Mansfield Park - Jane Austen

By leh_almeida5

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MANSFIELD PARK é o trabalho mais autobiográfico de Jane Austen, refletindo o mundo de pretendentes religiosos... More

Capítulo 1
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
CapítuloS 33 , 34 , 35 , 36 E 37
Capítulos 38 , 39,40 , 41 ,42 e 43
Capítulos 44, 45, 46 , 47 e o último 48.

Capítulo 2

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By leh_almeida5

  A menina fez a longa viagem sem novidade: em Northampton foi entregue a Mrs. Norris, que dessa maneira se sentiu muito lisonjeada por ser a mais indicada para receber a menina e pela importância em que se dava em apresentar a garota aos outros parentes, recomendando-a à bondade deles. 

Fanny Price tinha nesta ocasião justamente dez anos e embora à primeira vista sua aparência não fosse muito cativante, não tinha, pelo menos, nada que pudesse desgostar os parentes. Era pequena para a idade, de compleição pouco atraente e sem nenhuma beleza especial; excessivamente tímida e acanhada, retraia-se por qualquer observação. Sua aparência, embora desajeitada, não era vulgar; a voz era doce e, quando falava, sua fisionomia se tornava bonita. Sir Thomas e Lady Bertram receberam-na amavelmente; e Sir Thomas vendo que ela necessitava de ânimo, procurou lhe ganhar a simpatia; mas teve que lutar contra o mais rebelde temperamento; quanto a Lady Bertram, sem muito trabalho,dizendo uma só palavra enquanto ele dizia dez, apenas com o auxílio de um sorriso, imediatamente se tornou menos terrível.

 As outras crianças estavam todas presentes e representaram muito bem os seus papéis na apresentação, portando-se com muita cortesia e sem o menor embaraço, pelo menos quanto aos dois filhos, os quais já com dezessete e dezesseis anos e altos demais para a idade, tinham toda a imponência de homens feitos aos olhos da pequena prima. Já as duas meninas não se sentiam tão à vontade, pelo fato de serem mais jovens e respeitarem muito o pai, que as preparou especialmente para a ocasião. Mas elas estavam por demais acostumadas à sociedade e aos elogios para que se sentissem acanhadas; e a sua confiança aumentando à medida que a prima mais se retraía, começaram com a maior indiferença a examinar-lhe o rosto e o vestuário. 

Eles formavam uma família notavelmente distinta, os filhos muito bem parecidos e as filhas positivamente belas, todos bem desenvolvidos para as idades, o que demonstrava uma diferença patente entre os primos quanto ao meio em que haviam sido criados; ninguém julgaria haver tão pouca diferença de idade entre as três meninas. Havia de fato apenas dois anos entre a mais jovem e Fanny Julia Bertram tinha doze anos e Maria era apenas um ano mais velha. A pequena visitante, por esse tempo, sentia-se tão infeliz quanto é possível. Com receio de todos, envergonhada de si própria e com saudades da casa que deixara, não tinha coragem de levantar a cabeça e mal conseguia murmurar as palavras sem chorar. Mrs. Norris, durante a viagem, desde Northampton, veio lhe falando de sua sorte incomparável e da gratidão e do bom comportamento que ela deveria ter por isso mesmo, de forma que a consciência de sua própria miséria aumentou com a idéia de que por causa disso não poderia ser feliz. O cansaço, também, de uma viagem tão longa em breve não se tornou menos doloroso. Em vão   foram as bem intencionadas amabilidades de Sir Thomas e todos os prognósticos de Mrs. Norris de que ela seria uma boa menina; em vão Lady Bertram sorriu e fê-la sentar-se ao seu lado no sofá e em vão foi, até, a vista da torta de groselha para a confortar; mal pôde engolir dois bocados e irrompeu em soluços; levaram-na então para a cama o amigo sono terminou suas tristezas.

  — Esse princípio não é muito promissor, disse Mrs. Norris quando Fanny deixou a sala. Depois de tudo o que eu lhe disse durante a viagem, esperava que ela se portasse melhor; disse-lhe o quanto poderia depender do seu comportamento de início. Desejo que não tenha sido um pouco por birra —sua mãe, coitada, era bem rebelde; mas devemos ser indulgentes para com essa criança, — aliás achoque o fato de ela se sentir triste por ter deixado seu lar só a pode elevar em nosso conceito, pois, com todos os defeitos, era o seu lar e ela ainda não pode compreender o quanto a mudança foi para melhor;enfim, há limites para todas as coisas.

