Os Descendentes e a Ferida da...

By brunohaulfermet

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A Ferida da Terra precisa ser contida. O tempo corre. A situação piora. Mas o que ela é, Ian não sabe. Ele nã... More

Periodicidade das postagens
Amazon e Skoob
Dedicatória
Prólogo
Capítulo 1 - Você Não Devia Estar Aqui, Menino
Capítulo 2 - A Casa da Costa
Capítulo 3 - Corpo Gelado
Capítulo 4 - Meninas Más Morrem Primeiro
Capítulo 5 - As Pequenas Luzes
Material de divulgação do livro - Imagens (I)
Capítulo 6 - A Fuga dos Irmãos
Capítulo 7 - Trio Encrencado
Capítulo 8 - A Excursão
Capítulo 9 - A Reunião dos Improváveis
Capítulo 10 - A Planta no Meio do Vale (I)
Capítulo 10 - A Planta no Meio do Vale (II)
Material de divulgação do livro (II)
Capítulo 11 - Descendentes
Material de divulgação do livro (III)
Capítulo 12 - Festa Julina às Avessas (Parte I)
Capítulo 12 - Festa Julina às Avessas (Parte II)
Capítulo 13 - O Castelo de Sorin
Capítulo 14 - Outros Descendentes
Capítulo 15 - A Adaga Infinita
Capítulo 16 - A Ferida da Terra
Capítulo 17 - Os Quatro Dirigentes
Capítulo 18 - Corrente Cósmica Universal (I)
Capítulo 18 - Corrente Cósmica Universal (II)
Capítulo 19 - A Zona Escura
Capítulo 21 - Um Contra Cem
Capítulo 22 - O Maior Medo de Norah
Capítulo 23 - A Espada Celestial
Capítulo 24 - A Suspeita
Capítulo 25 - Pelúcias
Capítulo 26 - Luz e Água
Capítulo 27 - A Calmaria Antes da Tempestade
Marcadores de "A Ferida da Terra" - Brinde por tempo limitado
Capítulo 28 - O Rompimento
Capítulo 29 - O Rabisco
Capítulo 30 - A Véspera
Curiosidades sobre A Ferida da Terra
Capítulo 31 - A Partida
Capítulo 32 - Em Família
Capítulo 33 - Ele
Capítulo 34 - Sombra Contra Luz
Capítulo 35 - O Fim e o Começo
Capítulo 36 - A Volta (FINAL)
A Ferida da Terra e os leitores: o que vem depois.
BÔNUS - A Saga da Descendência {Livro Dois}
Estudos Ilustrados para Capa Definitiva
[VOTE] Imagem final de um dos cinco.
Color Script
Ilustração e Capa Definitiva - Livro Um
Curiosidades [Parte 2]
Primeiro Encontro Oficial do Wattpad
Livro Dois - Nome e Sinopse
Encontrão do Wattpad - Bienal do RJ 2017
Prêmio Deusa Lendari / Finalista

Capítulo 20 - A Floresta das Lágrimas

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By brunohaulfermet


Depois de saírem do ginásio na lateral da Ala Principal utilizando uma das portas de travessia, Mabel e Estéfano caminharam pela ponte que ligava a Ala Pólux e a Ala Marina, na direção de onde tinham pousado quando saíram da Casa da Costa.

A menina observava as pessoas que se movimentavam, tentando dividir a atenção entre olhar para elas, admirar a vista e conversar com o pai. Ela notou que do seu lado esquerdo a pequena praia, cercada pelo morro em forma de C, terminava cercada por uma pequena porção de areia e conseguiu ver, à pequena distância, uma cidade.

Era parecida com as do seu continente, mas curiosamente ela notou que o lugar não possuía prédios, embora algumas construções tivessem mais de um andar. Nada naquela cidade tinha uma arquitetura que remetesse à algo corporativo.

- Que lugar é aquele, pai?

- É a cidade mais próxima do castelo de Sorin e foi construída principalmente para hospedar as pessoas que vem estudar e treinar aqui. Não é uma cidade das maiores, mas tem seu charme.

- O acesso ao castelo é difícil, não? - perguntou a menina ao lembrar de Ian fazendo o mesmo comentário quando chegaram.

