃO RUBORIZEI.
- Obrigada mais uma vez. Pelo livro... O vestido e tal.
- Disponha. Não se esqueça de ir a sala da diretoria amanhã. Avise a Samirah também.
- Todos que estavam na festa vão receber castigo?
- É justo. Eu avisei a Cam sobre as normas. O resto de toda a escola sabe. Não seguiram por que não quiseram.
- Eu não tinha ideia sobre essas regras. Sou nova aqui!
- Eu posso te castigar se quiser – ele disse com um sorriso malicioso.
IMPOSSÍVEL NÃO RUBORIZAR.
- Boa noite, Blak. – digo, tentando encerrar esse assunto logo.
- Boa noite, Brooke.
Subo as escadas de ossos e levanto o meu vestido. O meu novo vestido, que pertencia à mãe de Blake.
Meu estomago embrulha de repente. Ah, eu não ia vomitar, ia? Ninguém merece!
Na verdade, eu mereço! Eu mereço por ter sido burra! Não deveria ter pegado Cameron, nem nada. Deve ter parecido uma vagaba. Ah, chega de pensar. Estou cansada demais.
Enquanto encaro o corredor em direção ao meu quarto, vejo um burburinho entre outros adolescentes. Alguns vestiam a roupa de festa e outros, pijamas.
Eles estavam em volta de alguma coisa que lhes atraia muita atenção. Erfieu, o esqueleto, tentava passar por eles.
- Um corvo!
O corvo estava banhado em seu próprio sangue. Havia um bilhete em seu bico. Amaçado e manchado de sangue.
Eu pego o bilhete, com um pouco de nojo e medo. Abro e vejo que ele estava escrito em uma bela letra cursiva.
'' Morte a todos. ''
Um calafrio percorreu o meu rosto. Um grasnado ecoa pelo lugar, no exato momento em que um relâmpago encontra o chão.
~*~