Nilue (Degustação)

By escrevethais

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UM
DOIS
QUATRO
CINCO
Sobre continuações, Amazon e livro físico

TRÊS

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By escrevethais

Às vezes a verdade pode ser tão enganadora quanto uma mentira. Lembre-se disto, sempre. E tenha certeza de que não está presa na teia de um enganador.

Acordei com o gosto de cinzas na boca, de novo. Minha mão estava latejando e todo o meu corpo doía. E já havia passado de meio dia, se a luz forte no meu quarto servia de indicação. Com um grunhido de dor, rolei na cama, parando quando quase caí. Já estava machucada o suficiente, não precisava acrescentar mais nada. Algo brilhou do outro lado da cama, e nem me surpreendi quando vi a adaga. Um pedaço de pano sujo ainda cobria o cabo, mas não escondia muito na luz do dia. Eu precisaria arrumar uma forma de cobrir aquelas pedras preciosas. Por algum motivo nem passou pela minha cabeça pedir para as sombras esconderem a adaga de novo.

Me levantei, usando alguns exercícios que Lisara tinha me ensinado para tentar relaxar meus músculos tensos. Todo o meu corpo gritava em protesto, mas não podia só me deitar e esperar até estar recuperada. E tinha passado por bem pior que aquilo quando era mais jovem.

Minhas roupas estavam arruinadas, e eu as joguei para um canto, mal percebendo quando as sombras as engoliram. Lentamente, examinei meu corpo. Várias manchas escuras e amareladas estavam espalhadas pela minha barriga e pelas minhas pernas e podia sentir alguns arranhões profundos nas minhas costas. Asselya provavelmente os limpara depois que eu tinha adormecido, já que eles não ardiam tanto quanto deveriam.

E aquilo trouxe de volta as memórias da noite insana. As sombras tinham levado todos para a casa principal da gangue de Luka, onde Asselya já estava esperando, junto com mais algumas pessoas que eram boas o bastante para ajudá-la. De acordo com ela, as sombras haviam desaparecido do Nilue por algum tempo, atravessando a muralha, e ela aproveitara o tempo para chamar todos os que poderiam ajudar. Para nossa sorte, ninguém tinha nenhum osso quebrado, já que mercadoria quebrada não conseguia um preço tão alto, mas todos estavam feridos. Quase quarenta de nós, a maioria passando mal por causa da viagem pelas sombras, e Asselya tinha precisado se virar para cuidar de todos.

Peguei outra calça de couro, essa um pouco justa demais, e uma túnica verde clara com mangas longas. Algo que qualquer um no Nilue usaria, e que escondia quase todos os meus ferimentos. Tinha acabado de me vestir quando Asselya abriu a porta, lançando um olhar para dentro do quarto.

- Finalmente. Seu amigo bruxo acabou de acordar, também. - ela falou, e precisei de um segundo para entender o que queria dizer.

- Selir está aqui?

Ela assentiu.

- Não se lembra? Ele estava exausto demais para ir para casa. Você trouxe ele para cá.

Fechei os olhos, tentando me lembrar. Estávamos os dois exaustos, mas a casa da gangue estava cheia demais e ninguém podia sair durante a noite. Eu tinha pedido Asselya para nos guiar depois que Selir desenhara o símbolo de proteção na sua mão, e pedi para que as sombras os ignorassem.

- Vamos precisar de vocês dois. - ela completou, saindo do meu quarto.

***

- O Rei sempre respeitou o Nilue, e deixou que a cidade das sombras crescesse ao redor das nossas muralhas. Mas Delarna foi atacada noite passada. Vinte e sete membros da Guarda Real foram mortos em serviço, enquanto prendiam um grupo de ladrões. Isto é apenas um aviso. Lembrem-se disto da próxima vez que alguém decidir usar as sombras como uma arma. O Rei não vai tolerar assassinato dentro das muralhas de Delarna.

As palavras do arauto se espalharam, perfeitamente audíveis mesmo à distância. Algum tipo de feitiço, provavelmente. Estávamos no alto da muralha, de novo, mas desta vez mais perto do portão leste. A convocação do Rei tinha chegado cedo e as pessoas a haviam espalhado como o veneno que era.

