Jiangshi 殭屍

By namari_nya

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Jimin se considerava capaz de tocar o divino, mas sua bênção se tornou uma maldição. Uma fuga na qual muito... More

🩸 AVISOS BEM IMPORTANTES! 🩸
Recomeço
Reconstrução
Limites

Injustiças

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By namari_nya


Jimin mordia a pelezinha do canto do próprio dedão e encarava o desafio à sua frente. Poucas coisas o deixavam nervoso e ele não esperava que essa fosse ser uma delas.

Escolher uma roupa para ir ao cinema.

Melhor, para ir ao cinema com Jungkook.

Sentiu um frio no estômago ao pensar nele e no fato que que logo Jungkook estacionaria a moto em frente à sua casa e que sentiria o inebriante cheiro de xampu de camomila misturado com amaciante.

Se Jungkook tinha o convidado com a intenção de que fosse um encontro, aquele seria o primeiro e único que Jimin já tivera.

Apesar de que sim, havia tido relações íntimas com pessoas, todas as vezes fora com o objetivo de satisfazer seus primitivos desejos carnais e nunca o fazia com a mesma pessoa mais de uma vez.

Quando pensava em Jungkook, não pensava somente em uma satisfação momentânea.

O jiangshi mordeu o dedo com um pouco mais de força e sentiu um incômodo. Afastou a mão e notou um corte fundo, mas não vazava sangue. Isso o deixava curioso.

Toda vez que chorava, lágrimas vermelhas saíam de seu canal lacrimal, mas não havia vestígio de sequer uma gota desse elixir de vida em outras partes do seu corpo. Não importava o quão grave fosse o ferimento, qualquer corte revelava a sua real natureza: uma alma amaldiçoada presa em um corpo morto.

Ainda que chorasse sangue, aquele que saía de seus olhos — ou melhor, que havia saído, pois fazia séculos que não chorava — não despertava sua sede. Pelo contrário, era sangue coagulado e saía de forma dolorosa. A ardência era incômoda e sua visão era prejudicada.

Sorriu amargo vendo o corte fechar aos poucos. Seus dentes ficavam afiados não somente na presença de sangue, mas também quando seu corpo identificava perigo ou ansiedade. Qual desses sentimentos o dominava agora? Sua consciência de que ele representava um perigo para Jungkook ou a ansiedade despertada por talvez estar prestes a ir contra as regras que Namjoon estabelecera?

Voltou a fitar o armário cheio de roupas.

Fazia quase vinte minutos que, de roupão, encarava camisas e calças.

Namjoon não estava lá. Se Jimin estivesse fazendo algo de errado, ele que aparecesse para impedi-lo.

Começou a analisar as camisas e blusões pendurados nos cabides e o celular começou a tocar.

A tela do aparelho, jogado sobre os cobertores acima da cama, mostrava um nome no identificador de chamadas: Yoongi.

Atendeu e colocou no viva-voz.

— Tô ocupado — disse e jogou o aparelho de volta na cama.

Boa noite pra você também, Jimin! — Yoongi respondeu, traços de risada em sua voz. — O que tá fazendo?

— Escolhendo uma roupa. Vou no cinema.

Então vamos juntos! — respondeu não a voz de Yoongi, mas de Seokjin. Jimin fechou os olhos e se xingou mentalmente. Claro que também estava no viva-voz e claro que, se os dois tinham ligado na folga, é porque estavam entediados e queriam companhia.

— Vou pra me alimentar, não pra me divertir — Jimin respondeu e pegou um jeans preto. Talvez ficasse bom com uma blusa social? Um visual monocromático? Queria se vestir bem, mas não queria que parecesse ter se esforçado demais caso aquilo não fosse realmente um encontro.

Cinemas são péssimos pra isso, ninguém se toca lá. — Seokjin resmungou. — Não fizemos nada em grupo desde que chegamos, que tal sairmos hoje?

Jimin soltou um suspiro e escolheu uma calça preta lisa e um blusão branco oversized de tricô. Gostava da moda oversized.

