O Agente e Eu

By liviamoura

23.5K 360 81

More

O Agente e Eu
Capitulo 1
Recadinho da autora
Recadinho da autora - 2 (Comunicado)
Lançamento

Capitulo 2

2.5K 50 7
By liviamoura

“Porque eu soube que você era problema quando apareceu. Que vergonha pra mim agora.”- I Knew you were trouble - Taylor Swift 

O relógio marcava exatamente 9:00 horas quando eu atingi o despertador com um tapa. Droga, eu precisava tentar parar de trocar a noite pelo dia, mas seria mais fácil se meus momentos de inspiração pra escrever viessem um pouquinho antes da madrugada, só pra variar um pouco.

Já tinha se passado uma semana exata desde o incidente tenebroso naquele maldito programa de tv do Jota e eu ainda não tinha conseguido esquecer o verdadeiro vexame que passei naquela noite. Por sorte, nada muito pior do que minha vergonha tinha acontecido, já que a emissora, pelo menos aparentemente, não tinha tomado nenhuma providência com relação a minha saída antes da hora combinada. 

O resultado geral de tudo aquilo com as pessoas é que tinha sido o grande problema. Vou falar uma coisa, eu achava de verdade que não era muita gente que passava a madrugada de sexta para sábado assistindo tv (tá, vamos levar em consideração que eu passava, mas achava que era minoria o meu ‘clube das pessoas sem programa para sexta à noite’). As ligações de alguns sites de fofocas e os muitos comentários que ouvi em minhas raras saídas me mostraram que, pra minha infelicidade, esse “Jota no ar” era mesmo bem visto e eu estava um pouquinho mais encrencada do que gostaria.

Depois de tomar um longo banho gelado pra espantar de vez a preguiça, coloquei o primeiro jeans surrado e camisa xadrez que encontrei, já me preparando para minha rotineira descida até a cafeteria que ficava perto de onde morava, na intenção de alimentar o geniozinho escritor dentro de mim com muita cafeína. Era isso ou passar o resto do dia me lamentando pelo insuportável bloqueio que me fazia ter vontade de bater minha cabeça na parede pra tentar ter alguma ideia brilhante na marra.

Enquanto me arrumava, percebi que o apartamento estava vazio. Fazia quase dois anos que eu morava com Nathália - minha melhor amiga - em um apartamento minúsculo em Laranjeiras, no Rio. Era uma coisinha pequena, que mal cabiam nós duas mais nossas coisas, mas que já era um avanço no fator ‘independência’ e ‘se virar sem os pais’. Nathália e eu sempre fomos o extremo oposto uma da outra, mas tínhamos uma coisinha em comum: o amor pela arte. Ela sempre sonhou em ser atriz e vivia procurando testes para papéis pequenos em comerciais e tv, enquanto eu criava as histórias mais malucas. Acho que foi exatamente isso que nos uniu tanto e fez com que nos déssemos tão bem quando nos conhecemos há muito tempo atrás, ainda na época da escola. Nós adorávamos rir juntas da cara que as professoras faziam quando ouviam nossa reposta para a famosa pergunta “O que você quer ser quando crescer?”. 

Quando eu terminava meus rápidos preparativos para sair com um desajeitado coque no cabelo, preso com uma caneta, meu celular tocou. Uma breve olhada na tela me fez concluir rápido que era ela: Nathália.

- Madrugou hoje? Deixa eu adivinhar... Algum teste? - eu dizia com naturalidade depois de atender a ligação.

- Um sensacional dessa vez. Acho até que compensa essa fila gigante que já estou enfrentando há mais de três horas.

- Tenho certeza que vai conseguir. - disse.

- Você tem sempre certeza e eu nunca consigo, suco de cenoura. - ela falou sem um pingo de desânimo na voz. - Não foi por isso que te liguei.

Sim, ‘suco de cenoura’ era meu terrível apelido, criado pela minha querida amiga.