  Contudo foi preciso muito mais tempo do que Mrs. Norris supunha para reconciliar Fanny coma mudança para Mansfield e a separação de todas as pessoas a quem ela estava habituada. Seus sentimentos eram por demais sutis e por serem mal compreendidos não os levaram na devida conta.Não que seus parentes fossem intencionalmente pouco amáveis, mas ninguém cuidava em deixar suas comodidades para lhe ser agradável.

  A folga permitida às Misses Bertam no dia seguinte, a fim de que pudessem mais à vontade travar conhecimento e entreter a jovem prima, produziu pouco efeito. Elas não podiam deixar de olhar com pouco caso para a prima ao descobrirem que ela só possuía duas faixas e que nunca havia aprendido francês; e quando perceberam a pouca admiração que demonstrou pelo dueto que elas tão bem executavam ao piano, contentaram-se em presenteá-la generosamente com alguns de seus brinquedos menos preciosos e se desinteressaram da pequena completamente, entregando-se ao seu divertimento favorito no momento, que consistia no fabrico de flores artificiais ou em colecionar papéis dourados. 

  Fanny, quer estivesse perto ou longe dos primos, tanto na sala de aulas quanto na sala de visitas ou no parque, sentia-se igualmente desamparada, encontrando motivos para receio em cada pessoa ou lugar. Sentia-se desanimada diante do silêncio de Lady Bertram, receosa do olhar grave de Sir Thomas e completamente vencida com as admoestações de Mrs. Norris. Seus primos mais velhos mortificavam-na pela sua superioridade em altura e confundiam-na chamando atenção para sua timidez; Miss Lee admirava-se de sua ignorância e as criadas riam-se de suas roupas; e quando a todas essas tristezas se juntava a lembrança de seus irmãos entre os quais ela sempre fora a mais importante, tanto como companheira de brinquedos como no papel de mestra e enfermeira, o desespero em que mergulhava seu pequeno coração era enorme.

  A magnificência da casa a atordoava mas não a consolava. As salas eram grandes demais para que nelas se sentisse tranqüila; tinha a impressão de que qualquer coisa que segurasse havia de quebrar-se em suas mãos e vivia num constante terror de tudo, freqüentemente escondendo-se em seu quarto para chorar; e a menina que, segundo comentavam na sala de visitas, parecia estar tão agradecida à sua boa fortuna, terminava as tristezas de cada dia chorando até adormecer. Dessa forma passou-se uma semana sem que pelo seu modo passivo ninguém suspeitasse do seu desgosto, até que uma manhã oprimo Edmund, o mais jovem dos dois filhos, encontrou-a chorando sentada na escada do sobrado.

  — Minha querida priminha, disse ele com toda a doçura de uma excelente criatura, que foi que houve? — E sentando-se ao lado dela procurou por todos os meios dominar-lhe o embaraço de ter sido assim surpreendida e persuadi-la a falar abertamente .

   — Estava doente? Ou alguém tinha zangado com ela? Ou tinha brigado com Maria e Julia?Estava atrapalhada com algum problema de suas lições que ele poderia explicar? Ou desejava,finalmente, alguma coisa que ele poderia talvez conseguir ou fazer? — Durante muito tempo não conseguiu outra resposta além de um — Não — não — de modo algum — não, obrigada; porém ele insistiu; e mal começou a se referir à família dela os soluços aumentaram, mostrando onde se achava o ponto sensível. Tentou consolá-la.  

  — Você está triste por ter deixado a sua mamãe, não é, minha pequenina? Disse o rapaz. Isto mostra que você é uma boa menina; mas deve lembrar-se de que está no meio de parentes e amigos,que gostam muito de você e que desejam fazê-la feliz. Vamos passear no parque, conversar sobre seus irmãos.   

  Prosseguindo no assunto ele viu que, embora muito quisesse aos irmãos havia um entre todos para quem seus pensamentos mais revertiam. Era de William que ela mais falava e a quem mais desejava ver. William, um ano mais velho do que ela, era seu companheiro e amigo mais constante; seu defensor perante a mãe (de quem era o predileto) em todas as contingências. — William não queria que eu viesse; ele disse que iria sentir muito a minha falta. 


  — Mas William vai escrever a você com certeza.— Sim, ele me prometeu que escreveria mas disse que eu deveria escrever primeiro.