— Isso não é verdade, nós bebemos na Animais Noturnos — respondeu, removeu o roupão de algodão e pegou a cueca preta em cima da cama.

Mas faz tempo!

— Foi ontem, Seokjin — Jimin colocou a roupa íntima e a calça pretas e encarou o próprio reflexo no espelho que ficava à sua direita.

Nada em sua aparência o denunciava como uma ameaça.

Diferentemente de bebedores de sangue, os jiangshi mais próximos dos vampiros tradicionais das lendas vitorianas, por se alimentar de energia espiritual Jimin tinha uma aparência humanizada, muito mais fácil de camuflar.

Claro que alguns vampiros mais experientes, mesmo com uma dieta baseada em sangue, sabiam esconder suas características sobre humanas. Nem todos deixavam a maldição dos jiangshi refletir em suas aparências. Esse segredo da espécie poucos sabiam. O cinema e as lendas retratavam todos como cadáveres em decomposição com sede de sangue e vida.

Com o torso nu, via parte dos ideogramas em suas costelas.

Enquanto Seokjin falava do outro lado da linha, virou um pouco de lado e passou os dedos sobre a cicatriz que atravessava a tatuagem.

Fazia tanto tempo, mas ainda lembrava da dor. De como a lâmina que Namjoon usou contra ele parecia feita de fogo ao atravessar seu pulmão.

Lembrava também da angústia de perceber que não havia morrido e que seus ferimentos estavam curados.

Em seu peito havia mais cicatrizes, de outro momento.

Não se deixou mergulhar nessa lembrança. Pegou o blusão.

— ... e acho que pela união do grupo... — Seokjin continuava falando.

— Na próxima folga — Jimin interrompeu e vestiu a peça. — Sei que você fica entediado fácil e que o pessoal é legal e tudo o mais, mas não dá pra ficar com eles o tempo todo. Precisamos ir com calma, mas tenho certez-

Ele botou os fones e foi emburrado pra sala — Yoongi respondeu e riu baixo.

— É uma criança — Jimin disse e caminhou até a cômoda onde deixava sua caixinha de joias.

O que vai assistir?

— Seokjin consegue te escutar?

Não mais — o amigo respondeu e Jimin escutou uma porta bater, depois o chiar de um isqueiro. — É uma sessão de cinema secreta?

— N verdade... eu vou com o Jungkook.

Oh... — Um breve silêncio e o crepitar do cigarro durante uma tragada. — Ele te convidou?

— Sim, pra compensar pelo banho de sarjeta. Nosso querido amigo deixou isso escapar ontem — Jimin respondeu enquanto procurava um colar específico na caixinha de joias.

Hm, é.

A resposta fez Jimin franzir a testa e olhar para o celular em meio às cobertas brancas. Sentiu que o amigo queria dizer algo, mas estava se contendo.

— O que houve? Acha que eu não devo ir?

Não cabe a mim dizer o que você deve ou não fazer.

— Ainda assim, parece que tem algo a dizer.

Jimin sentou-se no colchão e pegou o celular. Tirou do viva-voz e botou o aparelho na orelha.

Aguardou a resposta de Yoongi.

Se é só uma noite de diversão, não vejo mal nisso.

— Não acho que eu queira ter apenas uma noite de diversão com o Jungkook — respondeu com sinceridade.

De novo Jimin mordia o canto do próprio dedão.

Mais um corte.

Sem crepitar de cigarro queimando do outro lado da linha.

— Ainda tá aí?

Sim — veio a resposta. — Você não sente só atração física pelo Jungkook, então?

— É, acho que não. A gente se dá muito bem e sempre parece que tem uma tensão no ar. Nos encontramos fora da Animais Noturnos ao acaso e foi tão natural. Ele diz umas coisas que me deixam nervoso, mas de um jeito bom, então... não sei. Queria conhecer ele melhor.

Jimin cutucava a barra do blusão, aguardando a resposta.

Existe um motivo pro Namjoon vetar relacionamentos com humanos.

— Eu sei — Jimin respondeu, mas não pôde elaborar mais. O tom de voz de Yoongi era assertivo.

