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Hoseok acordou antes que o dia amanhecesse, fora dormir antes do findar do jantar, poupando-se das investidas românticas das outras princesas. Diria que até fugiu de Jimin, mas o homem não parecia realmente interessado em si, pois sua cordialidade beirava a amizade e apenas, mas percebia que seus olhos naturalmente azuis paravam por tempo demais em sua irmã; inocente e alheia as paixões que cativava sem esforço.
Ao sair do quarto vestido apenas de um hanbok tão escuro quanto os seus cabelos e sua coroa, precisou ordenar aos guardas que não necessitava de proteção, iria a biblioteca enquanto o desjejum ainda não era anunciado.
Adentrou ao espaço e como esperado, estava vazio. Um mar de paz e pura história; de romances, à árvore genealógica de toda a soberania Jung. Caminhou por entre os extensos corredores e prateleiras até que seus olhos o viram, vestindo uma armadura reluzente junto a um roupa preta, braços armados como se a qualquer momento pudesse lutar, e o cabelo estava solto de modo a emoldurar o rosto de traços tão únicos.
Lindo, pensou o rei.
ㅡ Se ficar me encarando muito vou acabar ficando assustado. ㅡ saiu dos seus pensamentos ao notar a voz grossa, e o quase imperceptível sorriso nos lábios chamativos.
ㅡ Você não dorme? ㅡ indagou ao se aproximar do general.
ㅡ Não preciso dormir.ㅡ deu de ombros e abandonou a leitura, deixando seu braço cair na lateral do seu corpo, sem soltar o poderoso manual de Enoque.
ㅡ E o que está lendo? ㅡ espremeu os olhos para tentar ler o título do livro, ao conseguir, torceu o nariz. Não parecia algo muito interessante.
ㅡ Livro de Enoque, é interessante, mas não diz muito sobre o que eu gostaria de saber.
ㅡ E o que seria isso?
ㅡ Quero abrir o portão do céu.
ㅡ Por quê? É o diabo por acaso?
ㅡ Sim.ㅡ tornou a voltar seus olhos para o livro, decidindo então encerrar sua leitura para continuar a conversar com o monarca.ㅡ Gostou das flores?
ㅡ Uhum...ㅡ Hoseok deu um passo na direção do diabo, ficando bem a sua frente, enquanto seus olhos fingiam procurar algo na estante atrás dele. Tentando esconder em sua postura, o quão tímido estava.
ㅡ Então por que o esconde? ㅡ seu indicador tocou com cuidado o lábio inferior do Rei, e o monarca tomou um susto devido a proximidade repentina.
ㅡ O que estou escondendo?
ㅡ Seu sorrriso, Hoseok.ㅡ desceu com o toque até a lateral do maxilar alheio, o enchendo com a sua palma, de modo a acariciar com cuidado a pele macia, sentia que o Rei poderia repeli-lo a qualquer momento.
Estavam tão entretidos com a bolha criada que não notaram a movimentação no início da biblioteca, serviriam o desjejum mas precisavam de Hoseok lá para isso; então os guardas se uniram para procurá-lo.
ㅡ Majestade? Está aqui?!
ㅡ Eu acho melhor você...
ㅡ Cala a boca.ㅡ interrompeu o Jung, em um sussurro tão próximo que sentiu todo o seu corpo formigar em resposta.
Não esperou que o general tivesse alguma atitude, por mais que não fizesse parte do seu feitio agir como um adolescente em uma guerra de hormônios, via-se sem os sentidos sempre que aquele homem lhe rondava. E durante aquelas festividades tão arcaicas, somente o general havia lhe provocado tantas sensações. E se sentia desonesto ao dar tanta esperança a outras pessoas quando a única que gostaria de conhecer estava bem ali, lhe deixando flores no quarto e o chamando para encontros.
Não teve pressa ao encostar dos lábios, parecia certo demais toda a situação que apenas fechou os olhos, guiado por instintos e pelo próprio ventre cheio de borboletas; ouviu no momento em que a porta da biblioteca fora fechada, estavam sozinhos, com os lábios grudados e as respirações entrelaçadas. JungKook por sua vez, largou o livro e este foi ao chão, deixando a mão do demônio livre para que ele pudesse segurar a nuca do Rei, embrenhando a palma entre os fios sedosos - pois a uns dias vinha se perguntando como seria a sensação de senti-los nos seus dedos. Já o rei, segurou na armadura do general como se aquele ato o impedisse de fugir.
Estavam se conhecendo.
Entendendo como suas linguas gostariam de dançar aquela melodia a dois, e o quanto o sabor proeminente de cada um parecia tão certo e delicioso ao ponto de nenhum dos dois querer parar. Mas precisavam de ar.
