Europa

By WilliamPhilippe

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Isto não é uma história adolescente, talvez seja esse o meu maior motivo para escrever. Alexandre, o Grande d... More

I
III

II

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By WilliamPhilippe

— Por que ele deveria estar morto, meritíssimo? – Perguntou Europa.
Não obteve resposta. O juiz parecia esperar por algo que o atrapalhasse, retardara sua fala ao máximo. Olhara ao seu redor, fitando cada um dos presentes, a porta da grande sala se mantinha fechada. Então voltou-se a Europa, respirou duas vezes e ao final de sua respiração ele, por um instante, achou que Deus existia. Suas preces foram ouvidas?

— Senhor! Senhor! – Como se atrevera... – Preciso de um minuto. – Eu não sabia quem era, parecia um mero cidadão, um simplório. Este entrou correndo pela porta dupla que se mantinha fechada e foi em direção ao juiz. Ouviu-se um espanto coletivo assim que ele entrara gritando, mas ninguém reagiu. O que poderia fazer aquele cidadão? Aquele cujas vestes não eram apropriadas ao local, a um júri. Com certeza o juiz não daria a mínima atenção, porém, não foi isso o que aconteceu.
— Acalme-se, senhor. – O juiz era alguém de nobre humildade, pelo que se vira. Tratou-o como um igual, ao menos na primeira frase. – Venha até mim.
Eu menti quando disse que não sabia quem era o cidadão... sinceramente, sei muito bem. Ele é uma espécie de assistente, usando um termo mais polido, do tal juiz. O meritíssimo era um homem educado e que não gostava de alardes, com certeza aquela entrada não o agradou. Com certeza o seu assistente sabia que ele não aprovaria tal cena. O motivo deve ser uma grande urgência, algo grave acontecera. Era certo.
O homem foi até o juiz e recuperou o fôlego. O excelentíssimo parecia extremamente ansioso, ordenando-o em tom baixo que dissesse logo qualquer que seja a coisa que viera dizer. O homem respirou, curvou-se em direção à face do juiz, que estava sentado em sua poltrona, aproximando-se de seu ouvido disse:
— O homem... de Vigo... – continuou... – fugiu! – Respirou e metralhou as palavras. – Ele sumiu, eu não pude fazer nada, nem eu nem ninguém. Ele estava preso às correntes, não havia como sair, alguém deve ter o ajudado. Ele estava muito bem preso!
Eu acho que as coisas não prosseguirão bem de agora em diante, alguém poderá ser degolado, e não falo de Europa. Embora eu adoraria vê-la face a face com a morte.
Eu não sei onde ele está, mas já mandei buscarem-no. – Ele tentava se desculpar, havia medo em seus olhos. Pode-se perceber muita coisa apenas com a feição de um homem. Sua respiração se acalmou e ele estranhou a reação do seu patrão. – O senhor não está surpreso? Por que sorri?
— Você tem a certeza de que o manteve suficientemente preso? De que ele não tinha como se soltar?
— É claro que tenho, senhor! – Afirmou com veemência o homem. – Eu mesmo tranquei os cadeados, não havia como ele sair caso não tivesse forças sobre-humanas.
— Quanto tempo faz que ele fugiu? – Replicou o juiz, ele desconfiava de qualquer um que tivesse envolvido naquele caso. Por dentro ele não podia pensar em outra coisa... "de Vigo escapou. de Vigo escapou.". Um martelo em sua cabeça.
— Poucas horas, talvez nem duas horas. Assim que fui à cela e vi que ele não estava lá, eu vim correndo até aqui. Para te contar. – Respirou. – Senhor, já pus homens atrás dele, ele não está muito longe, ainda hoje o encontraremos, garanto.
— Vire-se! – Ordenou o juiz, em tom furioso. O empregado não entendeu. – Vire-se e olhe o que há atrás de si! – Repetiu, alto e claro o suficiente. Todos ouviram.
O empregado virou-se, mesmo sem entender o motivo, lentamente. Procurou com os olhos algo que se destacasse, o algo que ele deveria ver. E ele o viu. Entendeu. Gaguejou para si mesmo "de Vi... de Vigo...". Olhos grandes de quem teme a realidade que vê.

. . .

E eu permito. A partir de hoje permito. Tudo o que eu posso te afirmar é que agora é possível...
— Eu nunca entendo o que diz... – disse ela. – Você me soa confuso e inapropriado.
— Quantas vezes mais terei de lhe explicar? Estou ficando irritado.
Mas é sempre assim, os ânimos se agitam, eles quebram algumas taças tchecas, ele vai até a varanda, respira. Acalma-se. Arrepende-se. Volta à cama cansado, passou-se muito tempo desde que se olharam.
— Você demorou... – ela disse... – fiquei com medo de ser a última vez.
— Não deixarei haver uma última vez... – ele suspirou e prosseguiu. – Nunca haverá uma última vez.
O coração dele estava pulsando rapidamente, a sensação de querer vomitar findou-se. Ele sempre sentia isso quando as vozes se exaltavam e depois se emudeciam, nunca era um bom sinal. Mas o trato era este: brigavam e ao cessarem os gritos marcavam a próxima briga. Era um bom método para sempre estarem juntos. A casa deles parecia não fazer parte da rotação da Terra, estava sempre deslocada do mundo. O que acontecia lá dentro não tinha qualquer influência do mundo como era. Nunca receberam visitas e poucas pessoas sabiam que aquele endereço pertencia ao casal. Ele tinha vinte e cinco anos e ela vinte e três. Passou-se quarenta anos. Ele continuou com vinte e cinco e ela com vinte e três. Nada mudara e nem mudará.
— Você me ama?
— Não. E você?
— Também não.
— Posso te abraçar?
— Tenha cuidado.
— Sempre tenho.
— Eu sei...
Dormiram...