Se aproximando demais, é a vida dele em uma corda bamba. Além disso, nós podemos ter que ir embora na semana que vem. A situação de voltar pra cá pode parecer boa, mas não sabemos se realmente é. Você pode estar colocando ele em perigo.

Aquilo era óbvio, não precisava ser dito. Jimin se sentia idiota.

Se realmente gosta dele, não deixe que ninguém saiba. Nunca. E fique o mais distante dele que puder. É a única forma de ele ficar bem.

Um barulho de notificação fez Jimin afastar o celular da orelha.

Jungkook:

Estou aí em dez minutos!

O jiangshi notou que o corte no dedão se fechava de forma vagarosa. Não havia absorvido ki o suficiente no dia.

— Preciso ir — disse ao botar o celular na orelha de novo. — Nos falamos amanhã.

Certo, até amanhã.

Yoongi desligou com rapidez e Jimin, após afastar o celular do ouvido, encarou a tela do aparelho até que o indicador de chamada sumisse da tela, dando lugar à mensagem de Jungkook.

Yoongi nunca tinha sido tão frio com ele. Na noite anterior o tom do amigo era muito diferente. Não tinham falado diretamente de Jungkook, mas pela forma que Yoongi havia falado sobre Namjoon e seus exageros, não pensou que receberia uma resposta tão fiel aos ensinamentos do líder deles.

A vida estava tão diferente em Seul, quase beirando uma normalidade desconhecida a ele, que Jimin não tinha pensado direito em como a aproximação com um humano poderia ser perigosa.

Qualquer relacionamento seria um risco, até mesmo uma amizade. Não precisava das regras de Namjoon para lembrá-lo disso — as mortes de todos que amava já eram um bom lembrete. Em especial a de Taehyung. Era sua culpa. O amigo poderia ter escapado se Jimin não tivesse dito que poderia ir junto ao castelo de Haroo Daas.

Yoongi tinha razão.

Abriu o chat com Jungkook.

Ele já estava a caminho, era tarde demais para cancelar. E no fundo queria vê-lo, mesmo que fosse para dizer que não poderiam se ver fora do trabalho de novo. Decidiu que era isso que faria. Reembolsaria Jungkook pelo ingresso e pediria desculpas pessoalmente. Pagaria pela gasolina da moto também.

Bloqueou o celular, o guardou no bolso e levantou da cama. Voltou a mexer na caixinha de joias e em pouco tempo encontrou o colar que procurava: era de ouro branco e tinha um pingente em forma de pêndulo, dentro do qual podia colocar as ervas que Seokjin havia preparado para bloquear seus instintos. Era melhor prevenir, ainda que planejasse ficar na presença de Jungkook por poucos minutos.

Colocou o colar em volta do pescoço, inseriu as ervas no pingente e já sentiu certa diferença só de inspirar o aroma das ervas. Ajeitou os cabelos e deu uma última checada no espelho.

Teve que se lembrar que a ideia era pedir desculpas e dizer a Jungkook que não poderiam ir no cinema. Diria que pensou melhor na situação e que poderia ser inapropriado por causa do trabalho. Perguntaria quanto foi o ingresso, faria a transferência do valor. Eles iriam trabalhar no dia seguinte e Jimin voltaria à sua típica solidão.

Apagou a luz e saiu do quarto.

Calçava os sapatos quando escutou o ronco da moto.

Abriu a porta e o ar frio da noite o abraçou. Ele gostava muito do conjunto de sons, cheiros e atmosfera das noites de Seul. Vida pulsava a sua volta, em todos os lugares, gostava da energia da cidade.

Caminhou até o muro do pátio. Sua casa ficava no topo de um conjunto de escadas, então conseguia ver a rua se ficasse na ponta dos pés. Como Jungkook não havia mandado mensagem ainda para avisar que já estava lá, foi até a mureta e espiou.

O humano tinha o capacete embaixo do braço enquanto olhava no espelho da moto para ajeitar os cabelos.