- Não é difícil, mas também não é fácil. É importante que um lugar como esse tenha seu isolamento. É o lugar que abriga o Regente, além de ser o pólo de treinamento mais estruturado e respeitado de Terraforte. As pessoas conseguem chegar através das portas de travessia ou utilizar os transportes que ligam aquela cidade - disse, apontando. - ao castelo. Uns utilizam meios de locomoção mais diversificados. Existem criaturas no continente que ajudam bastante nisso.

- Essas portas são fantásticas, pai. Ainda não estou acreditando em uma coisa dessas!

Estéfano sorriu.

- Depois de tudo que você já viu ainda se surpreende?

- É que cada hora surge algo novo.

- Você ainda não viu nada. Mas terá tempo. Terraforte agora também é sua casa, você poderá vir e até mesmo morar aqui se quiser, um dia.

- Sério?

- Claro. Agora que você sabe da verdade, pode usufruir dela.

- Ah, claro, pai. Falar é fácil. Digo o que para a mamãe? Aliás, agora que falamos nela... ela sempre soube desse lugar, né? Quero dizer, eu sempre tive o cabelo verde e ela deve ter se perguntado o motivo.

O semblante de Estéfano mudou. A tristeza se instalou e a menina ouviu um suspiro fraco.

- Contei para sua mãe quando ainda namorávamos e embora ela não soubesse lidar bem com isso, tivemos um casamento feliz. Quando você nasceu, já sabíamos sobre Zero e o projeto de contenção já tinha começado. Ela não reagiu bem

à minha ausência frequente. Tive que trabalhar muitas vezes deste lado.

- Você nunca foi engenheiro, né?

- Não. E a gota d'água veio quando você nasceu. Ela quase surtou quando viu seu cabelo daquela cor. Depois disso nosso casamento durou só mais alguns anos.

- Sinto muito, pai.

- Eu que sinto muito, minha filha. Me desculpe por não conseguir.

- Você não tem culpa de nada! Nenhum de nós, eu acho. Eu não pedi para nascer assim e imagino que deva ter sido difícil para ela lidar com esse novo mundo. Ela sempre foi distante, acho que agora sei o porquê - concluiu, fazendo o mesmo semblante que o pai.

Vendo o rosto da filha daquele jeito, Estéfano encheu o peito de ar, tentando afastar a angústia de si e abriu um sorriso, que Mabel retribuiu. Ele passou um dos braços em volta dos ombros da filha, dando um meio abraço.

Andaram assim até chegar em uma parte que ficava na frente do morro em forma de C. Ali, uma infinidade de árvores altas e escuras se estendiam adiante. Mabel forçou os olhos para ver mais ao fundo, mas uma névoa fraca se misturava com as plantas e dificultava a visão.

- Essa é a floresta das lágrimas - disse Estéfano, com entusiasmo. - é aqui que vamos treinar.

Mabel olhou em volta: viu que existiam outras pessoas ali. Algumas em grupo, outras sozinhas, mas todas estavam treinando suas técnicas no entorno da imponente floresta. Alguns poucos praticavam adentrando o espaço.

- Vamos começar então, pai.

- Ainda não. Esse perímetro onde você vê as pessoas praticando é o limite para que qualquer um possa treinar. Adentrar a floresta não é proibido embora não seja indicado. É um espaço muito amplo e algumas partes ainda são desconhecidas para nós.

- Que clichê - disse a garota com deboche. Estéfano riu.

- Vamos andando. Não será aqui que vamos praticar. Você precisa de treinamento intensivo, principalmente porque todos nós, descendentes, estamos na mira daquele monstro sanguinário.

- Mas não é perigoso entrar?

- Zero é muito mais. Vamos.

Mabel não lembrava a última vez em que vira o pai falar friamente daquele jeito. E sentiu um arrepio percorrer sua espinha ao dar passos que iam em direção ao interior da floresta, onde há segundos atrás, acabara de ouvir que não era indicado de se aventurar.

Quanto mais caminhavam para dentro, mais a luz ficava escassa. Isso acontecia por causa das árvores que iam se apresentando maiores. Muitas entrelaçavam seu número incontável de galhos entre si. O chão era úmido e a menina pôde sentir o solo fofo debaixo dos pés. O silêncio era quebrado apenas pelos sons dos passos de pai e filha, além de alguns outros que vinham da natureza.

Mabel se surpreendeu ao perceber que a névoa não se tornou mais densa à medida que avançava. Permanecia igual, da mesma forma que era vista da entrada. Um ar frio leve envolvia os dois e a fez cruzar os braços na direção dos ombros, na tentativa de se esquentar. Mesmo a calça jeans que usava não a ajudou a combater a mudança de clima repentina.