As pessoas do Nilue devem vir testemunhar o que acontece com aqueles que matam homens do Rei.

Era um dia quente, bonito, mas ninguém ao meu redor parecia perceber isto. Todos sabíamos o que aquilo significava. Era a resposta do Rei para o que eu tinha feito na noite passada. Havia resgatado duas gangues, mas uma ficara para trás. Agora eles pagariam.

Uma grande fogueira tinha sido construída durante a manhã, e seis postes igualmente espaçados estavam no meio dela. Lentamente, a Guarda Real levou os membros da última gangue através da praça e os amarrou, dois em cada poste. Apenas as pessoas do Nilue assistiam, os poucos que moravam naquela região de Delarna tinham se trancado dentro das casas.

Eu deveria ter tentado achar outro jeito de libertar o pessoal. Senhora da Noite, não deveria ter pedido para as sombras matarem os guardas. Não deveria ter roubado os escudos e a adaga. Mas ninguém podia voltar no tempo, então o mínimo que eu podia fazer era assistir.

- Não havia outro jeito. - Selir murmurou, ao meu lado.

- Deveríamos ter feito outro jeito. - respondi, me forçando a continuar observando enquanto os guardas conferiam as amarras.

- Não havia como. - ele repetiu, segurando minha mão e esperando até que me virasse para encará-lo. - Eu os encontrei. Estavam acorrentados, sendo levados para as casernas. Poderia ter colocado os guardas para dormir e os libertado.

- Por que não fez isso? - perguntei suavemente, encontrando seus olhos.

- Porque não teria forças para manter as ilusões perto da muralha, nem para proteger qualquer um que você resgatasse. E então senti as sombras se erguendo, mais profundas, se apressando na direção de alguma coisa. Eu os deixei, pensando que poderíamos voltar hoje à noite e os libertar.

Engoli em seco, sem saber o que dizer. Seu olhar prendeu o meu, e forcei as palavras a passarem pela minha garganta.

- Kihamari estava certa. Eu não devia ter roubado do Rei. - Eu não devia ter roubado os escudos. - Isto começou porque eu não pensei no que estava fazendo.

- Talvez. Mas a mesma coisa que fez o Rei construir uma fogueira te transformou em uma heroína no Nilue. - ele ergueu uma sobrancelha antes de soltar minha mão.

- Não sou nenhuma heroína.

E ele não teve tempo de falar mais nada, porque a fogueira foi acesa.

Nos viramos para assistir. Ninguém do Nilue desviou o olhar quando os gritos começaram... Ou quando eles pararam.

***

- Kihamari está esperando vocês dois.

Me virei ao ouvir a voz rouca e encarei o rosto destruído de Khavi. Ela tinha sido uma bruxa poderosa até dois anos atrás, quando perdeu o controle do seu poder e ele devastou seu corpo e quase a matou. Agora ela servia a qualquer bruxa ou bruxo que requisitasse seus serviços, mesmo que não pudesse fazer mais que alguns feitiços simples na maioria das vezes.

- Tamisa? - Cor chamou, seus olhos indo para a bruxa, preocupados.

- Você e Asselya podem ir na frente. - balancei a cabeça para garantir que ele entenderia que não valia a pena comprar uma briga com Khavi e Kihamari agora. - Vocês dois têm trabalho esperando.

Eles assentiram e se afastaram seguindo o fluxo da multidão que se afastava da muralha. Não era exatamente verdade, Asselya tinha trabalho, e Cor não sabia o suficiente sobre cura para ajudá-la. Mas ele poderia ajudar a evitar que o pânico se espalhasse.

- Me sigam, por favor. - Khavi falou assim que eles desapareceram.

Ela nos levou através das ruas, a multidão se afastando para deixá-la passar. Precisei de alguns segundos para perceber que estávamos voltando para a margem do rio, e então tinha uma boa ideia de para onde ela estava nos levando. Havia um lugar que as bruxas costumavam usar para se reunir, uma área vazia perto do rio, não muito longe da casa de Kihamari. Eu normalmente preferia ficar nas partes do Nilue mais próximas de Delarna, onde as sombras eram mais profundas, mas mesmo assim sabia que as pessoas que moravam por ali evitavam o círculo das bruxas.

