Crônicas das Luas Gêmeas - A...

By Mitchel_Iago

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Beto acorda no primeiro dia do ano de 2015, sem grandes expectativas sobre sua vida. Era apenas um dia como t... More

CAPÍTULO I - A CASA DE NÚMERO 257
CAPÍTULO II - A FAMÍLIA PAGÓNI
CAPÍTULO III - ABANDONAI TODA A ESPERANÇA VÓS QUE ENTRAIS
CAPÍTULO IV - EU SOU UMA BRUXA
CAPÍTULO VI - BLAZING SILVER
CAPÍTULO VII - O JAZER DA PRATA
CAPÍTULO VIII - NOS OSSOS DO PAI

CAPÍTULO V - O ALGOZ DE GELO

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By Mitchel_Iago


Tudo estava tranquilo na casa dos Pagóni. Sarah estava dormindo. Augus e Elizabeth estavam juntos na sala. Ele assistia um programa sobre emergências médicas nada casuais – nesse momento, o programa mostrava uma mulher, que sabe-se lá como, havia entrado no serpentário do zoológico, e havia sido picada por uma variedade de serpentes venenosas. Elizabeth, em outro canto, lia um livro, confortavelmente instalada numa poltrona.

Apesar de ser quase uma da manhã, nenhum dos dois parecia com sono. Eles iriam esperar acordados, até que Ally chegasse.

Um lampejo vermelho encheu a sala. Era impossível saber de onde havia vindo. Parecia simplesmente ter surgido ali. Labaredas vermelhas ameaçadoras pairavam no ar. Elas se expandiam, crescendo vertiginosamente e no segundo seguinte, se encolhiam até formar uma pequena esfera vermelha faiscante, voltando a crescer em sequência. Elizabeth olhava para as chamas assustada. Augus apenas sentia a confirmação de um mau-pressentimento que havia sentido mais cedo.

Se aproximou das labaredas inconstantes e dirigiu sua mão direita à mesma. As chamas se tornaram amarelas. Uma voz masculina muito grave preencheu a sala.

Augustus Ian Gláuks Pagóni, representante das honoráveis famílias Gláuks e Pagóni, Princeps Gláuks & Págóni, membro de pleno poder do Conselho, sétimo Arauto. Como responsável pelos atos de seus liderados, está intimado a comparecer ao Supremo Tribunal Bruxo, perante ao Conselho, para responder por ações levianas.

O delito em questão, se refere a quebra do cumprimento da lei alfa, aspecto dois. Tal delito foi realizado às zero horas e cinquenta e três minutos do dia quinze de março do ano dois mil e quinze, praticado pela bruxa, Allyson Tessa Gláuks Pagóni, estando na presença de três ordinários.

Seu julgamento, ocorrerá às seis horas e trinta minutos do presente dia, horário da sede do Supremo Tribunal Bruxo, Moscou.

Tenha um bom dia!

─ Ache ela! Traga-a pra casa ─ a voz de Augus era fria, autoritária. O som de sua pesada respiração, audível ─, e quem mais estiver com ela.

O garoto se pôs a subir as escadas apressadamente, se dirigindo ao seu quarto. Elizabeth tratou de obedecer Augus e a passos rápidos, saiu de casa.

O garoto subiu ao quarto. Sabia como as audições no Supremo Tribunal eram burocráticas e dominadas pelas aparências. Era necessário que ele relembrasse aos outros quem ele era. Seriam as melhores chances para ajudar a irmã. A irmã! Com certeza ele esganaria ela. Mas apenas depois que a salvasse.

Já dentro do quarto, ele foi se despindo. Jogava as peças de vestuário que usava pelo chão. Tinha que chegar, de acordo com os padrões. Buscava sua roupa de líder. Àquela que Ally vivia dizendo que era a roupa do poder. Vestiu a camisa social preta, colocou a gravata branca. Apressadamente vestiu a calça branca, um blazer branco e calçou seus sapatos. Correu ao banheiro, escovou os dentes rapidamente enquanto ajeitava o cabelo, as ombreiras douradas do blazer, a gravata e as medalhas. Todas do lado direito do peito. Exceto por uma, com forma de um floco de neve cristalino, que repousava no lado esquerdo do peito. Conferiu no espelho uma última vez. Suava frio. Estava tudo OK. No segundo seguinte, ele desapareceu num estalo.

*******

Augus reapareceu no corredor de uma construção magnífica.