Não pretendiam ter filhos e os diálogos sempre eram rápidos. Passavam a maior parte do tempo possível juntos e a sós. Saiam juntos para o mercado, para a feira ou aonde quer que seja. Não tinham amigos em comum, eles dois eram a única ligação entre o mundo dela e o dele. Ninguém sabe a força desta ligação, tentaram estudar. Não chegaram à conclusão. Mas havia alguma conclusão. Sempre há. Dizem que nunca estamos pensando em, propriamente, nada. Alguma pergunta sempre paira a mente. A deles era: quem sou eu? Já fazia dois séculos que tentavam descobrir. Mas parece que todo dia eles aprendiam menos sobre si e mais sobre o outro. Dez livros. Cada um poderia escrever dez livros sobre o outro, mas nenhum sobre si mesmo. Nem um poema, nem um haicai. Nada. Tentaram:

"Sou poema metrificado por teus dedos. "

"Tuas lágrimas águam minha esperança. "

Falharam, novamente. Mas tentaram escrever sobre o outro, desta vez:

"Belas lágrimas de teu febril rosto
abalam meus dogmas inexoráveis...
Sinto-me tão distante, mas exposto,
ainda que perto de tuas mãos afáveis. "

Falharam miseravelmente novamente. Nada existia sem os dois, um dependia do outro. O eu lírico era duas pessoas. Talvez possuíssem a mesma alma.
Talvez, apenas, dessem-se bem.

Ela deitou. Ele deitou. Desta vez um de costas para o outro. Dessa vez ela pediu desculpas e voltou-se para abraçá-lo. Realmente não haverá uma última vez.

. . .

As pessoas temem coisas de modo estranho. Um rato, uma barata, um fantasma, deuses. Coisas que, ou não existem, ou não oferecem qualquer grande risco às suas existências atômicas. Mas aquele serviçal estava em uma posição diferente, temera as duas maiores coisas deste mundo: a morte e o homem.
Eu sou um homem e eu carrego a morte em minha aliança.
de Vigo estava atento a toda aquela cena, ele vira o instante em que o homem chegou e o reconheceu imediatamente. Quando o homem e de Vigo se fitaram, de Vigo não esboçou qualquer olhar latejante ou gélido. Apenas olhou. Entortou um pouco a boca fazendo um rabisco de um sorriso. Olho por olho. Que tipo de homem vai a um julgamento assim que se liberta da sua possível caminhada para o fim? E por que diabos ele iria ao julgamento do homem que encomendara sua morte? Exatamente. Havia algo de muito viciante naquilo.

Não me sinto bem ao narrar esta história, estou sentindo uma ânsia que me acompanha desde que comecei este livro ou seja lá o que isto venha a se tornar.

O homem vira-se ao juiz, mas seus olhos continuam fitando de Vigo até o último ângulo possível. Ele abre sua boca vagarosamente e admite: — Morrerei. Eu sei. Ele se vingará. Irá me caçar.
— Não se preocupe, ele estará morto antes do seu próximo sono. – Afirmou com calma o juiz.
Ele não responde, a reação dele é insuficiente para ser descrita. Caminha para fora, um passo por vez. Mas é claro que ele não sairia dali sem provar dela. Europa. Ao sair da bancada seus olhos se cruzam com o corpo daquela criatura. A pele branca, pura, feminina o fascina. É real. Ele é apenas mais um homem como todos. Europa sabe que é observada, e claro, ama. Sorri e ajeita-se, propositadamente para estabelecer um contato, mesmo que indireto, com o servo. Ele não vê seu rosto, apenas a boca. Ainda assim para e sua mente fixa-se: Europa. Não há pureza nos sentimentos do homem, ele deseja a pele como se quisesse devorá-la com seus dentes. Sentir cada sabor que Europa tenha a oferecer. O instinto mais natural do homem. Europa tem total ciência disso. Não é o primeiro, mas todos ali querem que seja o último. Europa, mesmo vendada, sabe quando é observada, ela sente que a desejam. Isto é comum. A literatura está cheia de mulheres incríveis e que enfeitiçam homens. Europa não seria diferente, exceto pela peculiaridade já citada. Ela desejava ser comida, no sentido não vulgar da palavra – e que erro cometem ao usar esta palavra para mulheres. Europa nunca se permitiria ser comida, então tudo que lhe restava era provocar desejo. Minto, isto está muito claro, preto no branco. Nada é assim. Esqueçam o que leram. Europa nunca seria clara assim. Digo, por hora, que ela simplesmente era muito boa no que fazia, extremamente qualificada. E este texto já está ficando muito grande. E eu menti de novo: como alguém tão boa no que faz permite-se ser julgada por homens? Permite-se ser capturada e vendada? Há algo errado. O homem passa, vai embora, e não poderá esquecê-la. Ela aparecerá em seus melhores pesadelos, ele nunca poderá tocá-la, ninguém jamais pôde. Penso que ela gostava de ser impossível, porém nada é impossível. Europa fez o que ninguém jamais poderia fazer.
Ela era a protagonista daquele espetáculo que circunda apenas o mundo do mais recente casal. Ela sempre foi a protagonista em qualquer parte de sua vida, desde o nascimento, quando decidiu que viria a este mundo. Percebera que estava pronta e saiu, quis sair. Para que? Bom, isto apenas eu sei e, não criem esperanças, não lhes contarei.
Mas... de Vigo deve ter alguma participação nesta estranha história. Seria injusto se ele estivesse lá à toa.

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