- E posso saber pra quê foi, senhorita?

- Pra te comunicar que hoje à noite nós vamos sair dessa toca pra comemorar.

- Comemorar? - franzi o cenho.

- É... a vida, sei lá. O que quero é te tirar de casa antes que você vire parte da mobília.

Ah, como eu amava o senso de humor da Nathália... Sério, tenta só conviver com uma pessoa que nem sabe o que significa mau humor... Garanto que em um mês você vai estar se sentindo uma velhinha rabugenta.

- Que engraçadinha... - dei uma gargalhada forçada de propósito. - É sério Nat, eu preciso escrever. O prazo pra entregar o livro já está estourando.

- Ah, Qual é... Eu estou te chamando para ir em um barzinho numa sexta à noite, não pra uma viagem a Marte. Prometo que você estará sã e salva em casa em umas três horas. Você está proibida de rejeitar, Meline.

- Até quando você vai ser tão insistente? - Eu precisava saber pra começar a pensar em aumentar meu estoque de desculpas. 

- Pra você ver o quanto quero te tirar de casa, até convidei o mala do Miguel pra ir com a gente. - Ela disse em um tom um pouco mais sério.

Isso sim era novidade. Digamos que Nathália simplesmente tenha odiado Miguel desde que começamos a namorar e o motivo é um mistério pra mim e, bem provavelmente, deve ser até pra ela também já que não vejo razão pra isso. Miguel e eu tínhamos uma relação muito boa e sempre tivemos tanta coisa em comum que era quase impossível não nos darmos bem. Nós dois sempre acreditamos em um relacionamento mais sólido e prático, sem todas aquelas coisas melosas de casais apaixonadinhos que querem esfregar para o mundo o quanto se amam e se adoram... Eu preferia deixar esse romance todo para os meus livros. 

- Um dia eu ainda descubro de onde vem esse ódio todo que você sente pelo Miguel. 

- Ah, minha querida cenourinha, eu podia passar o dia listando meus motivos, mas tenho um teste pra fazer. E aí, vai me dar uma resposta ou não?

- Ok, você venceu! Eu vou. - falei sorrindo para mim mesma. 

- Finalmente! Você está me dando cada vez mais trabalho, sabia? Agora você pode ir lá tomar seu café e torcer pra ter uma ótima ideia.

- Ei! Como você sabe que... - interrompi rápido minha tentativa de perguntar como ela sabia que era exatamente isso que ia fazer quando me dei conta de que era o que eu vinha fazendo todo santo dia há algum tempo. Eu estava precisando mesmo dar um jeito na minha vida... - Não precisa responder.

Só consegui escutar a gargalhada alta de Nathália do outro lado da linha diante da minha resposta. 

- Cala a boca e vai pro seu teste. - agora eu esbanjava meu tom mais resmungão. - Mostra a eles como se faz. Amo você!

- Também te amo! Torça por mim! - Nathália mandou um beijo empolgado pelo telefone e desligou logo em seguida.

Desliguei o telefone e finalmente consegui sair de casa. Eu detestava ter que admitir, mas Nathália tinha um pouquinho de razão quando dizia que eu precisava me distrair mais. Passar vinte e quatro horas por dia pensando em trabalho, por mais que eu o adorasse, ainda ia me enlouquecer qualquer hora dessas.

Enquanto eu sentava no pequeno, antigo, mas simpático cafézinho que ficava quase em frente ao apartamento, não consegui evitar de pensar no acontecimento da última sexta. Pra ser sincera, apesar de ter tentado tratar todo o assunto com pouco caso, eu simplesmente não conseguia tirá-lo da cabeça. Só de lembrar das câmeras, luzes e palco eu já sentia um enjôo e alguma coisa na minha mente repetia sem parar: ainda vem problema por aí. O porquê disso eu não fazia a menor ideia. Devia estar traumatizada.