Kihamari estava lá, obviamente, mas ela não estava sozinha. Contei oito, nove pessoas sentadas em um círculo, sete mulheres e dois homens, todos eles parecendo perfeitamente relaxados. Khavi parou alguns passos antes do círculo e Selir fez o mesmo depois de gesticular para que eu continuasse. A linha dos aprendizes, uma parte de mim entendeu.

As nove pessoas se levantaram ao mesmo tempo, e tentei ignorar o calafrio que me atravessou. Poder demais. Parei um passo antes do círculo, ao lado de Kihamari, e a bruxa pegou minha mão, fazendo com que eu a seguisse até estar no meio do círculo.

Não tive tempo para reagir quando Kihamari soltou minha mão e se moveu, me dando um tapa forte no rosto. Pega de surpresa, quase caí. Senti o gosto de sangue na minha boca e precisei me forçar a ficar onde estava. Não sabia o que estava acontecendo, mas sabia que se revidasse estaria provocando todos os bruxos ali a me atacarem.

- Sua virn estúpida! - a bruxa começou, a ameaça clara em sua voz enquanto ela andava ao meu redor. - O que pensou que aconteceria? Quer tanto morrer que mataria todos nós, também?

Aquilo era sobre eu usar as sombras para matar os guardas, então. Respirei fundo, tentando me manter calma, mesmo que pudesse sentir o poder se reunindo ao nosso redor. Não antagonizar os bruxos. Este era meu único pensamento, não precisava de mais problemas. Mas não podia ficar calada.

- Preferia que eu tivesse deixado eles lá para serem levados para as arenas ou vendidos no mercado?

Kihamari recuou, e outra bruxa tomou seu lugar. Não sabia seu nome, mas ela tinha a mesma pele acinzentada e feições largas demais que me diziam que ela não era totalmente humana. E seu poder era uma nuvem furiosa ao seu redor, fios que pareciam absorver a luz.

- Se você tivesse deixado eles onde estavam poderíamos resgatá-los depois, fosse das arenas ou dos currais de escravos. - ela sibilou.

Tudo ao meu redor pareceu congelar por um segundo enquanto entendia suas palavras. Resgatar? De repente eu não estava mais preocupada com o poder que o círculo estava reunindo, nem com o que a bruxa poderia fazer comigo. Me lembrava bem demais dos currais de escravos, de ter esperança de quem alguém, qualquer um, nos ajudaria, e aos poucos perceber que ninguém viria.

- Vocês nunca resgatam ninguém. Vocês nunca ajudam ninguém além de si mesmos. Vocês se sentam e falam do seu poder, mas nenhum de vocês nunca faz nada. O mercado de escravos é logo ali. E está no mesmo lugar faz mais de um século! Nenhuma das famosas bruxas do Nilue jamais se dignou a resgatar alguém. Por que isso mudaria agora?

O poder me agarrou por trás, linhas de fogo queimando meus braços enquanto uma das bruxas me segurava no lugar. Eu não conseguia respirar, não conseguia falar, mas não me importava mais. Estava tão entorpecida quanto quando as sombras me tocaram pela primeira vez, uma escrava fugitiva que quase morrera no rio.

- Solte-a. - Kihamari falou, parando diante de mim mais uma vez. Seus olhos estavam completamente negros, e ela parecia estar me medindo, de alguma forma.

Quem quer que estivesse me segurando obedeceu e eu respirei fundo, mordendo a parte de dentro da minha bochecha para conter o grito de quando senti a dor das queimaduras.

- Então você decidiu que queria se tornar uma heroína. Ser a caminhante das sombras não é o suficiente? Você ainda quer mais poder? - as palavras de Kihamari eram afiadas, me cortando.

Mas eu me conhecia bem demais para ser presa do seu feitiço.

- Eu nunca quis nenhum poder. Eu queria morrer, mas virei a caminhante das sombras. E se você é covarde demais para fazer qualquer coisa com seu poder, eu não sou. Eu não queria que morressem. - gesticulei na direção da muralha, longe de nós. - Mas não me arrependo de ter salvo quem eu podia e de ter matado parte da Guarda Real.