Ela viu um pequeno ponto rosado voando perto de um arbusto alto e viscoso. Mabel percebeu que uma criatura batia asas e vinha em sua direção. Quando chegou mais perto, ela viu o que era: uma forma humanóide - com cabeça, tronco e membros - a olhava com curiosidade.

Seus braços e pernas afinavam-se, do ombro para o pulso e dos quadris para o tornozelo. Não possuía mãos e nem pernas, apenas cerdas no fim de cada membro.

Os olhos amendoados eram rosa claro, sem pupila e o semblante, alegre. A cabeça era envolvida por grandes pétalas em forma de gota que a revestiam como uma touca. Suas cores eram quase iguais aos olhos. Um par de asas finas e translúcidas sustentava a criaturinha.

Mabel ouviu um som baixo e agudo, como risadinhas. O ser voava em torno dela com euforia, segurando e soltando mechas do cabelo da menina.

- Ei, para com isso - pediu Mabel enquanto tentava se desvencilhar das investidas curiosas da criatura.

- Ela gostou de você - disse o pai. - deve ter algo a ver com seu cabelo e isso a atraiu. Se chamam petalinas e vivem aqui na floresta. Todo mundo gosta delas.

- Ela é uma gracinha! Mas podia parar de mexer no meu cabelo.

Mabel fez movimentos com a mão para afastar a petalina, que entendeu o gesto como uma brincadeira e continuou tentando se aproximar da menina. Depois de algum tempo insistindo em manter a criatura longe, Mabel desistiu e continuou a caminhada com o pai. Acabou acostumando com as leves puxadas no cabelo apos alguns minutos.

- Você me parece melhor depois que conversamos sobre a semente do arbítrio - comentou o pai.

- É... Isla foi bem clara. E me tranquilizou um pouco embora ainda seja algo difícil de digerir. Às vezes me pego pensando naquele dia... naquele lugar... - ela respirou fundo, sentindo como se uma lança tivesse transpassado seu coração.

- Marcus não era conhecido por nenhum de nós, nem mesmo em outros Sollos, o que aumenta nossa suspeita de que ele esteja ligado à Zero.

- A única certeza que eu tenho agora, pai, é que não piso mais naquele vale... naquele parque. Nunca mais.

Estéfano deu um sorriso em apoio e Mabel sentiu-se mais confortável com a sua dor. O carinho do pai a ajudava muito em aliviar a culpa que sentia por Marcus.

- Você acha que alguém ligado ao Marcus tenha tentado roubar a adaga?

- Não sei. Para falar a verdade, minha filha, nenhum de nós sabe ao certo. O Cosmos, coitado, tem se empenhado para buscar soluções e cada vez mais tem sofrido pressão dos Dirigentes para dar respostas. Sei que ele também se cobra e isso deve estar fazendo muito mal para ele.

Ele respirou fundo e continuou, depois de afastar uma vinha que estava pendurada em um galho próximo:

- Somos amigos há anos e eu sei o quanto tem sido difícil encontrar pistas ou algo que nos leve até Zero. Trabalho no projeto de contenção desde que foi criado e tem sido frustrante não acharmos nada. Encontrar a adaga foi um sopro de ânimo em todos nós. Ao mesmo tempo a tentativa de roubo nos diz que o perigo está mais próximo.

- Mas estamos todos juntos nessa, pai.

- É isso que me preocupa. Se você, Ian e os outros não estivessem envolvidos eu ficaria mais tranquilo. Mas pessoas morreram ao longo do caminho. A mãe de Higino e Norah, por exemplo, causou em todos nós uma dor muito grande. Gostávamos muito dela. Ricardo não suportou a perda e se afastou de tudo que tinha a ver com Terraforte. Éramos grandes amigos, mas nem a nossa amizade resistiu. Entenda, minha filha, Zero não distingue ninguém. Quem, na opinião dele, tiver de morrer, morrerá. E ele vai se certificar disso. A história nos mostra. Ninguém foi poupado, nem mesmo seus próprios irmãos.

- Sinto muito por você e pelo Ricardo.

- Acontece. Agora nos reencontramos e temos um objetivo em comum, que é proteger vocês, nossos filhos.

Ela sorriu. Pai e filha foram caminhando por uma trilha larga que se revelou à frente deles. A petalina ficou alguns minutos envolvida em uma mecha que se enroscou em suas asas e por fim descansou, sentando no alto da cabeça de Mabel.