Jimin sorriu para si. Achava os contrastes de Jungkook muito curiosos. Um motoqueiro tatuado com cheiro de xampu de bebê. Um homem de motocicleta e jaqueta de couro com olhos inocentes e brilhantes arrumando os cabelos no espelho retrovisor.

Jungkook tirou o celular do bolso e digitou alguma coisa. Jimin se afastou do muro quando o celular vibrou.

Jungkook:

Estou aqui!

Fechou os olhos, respirou fundo e desceu as escadas até o portão.

Quando abriu a passagem, Jungkook ergueu o rosto.

— Jimin hyung — disse e ajeitou a postura. — Uau. Oi. Boa noite.

Jimin segurou o riso e fechou o portão atrás de si. Certo, só precisava ser franco. Jungkook entenderia.

— Boa noite — respondeu sorrindo e se aproximou. Era impossível não sorrir ao ver Jungkook sorridente.

— Ah, pra você — o humano disse e, do bolso interno da jaqueta de couro, tirou um objeto e estendeu-o a Jimin. Era um chaveiro. Na ponta, no final do conjunto de elos prateados, havia um pássaro amarelinho de bico laranja.

— Um chaveiro de pintinho? — Jimin perguntou, aceitando quando Jungkook depositou o pequeno pássaro amarelo em sua palma.

— Não sei exatamente o que ele é, mas me lembrou você — Jungkook respondeu e ofereceu o capacete extra, que estava pendurado no guidão, a Jimin.

O jiangshi tinha sido pego desprevenido. Não sabia como reagir.

Há quanto tempo não ganhava presentes?

Jungkook sorria para ele e ruguinhas se formavam abaixo de seus olhos.

— Vamos?

Jimin estava paralisado. Tinha esquecido o que havia planejado.

— Eu... — começou — esqueci minha carteira lá em cima.

— Tudo bem. — Jungkook subiu na moto, botou o capacete e levantou a viseira. — Você não vai precisar dela. Hoje é tudo por minha conta.

Jungkook, ainda sorrindo, com suas ruguinhas em evidência, piscou para Jimin.

Em seguida, o jiangshi guardou o chaveiro no bolso da frente da calça e olhou para o portão.

Deveria negar o convite, voltar para casa, se afastar de Jungkook.

Mas não foi o que fez.

Aceitou o capacete e subiu na moto, abraçando a cintura de Jungkook e firmando suas pernas nas dele antes que o humano desse a partida na motocicleta.

No caminho, Jimin percebeu que não conhecia Seul tão bem. Não teve tempo de explorar a cidade desde que haviam chegado. Suas ocupações com a Animais Noturnos o mantinham restrito a uma área pequena. Ver que estavam saindo de perto do bairro em que morava e indo na direção oposta da casa de Yoongi e Seokjin fez com que se sentisse livre — vento, a velocidade, a companhia. Mais uma vez sentiu frio na barriga ao pensar em Jungkook.

Atravessaram a ponte do Rio Han. Jungkook estacionou a moto na frente de uma fachada moderna, reluzente. Fazia tempo que Jimin não ia ao cinema, na verdade. Fazia tempo que não sentia a maioria das coisas que surgiam dentro de si quando estava ao lado de Jungkook — e o frio na barriga era exclusividade de sua presença.

Desceu da moto e, imitando Jungkook, tirou o capacete.

— Hyung — Jungkook chamou. Ele estava com o celular na mão e de testa franzida. — Por que o Jin hyung criou um grupo chamado "descolados da AN" e só você não está nele?

Jimin esticou o pescoço e Jungkook mostrou a tela do celular. Seokjin havia convidado a todos, menos Jimin, para ir ao cinema — em outro estabelecimento, bem longe dali, ficou feliz em notar.

— Eu falei que ia sair sozinho e ele ficou emburrado — disse e entregou o capacete a Jungkook.

— Ah, sim.

Jungkook fitou a tela por mais um tempo antes de guardar o celular e Jimin desejou ter o poder de ler mentes. Algo parecia estar o incomodando.

— Bom, vamos entrar? — Jungkook disse e abriu um sorriso.