Sustentei o olhar de Kihamari, sentindo as sombras se aproximando e entrando no círculo. Dois fios de escuridão se levantaram do chão e se enrolaram sobre as queimaduras nos meus braços, apagando um pouco da dor. Lentamente, a bruxa recuou. Saí do círculo sem olhar para trás.

***

Não me dei ao trabalho de ir para o meu quarto quando cheguei em casa. Fechando a porta atrás de mim, me deixei escorregar para o chão e abracei meus joelhos erguidos. Era minha culpa. Impulsiva, estúpida, descuidada, imprudente. Kihamari não estava errada. Pela capa de Aven, eu não tinha nem pensado nas possíveis consequências de roubar aqueles escudos. Tinha simplesmente achado uma boa ideia roubá-los, confiando que o Rei não faria nada que pudesse fazer as pessoas acreditarem que o mundo havia sido diferente, um dia. E não tinha pensado em nada na noite passada, quando vi os membros das gangues presos naquela casa. Havia seguido as sombras cegamente, mesmo que aquilo pudesse ter significado voltar para os currais de escravos.

Eu não era tão idiota. Eu não deveria ser tão estúpida, não depois dos meus anos como escrava e do tempo no Nilue. Mas de alguma forma eu tinha cometido aqueles erros, tinha me esquecido de toda cautela, e para quê? Eu não sabia.

Uma batida na porta me arrastou para fora dos meus pensamentos e me levantei para abri-la. Os olhos de Selir encontraram os meus, e desviei o olhar, me encolhendo quando percebi as pessoas na rua me encarando. Eu o arrastei para dentro e fechei a porta, deixando um suspiro escapar. Tinha imaginado que as pessoas me culpariam pela morte da gangue, mas não tinha esperado aqueles olhares.

- O que foi? - perguntei, ainda me sentindo crua depois daquele encontro com as bruxas. - Kihamari está me chamando de novo? Não vou.

Ele balançou a cabeça, seu olhar firme no meu.

- Não sou mais o aprendiz de Kihamari. Vim oferecer minha ajuda, se precisar.

Pisquei, pega de surpresa. As pessoas lutavam para serem aceitas como aprendizes e ele tinha desistido daquilo?

- Sou forte o suficiente para ser chamado de renegado. - ele acrescentou. - Mas não acho que você vai se assustar com isso.

Assenti antes das suas palavras fazerem sentido e então o encarei, minha surpresa óbvia. Renegados eram os pretensos bruxos ou magos que não duravam o período de aprendizado e eram expulsos pelos outros usuários de magia. E a maior parte das pessoas do Nilue os evitava, também, pois eram um grupo perigoso, alguns deles poderosos o suficiente para serem uma ameaça e que não tinham nada a perder.

- Por quê? - perguntei, indo para o nosso sofá improvisado e me sentando.

Ele não me seguiu, e pude ver a tensão no seu corpo, como se estivesse se preparando para um golpe antes mesmo de falar.

- Minha mãe era uma feiticeira das planícies do sul. Nunca conheci meu pai, mas ela contou que ele era um dos nascidos-bruxos, assim como Kihamari e Khavi. Algumas tribos ainda vivem nas planícies, ou pelo menos viviam quando vim para Delarna. Mas o povo da minha mãe foi massacrado pelo exército deste Rei.

Ele hesitou, seus olhos encontrando os meus, e por um segundo vi os soldados se aproximando da vila onde havia crescido. Eu entendia exatamente o que ele queria dizer.

- Os feiticeiros lutaram enquanto podiam, mas sua magia não era forte o bastante contra o exército. Alguns dos mais jovens escaparam, menos de dez de nós, e as outras tribos nos aceitaram. Eu já estava com eles há quase cinco anos quando ouvi falar sobre o Nilue pela primeira vez. Um lugar de poder antigo, tão forte e mortal que até mesmo os deuses o evitavam. Um lugar que nem mesmo o Rei ousava atacar, mesmo que estivesse ao lado dos muros da sua cidade. Decidi que viria para cá, então, porque em um lugar de tanto poder com certeza alguém estaria disposto a fazer alguma coisa. Já conhecia a maior parte da magia das tribos, e sabia que seria fácil ser aceito como um aprendiz.

