Negra

By taynaserafim

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Olívia Ambrose Barros é uma estudante de Arquitetura que enfrenta com garra o dia a dia como qualquer outra g... More

Prólogo
Capítulo1: Viva a Miscigenação!
Capítulo 2: Presa ao Passado
Capítulo 3: Eu tenho vida, eu tenho minha liberdade
Capítulo 4: Respeito é bom e eu gosto
Capítulo 5: Um presente, um passado
Capítulo 6: 1871
Capítulo 7: Direitos iguais? Não por aqui
Capítulo 8: Sem pudor algum
Agradecimento
Capítulo 9: Planos para o futuro
Capítulo 10: Negócios à parte
Capítulo 11: Quanto vale uma vida?
Capítulo 12: Enterro
Capítulo 13: A necessidade de um adeus
Capítulo 14: Pelourinho
Capítulo 15: Álvaro Coimbra
Capítulo 16: Dia Inesperado
Capítulo 18: Obra de Arte
AVISO
Capítulo 19: Paraty
Capítulo 20: Dúvidas
Próximos capítulos
Capítulo 21: Capoeira
Capítulo 21: Capoeira (parte II)
Capítulo 22: Confissões
Capítulo 23: É natal
Capítulo 24: A caminho da prosperidade
Capítulo 25: Declarações
Capítulo 26: Dividida entre duas épocas
Capítulo 27: Quem é o inimigo?
O grande final
Sobre a história
Intersection
O livro será publicado!

Capítulo 17: Escuridão

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By taynaserafim

Capítulo extra na semana!! Espero que gostem, não deixem de comentar.

(Capítulo narrado por Álvaro Coimbra)



– Como era intenso. Como a vida era intensa. A vida merece ser aproveitada até seu último gole– eu li antes de fechar meu adorado livro de poesias.

Corri os dedos pela capa dura de couro e o depositei em seu devido local, junto com os demais livros organizados por ordem alfabética na parede da sala de reuniões.

Enchi meu copo do mais fino whisky da região e pensei no mesmo instante que seria bom eu parar de comprar coisas que minha economia não conseguia sustentar. Beber coisas finas tornou-se inoportuno com essa crise que a fazenda sofria. Enchi o copo mais uma vez, esquecendo-me da minha reflexão anterior.

Encarei minha estante, observando toda aquela biblioteca que minha mãe havia adquirido em vida. Ler era definitivamente minha paixão, eu tinha um hábito ruim (como dizia minha irmã), de aproveitar a vida em silêncio. Devo admitir que era verdade, já que meu maior prazer era ficar sozinho com meus pensamentos, bebericando uma ótima bebida.

– Álvaro!– minha irmã abriu a porta com força, deixando-a bater na parede e irritando-me ao mesmo tempo.

– Quantas vezes tenho que lhe dizer para agir como uma dama, Augusta?– reclamei, ainda de costas para ela.

– Se eu parar de bater portas você acha que me tornarei uma, irmãozinho?– ela ironizou.

– Duvido muito– sorri com esse pensamento.

– Será que você poderia ao menos olhar para mim, Sr. Coimbra?– ela reclamou, chorosa.

Concedendo ao seu desejo, virei minha cadeira na sua direção. Augusta vestia uma roupa fina de seda pura na cor azul clara, os babados do vestido desciam até cobrir seus pés. Já o chapéu azul e branco em sua cabeça era no mínimo horripilante, tão grande que mal se mantinha no lugar certo.

– Está magnífica– eu disse, contendo a vontade de reclamar dos gastos com roupas.

– Muito obrigada– ela sorriu satisfeita, mostrando seus belos dentes brancos. A única coisa que desfavorecia a beleza de minha irmã era seu nariz grande e pontudo, tão parecido com o meu, mas extremamente inadequado para mulheres.

– E onde você pensa que vai vestida assim?– perguntei sem curiosidade.

– Vai ter um baile na vila. O Sr. Fernandes nos convidou– ela disse– Eu lhe avisei, Álvaro, semana passada! Mas vamos, ainda dá tempo de se arrumar, você pode ir com aquele terno de papai, o cinza, ele é...

– Eu não vou.

– Claro que vai! Imagina que vergonha, chegar na casa do Sr. Fernandes com a família Coimbra incompleta. Tens que representar nossa família!

– Eu não sei porque ainda insiste em me empurrar nessas festas. Você sabe que eu não gosto– bufei– Já está decidido, ficarei aqui, ainda tenho alguns negócios para resolver.

– Então fique! Por isso que você não arruma uma mulher! Se não sair nunca essa fazenda não terá um herdeiro!