Se tivera chance de cancelar a saída com Jungkook, isso foi antes de vê-lo sorrir. Tinha certeza de que não conseguiria negar nada que o humano pedisse se o fizesse com um sorriso.

O mais novo guardou os capacetes embaixo do banco da moto e indicou o caminho para Jimin.

Seguiram lado a lado e entraram no salão, que tinha filas enormes nos totens de retirada de ingresso e também no balcão da pipoca. Jimin se direcionava para a primeira fila, mas Jungkook segurou sua mão e continuou andando.

O contato repentino quase fez Jimin travar os pés, mas deixou Jungkook guiá-lo. Mãos dadas.

O frio na barriga mais uma vez.

— Que mão gelada! — O humano disse levando a outra mão até a de Jimin. — Tá com frio? Posso te dar minha jaqueta.

— Não precisa! Sempre tenho mãos geladas. Problema de circulação — Jimin respondeu.

De novo o sorriso. E as mãos permaneciam unidas.

Ao invés de seguirem para o acesso das salas, Jungkook os levou até um corredor secundário, perto de um conjunto de sanitários. Um homem estava apoiado na parede, mascando um palito de dente e digitando algo no celular. Ele era alto e magro. O nariz lembrava um pouco o de Jungkook.

— Woo-seok! — Jungkook chamou e o homem virou para eles.

— Jungkookie! — ele respondeu. — Bem na hora, tem cinco minutos pro filme começar.

— Obrigado por esperar.

Jungkook soltou a mão de Jimin para procurar algo no bolso da calça. Pegou a carteira e deu dois papeis a Woo-seok. Pareciam ingressos.

— Ah, priminho! Você é demais — disse e abraçou Jungkook de lado. — Quem é o seu contato?

— Sabe que não posso dizer — Jungkook respondeu e virou para Jimin. — Esse é o Jimin. Ele trabalha comigo na Animais Noturnos.

— Prazer, sou Park Jimin.

— Sou Jeon Woo-seok, prazer em conhecê-lo. É melhor irmos. Por aqui.

Os três seguiram até o final do corredor, subiram um conjunto de escadas e Woo-seok abriu uma porta secundária que dava para o corredor de acesso às salas, após a conferência de ingressos. Jimin arqueou as sobrancelhas e encarou Jungkook, que só coçou a nuca e voltou a olhar para o primo.

— É a sala 7, o conjunto K13. Se divirtam.

Woo-seok piscou para Jungkook e os apressou para que ninguém os visse.

— Que ingressos eram aqueles? — Jimin perguntou enquanto caminhavam para a sala certa.

— Ah, pro show da Bibi. Ele é fanboy.

— Bibi? — Já tinha ouvido esse nome. — É uma artista sul coreana?

— Sim, ela cresceu muito nos últimos anos. Está em turnê e vai ter um show enorme em Seul. Um dos clientes da Trance deu ingressos de presente pros donos, eles não quiseram ir e passaram pra mim. Usei sabiamente como moeda de troca. Aqui, sala 7.

Antes de entrarem na sala, Jimin sentiu algo estranho, como um arrepio desagradável na nuca. Se sentiu vigiado.

Olhou para trás, para a porta que Woo-seok havia aberto para eles.

Ela estava recém fechando.

— Jimin hyung?

Tinha parado de andar e Jungkook o observava de testa franzida.

Deixou de lado o desconforto, convencido de que estava ficando paranoico pela culpa, então seguiu Jungkook para dentro da sala.

Já tinha ouvido falar do conforto e das tecnologias que os cinemas da capital sul coreana podiam proporcionar, mas ver pessoalmente era uma experiência incomparável.

As salas tinham menos cadeiras, mas só porque elas não eram cadeiras — os assentos, posicionados em dupla, eram enormes poltronas fofas e confortáveis. O conjunto que Woo-seok havia comentado ser o deles tinha tudo que o cinema oferecia de lanche: pipoca, doces, salgados, água saborizada, refrigerante, até mesmo vitaminas. Os olhos de Jimin seguiam arregalados mesmo depois que ele e Jungkook sentaram lado a lado. As poltronas na verdade dividiam o mesmo braço.