Selir parou e eu olhei para baixo, entendendo.

- Mas ninguém estava disposto a agir. - terminei por ele.

- Sim.

Respirei fundo, desejando não entender exatamente o que ele queria dizer. Eu tinha quatorze anos quando o terremoto destruiu o mercado de escravos e mesmo assim já tinha ouvido as histórias sobre o Nilue contadas aos sussurros. O poder das sombras e como os escravos tinham medo de atravessar o rio. O veneno mortal que consumia as pessoas lentamente, deixando apenas pele e ossos para serem encontrados. Nos piores momentos, quando eu ainda tinha esperança, sonhara que alguém daquela terra de sombras fosse nos resgatar.

E tinha me tornado exatamente como as bruxas. Assustada demais para fazer alguma coisa, com medo demais das consequências. Mas eu precisava ter medo. Provocar o Rei significava que pessoas morreriam, como aquela manhã tinha me lembrado.

- Doze pessoas morreram porque resgatei duas das gangues. O que você acha que vai acontecer se eu fizer alguma coisa sobre o mercado de escravos? - perguntei, minha voz soando vazia.

- Não sei. Mas você é a única pessoa que já foi capaz de controlar as sombras. Se existe alguém que pode fazer alguma coisa, é você. Não estou pedindo nada, só que pense a respeito. E se precisar de ajuda sabe que pode me procurar.

Assenti, ainda olhando para baixo. O ruído suave da porta se fechando atrás dele fez com que eu levantasse a cabeça. Selir não estava falando apenas de fazer alguma coisa sobre o mercado de escravos. Ele estava falando de uma ação contra o Rei.

E não era isto que eu pensara ter feito quando roubei os escudos, mesmo que fosse apenas algo simbólico?

***

Há poder em uma crença, talvez até mesmo mais poder que em um fato.

Eu conhecia algumas das histórias que contavam sobre mim. A mãe de Cor as reunia e contava alguma toda noite para nos fazer rir. Era sua forma de mostrar que se importava, terminar todo dia com um sorriso ao invés de medo e histórias de sangue.

E aquelas histórias eram loucas. Quando se tornou conhecido que as sombras me obedeciam as pessoas começaram a imaginar motivos. Diziam que eu era uma princesa exilada de alguma terra distante, ou que era de uma das raças não-humanas que quase haviam desaparecido. A herdeira de um trono que não existia mais, que queria vingança contra o Rei que conquistara o continente. Uma bruxa ou feiticeira poderosa, alguém que logo seria capaz de dobrar o mundo de acordo com sua vontade.

Mas eles estavam errados. Eu não era nada do tipo. Era só uma garota das vilas do norte cuja família tinha sido capturada e levada para o mercado de escravos. Eu mal me lembrava do tempo antes dos currais de escravos, quando não era a garota exótica com cabelos vermelhos que lhes rendia mais dinheiro por hora do que qualquer outra das mulheres que não tinham sido vendidas.

Minha mãe morreu quando eu tinha dez anos, tentando me proteger quando os feitores decidiram que eu já tinha idade o suficiente para começar a servir os homens. Aquele foi o momento em que aprendi que não havia nada que pudesse fazer para mudar o mundo ao meu redor. Eu era só uma garota, sozinha. Se os escravos se juntassem, poderiam ter vencido os feitores. Se as mulheres nos currais de escravos tivessem feito qualquer coisa naquela noite, minha mãe talvez estivesse viva. Mas ninguém fez nada, e a escrava que lutou morreu. Esta foi minha lição.

Ainda assim, as pessoas olhavam para mim como se fosse algo mais, algo diferente da escrava que escapara. Eles pensavam que as sombras sentiam algo especial em mim e que era por isto que obedeciam. Mas a verdade era que elas tinham visto o vazio quando me tocaram. Alguém que não tinha nem mesmo vida o suficiente para ser consumida. E então elas me abraçaram.

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