 — E quando é que você vai escrever?Ela inclinou a cabeça e respondeu hesitante: — Não sei; não tenho papel.

 —Se essa é toda a sua dificuldade, posso arranjar papel e tudo o mais, e você pode escrever sua carta quando quiser. Quer mesmo escrever a William? 

— Sim, muito.

 — Então escreva agora mesmo. Venha comigo à sala de almoço, lá encontraremos tudo o que é preciso e ninguém nos incomodará.

 — Mas, primo, a carta depois vai para o correio?

 — Sim, só depende de mim; irá com as outras cartas; e visto que seu tio pagará o selo, não custará nada a William  .

  — Meu tio? Repetiu Fanny assustada. 

— Sim, depois que você escrever a carta eu a darei para meu pai a selar.  

  Fanny achou a medida arriscada mas não ofereceu maior resistência; foram juntos para a sala de almoço onde Edmund preparou o papel traçando nele as linhas de tão boa vontade como seu próprio irmão o faria e talvez até com maior exatidão. Permaneceu ao seu lado todo o tempo em que ela escrevia, para ajudá-la a apontar o lápis e auxiliá-la na ortografia, pois que disso bem precisava; e junto a estas atenções, que ela muito apreciou, demonstrou uma grande bondade para com seu irmão que a alegrou acima de tudo. Ele próprio escreveu algumas linhas ao primo William e lhe mandou meio guiné para o selo. O contentamento de Fanny naquela ocasião foi tal que ela não soube como o expressar.Mas o seu rosto e as poucas palavras ingenuamente proferidas demonstraram toda a sua gratidão e o seu prazer; o primo começou a não a achar tão desinteressante quanto parecia. Conversou ainda com ela e, por tudo que disse a pequena, convenceu-se de que ela possuía um coração afetuoso e um forte desejo de proceder bem; achou que ela merecia maior atenção, dada a sua suscetibilidade, a sua situação e a sua grande timidez.. Que ele soubesse, nunca lhe havia causado sofrimento; porém sentia agora que Fanny necessitava de maior carinho. E assim pensando, procurou, em primeiro lugar,diminuir os receios que ela tinha deles todos, aconselhou-a a que brincasse com Maria e Julia e que fosse alegre quanto possível. 

 Desse dia em diante Fanny sentiu-se mais consolada e a bondade do primo Edmund trouxe-lhe melhor disposição para com os outros parentes. A casa se lhe tornou menos estranha e as pessoas menos imponentes; se havia ainda alguém entre os outros a quem ela não pudesse deixar de temer,começou pelo menos a conhecer-lhes os hábitos e procurou adaptar-se a eles da melhor maneira. As pequenas grosserias que a princípio ameaçavam a tranqüilidade de todos, senão dela própria,desapareceram e ela já não se sentia fisicamente receosa de aparecer em frente do tio nem tampouco se assustava com a voz da tia Norris. Ocasionalmente já fazia companhia às primas. Embora por sua inferioridade em idade e porte não pudesse interessá-las como companheira, havia certas brincadeira sem que se tornava necessário o concurso de um terceira pessoa, especialmente se essa pessoa era de tal maneira submissa e conformada; e não podiam deixar de confessar quando a tia as sondava sobre os defeitos da menina ou seu irmão Edmund recomendava que a tratassem com bondade, que "Fanny não era de todo má".

  Edmund por si era sempre bom; e da parte de Tom ela não tinha outra queixa senão aquela maneira de brincar que um rapaz de dezessete anos sempre tem para com uma criança de dez. Estava justamente começando a viver, cheio de entusiasmos, com todos os privilégios de filho mais velho, que se sente no direito somente para o prazer e os gastos. Sua bondade para com a pequena prima era conseqüente de sua situação e direitos: dava-lhe bonitos presentes e ria-se dela. 

