Se o Apocalipse chegasse agora, eu não me importaria. Me sentia morto de qualquer maneira.
Eu estava cansado, aquilo era o máximo que eu conseguiria correr. Havia sons de sirene ao longe, provavelmente na minha casa. Meus pais devem estar contando à alguns policiais o que o Lúcifer fez, mas eles não sabem seu nome, deve estar contando o que eu e "outro cara" fizemos. Lauren deve estar chorando agora, seu marido havia sido morto, e eu estava envolvido nisso. O que Sam teria visto? O que ele deve estar pensando de mim, seu irmão? Isso sim é o inferno.
- Para com isso! - Lucifer olhou para mim com aqueles mesmos olhos azuis.
- O que foi? - Perguntei, enquanto corríamos, já estava ofegante (ao contrário de Lúcifer).
- Você está pensando muito, e tudo é praticamente besteira. Para de pensar e só corre!
- Como você sabe que estou pensando? Ou melhor... - Parei, o olhando com raiva. - Você me deve muitas explicações, só estou aqui fugindo da minha própria casa por sua causa!
- Tá bem, você quer que eu explique? Então, tudo bem! Mas não vou explicar nada aqui, não agora!
- Então quando?
- Quando chegarmos lá. - Lúcifer apontou para longe. Para a torre.
- Está brincando? Aquilo é quase no fim da cidade, não vou conseguir correr, muito menos andar até lá!
- Eu não tenho dinheiro, você não tem dinheiro, ou seja, taxi e ônibus nem pensar... - Ele volta a me olhar, sua expressão muda repentinamente. - Porém tem uma outra coisa...
- O quê?
Lúcifer se manteve em silêncio por alguns segundos. Eu não fazia a mínima ideia do que ele poderia estar falando, mas assim que ele se aproximou de mim, nossos narizes quase encostando.
- Fecha os olhos - Ele sussurrou. - Fecha os olhos, e imagina o fogo do inferno. Você comparou sua situação ao inferno a poucos minutos, imagine que o inferno é pior, e seu fogo não queima, mas você sente queimar. Pois o inferno é muito pior.
Eu fiz o que ele pediu. Mas, o fato de ele saber o que eu estive pensando me deixou nervoso. O fogo do inferno. Algo em mim levou muito a sério o pedido de Lúcifer, as chamas, os gritos. A temperatura do meu corpo caiu drasticamente e não havia mais sirenes, e sim gritos. Pessoas gritavam ao longe em algum lugar. O inferno estava na minha frente, e por um momento, eu acreditei nele.
- Abra. - Por puro reflexo, abri os olhos. Lúcifer não estava ali, não na minha frente. - Não olhe para trás... Isso vai ser um pouco ruim.
Não tive tempo para perguntas. Senti como um terremoto me impulsionasse para o ar, tão forte, tão rápido. Eu estava subindo, e as mãos de Lúcifer estavam em minha cintura: ele subia comigo.
- Como você fez isso?! - Perguntei, meu grito se misturando ao barulho do vento ao nosso redor.
- Da mesma maneira que consigo ler sua mente. Você vai entender quando chegarmos lá.
Mais alguma coisa me chamou atenção. Além do som do vento, e a visão da cidade lá embaixo, ouvi som de algo que pareciam asas batendo. Eu não conseguiria olhar para trás, mas em um rápido movimento com os outros pude ver o impossível. Havia asas ali, em algum lugar por trás de mim, e elas estavam vivas, batendo com frequência enquanto alçamos voo sobre a cidade. O mundo estava muito abaixo dos meus pés agora.
O homem sempre quis ter asas. A não ser que eu estivesse enlouquecendo, era isso que Lúcifer tinha. Asas.
Não estávamos mais subindo. Não havia mais ar ao meu redor, apenas nos lados. O mundo estava muito embaixo de mim, mas o céu estava perto o suficiente pare senti-lo correr nas minhas veias, e enquanto ele corria, corríamos também em direção à Torre. Já havia passado pouco menos de uma hora desde que deixei minha casa no caos.. Pensando melhor, acho que agora entendi o que Lúcifer quis dizer com "Não olhe para trás... Isso vai ser um pouco ruim". Estávamos em cima da cidade, eu poderia ver o que se passava na minha rua, mas não o faria pois Lúcifer estava certo. Essa sensação de liberdade, a adrenalina em minhas veias, o medo tinha ido embora. Só restava Lúcifer e eu, e sinceramente: Estávamos voando.
- Estamos perto! - Ele gritou.
- O que tem lá? - Perguntei, voltando a olhar mais uma vez para seus braços ao redor do meu corpo.
- Ascendentes, como você.
Ascendentes. Eu havia lido esse nome na folha de papel que Lúcifer havia deixado cair no dia anterior. Tentei perguntar o que significava, mas Lúcifer disse mais uma vez que iria explicar quando chegássemos a Torre.
Mas, finalmente, estávamos lá. Lúcifer pousou lentamente, e quando pus meus pés no piso de um dos andares da Torre, senti como se nunca estivesse estado no chão. Olhei para Lúcifer, mas as asas não estavam lá, provavelmente haviam sido recolhidas durante o pouso. A Torre tinha uns 200 metros, e vários andares, estávamos no ultimo deles, ou seja, não estávamos no chão, pelo menos não exatamente. Caminhei até a barra de segurança e observei a altura. Não demorei muito para desistir, o chão estava muito longe de ser alcançado. Seria uma terrível queda, pensei.
