Oi, pessoal! O capítulo 12 é outro que ficou bem grande e aqui dividi em duas partes. A primeira, Pré-festa e a segunda, Durante a festa.
Ian estava tentando morder com dificuldade uma espiga de milho recém banhada na manteiga, enquanto Mabel aproveitava seu espetinho de frango. Ela o tinha convencido a usar uma camisa xadrez para entrar no clima da festa, da mesma forma que ela estava a caráter com sua fita de cetim em um laço na lateral da cabeça e pintinhas feitas no rosto usando lápis de olho, misturando com as sardas. Olhava animada para as pessoas e para as barraquinhas.
— Por que eles estão demorando tanto?
— A fila deve estar grande - respondeu Ian.
O Instituto Cultural Jonjune, colégio onde Ian, Higino, Norah, Rafaelo e agora Mabel estudavam, estava lotado de pessoas de todas as idades. Muitas famílias, casais adolescentes apaixonados, grupos de amigos, alguns vestidos a caráter, outros casuais, outros ainda arrumados demais, mas todos se divertindo com a festividade do meio de ano.
O pátio principal, imenso e cercado pelo prédio em formato de U estava tomado por pequenas estruturas de metal decoradas com madeira, plástico, papel e outros materiais artesanais. Era uma infinidade de barracas, cheias de luzes e cores.
Havia muitas comidas típicas daquele período e brincadeiras. Fazia um frio leve e um vento gelado mexia as bandeirinhas multicoloridas espalhadas de canto a canto, cobrindo o céu limpo e estrelado do mês de julho. Algumas delas estavam amarradas nas palmeiras altas que tinham ali.
Limão chegou esbarrando em Ian, esbaforido, com Tartaruga logo atrás. Todos deram uma risadinha.
— Olhem quantos tíquetes eu comprei para a gente! Depois vocês me pagam - disse ao levantar o braço e deixar cair uma fileira de pequenos papéis rosas anexados uns aos outros por uma área destacável.
— Eu já estou comendo - disse Ian, com a boca cheia.
— Eu também - disse Mabel. - mas aceito mais alguns.
— Vamos comprar um refrigerante. Com esse frio devem estar super gelados! - disse Tartaruga animado, mexendo um pouco os ombros para ajeitar as alças da mochila.
Mabel começou a rir.
— Eu ainda não acredito que você veio de mochila!
— Nunca se sabe o que podemos precisar. Aqui tenho guarda chuva, um casaco, meu caderno de anotações...
Ian riu também:
— Para quê você vai usar o seu caderno de anotações em uma festa?
Mas Tartaruga não respondeu, fazendo uma careta debochada.
— Vocês sabiam que pela primeira vez liberaram uma barraca do beijo aqui? - Limão cortou o assunto, mostrando os tíquetes ao balançá-los.
— E nós estamos indo para lá agora! - disse Tartaruga. - a renda vai ser revertida para a caridade.
— Caridade para vocês, né? - Ian debochou. - só assim para vocês beijarem uma garota.
Mabel riu, dando outra mordida em um pedaço de frango.
— Pode rir à vontade porque nós vamos aproveitar. Mesmo que seja só um selinho rápido. E você não pode falar nada, Ian. Nunca teve uma namorada!
Ian corou, pegando a grande tira de tíquetes que fora dividida ao meio por Limão. O amigo, sem demora, sumiu no meio da multidão com Tartaruga.
— Eles são demais - disse Mabel.
Ian tentou dar outra mordida na espiga, mas elas escorregou com violência e caiu no chão, batendo de leve no pé de uma menina. Ele olhou para Mabel com cara de quem aprontou alguma coisa sem querer e quando ela viu de quem era o pé, desfez a cara de travessura. Norah estava sacudindo o calcanhar com graça, fazendo sua careta de nojo característica. Ela olhou com desprezo para Mabel e Ian, surpresa por vê-los:
— Tinha que ser você, né?
— Não fui eu, loira aguada. E mesmo assim, mal encostou no seu pé. Deixa de ser fresca.
Norah riu de desdém:
— Querida, você vai ter que nascer de novo para comprar uma sandália como essa.
— Coitada, se acha entendida de moda.
— Mais do que você. Aliás, esse seu look caipira está lindo. Vai arrumar um namorado do mesmo nível, tenho certeza.
