Os Descendentes e a Ferida da...

By brunohaulfermet

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A Ferida da Terra precisa ser contida. O tempo corre. A situação piora. Mas o que ela é, Ian não sabe. Ele nã... More

Periodicidade das postagens
Amazon e Skoob
Dedicatória
Prólogo
Capítulo 1 - Você Não Devia Estar Aqui, Menino
Capítulo 2 - A Casa da Costa
Capítulo 3 - Corpo Gelado
Capítulo 5 - As Pequenas Luzes
Material de divulgação do livro - Imagens (I)
Capítulo 6 - A Fuga dos Irmãos
Capítulo 7 - Trio Encrencado
Capítulo 8 - A Excursão
Capítulo 9 - A Reunião dos Improváveis
Capítulo 10 - A Planta no Meio do Vale (I)
Capítulo 10 - A Planta no Meio do Vale (II)
Material de divulgação do livro (II)
Capítulo 11 - Descendentes
Material de divulgação do livro (III)
Capítulo 12 - Festa Julina às Avessas (Parte I)
Capítulo 12 - Festa Julina às Avessas (Parte II)
Capítulo 13 - O Castelo de Sorin
Capítulo 14 - Outros Descendentes
Capítulo 15 - A Adaga Infinita
Capítulo 16 - A Ferida da Terra
Capítulo 17 - Os Quatro Dirigentes
Capítulo 18 - Corrente Cósmica Universal (I)
Capítulo 18 - Corrente Cósmica Universal (II)
Capítulo 19 - A Zona Escura
Capítulo 20 - A Floresta das Lágrimas
Capítulo 21 - Um Contra Cem
Capítulo 22 - O Maior Medo de Norah
Capítulo 23 - A Espada Celestial
Capítulo 24 - A Suspeita
Capítulo 25 - Pelúcias
Capítulo 26 - Luz e Água
Capítulo 27 - A Calmaria Antes da Tempestade
Marcadores de "A Ferida da Terra" - Brinde por tempo limitado
Capítulo 28 - O Rompimento
Capítulo 29 - O Rabisco
Capítulo 30 - A Véspera
Curiosidades sobre A Ferida da Terra
Capítulo 31 - A Partida
Capítulo 32 - Em Família
Capítulo 33 - Ele
Capítulo 34 - Sombra Contra Luz
Capítulo 35 - O Fim e o Começo
Capítulo 36 - A Volta (FINAL)
A Ferida da Terra e os leitores: o que vem depois.
BÔNUS - A Saga da Descendência {Livro Dois}
Estudos Ilustrados para Capa Definitiva
[VOTE] Imagem final de um dos cinco.
Color Script
Ilustração e Capa Definitiva - Livro Um
Curiosidades [Parte 2]
Primeiro Encontro Oficial do Wattpad
Livro Dois - Nome e Sinopse
Encontrão do Wattpad - Bienal do RJ 2017
Prêmio Deusa Lendari / Finalista

Capítulo 4 - Meninas Más Morrem Primeiro

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By brunohaulfermet


Não era incomum ver Norah reclamar. E naquele momento o alvo da irritação era o clima, que estava demasiado abafado, mesmo para o rotineiro inverno quente do Rio de Janeiro. Ela caminhava pela calçada ao lado de suas únicas e suficientes amigas, Jéssica e Angelina, que igualmente amaldiçoavam o calor enquanto abanavam as mãos sobre si mesmas.

— Ligaram o maçarico hoje? Não tem como ficar de bom humor assim – Norah revirou os olhos.

— Nem me fala! Estou irritadíssima em usar esse uniforme – reforçou Jéssica.

As três usavam o traje da escola, uma calça jeans e uma camisa branca com o símbolo do colégio. A peça que cobria as pernas do trio era mais justa no corpo, de forma que a silhueta fosse modelada sem exageros. A camisa seguia o mesmo raciocínio, não exibindo qualquer parte larga.

Norah mexia com impaciência no laço com presilha que estava na cabeça, tentando afastar os fios loiros e brilhantes que insistiam em grudar no rosto.

— Estou morrendo de fome – disse Angelina, ao olhar o relógio-pulseira preto.

— Pelo menos naquela droga de galeria tem ar-condicionado e algumas opções de comida. Não quero comer o de sempre hoje – retrucou Norah.