– Que herdeiro gostaria de nascer no meio desse caos? A fazenda não resistirá se eu não ficar para cuidar dos negócios enquanto você gasta todas as nossas economias com roupas finas apenas para dormir com os Senhores da vila.

– Você pensa que me ofende, mas está enganado. Pelo menos estou fazendo minha parte para conseguir um herdeiro e um barão digno de administrar este local– ela abriu a porta– Você vai mofar dentro dessa sala Álvaro Coimbra! Estou lhe avisando.

E com esse ultimato ela saiu, batendo a porta de propósito. Acomodei-me na cadeira e voltei a encarar a janela. Minha irmã tinha um ótimo dom para acabar com meus devaneios e tentar me irritar até meu limite, mas eu estava acostumado e nada daquilo me abalava mais.

Augusta sempre teve mais autoridade e mais força de vontade para manter essa fazenda em pé. Eu sempre escutava muitas críticas sobre esse assunto, já que esse não era o papel da mulher, ela deveria apenas cuidar da casa como nas outras famílias.

Tudo isto é consequência da maneira como fomos criados e a história é bem longa... Eu tinha dez anos quando minha mãe morreu no parto de Augusta por complicações cirúrgicas e a partir desse evento meu pai teve que ficar responsável por nossa educação.


"– Álvaro, venha cá– disse o Barão Coimbra, chamando-me para o celeiro.

Eu estremeci, pois já conhecia aquele tom de voz, o que não era nada bom.

Anda logo menino– gritou o Barão enquanto penteava seu bigode grosso com os dedos.

O que o senhor deseja?– perguntei apreensivo.

Larga esse livro! Parece sua mãe! Você quer cozinhar também ou prefere a costura?– meu pai riu, cuspindo sem querer em mim.

Eu odiava quando ele citava minha mãe para me dar uma bronca, sempre ironizando os atos dela. Nesse ano completaria sete anos desde sua morte, desde que nossas vidas sofreram uma drástica mudança.

Desculpe, senhor– Abaixei a cabeça.

Venha garoto– meu pai me puxou, virando minha cabeça na direção do cafezal– Vamos praticar tiro ao alvo hoje, o que acha? Vou ensinar meu menino a se tornar o melhor caçador da região.

Suspirei aliviado, pelo menos não era uma bronca e as aulas tinham seu lado positivo, já que eu gostava de caçar.

Segure essa espingarda– ele deitou uma espingarda antiga no meu braço– Agora olhe para lá, na direita. Vamos! Olhe!

Olhei através do visor da espingarda e o pontinho vermelho mirava apenas no negro Jorge, que cuidava da plantação de milho.

Onde o senhor quer que eu acerte? Vejo apenas Jorge– afirmei, tentando achar o alvo.

Garoto burro!– gritou meu pai no meu ouvido– É nele mesmo!

O que? Você quer que eu mate Jorge? O que ele fez?

Parece que não aprendeu nada! Não vamos matar Jorge, você quer matar o melhor escravo da fazenda?!

Mas o senhor deseja que eu atire nele.

Na perna dele!– ele gritou– Na perna direita.

Pai, eu...

Vai começar, Álvaro?– perguntou meu pai, indignado– Você quer ganhar uma surra como da última vez? Preste atenção aqui menino, aquele escravo é um sem vergonha, já peguei ele roubando café inúmeras vezes para revender na vila e juntar dinheiro para a alforria.

Por que o senhor simplesmente não o coloca no sótão?– perguntei, sem conseguir segurar meu pavor.

Vai ser o seguinte– ele disse irritado– Vou contar até dez e você vai atirar. Se não o fizer quero que abaixe suas calças e fique de costas para a cerca.

Avaliei as opções por alguns segundos. Eu havia enfrentado uma surra semana passada e ainda não conseguia me sentar sem sentir dor, mas atirar em Jorge parecia ainda pior. Meu pai nunca me considerou homem o suficiente para cuidar da fazenda, ele vivia falando que nunca poderiam me chamar de Barão porque esse é um título que eu nunca irei merecer. A única coisa que eu queria era que ele tivesse orgulho de mim, que ele me achasse digno de assumir as responsabilidades da fazenda. E com esse último pensamento tomei minha decisão.

E se eu errar?– perguntei enquanto posicionava a arma no ombro.

Você nunca errou uma mira, Álvaro, por isso você está aqui– ele disse– Se eu estivesse no seu lugar, era certeza que eu estouraria os miolos de Jorge.

Meu pai riu alto. Ás vezes eu achava que ele era louco. Eu nunca conheci alguém tão mau e perverso quanto ele.

Oito– ele disse. Eu nem tinha escutado os números anteriores. Como assim já estava no oito?!