A menina deu um longo suspiro, ignorando seu próprio visual. Ao ver o quão descabelada a filha estava, Estéfano deu uma gargalhada, que fez com que a petalina se assustasse.

- Muito engraçado, pai.

- Se você se visse...

Ela ia responder, mas sua atenção foi desviada para um objeto que estava não muito distante deles, à esquerda. Mabel mal acreditou no que estava diante de seus olhos. Atrás de algumas árvores e arbustos, parcialmente coberto pela relva estava um enorme avião.

Sujo, semidestruído e com uma das asas destroçadas, recebia a investida da natureza através do tempo. A criação do homem estava completamente derrotada diante do avanço da vegetação. O cenário causava um misto de espanto e admiração.

- Também fiz essa mesma cara quando vi pela primeira vez - disse o pai.

- Dá para entender agora o porquê de ninguém explorar muito essa floresta - disse a menina, congelada com a descoberta.

- Esse lugar me dá arrepios, às vezes - disse Estéfano, voltando a andar. - não falta muito para chegarmos. Consegue ver aquela luz alaranjada no fim da trilha? - ele apontou. - é lá que vamos chegar.

Mabel viu sem dificuldade uma luz laranja muito fraca que contornava arbustos altos, que faziam uma parede natural com outras árvores de silhuetas tortas. Seu coração começou a bater mais forte enquanto um medo repentino foi se instalando.

A petalina levantou voo, alvoroçada por ver a luz. Foi em na direção de Estéfano, voando com rapidez em torno de sua cabeça, emitindo um som ainda mais fino, que soava como um grito de alerta. Enquanto o pai tentava afastar, incomodado, a presença da pequena criatura, Mabel viu um vulto passar correndo do lado direito, distante.

Camuflado pela penumbra e pelas árvores ela quase não viu o dono da silhueta. Mas aqueles braços e pernas de metal eram inconfundíveis. Napoleon olhava para ela, nitidamente surpreso por ter sido visto pela menina. A lateral do rosto, da testa ao queixo, sangrava e o pescoço estava desenhado com o sangue que escorria.

A menina parou de andar. Olhou para o pai, que ainda estava ocupado com a petalina. Olhou de volta para o garoto. Ele levou um dos dedos metálicos aos lábios, em sinal de silêncio. Mabel não soube como reagir. Tinha levado um susto e não sabia o que fazer.

- O que esse garoto está fazendo aqui? E por que está sangrando? - ela pensou.

Ela o viu desaparecer entre as sombras, tão rápido e misterioso quanto surgiu. Ficou um tempo olhando na direção de onde Napoleon estava, procurando por ele. Deu um leve tranco de susto ao ouvir Estéfano chamar por ela um pouco à frente.

- Ei, filha, está me ouvindo?

- É... estou... estou!

- Estava distante aí, olhando para o nada. Por que parou de andar?

- Ah, é... nada, pai. Só estava olhando essa floresta. Vamos! - ela disse, apertando o passo e alcançando o pai.

Os dois chegaram até os arbustos e a luz laranja atrás da vegetação se mostrava muito mais forte. A petalina estava agitada e parecia desesperada, puxando uma parte do tecido da blusa de Mabel, como se quisesse tirá-la dali.

- O que você tem? - perguntou a menina.

- Acho que sei o que ela tem. O que produz a luz laranja causa pavor em criaturinhas como essa.

Mabel não gostou de ouvir aquilo. Já estava apreensiva de estar na floresta, de ter visto um avião caído, se assustado com a imagem de Napoleon sangrando e agora tinha algo atrás do matagal que assustava criaturas delicadas como as petalinas. Algo que ela teria que encarar, já que ali era seu local de treinamento.

- Não estou gostando disso...

- Você, saia daqui depressa. Ela vai sentir seu cheiro - disse Estéfano ao espantar a criatura que continuava tentando convencer Mabel a sair dali.

Um zunido alto ecoou por entre as árvores densas e uma vinha da espessura de um cipó atravessou um dos arbustos, quase tocando a orelha de Mabel. A ramificação encontrou o que procurava. A petalina, sem tempo de reagir, foi envolvida inteiramente.

Mabel ouviu o som de desespero da criatura, fino e abafado antes dela ser puxada para dentro dos arbustos de onde a vinha partira. Horrorizada, a menina colocou as mãos na boca, tampando-a. Olhou para o pai.