— Não vejo a hora de chegar – disse Jéssica, prendendo o cabelo ruivo, liso e comprido em um rabo-de-cavalo.

— Ultimamente as coisas lá em casa estão insuportáveis. Ainda prefiro comer na rua do que em casa, mesmo com esse calor nojento – resmungou a loira. – as coisas lá estão cada vez piores. Estou sem paciência.

— A cretina da sua madrasta já mudou para lá? – perguntou Angelina.

— Nem sonhando! A Emília só vai morar lá depois que casar.

— Não engulo aquela sonsa – disse Angelina.

— Ninguém gosta dela. Só o meu pai.

— Ah, ela até que tem uma personalidade interessante – zombou Jéssica.

— Você é ridícula – Angelina riu. A ruiva também.

— Aquela vadia solteirona é má – disse Norah.

— Solteirona ela já não é faz tempo, fofinha – disse Angelina ao girar o dedo indicador no ar, apontando para Norah.

— E ainda vai infernizar a sua vida quando chegar – a ruiva reforçou.

— Meu pai é um trouxa, isso sim.

— Trouxa é o esquisito do seu irmão. Aquele infeliz deve ser adotado. Não é possível. Aliás, você e ele vão rodar em breve. Contagem regressiva para a chegada da madrasta cheia de estilo! – a voz carregada com o deboche de Angelina violentou os ouvidos de Norah.

— Estilo? Aquela mulher é uma brega. Se veste como um trapo. Exagerada, histérica. Ai, como me irrita! Acorda, Angelina, estilo quem tem somos nós. Ninguém do primeiro ano se mete com a gente. Todas querem estar em nosso lugar.

— Ah, é verdade – disse Jéssica fechando os olhos e inclinando a cabeça para o céu azul e quase sem nuvens. – todas-querem-ser-como-a-gente.

— Querem, mas não vão ser, meu bem – Angelina ajeitava a flor de pano branca que começava a cair do cabelo.

— Não posso fazer nada se esse pessoal não tem o mesmo berço que eu. Imagina se eu vou me misturar com os retardados das outras turmas. Nem meu irmão, que tem meu sangue, é bom o bastante para estar perto de mim. De nós – o tom frio da voz de Norah poderia impactar alguém que ouvisse de fora, mas era banal para as duas amigas.

— Nooossa, como você é metida! Que nojentinha! – zombou Jéssica, dando uma gargalhada em apoio. Norah deu um riso sarcástico de confirmação.

— Fazer o quê, meu amor. Olha para a gente! Não temos nada a ver com esse pessoal sem graça, nem com essa escola. Somos tão melhores. Está na cara!

Entre risadas debochadas e um sarcasmo quase cruel, as três caminharam mais alguns minutos até atingirem a entrada da galeria. O sensor da porta dupla reconheceu o movimento e os vidros se abriram, um para cada lado.

Imediatamente Norah sentiu um tranco e em seguida seu corpo foi jogado para trás, caindo com estrondo no chão. Jéssica e Angelina se assustaram. Uma delas soltou um gritinho. Viram o que tinha acontecido: um menino, em torno dos nove anos, tinha esbarrado na garota. Ele não tinha caído no chão e nem parecia assustado, mas estava ofegante. As pessoas em volta olharam, curiosas com a movimentação.

— Me desculpa, foi sem querer! – disse o menino, embora sua expressão não demonstrasse arrependimento. Ele ajoelhou para ajudar Norah.

— Não encosta em mim, garoto nojento! Você não sabe que aqui não é lugar de ficar correndo? – ela perguntou aos berros.

Jéssica e Angelina se apressaram em ajudar Norah a levantar, enquanto fuzilavam o menino com os olhares.

— Eu não vi... Me desculpa.

A ira estava estampada em cada centímetro do rosto de Norah, que deu um passo na direção do garoto:

— Sai da minha frente, pivete! Definitivamente nós estamos muito acima dessa gente – concluiu ao lançar um olhar enojado para as duas amigas.

— O que aconteceu? – perguntou uma voz preocupada, vinda de uma loja de brinquedos ao lado.