Ainda fiquei no café por algum tempo e precisei responder mais uma perguntinha curiosa sobre meu pesadelo particular:

- Olha, você não é aquela garota do programa? - A curiosa em questão era uma adolescente que devia ter, no máximo, uns 16 anos.

- Sou eu, sim. - fui simpática.

Uma foto comigo? Um autógrafo? Um “gostei de você”? Nadica disso. Ao invés, a garota só me comunicou com um tom decidido:

- Comprei seu livro, por causa do cara que você mostrou... ele é o máximo.!

Eu até pensei em perguntar se com “máximo” ela estava se referindo ao cara ou ao meu livro, mas a parte em que ela disse “o cara que você mostrou” me deixou tão em choque que não consegui falar mais nada durante um bom tempo.

- Fico feliz que você tenha gostado... de verdade. - Resolvi ser esperançosa e considerar que ela tenha falado do livro.

A garota só voltou a sorrir pra mim, me deu um fofo tchauzinho com as mãos e saiu do lugar na direção de uma mulher, que logo imaginei ser sua mãe. Era incrível como o panorama da minha situação estava cada vez pior pro meu lado. Agora, além de ter pago um mico nacional, as pessoas ainda pensavam que eu era doida o bastante pra ir em um programa de tv só pra mostrar a foto de um homem no telão. Realmente sensacional, Meline... Você se supera a cada dia no quesito arrumar problema.

Depois de enrolar por mais um tempinho na cafeteria, observando todo o entra e sai do lugar, resolvi ser uma escritora corajosa e levantei na direção da saída do lugar para ir pra casa e, enfim, tentar escrever alguma coisa aceitável.

Assim que coloquei os pés fora do café, não consegui deixar de notar um casal que atravessava a rua. Eles atravessam abraçados e não conseguiam deixar de se olhar por muito tempo (tipo uns 5 segundos...). Nesse momento, uma parte bem pequenininha de mim até achou aquilo uma gracinha e teve vontade de viver uma coisa parecida algum dia, mas a outra parte, a bem maior, resolveu tirar bem rápido a caneta que prendia o coque na cabeça e escrever na mão mesmo (eu sempre lembrava de sair carregando uma caneta, mas nunca um papel) a atitude daqueles dois. Nunca se sabe o momento que você vai precisar descrever um casal apaixonado no papel. Tá, eu confesso que ver pessoas desconhecidas na rua e adaptá-las para meus livros era uma coisa que eu gostava de fazer. Só precisava me lembrar de nunca, em hipótese alguma, comentar sobre esse casal se um dia eles fossem usados em um dos livros e alguém me perguntasse de onde tinha vindo a idéia.

Eu ia andando bem tranquilamente, escrevendo coisas com letras bem pequenas nas mãos (eu iria agradecer ao ser superior se conseguisse entender pelo menos metade do que estava anotando quando chegasse em casa) até que, sem olhar pra frente, acabei esbarrando em alguma coisa bem firme parada na rua, que fez com que eu perdesse o equilíbrio e quase caísse no chão (eu iria cair de verdade se, nesse caso, a coisa bem firme em questão não tivesse me segurado pelo braço, evitando que isso acontecesse) e fez com que minha pobre caneta voasse pra longe de mim. Com raiva, fui levantando os olhos para ver em quem, raios, eu tinha esbarrado e só de ir vendo o terno preto na minha frente, enquanto eu ia levantando a cabeça, já sabia que aquilo não podia ser um bom sinal.

É, naquele momento eu começava a achar que devia ser um pouco sensitiva, afinal o tal problema que eu farejava a dias estava bem ali na minha frente. Um problema de olhos cor de mel, barba rala  por fazer e estatura alta... Um problema que não tinha mudado quase nada desde que o vi há dois anos atrás. Um problema que me olhava com tanta raiva que me fez tremer. Um problema chamado Guilherme Fitzpatrick. Era esse o nome dele, não era? Com certeza não dava pra esquecer. 

Continue Reading