 A medida que ela ia melhorando de aparência e caráter, Sir Thomas e Mrs. Norris se congratulavam pela sua boa ação; e em breve reconheceram que, embora muito inteligente, Fanny demonstrava possuir um temperamento bastante dócil, que, com toda probabilidade, lhes daria pouco trabalho. Quanto às suas habilidades, nada lhes tinham dito. Fanny sabia ler, trabalhar e escrever, mas não lhe ensinaram nada mais; e quando as primas descobriram o quão ignorante ela era acerca de coisas que lhes eram a longo tempo familiares, acharam-na prodigiosamente estúpida e durante as duas ou três primeiras semanas não cessavam de trazer à sala de visitas novos comentários sobre a pouca instrução da prima. — Imagine, mamãe, que nossa prima não conhece nem o mapa da Europa — ou minha prima não sabe dizer os principais rios da Rússia — ou ela nunca ouviu falar da Ásia Menor — ou ela não sabe distinguir aquarela de desenho a carvão! Que coisa estranha! — Já se viu alguém mais estúpida, tia Norris?

  — Minha querida, dizia indulgente a tia, isto é realmente de lastimar, mas você não pode esperar que todos estejam tão adiantados ou que tenham a mesma facilidade de aprender que você tem 

 — Mas minha tia, ela é mesmo muito ignorante! Imagine, ontem a noite nós lhe perguntamos que caminho deveria tomar para ir à Irlanda; e ela disse que atravessaria a Ilha de Wight e chama-a simplesmente de "Ilha" como se não houvesse outra ilha no mundo. Eu morria de vergonha se na idade dela soubesse tão pouco. Nem me lembro mais do tempo em que eu não sabia uma porção de coisas de que ela ainda não tem a menor noção. Quanto tempo faz, minha tia, que nós enumerávamos por ordem cronológica todos os reis da Inglaterra, com datas e suas ascensões e a maior parte dos acontecimentos principais de seus reinados?

  — Sim, acrescentava a outra; e os imperadores romanos até Severo; como também muitas figuras da mitologia pagã e todos os metais, semi-metais, planetas e os filósofos mais conhecidos. 

  — De fato é verdade, minhas queridas, mas vocês foram dotadas de uma memória prodigiosa,enquanto que sua pobre prima provavelmente não tem nenhuma. Há uma grande diferença em memória como em tudo o mais e portanto vocês não devem culpar sua prima e antes lastimar que ela seja assim. E além disso devem lembrar-se que mesmo sendo tão inteligentes, e estando tão adiantadas nos estudos, devem sempre ser modestas, pois embora já saibam muito, ainda têm muito que aprender .

  — Sim, já sei que até completar dezessete anos ainda tenho muito que aprender. Mas quero lhe contar outra coisa de Fanny que eu acho tão estranho e tão tolo. Imagine, ela disse que não quer aprender nem música nem desenho.

 — Realmente, minha querida, isso é mesmo uma tolice e demonstra uma grande falta de talento e força de vontade. Enfim, considerando tudo, não sei se não será melhor que seja assim, pois como vocês sabem (já lhes disse isso uma vez) embora por bondade de seus pais ela esteja sendo educada juntamente com os primos, não é absolutamente necessário que ela seja tão instruída quanto vocês; ao contrário, é até muito preferível que haja alguma diferença.  

  Tais eram os conselhos com os quais Mrs. Norris se propunha a formar a mentalidade das sobrinhas; e não seria de admirar que embora com todos os seus talentos e precocidades, elas fossem destituídas do menos senso de autocrítica, de generosidade e modéstia. Aliás, eram admiravelmente instruídas sobre todas as coisas, exceto quanto aos princípios de moral. Sir Thomas não percebia essas lacunas pois que, embora verdadeiramente interessado na educação das filhas, ele não sabia exteriorizar sua afeição e a reserva de seus sentimentos reprimia nelas toda a espontaneidade. 

 Lady Bertram não dava a menor atenção à educação das filhas. Não tinha tempo para tais preocupações. Era mulher que passava os dias sentada no sofá, lindamente ataviada, a fazer intermináveis trabalhos de agulha, sem nenhuma utilidade ou beleza, pensando mais no cãozinho quenos próprios filhos, mas muito indulgente para com estes, desde que não a incomodassem; era dirigida pelo marido em todas as coisas importantes e nos assuntos de menor monta se deixava guiar pela irmã.E mesmo que tivesse mais tempo para olhar pelas filhas, provavelmente acharia isso desnecessário, já que as meninas estavam sob os cuidados de uma governante, sob a orientação de professores adequados e de nada mais precisavam. Quanto ao fato de Fanny ter dificuldade em aprender "ela nada  tinha a dizer senão que era uma infelicidade; mas afinal, havia pessoas que eram estúpidas de nascença e Fanny devia esforçar-se mais: não sabia o que mais poderia ser feito; e conquanto a pequena fosse pateta, não podia deixar de reconhecer que não via na pobre criatura outro defeito. Ao contrário,achava-a sempre prestativa e ligeira para levar recados e procurar as coisas de que a tia precisava."