Tudo era feito em mármore negro. Na pedra havia veios cinzentos que conferiam uma beleza inigualável. O corredor era adornado de pratos de bronze, atidos a um suporte, também de bronze, por três correntes do mesmo metal. Os pratos ardiam em chamas – tudo tão medieval –, enquanto do teto, pendiam enormes lustres de cristal e bronze, que proviam a luz ao local. Os pratos flamejantes pareciam existir apenas para fins decorativos. As pilastras, muito grossas, dispostas nos dois lados do grande corredor proviam a sustentação. Não haviam janelas nem qualquer vestígio de luz exterior. Estava no subsolo, mas já sabia disso. No fim do corredor, uma porta dupla metálica repleta de desenhos serpentescos, dava acesso à sala do julgamento.

Augus se dirigiu à porta. Dois guardas formalmente vestidos de azul-marinho guardavam-na. Um enorme relógio estava colado na parede acima do portal, marcava seis horas e dezessete minutos. Os guardas abriram a porta dupla e Augus entrou.

Era uma grande sala circular. Também feita do mesmo mármore negro do corredor. No que seria a "ponta" oposta a entrada haviam três tronos mais altos, pareciam ser feitos de ouro e almofadas de veludo púrpura. Sentados nesses tronos, haviam três homens. Abaixo dos tronos havia uma bancada de pedra e atrás dela treze assentos. Menos glamorosos. Quatro deles, desocupados.

A esquerda e a direita de Augus haviam incontáveis assentos de pedra, muitos ainda vazios. E no centro da sala havia uma enorme bancada de pedra, muito semelhante à uma mesa de refeições, no entanto, muito maior; e uma cadeira de pedra solitária, cravejada por pedras brancas em todo o seu contorno. Augus se dirigiu à ela em passos lentos. Os olhos dos demais presentes seguiam-no. Silenciosamente, ele se sentou na cadeira, mantendo o olhar forte e a pose altiva, quase desafiadora.

O teto da sala circular, era uma abóbada mista de negro e bronze. Cravejado no mármore escuro, havia o desenho de um enorme livro. As páginas estavam abertas, mas era impossível saber o que estava escrito. Dele emanava uma luz dourada quase celestial. O mármore parecia representar o cosmos, em seu negrume primordial. O enorme livro trazia a luz que faltava.

O silêncio se estendeu, até que, as seis e meia da manhã as grandes portas de metal se fecharam. O som metálico e vibrante, parecendo o de um sino. Um homem negro, velho e corpulento, sentado no trono de ouro do meio, começou a falar. Todos os outros ocupantes da sala se levantaram, inclusive Augus.

─ O tribunal está em sessão. O caso em questão se refere a quebra da lei alfa - sobre as leis naturais da magia; aspecto dois, que diz que, um bruxo, independentemente da situação, riscos ou condição moral, jamais deve, revelar a existência da magia, em qualquer de seus aspectos, à um ordinário, ou seja, a um ser-humano desprovido de magia.

Todos se sentaram após o pronunciamento. A direita do velho senhor que havia falado anteriormente, um homem, formalmente vestido com um terno cinzento, de cabelo e barba negros, muito bem aparados e olhos tempestuosos como o céu, começou a falar.

─ O delito, ocorrido às zero horas e cinquenta e três minutos do presente dia, foi cometido por Allyson Tessa Gláuks Pagóni, subordinada de seu irmão e líder das famílias Glaúks e Pagóni, o qual responde juridicamente pelo ocorrido, perante o Supremo Tribunal.

Por fim, o homem a esquerda do velho senhor, que falara primeiro, se levantou de seu trono. Era careca e possuía uma barba branca, cuidadosamente mantida, vestia um terno branco e uma gravata vermelha berrante, que chamava toda a atenção para si. Apoiava-se numa bengala negra com detalhes prateados, muito embora, aparentemente, não precisasse dela. Sua voz era grave e ecoante.

─ Presidindo o julgamento, Bardok Iktís - Summun Maleficus, Gran-Ancião, Presidente do Conselho, Rex da grande nação dos bruxos, Princeps Iktís. Pietro Aetós - Ancião, Membro do Conselho, Princeps Aetós. Iron Kápros - Ancião. No banco dos réus, Augustus Pagóni - Membro do Conselho, Princeps Glaúks, Princeps Pagóni, Sétimo Arauto. Os membros do Conselho e do Júri, tem a palavra.

Os três homens se sentaram em seus respectivos tronos.

