Embalados pelo vento que cortava nossas faces, podíamos enxergar à frente os nossos pés subindo e descendo, como se caminhássemos no ar. Jonas já havia me alcançado, e nessa hora os balanços se encontravam em perfeita sincronia.
– Vamos pular! – ele gritou.
– Não, está muito alto, eu vou cair! – medrosa.
O garoto esticou sua mão direita e agarrou a minha. Ele começou a contar, então meus olhos fecharam-se. Quando chegou ao terceiro algarismo nós pulamos, e eu poderia jurar que voei sem asas. Meus olhos se abriram enquanto me encontrava no ar. Não vi nada específico, mas apenas o azul do céu já foi o bastante. Depois de alguns segundos no ar, meus pés encontraram a areia que me serviu de salvação. Caí com toda a força possível. Deitada naquela areia suja, voltei a abrir os olhos, olhando para o meu lado. Jonas estava rindo até soluçar, satisfeito com a aventura. Minha mão não havia soltado a dele por nenhum momento.
Repetimos o passeio por várias vezes, como se fôssemos duas crianças estupefatas. Quando o ar me faltou, Jonas ordenou para que eu sentasse no balanço e respirasse devagar.
– Não me obrigue a fazer respiração boca a boca em uma estranha. – ele brincou.
Sorri para ele.
– Você não é estranho. Não mais. Eu acho. – falei.
Ele retribuiu o sorriso.
– Quer ver outra coisa legal? – ele perguntou.
– Oi? Eu estou morrendo aqui. – declarei.
Seus olhos reviraram.
– Deixe de drama, Sophia. Você vai sobreviver. – avisou-me enquanto sentava novamente no balanço. – Faça o que eu fizer.
Jonas segurou-se nas correntes de ferro que suspendiam o balanço e inclinou seu corpo para trás. Era como se ele estivesse deitado ali. Tentei repetir seus movimentos, tomando cuidado para não cair. Meus pés desprenderam-se da areia e meu corpo estaria flutuando se não fosse o balanço para me sustentar.
– E agora? – perguntei.
– Você vive a vida de olhos fechados? Abra! – ordenou o garoto.
Meus olhos abriram e pude enxergar o céu outra vez. Anteriormente não havia reparado nele como dessa vez. Parecia estar mais azul, mais cheio e colorido. Além de tudo, a sensação de estar suspensa era perfeita.
– Você já reparou como o céu é interessante?
– Como assim? – Jonas não tinha entendido.
Apontei meu dedo para o céu.
– Olhe para aquela nuvem, a grande. O que ela parece ser para você? – quis saber.
Ele fitou-a, procurando por algo que se parecesse com ela.
– Um sapo, eu acho. – falou o menino.
– Errado. Sapos não existem.
Jonas olhou-me, ainda deitado, tentando entender o motivo da súbita não-existência dos sapos.
– São príncipes esperando por uma transformação. – disse confiante.
Olhei seriamente para ele, que me fitou com uma expressão do tipo 'você-está-falando-sério?'. Depois de alguns segundos, não agüentei e comecei a rir.
– Qual é o seu preconceito com príncipes e sapos? – ele perguntou.
– Não sou mais uma pirralha para acreditar nessas coisas, foi uma brincadeira. – expliquei minha ironia.
Jonas suspirou.
– Ok, você teme que eu seja um vampiro, mas não acredita que sapos podem se transformar em príncipes?
– Você acredita? – devolvi outra pergunta.
– Não.
– Então não há o que discutir. – falei secamente.
Procuramos uma nuvem diferente, aquela havia gerado conflito demais. O menino acabou observando outro ponto da imensidão.
– E o arco-íris?
– Duendes. – respondi.
– Oompa-Loompas?
Virei para Jonas novamente e ri.
– Também não acredito. – balancei a cabeça. – Duendes coloridos, milhares deles.
– E no final do arco-íris? – voltou a perguntar.
– O fim do mundo. – não pensei duas vezes.
Não olhei para o relógio nenhum minuto. A tarde apenas foi passando naturalmente, e posso afirmar que tinha sido a melhor daquele ano. Pessoas estranhas possuem um diferencial: Não são chatas. Você sempre tem que conhecê-las (afinal são estranhas), e essa é a melhor parte de uma amizade. Claro que se ela for insuportável não tem graça nenhuma, mas Jonas estava longe de ser assim, ou parecer entediante. Ele sempre tinha o que falar e fazer, então parei de preocupar-me em procurar assuntos. Nós observamos o céu por mais algumas vezes naquela tarde, despreocupados com o tempo, com o mundo.