  Fanny, com todos os seus defeitos de ignorância e timidez, fixou-se em Mansfield Park e,procurando adaptar-se ao meio, ali cresceu entre os primos, quase feliz. Maria e Julia não tinham realmente má índole; e Fanny, embora freqüentemente humilhada pela maneira com que elas a tratavam, não se sentia ofendida, já que de si mesma fazia o mais baixo conceito .

 Mais ou menos na ocasião em que Fanny entrou para a família, Lady Bertram, um pouco por doença mas muito mais por indolência, desistiu da casa que ocupava na cidade (Londres) durante todas as primaveras, e passou a morar todo o tempo no campo, sem pensar na maior ou menor inconveniência que sua ausência traria a Sir Thomas, que precisava atender a seus deverem para com o Parlamento. No campo, portanto, as Misses Bertram continuaram a exercitar suas memórias, executar os seus duetos e a se desenvolver fisicamente; e o pai viu-as transformarem-se quanto a pessoa, modos e conhecimentos, em tudo o que ele almejara. Seu filho mais velho era descuidado e extravagante e já lhe havia causado muitos aborrecimentos; seus outros filhos, porém, não lhe proporcionavam senã oalegrias; quanto a Edmund, seu caráter forte, seu bom senso e retidão de consciência só o poderiam levar para o que fosse de utilidade, honra e felicidade não só para si próprio como para os que o cercavam. Estava destinado a ser pastor.

  Não obstante os cuidados e os prazeres com que cercava seus próprios filhos, Sir Thomas procurava fazer o que pudesse pelos filhos de Mrs. Price: ajudou-a na educação e colocação dos rapazes   logo que tiveram idade suficiente para seguir uma carreira; e Fanny, embora quase totalmente separada da família, acompanhava cheia de satisfação e reconhecimento qualquer ato de bondade feito em favor deles ou qualquer auxílio que lhes viesse melhorar de situação. Uma única vez, no período de muitos anos, ela teve a felicidade de ver William. Os outros nunca mais os avistara; ninguém parecia esperar que ela algum dia voltasse para casa, mesmo de visita, ninguém em sua casa parecia desejar vê-la; mas tendo William, logo após a partida da irmã, resolvido ser marinheiro, foi convidado a passar com ela,uma semana em Northaptonshire, antes de embarcar. Pode-se imaginar a felicidade desse encontro, a afeição, o prazer de estarem juntos, as horas de alegria e os momentos de sérias palestras, a calcular a tristeza da separação. Felizmente isto se deu justamente nas férias do Natal, de forma que Fanny pôde encontrar consolo junto ao primo Edmund; e ele lhe falou com tanta simpatia de William, das coisas formidáveis que ele iria fazer em razão da profissão que abraçara, que finalmente ela se convenceu deque a separação só poderia lhe ser útil. A amizade de Edmund por ela foi sempre sincera; amizade essa que não sofreu a menor alteração com a sua passagem de Eton para Oxford; ao contrário, permitiu mais freqüentes oportunidades de a provar. Sem mostrar que fazia mais do que os outros, ou sem receio de fazer de mais, ele estava sempre pronto a olhar pelos interesses da prima, exaltando-lhe as boas qualidades e lutando contra a excessiva modéstia que as fazia menos aparentes; dava-lhe conselhos, consolo e ânimo.

  Ignorada como era pelos demais, só o apoio que lhe dava o primo não poderia levá-la avante;mas por outro lado os cuidados que ele lhe dispensava eram da maior importância na formação de seu espírito. Edmund percebeu que ela era inteligente e que tinha não só muita facilidade de apreensão como bom senso e inclinação para leitura, que, dirigida adequadamente, por si só constituiria uma instrução. Miss Lee ensinava-lhe francês e ouvia-a diariamente ler uma parte de história; mas os livros que ela deveria ler nas horas de folga eram escolhidos por ele, que a ajudava na seleção dos assuntos e lhe corrigia o julgamento; fazia da leitura um prazer útil, comentando sobre o que ela lia e elevando seu gosto por meio de sensatos elogios. Em troca de tais atenções ela o amava mais do que a ninguém   no mundo, com exceção de William; seu coração estava dividido entre os dois.  


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