Todos olharam. Uma menina de cabelo comprido e desgrenhado surgira, tensa e sem saber para onde olhar. Usava o mesmo uniforme que o trio de meninas, mas era mais largo e desleixado. Era notável que a vaidade passara longe de sua personalidade. Os olhos eram castanhos e escuros, tristes e arregalaram ao ver as meninas. Norah se irritou ainda mais ao vê-la chegar.

— Ora ora, se não é a Marieta Zureta... – disse com desdém. Marieta olhou para baixo, corando. As duas comparsas de Norah deram um risinho.

— O que... Aconteceu? – perguntou Marieta, se arrependendo visivelmente por ter saído da loja.

— E o que isso te importa, Zuretinha? Some daqui, sua imunda – disse Norah.

— Vem, Gabriel – disse a menina ao estender a mão na direção do menino, sem tirar os olhos do chão. Ele obedeceu.

Norah se aproximou dela. Os curiosos já tinham se dispersado.

— Ah, quer dizer então que esse garoto mal educado está com você, Zureta? Tinha que ser, né? Sabe o que esse favelado fez?

— Não sei... Norah.

— Ele saiu correndo e esbarrou em mim. Me derrubou no chão.

— Me desculpa por isso. Foi sem querer – respondeu quase inaudível.

— Não ouvi, querida.

— Me... Desculpa.

— Ainda não consigo ouvir, você acredita? Fala mais alto – disse com desdém. Jéssica admirava a cena com um sorriso de canto. Angelina olhava com nojo para Gabriel.

— Ela pediu desculpa – interrompeu a criança, sem qualquer constrangimento.

— Ela não falou com você – se meteu Jéssica.

— Me desculpa, Norah. O Gabriel não deve ter te visto.

— Marieta? Está tudo bem? Pegou o Gabriel? – outra voz surgiu de dentro da loja.

Um menino caminhou até Marieta e ficou surpreso ao encontrar mais três pessoas, além de Gabriel e sua companhia.

— Irmão! – gritou a criança, enquanto corria até o menino.

Norah passou de irritada para eufórica. Ela, Jéssica e Angelina se entreolharam. Sabiam exatamente o que os olhares significavam.

Carne fresca.

— O que aconteceu aqui? – perguntou o menino que acabara de chegar.

— Seu irmãozinho esbarrou em mim e caí no chão – Norah mudou o tom de voz. O deboche tornara-se um vitimismo meloso.

— Você se machucou? – ele perguntou, preocupado.

— Acho que machuquei o pulso quando bati com o bracelete – ela inventou, levantando o braço e mostrando o objeto, que era revestido de escamas douradas. Discreto, adornava o pulso direito.

— Ah, que pena! Me desculpa! – disse Gabriel correndo até ela, tocando o pulso e o bracelete.

A expressão de Norah mudou instantaneamente.

Por uma questão de segundos, seus olhos arregalaram e a expressão foi de puro terror.

Quando deu conta de que as pessoas poderiam ter percebido seu pânico, puxou o braço e olhou para Gabriel, tentando disfarçar a fúria que a consumia por dentro.

— Está tudo bem, lindinho – sorriu com falsidade. – eu me chamo Norah. Essa é a Jéssica e essa é a Angelina – as duas meninas sorriram, igualmente falsas.

— Me chamo Benício e esse é o meu irmão, Gabriel – o garoto respondeu, um pouco deslocado - estou vendo os uniformes iguais... Acho que vocês conhecem a Marieta, né?

— Quem não conhece a Marieta? – perguntou a loira com simpatia. – a gente sempre se diverte juntas lá no colégio – se aproximou de menina, enroscando o braço no dela.

Marieta tinha o rosto coberto pelo vermelho da vergonha. Não conseguia encarar as pessoas. Olhou para Gabriel, mas para ele era apenas um olhar comum. Ela pensou que uma criança de nove anos nunca iria entender o que ela queria dizer com os olhos: me tira daqui.

— Mari, temos que tomar um café qualquer dia desses – continuou Norah. – e você também pode vir, Benício. Vai ser ótimo! Não é, Mari?

— É... É... Vamos sim – Marieta quis afundar no chão.

— Nós vamos comer alguma coisa, não querem vir? – interrompeu Angelina. Norah olhou para ela com um sorriso assustador de aprovação.

— Nós vamos tomar sorvete com o Gabriel. Quem sabe na próxima – respondeu o menino.