— Jungkook... — disse observando as guloseimas, o entorno e a gigantesca tela de cinema. Aquela poltrona era mais confortável do que a sua cama. — Acho que um ingresso pra esse lugar deve valer muito mais que uma ida na lavanderia, não acha?

— Talvez — Jungkook disse e pegou um pacote de balas. Ele não encarava Jimin enquanto falava. — Aí você pode me convidar da próxima vez pra tentar equilibrar a dívida.

As luzes apagaram e Jimin se encolheu na poltrona.

Podia continuar se enganando e dizendo que aquilo não era um encontro, ou podia começar a pensar em que desculpa inventaria para que ele e Jungkook não pudessem sair juntos de novo.

Se esforçou para pensar na segunda opção.

Mas quando Jungkook se aproximava para fazer algum comentário, tocando com os dedos no dorso da mão de Jimin com gentileza, toda a atenção do jiangshi voltava para o presente. Para como Jungkook era engraçado. Para como era fácil rir ao lado dele.

Sentia que podia brincar, ser bobo. Sentia-se livre da própria maldição, dos próprios pensamentos.

Aquele momento era um refúgio.

Jungkook tirou a jaqueta e a colocou no colo de Jimin.

— Pra esquentar as suas mãos.

Jungkook era tão doce.

Jimin se considerava o oposto.

Quando os créditos começaram e as luzes acenderam, o jiangshi devolveu a jaqueta de couro, a materialização do contraste de Jungkook: uma peça escura, pesada, com cheiro de amaciante e camomila.

Jimin olhou para as mesa onde estavam dispostos os lanches quando eles entraram. O humano havia comido quase todas as guloseimas que estavam em frente aos assentos. Era impressionante.

Jimin teve que se controlar. Beliscou algo aqui ou ali, mas como não tinha absorvido muito ki ao longo do dia, seu corpo poderia responder mal ao consumo de qualquer coisa. Forçou comer algumas pipocas e uma barra de chocolate que Jungkook abriu exclusivamente para ele.

Ao chegarem no saguão principal, discutiam sobre cenas favoritas e atuações. Jungkook focava mais os enquadramentos, a forma que a câmera se movia e os tons e filtros que o diretor usava. Jimin o chamou de nerd cinéfilo.

— Culpado — respondeu sorridente. — O que acha de um corn dog?

Jimin fez a única coisa que conseguia diante daquele sorriso: concordar.

Havia um trailer na frente do cinema. Jungkook pediu dois corn dogs tradicionais e foram até uma mesa que ficava no hall antes das salas de cinema e sentaram frente a frente.

— Como ainda consegue comer? — Jimin perguntou e deu uma mordida no seu lanche. Se arrependeu no mesmo instante. Teve que se forçar a mastigar e engolir.

— Sempre tenho espaço pra um corn dog — Jungkook respondeu e também deu uma mordida no seu. Ele encarava a mesa, pensativo.

— Jimin hyung, posso perguntar uma coisa?

Jimin concordou e colocou o lanche em cima do pratinho que foi entregue a eles pelo dono do trailer. Seu estômago estava dando voltas e dessa vez não era aquele nervosismo típico de estar na presença de Jungkook. Era outra coisa.

— Você sabe que eu te convidei pra vir no cinema como um encontro, né?

Jimin encarava o seu corn dog e o cheiro agora estava o deixando enjoado..

— Não tinha certeza — respondeu.

— E acha que tudo bem ser um encontro?

O jiangshi tinha medo de abrir a boca e acabar passando mal ali na mesa mesmo. Aquela era a oportunidade perfeita para falar o que pretendia desde antes de sair de casa, mas seu corpo mal nutrido estava começando a responder aos alimentos consumidos na noite. Precisava de ki.

Jungkook pousou o lanche em um pratinho em sua frente e Jimin ergueu o olhar para encará-lo.

— Desculpa, hyung.