— Escuta, garota, vai dar uma voltinha. Está vendo aquela fogueira ali? - Mabel apontou para uma enorme estrutura de madeira em chamas, no alto de um palanque, cercada por um cordão de isolamento generoso no centro do pátio. – por que você não se joga nela junto com a sua arrogância?
— Meu amor, já sou quente o bastante. Você é que está precisando dar uma esquentada nessa cara sonsa.
O tom de voz das duas estava aumentando. Para evitar que a discussão piorasse, Ian segurou o braço de Mabel, puxando-a para trás. Alguém fez o mesmo com Norah. Higino acabara de chegar, com alguns tíquetes na mão:
— Vocês duas não cansam? – ele perguntou.
— Concordo com você - Ian reforçou.
— Não falei com você - rebateu o gêmeo.
Ian não esperava tomar um fora do amigo, mas se animou ao vê-lo na festa. Não achou que Higino sairia de casa depois de ter congelado a mesa na Casa da Costa.
— Você não precisa imitar a sua irmã em ser arrogante. Que bom que está bem, desde a Casa da...
— Estou ótimo - cortou o amigo. - vamos, Norah. Eles abriram caminho entre Ian e Mabel, mas foram interrompidos por duas meninas que apareceram saltitantes, vestidas a caráter. Jéssica e Angelina estavam de braços dados, empolgadas e rindo muito. Ao vê-las, Norah não disfarçou a surpresa, mas disfarçou a irritação ao vê-las juntas com o traje típico todo colorido e os rostos pintados como o de Mabel.
— Ele é tudo que restou como companhia, Norah? - perguntou a ruiva, se referindo ao irmão gêmeo.
Angelina analisava o menino da cabeça aos pés.
— Lamento por você, queridinha - disse.
Ian e Mabel se entreolharam. Norah não se intimidou:
— Estou descobrindo que ele pode ser uma companhia melhor do que vocês duas.
— Que bom, porque aqui você não tem mais espaço. Sabe como é, a gente não quer se meter em encrenca – rebateu a ruiva.
Jéssica mexia em sua trança única que caía pelo ombro. Angelina ajeitava o babado da saia enquanto mantinha um sorriso de canto de boca.
— Acho que agora você já pode fazer amizade com a Zureta e o namoradinho dela. Eles estão aqui também. Até aquela criança chata está junto com eles. Ai, como essa gente me dá preguiça. Nunca vão ser como nós - disse Angelina.
— Agora você também virou amiga do gordão, Norah? - perguntou Jéssica ao indicar Ian com a cabeça.
Ele deu um passo adiante. Não estava com paciência para uma Norah versão ruiva e outra versão negra.
— Por que você não vai aproveitar a festa, Jéssica? Se deu ao trabalho de colocar essa roupa para ficar aqui perdendo tempo com a gente?
— Eu não perderia essa oportunidade de pisar em vocês, bando de esquisitos. Posso gastar uns cinco minutos fazendo isso.
— Deveria gastar mais tempo cuidando desse cabelo ressecado - Mabel interrompeu.
— E você é...
— Mabel. Em breve vamos nos esbarrar muito por aí - disse a menina com sarcasmo e mexendo de leve o ombro.
— Que seja. Mais uma para o grupo dos esquisitos.
— Até que você não se veste mal - disse Angelina.
No mesmo instante Jéssica lançou um olhar reprovador para a amiga, que entendeu e se calou.
— Te ensino uns truques. Como é mesmo o seu nome? – perguntou Mabel.
— Ange...
— Vamos, Angelina - Jéssica cortou, feroz. - Norah, queridinha, cuidado com algumas barraquinhas. Muitas delas têm bichos de pelúcia como brindes. Vai que um deles te acerta de novo...
Sem dar tempo de reposta para Norah, Jéssica saiu a passos pesados, lançando um último olhar de desprezo para a loira e para Mabel. Angelina a seguiu como uma sombra.
— Eu lançaria uma semente do arbítrio nela - disse Mabel. - e nem ficaria chorando depois.
Ian e Higino deram uma risadinha. Norah não conseguiu segurar e riu também.
Um menino bem arrumado se aproximou dos quatro adolescentes calmamente, depois de acenar para duas meninas que estavam aos risos querendo chamar sua atenção.
— Aproveitando a festa, descendentes?
Eles viram Rafaelo chegar, esbanjando confiança e deboche. Seu perfume reforçava seu porte.
— Vamos, Norah - disse Higino.
— Vamos - respondeu a irmã. - mas antes de ir, me digam: vocês receberam o aviso sobre nos reunirmos amanhã na Casa da Costa? A gente conversou com meu pai e ele disse que é preciso.