─ Primeiramente, olá Sétimo Arauto, ou melhor dizendo, Algoz de Gelo ─ uma mulher, de aparência jovem e cabelos vermelhos como o sangue, se levantou de seu assento à direita de Augus. Seus olhos verde-esmeralda, encaravam o rapaz ferozmente, sua boca de lábios grossos marcada pesadamente por um batom da mesma cor dos cabelos. ─ Sou muito esquecida, como você bem sabe. Poderia por favor me dizer, o motivo de estar aí, no banco dos réus?

Um burburinho percorreu a sala, pequenas risadas preenchiam o ar, assim como algumas manifestações de reprovação.

─ Olá, Quinto Arauto, ou devo dizer, Mantícora Sangrenta. É meu dever adverti-la que a este julgamento não cabem assuntos dos Arautos ─ Augus se levantou de seu assento para encarar a mulher, se pôs a andar calmamente pelo centro da sala. ─ Bem, como os demais devem saber, exceto por você, o motivo que me traz aqui é o fato de minha irmã ter revelado a ordinários sobre a magia.

Mais burburinhos percorreram a sala, que se encheu de olhares indignados dos membros mais velhos do Júri e de indiferença dos membros mais jovens.

─ Uma falta muito grave! ─ exclamou a mulher, falsamente aterrorizada. ─ Pois acredito que como pessoa erudita que é, e que como membro exemplar ─ ela ironizou a última palavra ─, da sociedade bruxa e pilar de duas honoráveis famílias de nossa raça, você deve saber que, uma vez que o segredo da magia é dado a um mortal, este se torna um ato contratual mágico.

─ Como você bem disse, claramente sei das consequências dos atos de minha irmã.

─ É claro, é claro ─ murmurou ela em falsa compreensão. ─ E como tal, entende que este é um ato irrevogável ─ ela aumentou a voz, dessa vez levando seu recado aos demais ouvintes na sala. ─ COM ISSO MEUS IRMÃOS BRUXOS, QUERO DIZER QUE, DEVIDO A LEIS INTRÍNSECAS A PRÓPRIA MAGIA, ESTE ATO NÃO PODE SER DESFEITO, ALTERADO, OU CORRIGIDO.

Uma outra mulher, de feições asiáticas e grandes cabelos negros, perfeitamente lisos, sentada num dos treze assentos, abaixo dos tronos, levantou sua voz. Ela parecia muito jovem, no máximo trinta anos.

─ Por que você não para com seu teatro barato e com sua língua venenosa Rubra Steelwing? Todos os presentes estão cansados de saber sobre a lei. Todos sabemos que, uma vez que um bruxo conte a um ordinário sobre a existência da magia, não há feitiço que possa destruir, alterar ou retirar a memória do fato.

─ Sua asiática imunda e intrometida. Com quem acha que está falando? ─ vociferou Rubra.

─ Controle sua língua, Rubra ─ com um aceno displicente de Augus, a boca de Rubra se fechou contra a sua vontade. ─ Ela é Sayuri Drákon, Membro do Conselho, Princeps Drákon. Você está abaixo dela ─ ele enfatizou o "abaixo".

Os olhos verdes de Rubra, se inflamaram de ódio.

─ Que lindo não? Parece um complô. Vocês membros do Conselho, só possuem esse título por questões de sangue. Princeps, puff ─ desdenhou. ─ O que ser um Princeps prova? O que ser membro do Conselho prova? Que vocês fizeram para merecer os títulos de vocês? Realmente sou um dos Arautos, mas meu título foi conquistado pelo poder e não por ter nascido em berço de ouro. Vocês se acham muito especiais.

─ É como você mesmo disse, somos especiais! Está no título! ─ provocou Augus, lançando um sorrisinho desafiador. ─ Você pode não gostar, mas como Arauto que é, você está hierarquicamente abaixo do Conselho e dos Anciões. Não querendo tirar o seu mérito, é claro.

********

Elizabeth, saíra de casa apressada. Graças aos céus não havia ninguém na rua. Ela fechou os olhos se concentrando. Estendeu a palma da mão. Uma pequena esfera de magia amarela bruxuleante, se formara. Lembrou-se da neta, da magia da neta. A esfera começou a se mexer, serpentando pela rua. Elizabeth se pôs a segui-la o mais rapidamente que podia.

A esfera se movia rapidamente. Mais rapidamente do que Elizabeth poderia acompanhar. Vez ou outra, a esfera parava e esperava, até que sua conjuradora a alcançasse, e depois voltava a se locomover.

Quase dez minutos depois que saíra da mansão Pagóni, Elizabeth encontrou a esfera mais uma vez. A pequena bolinha de energia luminosa, jazia imóvel, em frente a uma casa amarela. Era possível ouvir o som de risadas animadas vindas dali. Abriu o portão de grades da casa e entrou sem esperar um convite.