— Pelo que? — foi só o que conseguiu murmurar. Passou a mão no rosto sentindo sua pele muito mais gelada que o comum.

— Eu deveria ter imaginado que poderia ser estranho por causa do trabalho, não me dei conta até você falar do Jin hyung. Agora sinto que te deixei constrangido...

Jimin queria dizer que não estava constrangido e que tinha se divertido muito, mas o enjoo só crescia. As ervas deveriam estar inibindo esse desconforto. Ao pensar nelas, levou a mão ao peito, ao lugar onde o pingente deveria estar. Sentiu um frio na espinha. O colar tinha caído.

— Hyung?

Jungkook o chamou com uma expressão preocupada.

— Tá tudo bem?

Não conseguiu responder.

Seu corpo estava prestes a rejeitar tudo o que tinha ingerido.

Levou a mão à boca, levantou e correu. Ouviu Jungkook chamar, mas não podia falar nada. Esbarrou nas pessoas que saíam do cinema sem pedir desculpas e entrou no primeiro banheiro que encontrou. Se trancou em uma cabine e vomitou o pouco que havia comido. A ânsia não ia embora.

— Ei, cara, tá tudo bem?

Virou para trás e viu um par de tênis na frente de sua porta.

Estava com sede.

Abriu a porta e o desconhecido do outro lado o olhou de cima a baixo, de testa franzida.

— Você tá pálido, com uma cara péssima. Quer que eu chame alguém? Uma água?

Jimin viu o próprio reflexo. Sinais de sua negligência com a própria alimentação já estavam visíveis: olhos encovados, pele mais pálida, iríses mais escuras.

Voltou a olhar para o homem. Os pontos vitais dele pareciam cantar para Jimin, como sereias que queriam levá-lo ao mais profundo de seus instintos. Fechou os olhos. Não podia ceder, não ali. Jungkook estava lá fora, provavelmente o procurando.

— Eu tô bem — disse e foi até a pia, usando a mão em concha para pegar um pouco de água e fazer bochecho. O gosto de bile o deixava mais enjoado. Cuspiu e apoiou as mãos na pia.

— É sério — o homem disse, se aproximando por trás e tocando a cintura de Jimin. — Quer que eu ligue pra alguém?

O lado instintivo de Jimin foi mais rápido do que o seu lado racional.

Após piscar, já segurava o homem pelo pescoço, erguendo-o do chão contra a parede atrás da porta do banheiro. O ki fluía da pele do pescoço para a palma de Jimin e se espalhava por todo o seu corpo, causando um formigamento particular, único, prazeroso.

Fechou os olhos e passou a língua sob os lábios.

A privação sempre deixava aquele momento mais saboroso.

Mas não tanto quanto beber sangue.

O pensamento o fez abrir os olhos imediatamente. O homem estava de olhos revirados, lutando em vão contra a força sobrehumana do jiangshi.

Soltou-o no chão e deu um passo para trás. O desconhecido desabou e tentava recuperar o ar com dificuldade. Jimin abriu a porta e saiu com pressa.

Estava ofegante, assustado. Havia séculos que não tinha um pensamento tão claro e dominante sobre querer beber sangue. Podia ter matado aquele homem. Podia ter cedido. Podia não ter sido um estranho a entrar no banheiro.

— Jimin hyung!

A voz veio de trás de si. Jimin deu meia volta e Jungkook o alcançou, tocando seus seus ombros gentilmente.

— Tudo bem?

— Sim — Jimin forçou um sorriso e se desvencilhou do toque o mais educadamente que pôde. — Me senti mal, precisei correr pro banheiro.

— Eu entrei num, mas acho que você foi pro lado oposto. Achei isso embaixo da mesa, deve ter caído.

Jungkook tinha o colar de Jimin na mão. O jiangshi assentiu e pegou a joia, colocando-a em volta do pescoço. Não precisava mais das ervas — elas não tinham efeito quando estava bem alimentado. E agora não conseguia encarar Jungkook.

— Quer ir pra casa? — O humano sugeriu e Jimin sentiu remorso ao notar certo desânimo em sua voz. — Eu te levo.