— Não estou sabendo de nada - disse Ian.
— Eu também não, mas meu pai me disse para fazer o mesmo - disse Mabel.
— Sim - respondeu Rafaelo.
Ian e Mabel olharam para ele, espantados. Norah notou:
— Eu liguei para ele. Meu irmão deveria ter ligado para você, Ian, e deveria ter pedido para você avisar Mabel.
— Não tenho o número de vocês, só do Ian - disse a sardenta.
— Acho que é uma boa hora para anotarmos, não? — respondeu Ian.
Mesmo contrariado, Higino aceitou. E ali, no meio da multidão, os cinco estavam trocando seus contatos sem dar conta de quanto isso os unia um pouco mais. Enquanto digitavam e conversavam, Ian viu Miguel passar com alguns amigos, brincando entre si, perto da enorme fogueira. Norah viu Marieta se divertindo com Benício e Gabriel. Eles passaram bem próximos dela, mas nenhum dos três notou sua presença.
Rafaelo viu que Manolo e Cássio estavam sentados em um banco, rodeados de alguns meninos e meninas, algumas delas um pouco histéricas. Os dois amigos olhavam para ele e os outros quatro.
Rafaelo sentiu algo que não conseguiu definir. O olhar dos dois era diferente de antes. Não era deboche ou brincadeira. Eram olhares de ódio. De inconformidade. Ele tentou enganar a si próprio, mas sabia no fundo que aquele sentimento que o estava cutucando era o medo. Ele apenas não sabia o porquê.
A festa julina avançava enquanto todos se divertiam. Algumas crianças corriam sacudindo os brindes que ganharam nas brincadeiras. Rafaelo preferiu ficar com Ian e Mabel, causando a estranheza de Cássio e Manolo que às vezes passavam por eles. Até mesmo Limão e Tartaruga não entenderam aquela situação e não quiseram ficar muito tempo com o trio, passando boa parte da festa sozinhos.
Higino e Norah também optaram por ficar sem a companhia dos três durante a festa. Ian estava feliz de ver os irmãos mais unidos e ao mesmo tempo a tristeza martelava em seu peito pela frieza com que o amigo o tratava. Uma voz ecoou por toda a escola anunciando a hora da quadrilha. Muitas pessoas começaram a se dirigir para a área atrás do grande prédio, onde ficavam as quadras de esporte.
— E então, vamos dançar? - perguntou Mabel, animada.
— Não acho uma boa ideia, Mabel - recusou Ian.
— Eu topo! - disse Rafaelo.
Ian tentou disfarçar a cara de incômodo com a possível dupla caipira recém-formada. Os três seguiram a multidão rumo à quadra coberta, onde aconteceria a dança. Enquanto tentava andar entre o amontoado de pessoas, Ian viu no corredor do terceiro andar duas pessoas olhando para ele.
Estava muito escuro e não dava para notar com facilidade qualquer pessoa naquele lugar. Ele achou estranho, já que o espaço demarcado para a festa envolvia apenas o pátio e a quadra coberta. As escadas que levavam aos corredores estavam em sua maioria bloqueadas por barracas. Vendo que Ian estava ficando para trás, Mabel recuou, seguida de Rafaelo.
— O que foi, Ian?
— Olha lá em cima. Está vendo?
Mabel apertou os olhos.
— Lá no terceiro andar – se meteu Rafaelo, localizando as silhuetas sem dificuldade.
— Está um pouco escuro, mas estou vendo sim - ela disse.
— É a Julliette – Ian respondeu, assustado com o tom de voz calmo, principalmente por estar diante de alguém que andava revirando seus pensamentos nos últimos dias.
— O quê? A velha, nossa vizinha? Aquela da caverna? – Mabel perguntou surpresa.
— A própria. Mas não consigo ver bem a outra pessoa.
— Também não - disse Rafaelo. - mas pela jaqueta jeans parece ser homem.
— Será que é a sombra que apareceu atrás de você na caverna? - perguntou Mabel.
— Tudo é possível agora. Temos que ir até lá.
— Não dá - disse Rafaelo. - tem barracas em todos os acessos.
— Não deve ter em todos. Tem um mais afastado da festa que não deve ter nem gente por perto. Vamos lá!
Ian começou a andar apressado, esbarrando em algumas pessoas e derrubando um copo de bebida de uma menina. Mabel e Rafaelo foram logo atrás.