— Foi por isso que eu saí correndo! Para chegar na sorveteria!

— Ninguém te perguntou nada, pirralho – pensou Norah. – ela fica para o outro lado, não lá fora, lindinho – disse, tentando parecer gentil.

— Então vamos! – convocou Benício, animado. – espero que seu pulso fique melhor, Norah.

— Vai ficar sim, obrigada – soltou o braço de Marieta e deu um abraço bem apertado nela. – tchau, Mari.

Marieta estava imóvel. Sequer respondeu ou correspondeu o abraço. Norah sussurrou:

— Vai ter volta, sonsinha.

Marieta se afastou, tentando ser discreta. Benício foi em seu encalço, acenando para as meninas em despedida, que retribuíram o gesto, sorridentes. Gabriel também acenou, mas Norah e as amigas não corresponderam. Marieta ainda olhou para trás para se certificar de que o trio não estava indo atrás dela.

O que viu por último foi o olhar devastador de Norah em sua direção.

Passado o encontro inesperado, Norah tinha comprado comida e estava sentada em uma das mesas, que ficava em uma área quase externa, não fossem as paredes e o teto de vidro com ar-condicionado. Notou que Marieta, Benício e Gabriel também tinham comprado os sorvetes e estavam sentados em uma mesa não muito distante dela. Marieta percebera o mesmo e mal tirava os olhos de sua casquinha crocante.

Norah olhava da menina para Benício, inconformada com o fato de a garota estar com alguém tão bonito. Enquanto alisava os fios lisos do cabelo, ainda ruminava a irritação por ter sido derrubada momentos antes. Começou a comer a salada, devagar, quando Jéssica e Angelina chegaram quase ao mesmo tempo com suas refeições. Norah olhou de soslaio para as bandejas:

— Sério que você vai comer hambúrguer e batata frita, Jéssica? Sabe quantas calorias tem isso aí?

— Qual o problema? Não estou a fim dessa comida de tartaruga hoje não – disse ao apontar para o prato da amiga.

Norah olhou de Jéssica para Angelina, que se apressou em rebater:

— Nem começa! Deixa meu espaguete em paz!

— Não estou nem aí. Quem vai ficar enorme são vocês. Depois não quero nenhuma das duas chorando perto de mim, dizendo que não cabem no vestido ou que algum daqueles garotos imbecis não quis sair com vocês.

— Relaxa e come seu mato. Vamos focar no gatinho namorado da Zureta que nós a-ca-ba-mos de conhecer – disse a ruiva, empolgada.

— Nossa, nem me fale. Podem tirar o olho que aquele ali é meu. Só não entendo o que um cara lindo como aquele faz com a ridícula da Zureta.

— Talvez ela seja uma bruxa ou mexa com alguma coisa assim – comentou Angelina enquanto sugava um fio de macarrão comprido.

Norah continuou, imperdoável:

— Não é possível que aquele garoto esteja saindo com ela. Como aquela menina conseguiria arrumar um namorado, tendo aquela cara feia e as roupas largadas? Ela é totalmente fora do normal! Não sei como consegue sair na rua usando aquele cabelo.

— Se foi bruxaria, quero saber a receita, porque ele é lindo demais – disse Jéssica ao passar um pouco de mostarda em uma batata frita, mordendo–a.

— Vocês viram aqueles olhos castanhos? Quase desmaiei! – disse Norah, dando um pulinho. – e aquele sorriso?

— Ai, eu amei o sorriso dele! – a ruiva estava nas nuvens.

— É simpático também. Vai ver que é por isso que está com a Zureta. Caridade, meus amores – continuou a loira.

Angelina não controlou o riso e tentou tampar a boca, mas deixou espirrar um pingo de molho vermelho perto de Norah.

— Cuidado, nojenta! Não sabe comer?

— Desculpa, Norah, não consegui segurar. Você é muito má! – disse, continuando a rir.

— Só falo a verdade, queridinha.

— É por isso que eu te amo – Jéssica deu um beijo em outra batata frita, apontando-a para Norah.

— Cretina – respondeu Norah. – é bonitinho, simpático, mas deve ser um banana. Vocês repararam nele segurando um embrulho enorme? Deve ser presente para aquela sonsa. Típico garoto bobo que vira capacho de namorada.