- Eu avisei. Não me olhe assim.

Ele fez um sinal para que a filha o seguisse. Andaram um pouco até contornar os altos arbustos e as árvores. A luz laranja foi se tornando mais forte ao mesmo tempo que se mostrava misturada com tons de amarelo. Depois de terem feito o curto trajeto, Mabel ficou diante do que matara a petalina.

Custou a acreditar e sentiu seu coração chacoalhando no peito. Uma planta enorme estava ali. Tinha o formato meio cilíndrico, lembrava um copo retangular, feito de membranas translúcidas que permitiam ter uma noção do que se passava em seu interior.

- Uma planta carnívora? - se assustou a garota.

Pelo silêncio de Estéfano ela teve a amarga confirmação. Mabel percebeu que a luz laranja-amarelada era na verdade um brilho mais intenso que vinha do próprio corpo do vegetal, mas que não ofuscava a visão.

A planta era em sua maioria da cor marrom, lotada de manchas abstratas nas mesmas cores quentes de seu brilho. O topo, aberto, era mais escuro e tinha suas bordas curvadas para fora. Vinhas de todos os tamanhos partiam da planta e a adornavam em conjunto com folhas grossas que mostravam com clareza suas veias.

Mabel ficou apreensiva ao notar que cada folha era revestida por pelos, claramente visíveis diante do grande vegetal. As vinhas tinham ainda, a função de manter a planta suspensa, o que justificava a quantidade assustadora delas naquele lugar.

Abaixo da criatura havia um pequeno lago e Mabel conseguiu ver sem dificuldade seus limites. Em alguns pontos troncos irregulares saíam da água, cobertos com musgo e plantas pequenas.

- Pai, você não está achando que eu vou encarar isso aí, né?

Estéfano assentiu.

- Ela já está de olho em você - ele fez sinal de aspas ao usar a expressão.

- Como assim?

Estéfano se afastou, encostando em uma árvore.

- Uma vinha, à sua esquerda. Pronta para dar o bote.

- O quê? - Mabel olhou com pressa.

A vinha, que estava deslizando pelo solo, partiu na direção da garota, que conseguiu desviar por pouco, graças ao aviso do pai. Ela caiu no chão, desajeitada. Sentiu o chão úmido ao encostar as mãos nele e ficou com nojo.

- Não vou ajudar de novo, Mabel. Sua vida só depende de você agora.

- Como assim, pai? Eu não sei lidar com isso!

Ela não teve tempo de levantar. Outra vinha cortou o ar e a acertou na barriga como um soco. Mabel tombou para o lado, respirando com dificuldade. Não queria estar ali. Não queria se ferir daquele jeito.

Tinha adorado descobrir Terraforte e só ali, caída com o rosto no chão, deu conta de que a ameaça de Zero era real. Ela tinha sentido algo parecido no vale quando os cinco derrotaram Marcus e ali, sozinha na floresta escura a garota percebeu o caminho sem volta que tomara.

Ela sentiu algo roçar sua perna. Rolou para o lado enquanto uma vinha se enroscava em seu pé. Tentou tirá-la, mas a força da planta era maior. Perceber isso a fez ficar com mais medo. Com um tranco Mabel foi arremessada e caiu dentro do pequeno lago.

Voltou até a superfície, esbaforida. Olhou para o alto e viu que estava embaixo do vegetal. Ela pensou, por um segundo, que se as vinhas se soltassem e a planta caísse no lago, ela seria esmagada sem piedade.

- O que eu faço, pai? - gritou em desespero.

Estéfano permanecia indiferente. A visão do pai imóvel fez Mabel sentir vontade de chorar.

- Manifeste sua descendência. Você já fez isso com a semente do arbítrio. Nas suas mãos está a possibilidade de fazer muito mais.

- E como eu faço isso? - continuou gritando.

Uma das vinhas mergulhou no lago e fez Mabel virar-se para enxergar a origem do barulho que a planta produziu ao romper a água.

Ao ver o que tinha acontecido, nadou com pressa na direção da margem, mas já era tarde: o vegetal tinha enroscado em sua cintura e a puxara para baixo. Lutando para se manter na superfície enquanto tentava desfazer a prisão em que estava, Mabel viu de relance o pai, que não movia um músculo sequer.