Seguiu o som das vozes, e encontrou Ally e outras três pessoas sentadas em cadeiras ao redor de uma mesa. Aparentemente estavam todos – Elizabeth mal podia acreditar – bêbados. Ela não deu tempo para que eles dissessem nada. Orientou-os a darem as mãos – o que apenas conseguiram quando se sentaram no chão. Zangada, ela deu as mãos a Ally e à outra garota. Num estalo eles desapareceram.

Eles reapareceram na sala dos Pagóni. Os quatro jovens desabaram no chão de madeira da sala, chegando a rolar. A televisão ainda estava ligada, passando o programa sobre emergências médicas. Augus devia ter saído tão apressado que nem desligara o aparelho.

Elizabeth subiu as escadas apressadamente e se dirigiu ao quarto de Augus. Abriu a porta num movimento ríspido e se dirigiu ao pequeno armário branco que jazia num dos cantos do quarto. Escancarou as portas do móvel e começou a mexer nas prateleiras. Na prateleira marcada com a letra T, pegou um frasco grande, que continha um líquido âmbar. Desceu as escadas rapidamente, sem fechar as portas, tanto as do armário quanto a do quarto.

Foi a cozinha rapidamente, e pegou uma colher de sopa. Voltou a sala e encontrou os jovens tentando se levantar, achou um milagre que não tivessem vomitado. Um a um, ela os ajudou a se erguerem, e depois a se sentarem no sofá. Encheu a colher de sopa com o conteúdo do frasco e enfiou goela abaixo de cada um dos alcoolizados.

Uma dor de cabeça cortante tomou conta de Ally, Beto, Ricardo e Fernanda, mas em contrapartida, os efeitos do álcool foram passando. Após dez minutos eles já estavam sóbrios, capazes de ficar em pé sem problema. A dor de cabeça entretanto, insistia em continuar, como uma prévia do que aconteceria.

─ Que aconteceu? ─ Ally perguntou. Os outros levantavam o rosto na esperança de compreender a situação.

─ O que aconteceu? Aconteceu que a senhorita, revelou a estes três ordinários, sobre a existência da magia ─ explicou Elizabeth, impaciente.

De súbito Ally se lembrou de ter contado, sobre ela e sobre a família e de ter mostrado seus poderes aos amigos.

─ Onde está Augus?

O semblante da avó da garota se fechou ainda mais, se é que isso era possível.

─ Augus está na Rússia. Foi convocado a comparecer em frente ao Supremo Tribunal para responder por você. E tudo por causa de suas ações imaturas e impensadas.

Ally, soltou um gemido de pavor.

─ Eu realmente estaria com medo no seu lugar. Reze por misericórdia. Mas particularmente eu não acredito que exista algo que possa te ajudar ─ Elizabeth amedrontou ainda mais a neta. ─ Vocês quatro estão em maus lençóis.

*******

Rubra Steelwing estava possessa! Havia inflado sua magia de tal modo, que ondas contínuas de ar, eram impelidas pela sala devido a sua força. Uma essência vermelha – algo entre o aspecto do fogo e da fumaça – emanava dela. Era sua própria magia. Selvagem e feroz como a dona.

─ Vou matar você Algoz de Gelo! ─ Grunhia ela, arrebatada em seu ódio.

Augus entretanto mantinha-se parado. A mesma expressão desafiadora no rosto. O mesmo sorriso zombeteiro nos lábios. Calmo e sereno. Longe de intentar reagir contra sua oponente. Isso a deixou mais zangada. Ela odiava aquela expressão superior, aquele ar de quem sabe mais. Inflou a magia ainda mais. O ar chicoteava o rosto dos presentes, agora, em ondas quentes.

Num momento o espaço-tempo pareceu parar. Bardok Iktís, o Ancião , levantou-se de seu trono e inflou sua própria magia num piscar de olhos. A essência dourada emanando dele, muito mais poderosa do que a de Rubra, que imediatamente sentiu o impacto.

─ O que acha que está fazendo? ─ Bardok gritou. Sua voz trovejante ecoou por toda a sala. Todos os presentes imediatamente amedrontados. ─ Isso é um Tribunal e estamos no meio de um julgamento. Se você não se sentar neste exato instante, Rubra, e não tratar de recolher essa maldita magia, eu juro que vou fulminá-la. Eu garanto, que depois que eu acabar com você, seu título vai ser "Mantícora em cinzas" ao invés de "Mantícora Sangrenta".