- Lucius... - Lúcifer me chamou. - Precisamos entrar.
- Tudo bem.
Eu estava cansado de fazer perguntas, e como na hora em que fugi de casa, algo em mim dizia que eu deveria confiar em Lúcifer. Eu apenas assenti. Entramos por uma única porta que havia naquela área da Torre, e para minha surpresa, havia três pessoas ali. Todos jovens, assim como eu e Lúcifer. Duas garotas, e um outro rapaz.
- Demorou hein! - Uma das garotas disse, seu cabelo loiro amarrado em coque mal-feito, a pele clara, uma camiseta sem mangas preta e um shorts curto poucos milímetros acima do joelho.
Para minha surpresa, tanto as garotas quanto o rapaz tinham olhos azuis, assim como os de Lúcifer.
- Também estavam te caçando? - O rapaz perguntou. O cabelo castanho encaracolado, a pele morena e além da calça-jeans, um casaco que chegava a ser extremamente grande para seu corpo.
- Acho que sim. - Respondi.
- Não se preocupa garoto, foi assim com todos nós. - Dessa vez foi a outra garota que falou, seu rosto lembrava muito o do rapaz ao lado dela, seus cabelos tinham o mesmo tom de castanho, mas eram lisos, e ao contrario da outra garota, essa tinha cabelos curtos. - Você tem as asas?
- Sim. - Lúcifer perguntou. Achei aquilo estranho, afinal, pensei que ela estivesse direcionando a pergunta a mim.
Até aquele momento eu não havia observado o lugar onde estávamos. Não era uma saleta muito ampla, mas tinha uma bom tamanho. Uma escada no canto esquerdo da sala dava para o andar de baixo. Havia uma pequena mesa com um computador no canto direto e junto a mesa, uma cadeira com rodinhas onde o rapaz de cabelo encaracolado estava sentado. A lâmpada no teto estava desligada, mas ainda assim era possível enxergar tudo na sala.
- Bem... - A garota loira falou. - Não podemos perder tempo, mas é bom que saibamos os nomes uns dos outros. Eu sou Gayle. Este aqui é Juno... - Disse pondo as mãos nos ombros do rapaz de cabelos encaracolados. - E aquela garota ali é a irmã dele, Lily.
- Meu nome é Lucius. - Falei, minha voz parecia não ter alcançado o tom certo, mas não me importei.
- Está brincando? Você é o tio Lu? - Juno disse arregalando os olhos e se levantando da cadeira onde estava.
- Eu não sou tio de ninguém. - Respondi. - Sou apenas Lucius Fallen.
Os três riram, mas todos os três pares de olhos se dirigiram a mim como se eu fosse algum cantor famoso ou algo do tipo.
- Não vai me dizer que... Você não sabe? - Juno disse cortando o riso. - Pera, você não sabe, é isso?
- Saber de que? Lúcifer me prometeu contar, aliás, onde está ele?
Mais um sorriso, rápido, porem ainda era um sorriso. Lúcifer havia desaparecido, ele não estava naquela sala comigo, não mais.
- Duplicata. - Gayle disse. - Isso vai ser um problema.
- O que é um duplicata? - Perguntei, estava ficando mais e mais confuso, e enquanto pensava em todas as coisas que pareciam bombardear minha mente, procurava encontrar os olhos de Lúcifer em algum lugar naquela sala. Mas ele não estava lá.
- Quando um Ascendente está prestes a morrer, ele vê alguém igual a ele, sem tirar nem pôr. - Juno me encarou.
- Não me diga que... - Lily tirou alguma coisa redonda do bolso de sua calça. - Esse é o cara que você viu.
Lily se aproximou de mim e me mostrou um espelho. Abandonei os olhos azuis dela e olhei para meu reflexo no objeto. Os mesmos olhos azuis. O mesmo tom de pele. Os mesmos cabelos. Eu não via nada além do reflexo dele. Até que algo em mim acordou.
- Espera, eu o vi! - Gritei, quase choramingando. - Eu esbarrei em Lúcifer ontem a tarde, encontrei um papel com essa palavra "Ascendente" e nessa noite ele me acordou, ele disse que eu estava em perigo e que o marido da minha irmã... Lúcifer me trouxe até aqui, eu fugi de casa com a ajuda dele e... Vocês viram ele aqui, até falaram com ele perguntando sobre as asas e... - Não havia pressão por parte deles, a pressão estava em mim, dentro de mim. Eu estava chorando agora, mas uma vez.
- Olhe seu nome, seus olhos, continue vendo seu reflexo no espelho. - Lily disse, e eu simplesmente voltei a olhar para o espelho. - Esse é você. O anjo que foi expulso do céu bilhões de anos atrás, Lúcifer, é você.
Me ajoelhei com as lágrimas caindo mais uma vez. "Quando um Ascendente está prestes a morrer, ele vê alguém igual a ele, sem tirar nem pôr." Eu não poderia acreditar naquilo. Mas não poderia acreditar que o cara que vi na tarde de ontem, o mesmo que correu comigo, voou comigo, era eu mesmo.
"Feche os olhos. Imagine o fogo do inferno. Imagine que o inferno é pior, e seu fogo não queima, mas você sente queimar." Naquele momento, eu senti queimar.