— Capacho da Zureta? Aquela garota sim é o capacho em pessoa! – disse Angelina. – não precisa de ninguém para fazer esse papel.

— Eu dou uns beijos nele e desfilo por uma semana. Já está de bom tamanho – disse a loira. – e se ele implorar ainda dou mais um dia de brinde. Quem recusaria?

Jéssica e Angelina olhavam Norah com admiração. A menina dos olhos azuis tinha tudo que queria e quando queria. Era rica, bonita, desejada, bem vestida e aos olhos da sociedade, absolutamente polida.

A menina perfeita.

As três estavam sempre juntas, frequentavam os mesmos lugares, tinham os mesmos gostos.

Os mesmos segredos.

A mesma arrogância.

A mesma maldade.

Para Jéssica e Angelina, Norah estava coberta de razão: todos queriam ser como elas e dariam a vida para fazer parte daquele grupo. E enquanto Norah falava com firmeza sobre como ela era incrível e maravilhosa, as duas apenas desejavam ser como ela um dia.

— Será que a Zureta vai levar ele na festa julina do colégio? – perguntou Angelina, colocando a mão na frente da boca, como se quisesse tampá-la. A própria pergunta tinha causado uma leve surpresa.

— Será? – se espantou Norah.

— Eu teria vergonha! – disse Jéssica.

— E quem não teria... – disse Norah, dando uma garfada voraz em uma rodela de tomate. – já viram que eles estão sentados ali? – apontou com a cabeça.

As duas amigas viraram sem discrição para onde Norah apontara, fazendo com que a garota se irritasse um pouco.

— Isso tudo é para ver o Benício? Já disse que ele é meu, suas ridículas.

— Relaxa, amoreco, olhar não tira pedaço – disse Angelina.

— E além disso, ele ainda não é seu – alfinetou Jéssica. – posso saber o que você vai fazer para ele cair nos seus encantos?

— Até parece que você não sabe que eu sempre consigo o que quero e quem eu quero. Não tenho culpa se esse teu cabelo água-de-salsicha não chama a atenção de ninguém.

Jéssica torceu o nariz e Angelina deu uma risadinha. Norah continuou:

— É bom que nenhuma de vocês duas esqueça que todos fazem o que eu mando. É só eu querer. Sempre foi assim, não foi?

Sérias, as duas concordaram.

— Você ainda não disse o que está planejando – continuou Jéssica, mudando de postura. Passara a agir com falso interesse.

— Eu não preciso planejar nada. Eu vou e decido o que fazer na hora.

— E como sempre, arrasa – completou Angelina. Norah deu um sorriso de lado.

— Convida ele para ir com você na festa julina. – disse Jéssica.

— Está louca? Aquela festa é muito caída. Todo ano é a mesma porcaria. Aquele bando de gente vestido de caipira, que aliás, combina com todos eles. Ai, que preguiça.

— Qual o problema com os trajes? Meu vestido está prontinho! – disse a ruiva, animando-se genuinamente – remendei com uns tecidos que a minha mãe...

— Você não vai usar droga de vestido nenhum – cortou Norah. – não se quiser andar do meu lado.

— O quê? Que história é essa agora, Norah? – rebateu a amiga, se irritando.

— Você sabe muito bem que a gente nunca usa fantasia. O que vão pensar de nós?

Jéssica olhou para Angelina esperando algum suporte, mas a amiga fez vista grossa e virou o rosto para o lado.

— Eu achei que esse ano nós três apareceríamos juntas!

— Desde quando você acha alguma coisa? Eu nunca dei permissão para fantasias.

Jéssica olhou para Angelina de novo. Estava furiosa.

— Angelina disse que você ia até usar trança! – continuou, passando a vez para a outra garota, que congelou.

— E-eu... Posso ter entendido errado, Jéssica. Norah disse, mas pode... Ter sido deboche, sei lá.

Claro que foi deboche, sua mula. Você sabe bem que eu jamais iria numa festa dessas com fantasia.

— Então me diz, Angelina. Por que você também fez a sua? – desafiou Jéssica, levantando uma sobrancelha, o sangue fervendo de raiva. Angelina não sabia para onde olhar.

— Eu entendi errado, então. Eu não estava querendo usar mesmo – rebateu por fim, desconfortável e sem convicção.