Tão rapidamente quanto se manifestou, a magia de Bardok tratou de dissipar. Um silêncio se abateu sobre a sala, de modo que ninguém ousava abrir a boca. Vendo a situação, Iron Kápros, o ancião careca de barba branca, se manifestou.

─ Algum dos membros do Conselho ou do Júri tem algo a acrescentar?

─ Como eu já havia dito antes, meus caros irmãos bruxos ─ Sayuri Drákon começou ─, todos conhecemos as consequências dos atos de Allyson. Não creio que valha a pena discutir isso.

─ E o que vale a pena ser discutido, minha cara? ─ um velho senhor do Júri, perguntou. ─ Está sugerindo que devemos ignorar este incidente? Talvez também seja a favor de deixar o réu livre de condenação? Quem sabe, até que devamos parabenizá-lo?

─ Muito pertinente seu comentário ─ Augus interveio. ─ Agradeço pelas doces palavras. Mas devo lembrar aos membros deste Tribunal, que este tipo de atentado tem ocorrido cada vez mais frequentemente. Sejamos sinceros, a única razão para que eu fosse convocado ao Supremo Tribunal, é porque este incidente ocorreu com um membro de duas famílias honoráveis, ou minto?

O velho senhor, se calou. Lançou olhares de nojo ao réu. O burburinho voltou a percorrer a sala.

─ Contudo não quero dizer, meus amigos do Júri e do Conselho, que as ações de minha irmã devam ser tratadas levianamente, tampouco que ela seja inocentada. O que quero é saber o porquê de tratarmos de maneira tão diferentes o mesmo incidente?

─ Está insinuando que este tribunal está julgando os atos de sua irmã, mais pesadamente? ─ uma senhora gordinha, de cabelos curtos e cinzentos, se empertigou no seu assento, à esquerda de Augus, que ouvindo sua voz, se voltou a ela imediatamente.

─ Não estou insinuando. Quero me desculpar se não passei a mensagem com clareza ─ um olhar de satisfação perpassou o rosto da senhora rechonchuda. ─ Eu estou afirmando que este tribunal não está julgando este caso da mesma maneira que julgaria, se os envolvidos não fossem de uma família nobre.

O burburinho se elevou, chegando próximo a algazarra.

─ Se estou mentindo, por que a indignação? Será que não estou falando uma verdade, que está incomodando aqueles que deveriam fazer justiça? ─ olhares de incredulidade metralhavam o rapaz, que continuava a falar. ─ Se estou errado, respondam-me. Se estou errado me digam porque, dos últimos treze casos, de quebra da lei alfa-aspecto dois, nenhum foi convocado a este Tribunal?

─ Porque sua posição é diferente ─ um homem jovem, não muito mais velho que Augus se levantou, de um dos treze assentos abaixo dos tronos. Tinha o cabelo louro, espetado em várias direções e a pele artificialmente bronzeada. ─ Ou você quer afirmar que o crime vir de um membro de duas das famílias mais respeitadas, com representantes que inclusive julgam neste tribunal e sentam nestes assentos, não deve ser tratado diferente?

Augus sentiu o rosto queimar. Encarou seu oponente, fitando suas íris douradas.

─ É exatamente isso que quero afirmar! ─ respondeu Augus categoricamente. Os olhares de seus observadores expressavam pura surpresa, diante da resposta. O próprio dono da pergunta estava estupefato. ─ Por que a posição das minhas famílias deve afetar o julgamento de minha irmã? Por que o poder que eu possuo, de sentar nesses assentos, de ser membro efetivo do Conselho e de participar de julgamentos deve interferir na maneira como minha irmã é julgada? Por que, Princeps Peristéri?

─ Porque... porque... ─ o rapaz louro tentava responder àquelas perguntas entretanto, não estava obtendo sucesso. ─ Porque é o certo a se fazer.

─ O certo a se fazer? Este tribunal vive pela premissa de fazer justiça! A justiça é retratada como uma mulher cega, como alguém que não julga baseado em aparências, status, poder econômico, político, etc. A justiça parte apenas do crime e nosso Tribunal está perdendo um tempo precioso, apenas para ser redundante, para manter aparências. Tempo este, que poderia estar sendo usado para resolver o problema.

─ Você é realmente muito arrogante Princeps Gláuks & Princeps Pagóni! ─ o rapaz louro não se deu por vencido. ─ Você cospe na nossa forma de justiça, acusa este tribunal de não julgar igualitariamente enquanto maquila os atos de sua irmã para fazer parecer que ela não fez nada. Ardiloso meu caro. Ardiloso. Você está desviando o foco de todos os presentes do ato em si. Quer você queira, quer não, sua irmã cometeu um delito. Um delito que não pode ser remediado.

