Alguns degraus a cima e com a voz que o chamava tendo sessado, Volker sentiu alguém abraça-lo por trás. Uma voz doce e feminina lhe suplicava:
— Não vá meu filho... Porque desistir de tudo? O que ganhará com seu orgulho?
— Não quero ouvir sua voz... Você é a causa de todos esses problemas... — a frieza de Volker estava em seu ápice.
O fantasma de sua mãe flutuava na sua frente. Uma forma translucida de mulher com cabelos trançados e amor transbordante nos olhos de lápis-lazúli.
— Não foi de mim que herdou essa fraqueza... Posso ser humana, mas fui uma princesa nobre. Eu nunca fugiria de minhas obrigações em troca dessa liberdade vazia... Volte, por que você sabe que deve proteger essa casa. Os tesouros de seu pai não devem cair nas mãos daqueles dragões, pois eles são seus agora. Todo o reino de Meradomum é seu território, vai permitir qu... — A fala dela foi interrompida pelo som dos dragões se libertando do gelo e eles estavam enfurecidos.
Em poucos instantes a forma materializada de seu pai passou por eles na escada.
— Rápido vou segurá-los!
Os dois dragões nem podiam acreditar no que estavam vendo.
— Merak?! Impossível... Então ainda está vivo?
— Essa é a valentia dos dragões, onde dois são necessários para atacar minha criança?
Assim começaram uma luta violenta. Enquanto isso Volker se aproximava do príncipe, deitado sobre a espada nas patas de Merak. O rosto de Abel estava pálio e quase congelado.
— Farei isso apenas para obter mais poder... — resmungou Volker antes de efetuar o juramento.
~ ~ ~
No salão circular a batalha não se dava por ataques mágicos. Merak destruía os outros dois com suas garras e dentes. Escamas prateadas caiam ao chão a cada tapa deferido pela luta selvagem daqueles monstros.
Então o quarto dragão fez sua entrada, era Volker na forma completa. Olhos vermelhos, altura e escamas de um dragão verdadeiro.
Os outros dois nem acreditavam que era ele, até que Merak o cumprimentou e o elogiou pela escolha dizendo o quanto estava orgulhoso do filho. Por fim disse que lhe daria muito mais poder, por fim a materialização de Merak se desfez e a energia deitou sobre Volker que ficou ainda maior que um dragão verdadeiro.
Com um sorriso maléfico colocou os outros dois em terror e sem proferir uma única palavra avançou sobre os invasores, destruindo-os.
~ ~ ~
Quando o príncipe acordou estava deitado em um luxuoso sofá de veludo vermelho e prata, semelhante ao trono de seu pai. Mas, ao contrario de seu palácio, que agora parecia humilde, cada móvel daquela sala era entalhado em pau-ferro e prata. O teto que foi a primeira coisa que viu, era ricamente trabalhado. Ele se sentou com dificuldade, pois ainda estava fraco. Admirando, na sua frente, à sala mais bem decorada que poderia imaginar. Os quadros pareciam imagens reais. Os tapetes almofadas e cortinas, todos em tecidos nobres.
— Tudo muito acima das riquezas dos reis humanos... — pensou Abel antes de ouvir seu próprio estomago roncar, então notou a abandeja de prata a sua frente com uma refeição de bife e legumes, bem preparada, cheirando a manteiga e especiarias.
O jovem engoliu saliva, enquanto pensava se aquilo era real ou seria uma armadilha. Logo seu estômago doeu de fome e o dilema ficou ainda mais difícil.
— Coma longo! — ordenou uma voz atrás dele. Era Volker sentando na cadeira de uma belíssima mesa e, calmamente, tomando uma xícara de chá.
Embora sua forma draconiana fosse completa e com olhos vermelhos, a sua forma humana não mudara, ele ainda possuía a mesma aparência e olhos azuis, ainda por cima estava em posse da espada em sua cintura.
O príncipe terminou a refeição rapidamente e já posse de pé.
— Precisamos retornar a cidade, estamos cercados... — Abel perdeu a força e caiu sentando-se por conta da tontura e Volker foi até ele.