ㅡ Ainda que meus pulmões parassem, eu não teria coragem de interromper um beijo teu.ㅡ confidenciou o Rei, que recebeu em troca, um mordiscar sugestivo no seu lábio inferior, e uma trilha de selares que só parou quando o Satã alcançou a parte desnuda do seu pescoço.
ㅡ Deveria ir para o desjejum, Majestade. Ou eu serei capaz de te trancar aqui, e não acho que seus súditos gostariam de ouvir o tanto que eu te faria gritar.
Envolvido pela luxúria, Hoseok passou a ponta da sua lingua no lóbulo da orelha dele e sorriu, seguido de um segurar rapido no queixo do Satã, o obrigando por pouco tempo, a olhar nos seus olhos. Então disse:
ㅡ Você não seria o primeiro.
E tão rápido quanto chegou, ele se foi. Deixando o demônio com um sorriso descrente na face.
•
Hoseok estava na Câmara de audiências, já haviam se passado horas e nem metade dos peticionarios haviam sido atendidos. Alguns nem chegavam ao rei pois eram situações simples; alguns reconhecimentos de terra, pedidos de ração para os animais e averiguação dos mantimentos entregues no palácio.
Apenas os mais difíceis falavam diretamente com o rei, e é claro, os mais pobres cujo pedido de ajuda deveria ser autorizado diretamente pela coroa.
ㅡ Vá comer alguma coisa, irmão. Posso comandar a Câmara hoje. ㅡ sussurrou Dawon. ㅡ Além do mais, você tem ainda que se preparar para o Baile de amanhã. Não quer estar com olheiras, não é?
ㅡ Vá primeiro, e quando voltar, te entrego o comando daqui. Sim?
E sem relutar muito, a princesa se levantou e seguiu seu rumo a cozinha. Gostava de vez ou outra fazer suas refeições por lá pois era mais calmo.
E a medida que seus saltos iam contra o chão, as pessoas ali presente a reverenciavam. Parando suas mesuras somente quando a princesa ja não se encontrava mais ali.
Longe de toda a preocupação da realeza estava o padre, a igreja iluminada por um grande candelabro ainda parecia tão decrépita quanto seu dono, que conversa com seu falso Deus. Pedia ajuda, sabedoria para eliminar o rei que já havia se tornado uma pedra no seu sapato. Não via a hora de ter Hoseok como adubo das plantas que regava com descaso.
Entretido em seus pensamentos maquiavélicos, não notou quando o homem corpulento escancarou as portas sem usar as mãos. Na entrada, havia um pequeno chafariz onde a água benta ficava, a mostra e livre para os fiéis se benzerem ao entrarem na casa de Deus.
ㅡ Que lugar caído, Padre.
ㅡ Quem está aí? ㅡ indagou amendrotado, virando o corpo na direção da entrada.ㅡ O que o cão de guarda do Rei faz aqui?
ㅡ Ora, nada demais! ㅡ sorriu; mas o sorriso dado era diferente, esbanjava maldade pura. Como um espelho a mente perturbada do servente dos céus. Como um bom blasfemador, enfiou dois de seus dedos na água "purificada" e os chupou, gargalhando ao sentir a carne do padre tremer. ㅡ Tenha cuidado, Padre. Não serei tão bonzinho quanto Leviatã foi ao seu comparsa, entre no caminho do Hoseok e eu serei eternamente o seu pior pesadelo.
E como um vulto espesso, Lúcifer saiu dali, deixando o velho largado sobre as próprias pernas, tremendo em puro medo enquanto seus finos lábios sem cor, repetiam o nome de Deus.
A espreita da sua vergonha estava Miguel, que chegou logo depois da partida de Lúcifer. E viu naquele homem covarde, uma forma de ferir seu irmão permanentemente.
ㅡ Deus ouviu o seu chamado, pobre alma.
ㅡ Saia diabo! Eu rogo o nome de Deus!
ㅡ Sou um arcanjo, meu bom velho. E estou aqui para lhe dar uma missão! Terá um lugar garantido no céu.
ㅡ Perdoe-me! ㅡ curvou o corpo fraco na direção do arcanjo, deitando a cabeça no chão e voltando a sua postura anterior.ㅡ O que posso fazer, senhor? Tudo pelo paraíso!
E ao cair da noite, o velho responsável pelos traumas de Hoseok tramava junto a um anjo, a morte de não só um, como dois Reis.
Miguel faria de tudo para erradicar a existência do diabo de uma vez por todas.
E no castelo, alheio ao mal que lhe rondava, estava Hoseok. Dormindo um sono inquieto, perturbado pelos seus fantasmas. E Jungkook que o observava, pensou que não seria de todo o ruim deitar ao lado do jovem rei, e quando o fez, percebeu que todo o sono de Hoseok havia se estabilizado a medida que os braços dele apertavam o corpo do general. E pela primeira vez em toda a sua temida existência, Lúcifer dormiu.