─ Não sou arrogante Princeps Peristéri. Tudo que falei, sobre nossa forma de justiça, é apenas para que possamos melhorar. Irmãos... ─ Augus apelou para todos no tribunal. ─ O que se faz, contra algo, que não pode ser evitado? A resposta é simples, contém-se o dano. Quais foram as punições aplicadas nos casos anteriores, de quebra da lei alfa em seu aspecto segundo?

─ Você é muito persuasivo, Princeps Gláuks & Princeps Pagóni. Deveras. É sábio na escolha das palavras, sutil quando convém e implacável quando necessário ─ Pietro Aétos, tempestuoso como sempre, olhava Augus entretido. ─ Já que parece tão astuto, diga-nos então, que devemos fazer?

Augus andou alguns passos. Estava próximo dos treze assentos e dos tronos agora, entretanto, mais abaixo. Encarou a todos e a cada um em particular.

─ Sugiro, que me permitam voltar pra casa e conter o dano. A punição para este delito, deixo a cargo da vontade deste tribunal. Aos que querem me ver fora do Conselho, sugiro que aproveitem a chance. Não terão outra!

─ É de consenso e de praxe que a medida básica para solucionar este caso é selar os lábios dos mortais ─ um homem se levantou do Júri ─, como o Princeps Gláuks & Princeps Pagóni bem falou. Todos a favor, de que essa ação deve ser tomada imediatamente, pelo responsável?

Acima das cabeças de todos os presentes, exceto de Augus, pequenas centelhas verdes começaram a surgir. Em pouco tempo o tribunal, escuro pelo mármore, parecia um céu, pontilhado por estrelas verdes. Por unanimidade, "selar os lábios dos mortais", foi definida como a ação mitigatória a ser tomada.

─ Aqueles a favor de condenar o réu, usem a centelha vermelha. Aqueles a favor de inocentar o réu, centelha verde por favor ─ a voz trovejante de Bardok, ecoou pela sala.

O Tribunal se mesclou entre centelhas verdes e vermelhas. Os três Anciões, ostentavam suas centelhas verdes sobre a cabeça. Dos nove membros do Conselho, apenas um - Princeps Peristéri – emitia uma zangada centelha vermelha. O Júri, a esquerda e a direita de Augus estava, mais ou menos igual, no número de centelhas verdes e vermelhas.

Todas as centelhas vermelhas se agruparam no centro do tribunal, o mesmo aconteceu com as centelhas verdes. Agora duas esferas de energia, de cores diferentes, pairavam sobre a cabeça do réu. Ao lado da esfera vermelha, o número 47, ardia na mesma cor. Ao lado da esfera verde o número 65 brilhava fulgurosamente em verde.

─ Por maioria de votos, o réu, está absolvido de todas as acusações. Cabe a ele, no entanto, tomar as medidas pré-estabelecidas e determinadas por este tribunal. Julgamento encerrado! ─ Bardok sorriu com satisfação.

Vários membros cumprimentaram Augus pela sua performance no julgamento, chegou a receber tapinhas nas costas de Bardok Iktís.

O local foi lentamente se esvaziando. Augus permanecia em pé no centro da sala circular. Havia conseguido salvar Ally, agora era a hora de puni-la de maneira exemplar.

De olhos fechados, ele desapareceu num estalo.

*******

Ally se sentia verdadeiramente culpada.

Havia tido àquela conversa com o irmão. Ele lhe confidenciara o quanto estava se sentindo cansado. Fizera ele prometer que não usaria sonímia mais, entretanto, ela havia conseguido fazer uma enorme burrada praticamente no mesmo dia. Por causa disso, Augus estava do outro lado do Atlântico, respondendo a um julgamento em nome dela, por um ato do qual ela era culpada.

Eram mais de três da manhã. Ally, tentara convencer a avó a deixar os colegas irem. Mas Elizabeth foi categórica. "Ordens do seu irmão", ela dizia, não abrindo margem para os argumentos da neta. Assim, após todos os três amigos da garota ligarem para suas respectivas casas, dizendo que não voltariam naquela noite, o silêncio reinou absoluto.

Elizabeth havia se sentado em sua poltrona. Não fazia nada, a não ser esfregar as mãos uma na outra e manter um olhar distante. Beto, Ricardo e Fernanda, mantinham-se irrequietos. Beto tinha as pernas trêmulas, Ricardo tamborilava os dedos nervosamente em todo lugar e Fernanda roía as unhas inconscientemente.