— Agora que está acordado vou leva-lo ao castelo e mostrar como se acaba com invasores — no meio dessa fala a forma humana ergueu o príncipe no ar e levando-o á sacada da janela, saltou.
Abel primeiro se assustou com a queda, mas ela logo se tornou um voo. A mão que o segurava por trás se transformou em uma enorme garra que envolvia todo o seu corpo.
Olhando para trás não havia castelo nem mesmo a sacada da janela que pularam existia. A vista só dava para as montanhas chapadas e o belo por do sol.
— Um encantamento... parecendo montanha?... — o príncipe sussurrou para si mesmo.
Mas o dragão ouviu tudo e com um olhar irritado retrucou:
— Deveria se preocupar com a muralha de sua cidade... Quando desmaiou, essa manhã, o gelo que a protegia começou a derreter. Olhe agora, está sendo invadida...
Os olhos de Abel saltaram em desespero logo convertidos em raiva, a cena era de completo caos. As flechas inimigas passavam por cima da muralha, o portão de gelo, que antes protegia a entrada, desaparecera.
Uma barricada de troncos, pedras e tijolos, feita as pressas, era a única resistência contra a entrada do exercito inimigo. Porém muitos já escalavam a barricada e com suas lanças condenavam os poucos homens que restavam de pé.
Foi quando a sombra do dragão passou sobre eles, seguida de uma baforada fria que transformou tudo que estava fora da muralha em um mar de gelo e neve. Volker pousou triunfante naquele deserto frio soltando uma risada assustadora.
— Vamos! Comemore comigo rei de Meradomum! — mas o príncipe mal conseguia respirar sendo espremido nas garras do monstro. Os próprios aldeões e soldados estavam assustados demais para comemorar a vitória.
~ ~ ~
De volta ao castelo, naquela noite, Abel reuniu em seu escritório os conselheiros e lideres de exercito. Mas o clima estava pesado demais. Afinal um dragão em forma humana sentando presunçosamente em uma poltrona e cobrindo parte da sala com gelo, não era convidativo ao diálogo.
— Talvez seja mais sábio adiar essa reunião até amanhã... — sugeriu um dos conselheiros.
— Sim alteza! — concordou o outro engolindo a seco e enxugando a testa nervosamente.
— Vossa alteza também parece cansado, deveria descansar após essa vitória...
— Então está decidido, podem ir agora... — consentiu Abel.
Assim todos saíram restando apenas Ian, que encarava o dragão prepotente. Com seus olhos azuis frios encarava o cavaleiro também. Então, Volker abriu mais um de seus sorrisos maldosos.
— Cavaleiro... Não deveria está me agradecendo por tê-lo poupado?
— A palavra correta não seria "salvado" ao invés de poupado? — Ian não escondeu sua irritação.
— Hahaha! Por que motivo eu salvaria uma vida inútil?
Ian continuaria a discursão, mas o príncipe chamou seu nome e com a cabeça acenou que 'não' bem discretamente.
Assim o cavaleiro se curvou em despedida ao príncipe e deu meia volta para sair, mas antes de cruzar a porta alertou:
— Alteza ao menos faça com que ele lhe entregue a espada, é você quem deve carreg...
Estacas de gelo brotaram aos pés do cavaleiro, que teria sido atravessado se Abel não tivesse se movido rápido para puxa-lo. Estando do lado dele as estacas pararam a poucos centímetros de seus corpos.
— FICOU LOUCO?! O que está pensando?! — bravejou o príncipe se posicionando à frente do cavaleiro, que tão surpreendido se calou, apenas pensou — O príncipe acaba de me salvar? Também está gritando? Isso não é comum, ele é sempre tão controlado. Esse maldito dragão...
Volker parecia duas vezes mais furioso que Abel, sua voz também foi duas vezes mais alta como se rugisse.
— A ESPADA FICARÁ SOBRE MINHA POSSE!
O cavaleiro foi o único que viu as mãos de Abel tremerem um pouco antes dele disfarça fechando os punhos e respondendo com voz calma.
— Faça como quiser, mas fique longe de meus homens... — e agarrando o braço do cavaleiro ambos deixaram a sala.
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