Ela viu a água subindo e envolvendo sua cabeça à medida que foi sendo puxada para o fundo do lago. Se empenhou em retirar a vinha que a envolvia e ficou completamente submersa. A água turva do lago não a deixava ver muita coisa e com o nervosismo martelando em sua mente ela não conseguiria enxergar nada que estivesse ali.

As forças começavam a falhar e ela lembrou da explicação de Cosmos sobre a corrente cósmica universal. Imediatamente a imagem da semente do arbítrio abrindo seus gomos e revelando os dentes veio em sua mente.

Ela pensou em Marcus e uma dor invadiu seu peito, ficando mais forte quando lembrou da petalina que momentos antes, a incomodava. A pobre criaturinha que tentou avisá-la do perigo. Pouco tempo de volta ao Rio de Janeiro e Mabel já tinha presenciado duas perdas. Quantas ainda viriam?

Mabel agarrou com força a vinha presa na cintura e sentiu como se aquele vegetal fosse parte de si mesma, como se as moléculas de clorofila corressem em suas próprias veias. O pedaço da planta afrouxou, mas não a soltou. Era o que ela queria naquele momento: que a vinha ficasse menos apertada, mas que se mantivesse atada ao corpo.

Do lado de fora Estéfano viu a movimentação da água ficar mais agitada e viu, com espanto, a filha emergir, sustentada pela vinha que a atacara, como se fosse um cabo de aço. Tinha o cabelo colado no rosto e tremia de frio: Mabel estava no controle.

- Muito bem, Mabel! - ele não conteve o entusiasmo.

A filha sorriu, sem jeito. Uma sensação boa se instalou em seu peito.

- Eu... consegui controlar, pai!

- Esse é o caminho - voltou a dizer, sério. - mas não é o bastante. Você não acha que uma planta carnívora desse porte vai se deixar controlar por uma menina que acabou de ter contato com sua descendência, acha?

Ver o pai jogar um balde de água fria na sua pequena conquista a fez se desconcentrar. Como ele pôde falar aquilo? Ela quase tinha se afogado.

A cintura, barriga e tornozelo doíam e o frio a atacou implacavelmente. Abalada, sentiu a vinha apertar mais uma vez sua cintura, mas Mabel não foi arremessada para dentro da água de novo. A planta a girou, deixando a garota de frente para encará-la. Devagar, Mabel foi subindo ao mesmo tempo que se aproximava do vegetal.

Uma sensação horrível se apossou dela enquanto a garota via as folhas com penugem abaixo. Seu temor aumentou quando percebeu que estava indo na direção da abertura na parte de cima da planta. Seria engolida por ela. Uma linda e jovem refeição para a planta de outro continente.

Mabel se debateu com força, mas a vinha não se moveu.

- Me solta! Me solta! Pai, me ajuda!

A garota não obteve resposta. Outras vinhas se juntaram com a da cintura, prendendo seus pulsos e tornozelos. Completamente imobilizada, a menina ficou acima da planta, perfeitamente alinhada com a abertura do vegetal.

Daquela perspectiva, ela viu a entrada oval e uma baba espessa acumulada no fundo da planta. A mesma baba escorria das membranas que formavam o corpo da criatura. Ela já tinha visto nos documentários como os animais morriam com este tipo de planta carnívora: aquela baba os atraía, fazia-os ficarem presos, até que deslizassem para o fundo e aquele material, que na verdade era um suco gástrico, devorava lentamente as presas.

Não era esse o destino que Mabel gostaria de ter. Ela gritou o mais alto que pôde, como se isso fosse ajudar no meio de todo aquele mato. O único ali que poderia ajudá-la não dava sinais de que o faria.

As vinhas a soltaram. Primeiro a cintura. Depois os tornozelos e por último os punhos. Ela caiu com estrondo no fundo da planta, entrando em contato direto com o material viscoso que impregnava as membranas. Levantou apressadamente tirando o excesso de baba dos antebraços e mãos, limpando na roupa tudo que conseguiu. Ficou feliz por estar usando um sapato fechado e calça.

- Me deixa sair! Eu quero sair! - ela quis bater com força nas membranas, mas teria que encostar na baba transparente. Desistiu.

- O que eu faço? - pensou. - não tenho muito tempo.

Ela ficou aliviada por ver que a baba não era ácida, corroendo seu corpo de imediato. Mas a pele atingida com o líquido espesso estava começando a formigar e ficar quente.

- Pai, o que eu faço? Pai!