Ally queria poder afirmar que estava tudo bem, mas não sabia. Nunca em toda a história, sua família havia sido chamada ao Supremo Tribunal Bruxo. Ela sabia que Augus não era mau, entretanto, isso não garantiria que ele não estivesse zangado. Até porque, ela imaginava que, uma situação como aquela seria capaz de tirar até mesmo Augus de sua calma natural.

O tempo passava lentamente. O medo crescente, a cada segundo que passava. A demora, só fazia Ally pensar que as coisas eram realmente graves.

Um estalo preencheu o ar da sala. Augus materializou-se frente ao sofá onde os quatro jovens estavam sentados. Por reflexo, todos prenderam a respiração, inclusive a própria Elizabeth. Augus girou nos calcanhares, nem sequer olhou para as ovelhas amedrontadas a sua frente, fixando-se em Elizabeth.

─ Obrigado vó. Pode subir e descansar, eu prossigo daqui ─ Elizabeth assentiu muda e pôs-se a subir as escadas apressadamente.

Ally reparou que Augus estava vestido com a sua roupa do poder. Era o tipo de roupa que ele só usava em ocasiões muito nobres ou muito sérias. Ele parecia um oficial da marinha, o que não ajudava em nada a acalmar os quatro.

─ Augus... ─ Ally tentou começar um pedido de desculpas.

Pshhh! ─ ele pôs o indicador sobre os lábios. O semblante mais sério e desapontado que Ally já vira ─ Só eu vou falar, certo?

Embora a pergunta fosse destinada apenas a ela, todos os quatro concordaram com a cabeça. O rapaz se virou para os amigos de Ally.

─ Vocês sabem sobre a magia agora e isso viola uma de nossas leis mais importantes. Por leis intrínsecas a própria magia, que não me cabem falar e nem a vocês saber, eu não posso fazê-los esquecer, ou mesmo, alterar essa memória.

Augus fez uma pausa. Não se ouvia nem o cricrilar dos grilos.

─ Por causa da irresponsabilidade de minha irmã, eu tive uma péssima noite e gostaria de ser breve para poder descansar ─ ele olhou no relógio de cuco, na parede da sala. ─ Já são quase cinco da manhã, eu não dormi nem por um segundo e as vozes de dezenas de pessoas me acusando no tribunal, ainda sussurram em meus ouvidos.

Augus murmurou algumas palavras incompreensíveis numa voz extremamente baixa. A sua mão direita ficou circundada por halos de luz por um segundo. Ele estendeu a mão na direção dos três amigos de Ally, instruindo-os a tocarem em sua mão, que agora flamejava em dourado.

─ O que é isso? ─ perguntou Fernanda, trêmula. ─ O que fará com a gente?

─ Isso é para consertar o que a minha irmã fez. Como eu havia dito, uma vez que vocês saibam da existência da magia eu não posso fazer vocês esquecerem isso. Assim, para evitar a propagação dessa informação, o que me resta é garantir que vocês jamais contem isso a outrem. Apesar de eu desejar obliterar todos vocês e resolver isso com um pingo de satisfação pessoal, isso não faz meu estilo. Esse feitiço é um juramento, que vocês farão, dizendo que jamais contarão o que sabem sobre nós para outros ordinários.

Apesar de não estar exatamente convencida, Fernanda achou por bem, repousar sua mão sobre a palma da de Augus. Contra a vontade, Ricardo e Beto fizeram o mesmo. As mãos dos quatro ardiam em chamas douradas, que apesar de atemorizantes não os queimavam. O susto fez com que eles tentassem recuar, mas suas mãos estavam presas e não importava quanta força eles fizessem, não conseguiam soltá-las.

─ Vocês juram, sob a luz dessa magia antiga, que lhes servirá por testemunha eterna, que enquanto viverem jamais contarão sobre o que sabem sobre a magia, sobre o mundo bruxo, sobre a minha família, para outras pessoas, independentemente da situação em que se encontrarem? ─ perguntou Augus, não dando escolha aos jovens.

Os três entraram num consenso mútuo em silêncio.

─ Juramos! ─ disseram os três em uníssono.

Fios de luz dourada subiram pelo braço, serpentando ao redor de todo o corpo, de Fernanda, Beto e Ricardo. Os fios apertaram, se fazendo sentir na pele dos três amigos, que se contorceram em dor. O mesmo acontecia com Augus, mas ele continuava em pé como se nada sentisse. A luz dos fios foi ficando opaca, até desaparecer, como se não estivesse ali antes. O juramento estava firmado.

Augus então se virou para Ally.