— Ninguém vai usar nada. Ou então fiquem sozinhas. Está assim de gente para andar comigo e eu não preciso de duas imbecis vestindo trapos coloridos do meu lado com o dente pintado de preto. Era só o que me faltava.

— Relaxa, Norah, eu não vou usar nada – respondeu Angelina prontamente.

— Quer saber, Norah? Vou para casa porque essa conversa já deu. E acho melhor você nem dormir lá hoje.

— O quê? Como assim, Jéssica? Eu não vou para a minha casa hoje encarar a vadia da minha quase-madrasta! Por isso que pedi para dormir na sua.

— Agora vai ter que encarar – rebateu Jéssica, desdenhosa.

— Não vai, Norah, relaxa. Dorme lá em casa. A gente liga para o seu pai e avisa da mudança – completou Angelina, que estava mais séria, deixando a tensão de lado. Jéssica a encarou com desprezo e incredulidade.

— Então tá. Você já pode ir para casa, amoreco – Norah lançou um olhar de triunfo sobre a amiga.

Jéssica largou o que restava do sanduíche, pegou a bolsa e levantou. Quase bufava de raiva. Quando ia sair, Norah a segurou pelo braço, dando um sorriso debochado:

— Vê se não demora muito ficando com raiva de mim.

— Pode deixar, vaca – e soltou o braço sem olhar para a garota.

Angelina riu, enquanto Jéssica ganhava distância.

— Está rindo de quê, Angelina?

— Na... Nada.

— Termina logo essa comida que eu quero ir ali dar um oi para o nosso novo gatinho preferido – disse, sarcástica.

Angelina terminou às pressas o pouco que faltava do espaguete, deixando cair um pouco de molho na camiseta branca do uniforme. Norah revirou os olhos, sem acreditar no que via.

— Vem comigo – disse ao levar o canudo até a boca e beber o último gole do suco de maçã.

As duas saíram da mesa onde estavam e andaram com calma até Marieta, Benício e Gabriel. Angelina estava anormalmente abalada com a nova mancha de molho, tentando esfregar com o dedo. Enquanto se aproximavam, Norah pôde notar o pânico no rosto de Marieta aumentar discretamente e percebeu que sua própria boca estava aberta em um sorriso sutil e malicioso.

Gabriel notara as duas se aproximando, mas não fez qualquer menção de chamá-las. Benício estava de costas com o grande embrulho próximo de uma das pernas e só percebeu alguém atrás dele quando Norah estacou ao seu lado e tocou seu ombro.

— E então, Benício, o que você faz por aqui? Eu nunca te vi...

— Hã... Oi! Que susto. Você chegou do nada...

— Se assustou? – disse ao fazer um leve carinho no ombro dele – sou tão feia assim?

Gabriel deu uma risadinha enquanto Marieta continuou olhando para baixo. Angelina estava ocupada demais esfregando a camiseta, tentando inutilmente tirar a mancha gordurosa.

Benício, no entanto, não foi simpático ao responder.

Seu rosto ganhou contornos sérios. Sutilmente afastou a mão de Norah do ombro.

— Não te conheço e esse tipo de intimidade eu só dou para quem eu quero. Não faça isso de novo – pediu, ao levantar.

Norah arregalou os olhos de surpresa. Angelina esqueceu por completo a mancha e ficou igualmente chocada com o fora que a amiga levara. Marieta levantou a cabeça e olhou para Benício com uma pontada de surpresa, sem saber definir se o sentimento dentro dela era excitação ou nervosismo. Gabriel riu com vontade, olhando para Norah com deboche.

— O quê? Como você se atrev...

— Se você não se incomoda, deixa a gente terminar nosso lanche? Eu vou buscar mais um guardanapo para mim e quando voltar espero que nenhuma das duas esteja aqui.

— Quem você pensa que é, garoto? – retrucou Angelina.

Benício não respondeu. Deu as costas e saiu. Norah não acreditava que tinha levado um fora na frente de todos. A raiva demorou alguns poucos segundos para tomar conta dela, enquanto via Benício chegar até o balcão da sorveteria. Ela virou para Marieta:

— Se você acha que está por cima agora, me observe, Zureta.