Mirei na perna direita de Jorge sem hesitar, soltei um suspiro e apertei o gatilho. O negro caiu duro no chão, com as mãos na barriga. Pela primeira vez na vida, eu errei um alvo."


Enchi novamente o copo de whisky ao lembrar-me dessa cena. Dois dias depois daquele trágico dia eu descobrira que meu pai mandara desajustar a mira da espingarda, fazendo o pontinho vermelho apontar mais baixo do que o local em que realmente estava apontando a mira. De acordo com meu pai eu precisava disso para agir como homem, precisava matar um escravo para possuir alguma dignidade.

O sangue de Jorge aparece todas as noites nos meus sonhos, sem exceções. A partir daquele dia eu me tornara um homem frio, completamente sem compaixão com os outros. Fiz tantas coisas horríveis que tenho pavor de lembrar, tenho pavor de voltar a ser aquele monstro que eu me tornei.

Augusta sempre cuidou da casa, meu pai nunca se importava com ela, nunca a chamava para conversar ou ensinar alguma coisa. Para ele Augusta não era sua filha, era mais uma empregada como as outras escravas. No meu caso, tive o azar de nascer homem, tive o azar de ser obrigado a ser herdeiro da fazenda. Sempre fui obrigado a fazer as coisas como meu pai ditava, nem que isso significasse arriscar a minha vida ou a dos outros; ou até ir contra todos os meus princípios.

O único problema disso tudo é que nenhuma das minhas ações depois da morte de minha mãe foram escolhas minhas. Eu apenas seguia ordens, na verdade eu me sentia como um dos escravos, sempre tendo que obedecer, jamais opinar.

Meu pai teve a "sorte" de viver até seus noventa anos, mas antes disso eu já assumira a fazenda, já que o velho Barão não possuíra forças para a tarefa. Faz cinco anos que ele morreu e eu passei a viver nas sombras desde então, sempre lendo meus livros e bebendo enquanto encarava a janela. A escuridão havia se tornado minha melhor amiga e ninguém conseguia desfazer essa amizade. Augusta agora teve a oportunidade de ser enxergada, ela assumiu as rédeas do local e fazia isso muito bem eu diria.

Tive coragem de sair da fazenda pela primeira vez esse ano, há quatro meses, no aniversário do Barão Macedo. A culpa foi toda de Augusta, que com sua incansável insistência me obrigou a ir ao baile, já que o Barão era um velho amigo de meu pai. Isolei-me no canto mais deserto da festa enquanto bebia até não aguentar meu corpo em pé. Também culpa de Augusta e em parte da bebida foi a minha promessa ao Barão: um ótimo presente de aniversário, um escravo; eu deveria estar sob efeito de drogas para prometer tamanho absurdo.

A segunda vez que saí da fazenda nesses cinco anos foi para comprar o tal escravo. Coloquei algumas carnes de primeira na charrete para conseguir o dinheiro do presente e comecei meu percurso até a vila mais próxima. No meio do caminho eis que me deparo com ela; a única pessoa que conseguiu me tirar das sombras, Olívia.

Não pude deixar de escapar um sorriso ao me lembrar dela, daquela pele macia, daqueles olhos encantadores e ao mesmo tempo acusadores. Ela me enfeitiçava, me deixava delirando de prazer e eu precisava dela perto de mim, tornou-se um vício. Fechei os olhos ao me lembrar do seu corpo nu, tão belo contra o pôr do sol que escapava da janela ontem, as curvas de seus seios volumosos, da sua barriga... Opa, amigão, calma aí. Eu ri ao sentir o volume da minha calça. Só posso estar bêbado.

Levantei-me para fechar a garrafa e ir me deitar. Amanhã eu iria atrás daquela mulher, tão diferente de outras as outras, tão única. Foda-se a cor de sua pele, foda-se tudo, eu precisava dela. Eu ri de novo, mais alto dessa vez. O que meu pai acharia de mim agora? Certamente iria ganhar uma surra por ter ido para a cama com uma escrava, nossa, seria uma bela surra, de arrancar o couro. Eu ri novamente, sem conseguir parar.

– Foda-se Barão Coimbra– gritei, jogando o copo no chão– Foda-se você e tudo o que me ensinou!

Saí da sala de reuniões refletindo sobre aquilo. Será que meu sentimento pela negrinha era maior que as aparências? Maior que todos os julgamentos? A fazenda certamente iria falir se alguém descobrisse o ocorrido ontem a tarde. Eu não conseguia impedir a monstruosidade que vivia dentro de mim, meu pai a plantara lá e não sei se será fácil retirá-la, talvez seja melhor permanecer nas sombras, junto com a minha antiga amante chamada escuridão. 

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