— Sim. Obrigado.

O silêncio imperou até Jungkook estacionar na frente da casa de Jimin. Quando o jiangshi entregou o capacete a ele, os dois ficaram frente a frente. O humano mantinha a cabeça baixa.

— Eu... — Jimin começou baixinho — não fiquei constrangido com nada. Hoje foi muito, muito divertido, Jungkook. Mas considerando que trabalhamos juntos, eu acho melhor mantermos apenas uma amizade no local de trabalho. Eu também não tinha pensado em como nossa aproximação poderia impactar a convivência na Animais Noturnos. Mas pensando bem, é melhor evitarmos constrangimentos.

Jungkook passou as mãos no cabelo, sentou na Ducati e olhou para o final da rua. Ele mordiscava o próprio piercing.

— A vida é injusta às vezes — o humano disse e deu um suspiro.

Jimin não podia concordar mais. Não sabia quais eram os motivos de Jungkook para pensar daquela forma, mas era exatamente o que sentia enquanto encarava o humano e pensava em quando conversaram na Trance, em como apreciava a sua companhia e no fato de que era a primeira vez que sentia estar se apaixonando. Mas não podia. Não tinha esse direito.

— Sim, ela é — respondeu baixo e sentiu um aperto na garganta.

A inocência dos olhos de Jungkook estava mesclada com frustração quando eles fitaram Jimin. Ele maneou a cabeça e recolocou o capacete.

— Até amanhã, Jimin hyung.

Arrancou sem olhar para trás.

Jimin ficou parado um tempo, encarando o cruzamento no qual Jungkook desapareceu.

Podia ser ele no banheiro. Jungkook. Poderia ter atacado ele por acidente. Yoongi estava errado. Nem mesmo uma noite de diversão valia a pena se Jimin não era capaz de controlar os próprios instintos. Desde o ataque no Brasil, sentia eles cada vez mais à flor da pele. Tinha que manter Jungkook longe o máximo que pudesse, doesse o que doesse. Mesmo que estivesse perdendo seu primeiro amor.

Mexeu no bolso da frente e pegou a chave de casa.

Junto dela, em sua palma, estava o chaveiro com o passarinho amarelo.

Se realmente gosta dele, não deixe que ninguém saiba. Nunca.

Queria que Yoongi estivesse errado sobre isso também.

Sua visão ficou turva. Manchas vermelhas apareceram.

Uma gota escura e viscosa de sangue coagulado caiu em cima do presente.

Oi!!! Vocês tem todo o direito de estarem furioses comigo!!!!!!!!!!!

Gostaria de pedir desculpas mais uma vez pela demora em atualizar essa história, eu idealizei ela por muito tempo, e a verdade é que eu preciso estar em paz pra conseguir escrever. Paz é a última coisa que eu tenho tido nos últimos dois anos, e por isso as postagens atrasaram tanto. Foi AVC do meu pai, foi formatura, falta de trabalho, trabalho demais, mudança, gente maluca fazendo maluquice e me deixando maluca também. A lista é longa e só agora estou conseguindo voltar a escrever pois estou morando sozinha (amém) e impondo mais limites às pessoas. As coisas vão mudar e voltarei a atualizar, se tudo der certo, quinzenalmente. Em breve farei um calendário de planejamento no meu instagram! Oblivium e Jiangshi terão data de postagem.

Peço desculpas por quaisquer erros, estou sem revisão e betagem. Caso saibam de alguém, podem indicar!

Dito isso, fica a pergunta que não quer calar: será que Jimin vai conseguir ficar longe do Jungkook? E que o Jungkook vai deixar o Jimin se distanciar?  (㇏(•̀ᵥᵥ•́)ノ) o próximo capítulo será bem interessante, rsrsrs. Daqui pra frente é só pra trás KKKKKKKKKKK

Me sigam no insta pra spoilers e curiosidades da fic! É o mesmo user daqui <3 

Muito obrigada por quem continuar acompanhando. Se tiver pelo menos uma pessoa, seguirei escrevendo.

BEIJU


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