─ E quanto a você Allyson. Tem alguma noção do que me fez passar? Eu lhe digo que tome cuidado e é assim que você me retribui? Com três horas em um tribunal, respondendo por uma coisa que você, na sua imaturidade e irresponsabilidade, foi responsável. Eu fui tratado como um delinquente, respondi como um criminoso, a honra de nossas famílias foi maculada por uma atitude tola. Você não consegue pensar antes de fazer as coisas?

Ally fez menção em querer falar, mas foi duramente interrompida pelo irmão.

─ Eu já lhe disse antes. só eu vou falar ─ um olhar exausto surgiu nos olhos fulvos de Augus, que massageava as têmporas insistentemente. ─ Estou extremamente decepcionado com você Ally. Tão cansado e zangado que nem consigo pensar numa punição digna para o que você fez.

Lágrimas, escorreram pela face de Ally. Ela estava se sentindo totalmente, unicamente e irremediavelmente envergonhada. Aquele olhar decepcionado do irmão era a punição mais dura que ela podia receber. Não conseguiu encará-lo, abaixou o rosto, chorando com gemidos abafados.

─ Olhe pra mim, Ally. Odeio pessoas que não me encaram nos olhos ─ uma fúria surgiu na voz de Augus. ─ Você não está tornando minha vida nada fácil. Acha que ser líder de duas honoráveis famílias é fácil? Ter a postura vigiada e cuidar para evitar a menor queda, porque sabe que qualquer ação sua pode manchar a sua família pra sempre. Acha isso fácil Ally? Acha fácil, sacrificar sua infância, seus desejos, seus sonhos, tudo que te torna um ser humano, pra ser um pilar no qual outros podem se apoiar? Responda-me Ally, acha que ser eu é fácil? ─ a voz dele, havia se elevado, embora ainda não estivesse gritando.

Ally chorava profusamente agora, incapaz de se conter.

─ Por favor, perdoe-a, ela não sabia... ─ Beto tentou defendê-la.

─ Não estou falando com você, mortal ─ os lábios de Augus se crisparam de nojo quando disse a palavra "mortal". ─ Quem você acha que é para se dirigir a mim? ─ Beto sentiu Augus invadindo sua mente, vasculhando suas memórias e escancarando seus segredos. ─ Ainda mais alguém como você, que teme a própria vida, que mal sabe o que fazer consigo próprio, uma pessoa que não tem nenhuma ambição, parece uma criança tola, andando aos tropeços e esperando que as coisas deem certo. Você me enoja!

Beto se levantou. Seu rosto fervia, queria esfregar a cara daquele esnobe no chão, mas tudo o que conseguiu fazer foi se ajoelhar. Ondas de terror emanavam de Augus, ele parecia arder em chamas branco-prateadas, um poder tão aterrorizante, como Beto jamais havia sentido antes. Seu coração batia acelerado, o rapaz parecia ter esquecido de como respirar, os olhos vidrados na figura opressora à sua frente. Fernanda e Ricardo, estavam semiconscientes jogados no sofá, mesmo Ally parecia não conseguir se sustentar frente ao irmão.

Augus pareceu perceber que havia perdido o controle. A onda de terror se dissipou e ele deixou de queimar naquelas chamas alvas. Voltara a ser um humano normal. Ele pareceu querer se desculpar, seus lábios quase formulando um pedido de perdão, mas abruptamente pararam pelo orgulho.

─ Saiam da minha casa! Não retornem nunca mais ─ Augus ordenou a Beto, Ricardo e Fernanda. Depois virou-se para a irmã, e declarou irredutível. ─ Você nunca mais vai ver essas pessoas.

Ally quis gritar, mas o olhar feroz do irmão a fez repensar. Ela não obteria nada com Augus daquele jeito, se discutisse só iria piorar as coisas. A garota viu seus amigos passarem pela porta da sala e depois ouviu o barulho do portão de ferro, quando este se fechou. Procurou o olhar de Augus, encontrou apenas uma decepção profunda no irmão, que se afastou dela, como se vê-la lhe causasse dor.

Ela rumou para o quarto, não parando de chorar nem por um segundo.

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Mais um capítulo pra vocês. Não se esqueçam de votar e comentar, quero muito saber o que vocês estão achando da história e dos personagens. Já sei que algumas pessoas amam o Augus ( MichaellyAmorim e dennise-oliveira), será que depois desse capítulo vocês vão continuar gostando?

O próximo capítulo na próxima sexta-feira vai introduzir um personagem novo. Criem expectativas :D!

!!!Abraços!!!

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