Nenhuma resposta. Ela sabia que Estéfano não responderia, que estava gastando forças chamando por nada. Ela olhou em volta. Não tinha muito espaço ali e era alto demais para tentar escalar, principalmente sem poder tocar na planta.

Tentou se concentrar para controlar outra vinha e sair dali da mesma forma que saiu do lago. Mas nenhuma delas apareceu. O líquido estava escorrendo com mais rapidez. A pequena poça de baba aos pés dela estava aumentando. Ela teria minutos, talvez segundos até que atingisse seu tornozelo já castigado. O tecido da calça não retardaria muito a baba e logo ela impregnaria o tecido e atingiria a pele.

Um cansaço se abateu sobre Mabel e ela olhou para o alto, fraca. O céu pouco aparecia dentre as grandes árvores densas da floresta das lágrimas. Ela pensou naquele nome. Lágrimas era o que estavam prestes a brotar de seus olhos.

Mas ela não queria que fosse assim. Se recusava a contribuir para que o nome da floresta fosse reforçado com o seu choro. A menina sentiu algo muito sutil tocar sua bochecha esquerda. Depois de novo e de novo. Surpreendeu-se ao ver que estava cercada de grãos luminosos e amarelos.

- Pólen! - ela gritou.

E não eram da imensa planta carnívora que a engolira: pertenciam a Mabel. A quantidade de pólen aumentou enquanto rodeava a menina e se espalhou por toda a membrana vegetal. A baba interrompeu seu trajeto escorregadio e parou de ser produzida.

A poça aos pés da garota tinha se misturado aos grãos e ressecado. A planta sentiu o ataque e enviou duas vinhas ainda maiores que as anteriores para dentro de si, na direção da garota. Mas o pólen, que não parava de se multiplicar, paralisou a investida da planta quando entrou em contato com as vinhas.

- Legal! - comemorou a menina.

Recuando com o ataque e lotada de grãos amarelo-luminosos dentro de si, a criatura não viu outra saída a não ser expelir Mabel de dentro dela. Do lado de fora, Estéfano viu a filha ser arremessada com força para fora da criatura.

Ele ergueu uma das mãos e repetiu o que a garota havia feito, minutos antes: tomou o controle de uma das vinhas da planta carnívora, utilizando-a para segurar a filha no ar. Com delicadeza a pôs no chão, em segurança. Quando a soltou, Estéfano caiu de joelhos, ofegante. Mabel correu ao seu encontro.

- Pai! Está tudo bem?

Ele fez um movimento com a palma de uma das mãos sinalizando que ela não deveria se preocupar.

- Acho que fiquei tenso demais vendo você encarar a morte e não poder fazer nada - disse, se justificando ao sorrir e levantar.

- Você poderia, se quisesse.

- Você não pode contar com ninguém em uma situação de perigo. Se não souber se virar por conta própria, como vai ser?

Embora ela estivesse exausta e um pouco irritada com o pai por não ajudá-la, no fundo sabia que esse era o melhor caminho. Estéfano estava certo. Se ela não contasse com si mesma, que fim levaria?

- Você manifestou uma técnica boa. A Pólen da Florescência.

A menina abriu um semblante de satisfação, embora não estivesse entendendo o que Estéfano falava. Depois de explicar brevemente sobre as técnicas particulares, ele continuou:

- É uma técnica de paralisia acessível a todos. Você neutralizou não apenas a ação da baba mortífera, mas também a produção dela pela planta. Foi realmente muito bom. Pelo mesmo motivo seu corpo não sofreu maiores danos.

- É, mas ainda sinto que as partes atingidas estão formigando. Menos, é verdade. E também não está mais quente.

- Isso vai nos dar tempo de chegar ao castelo e cuidar dos danos. Se você tivesse demorado um pouco mais, as camadas da sua pele começariam a ser destruídas.

- Animador, pai.

- Foi sim. Pelo menos para mim. Com um pouco mais de esforço você teria conseguido paralisar a planta por completo, a ponto dela nem conseguir te expelir.

- E como eu sairia?

Estéfano deu um risinho sarcástico, apontando para si.

- Só dessa forma eu iria intervir. Hora de voltar.

Mabel abriu um sorriso de alívio. Passou um dos braços em volta do ombro do pai, enquanto ele agachou para facilitar o gesto da filha.

Amparada por Estéfano, ambos foram andando com pressa na volta ao castelo de Sorin através do denso, frio e enevoado trajeto da floresta.




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