– Ok, para terminar: E as nuvens? – ele me fez a pergunta.
Pensei durante alguns segundos. Queria responder que elas me lembravam algodão doce, mas eu estaria sendo óbvia demais.
– Camas elásticas. – respondi.
– Você é boa nessa história de analisar o céu. – constatou o menino.
– Anos de estudo. – falei rindo.
Foi quando eu reparei na frase que ele havia usado: 'Ok, para terminar'. Isso significava que ele teria de ir embora? Jonas não era mais um estranho para mim, e eu realmente tinha gostado de conhecê-lo. Quer dizer, ele era a pessoa mais legal que eu havia encontrado nos últimos dias. Nossos gostos em comum me deixavam confortável para conversar qualquer coisa com ele. Tudo bem, ele ainda não era a pessoa mais confiável do mundo, mas pelo menos havia me livrado de mais uma tarde na casa roxa. Eu não queria dizer adeus, assim como não queria perguntar se poderíamos nos ver um outro dia. Seria parecer atirada demais?
Quando o sol começou a se esconder por trás das árvores, eu olhei para o relógio. Estava tarde, e logo a desculpa de estar no colégio não funcionaria mais. Eu precisava ir embora, porém não tinha nenhuma garantia de que encontraria Jonas no dia seguinte, que era o que eu desejava.
– Está tarde – falei com minha voz triste.
O garoto olhou para o mesmo sol que escondia-se rapidamente. Levantou da areia, sacudindo suas roupas e estendeu a sua mão para mim. Agarrei-a. Continuava fria como o gelo. Ao ficar em pé, agradeci a gentileza, mesmo que nossas mãos ainda não tivessem se soltado. Quando ele tentou solta-la, relutei um pouco. Eu tinha uma boa desculpa para isso, do tipo que a minha se via na obrigação de passar um pouco de calor para a sua. Era algo normal, certo?
Caminhamos em direção à saída do pequeno parque, e foi a única vez que eu pensei que ninguém mais tinha entrado ali durante toda a tarde. Jonas tomou o mesmo caminho que eu.
– Para onde você pensa que vai? – perguntei. – Você disse que a sua casa fica para o outro lado.
– Não posso te acompanhar?
Olhei-o com vergonha.
– Se você não tiver nada melhor para fazer... À vontade. – sorri.
Caminhamos contra o pôr-do-sol enquanto conversávamos sobre diversos assuntos. Ele curtia Marilyn Manson, e eu o achava um pouco esquisito, apesar de gostar do som. O seu sorvete favorito era o de menta com chocolate, e o meu só menta. E ele tinha onze centímetros a mais que eu. E essas eram as nossas únicas três diferenças. Não que a última possa ser chamada de diferença mesmo, eu digo, a culpa não é minha se a genética quis que eu fosse um projeto de anã da Branca de Neve.
Entramos na rua de minha casa e eu esperei pelo comentário sobre a cor roxa daquela residência estranha. Porém, nenhuma observação foi feita. Aquele garoto sabia ser educado.
Paramos em frente à minha residência. Voltei a imaginar o que eu deveria fazer ou falar, mas nada me ocorreu. Somente pensei em como deveria ser o abraço do garoto, se seria tão confortável como suas palavras.
– Está entregue. – ele falou.
Olhei para os seus olhos, como se implorasse por alguma ajuda do tipo 'me-mostre-o-que-tenho-de-fazer-pois-eu-não-sei.'
– Obrigada. – agradeci.
Você pode achar que eu fui a menina mais atirada, mais sem princípios e desesperada, mas eu o abracei. Queria agradecê-lo novamente e falar o quanto aquela tarde tinha significado para mim, mas disso não tive coragem. Apenas quis retribuir por ter proporcionado um pouco de felicidade depois da tempestada (literalmente) do dia anterior.
Quando meus braços ameaçaram soltar o garoto, foi a vez dele de envolver os seus grandes braços em volta do meu corpo, e foi fácil comprovar de que eu não poderia estar em nenhum lugar melhor no mundo.
Rumei para a porta de casa enquanto o meu coração batia acelerado, meu sangue dava piruetas ao percorrer as veias e o ar parecia não ser suficiente.
– Você sabe onde me encontrar. – o garoto falou.