Marieta não disse uma palavra, mas Norah pôde perceber que o rosto dela, normalmente amedrontado, estava com um semblante diferente do normal. Como se tivesse sido vingada.

— Vai embora, sua chata! – gritou Gabriel. Algumas pessoas em volta olharam.

Norah saiu caminhando com Angelina em seu encalço, dando passos firmes para a área interna da galeria, na direção de Benício. Ele, que já tinha conseguido o que precisava, notou as duas vindo em sua direção e não se intimidou, continuando a andar.

— Angelina, me encontra lá na entrada – ordenou Norah.

— Eu fico com você, não tem prob...

— Você é surda ou o quê? Vai logo!

A amiga, desorientada com a resposta, acatou a ordem, tomando a direção da entrada. Norah seguiu reto, já quase perto de Benício. Parou na frente dele, interrompendo o trajeto. Benício ia dizer algo e já estava contornando a menina para chegar à Marieta e Gabriel, mas deu conta de que estava ouvindo um som.

Leve, baixo.

Agradável e aveludado.

Sentiu que poderia dormir naquele momento, tamanha era a tranquilidade e a paz que o invadira. Ele percebeu que a boca de Norah mexia de leve e notou que o som vinha de lá. A menina estava cantarolando.

Seu contorno facial era mais delicado que antes.

Possuía um brilho sutil. O cabelo movia-se com graciosidade.

Ele reparou que os olhos dela eram tão azuis que poderiam ser pedras preciosas.

Gotas do oceano, talvez. Duas estrelas.

Em qualquer das opções, eram inegavelmente sedutores.

A pele alva dava a certeza de que se pudesse tocá-la seria macia e delicada. O som foi entrando em sua mente e à medida que Benício o escutava, mais tinha vontade de se entregar àquela sublime sonoridade.

Sentiu vontade de abraçá-la e ajoelhar aos seus pés. Não percebia mais ninguém ao seu redor. As pessoas da praça de alimentação não estavam mais lá.

Eram apenas ele e aquela menina divina.

Milimetricamente esculpida para a perfeição.

Ele sentiu os olhos pesarem e não lutou contra. Quando percebeu, Norah já estava com os lábios colados aos dele. Um beijo seco, cálido, delicado. Benício sentiu o rosto ser tocado com leveza.

A melhor sensação do mundo.

A menina se afastou com graça e olhou para a mesa de Marieta. Ela a encarava de volta com um olhar incrédulo, que Gabriel também compartilhava. Antes de sair em direção à entrada, Norah deu um sorriso perverso, deixando Benício, confuso, para trás. Na entrada, Angelina a aguardava sem saber o que dizer. Não queria levar outro fora.

— Vamos, Angelina. Já dei meu troco.

— O que você fez?

— Beijei o Benício na frente da Zureta e do pirralho – disse, orgulhosa.

— O quê? E o que o Benício fez?!

— Ele retribuiu, claro. Eu disse que ninguém diz não para mim, não disse?

Angelina vibrou com a atitude da amiga. As duas foram andando pela calçada, rindo enquanto Norah contava mais detalhes de quando notara a expressão de Marieta.

Algo atingiu sua nuca.

Não com força, mas ela sentiu dor. Instintivamente colocou a mão atrás da cabeça para ver se não estava sangrando.

Nem mesmo uma gota.

Angelina se assustou com a movimentação enquanto Norah passeava o olhar em todas as direções, buscando um culpado. Não encontrou. Ainda que a rua estivesse quase deserta, não saberia. Só então viu o que a atingira e abaixou para pegar.

Um pequeno urso marrom, feito de pelúcia e amarrado em um pedaço de pedra. O objeto cabia na palma da mão. O animal de mentira estava sentado e as patas da frente se juntavam, como se batessem palmas. Entre as duas patas, um pedaço de papel em anexo, que ela rapidamente puxou e abriu. Escrito à mão, um pequeno recado fez as duas se olharem, assustadas:

"Mais do que pelúcia vou atirar
E vai ser um golpe certeiro
Saiba, pois, querida Norah
Meninas más morrem primeiro"

Angelina permaneceu muda. O pânico invadiu Norah. Todo o prazer da vingança contra Marieta havia sumido. Ela deu mais uma olhada ao redor, acuada, mas a rua estava tranquila, com pessoas que andavam de um lado para o outro em um dia comum.

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