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By dayligzt

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By dayligzt

— Será que eles já chegaram? — Theo perguntou a respeito de Morrigan e Eris, olhando ao redor do salão de baile.

Azriel não sabia se aquele lugar realmente podia ser chamado de "salão de baile", porque não havia nenhum pingo de conforto e elegância, nenhum resquício de diversão por ali.

Bom, não que Azriel se divertisse em bailes. Exceto duzentos anos atrás, quando tinha Theo para convencê-lo a dançar a noite toda.

O salão era enorme, cheio de tochas em todas as paredes rochosas. Haviam algumas alcovas pelos cantos cobertas por cortinas vermelhas, para onde os convidados levavam os prostitutos e prostitutas contratados pelos Reis Sangrentos para entretê-los.

Haviam dezenas de mesas espalhadas, pouco espaço para caso quisessem dançar. As mesas redondas de madeira riscada tomavam a maior parte do salão, e os criados passavam por elas com as bandejas de metal com bebidas e comidas.

O palco não passava de uma estrutura grande de madeira retangular. Não era muito convidativo, muito menos para ele, que podia vender a alma ao deus sombrio só para não ter que subir ali.

— Céus — Theo resmungou, também observando o palco — vamos ter muito trabalho para deixar essa pocilga divertida.

Porque, se ele e a Raposa não conquistarem os Reis Sangrentos, as tripas da torre que serão limpadas pelos criados serão as deles.

— Estão ali — Azriel indicou uma mesa do outro lado do salão, a frente de uma alcova. Morrigan e Eris estavam sentados, em silêncio, sem fazer contato visual um com o outro.

— Que visão deprimente — Theo torceu o nariz, vendo os dois olharem para qualquer outra canto que não fosse um ao outro. — E os reis?

— Já estão sentados também — o Encantador de Sombras mostrou os dois machos e a fêmea sentados em uma das mesas mais próximas do palco, já comendo e bebendo, conversando entre si.

Os olhares dos convidados ao redor sob Theodosia estavam embrulhando o estômago do illyriano. A ruiva sempre foi capaz de chamar atenção, sua beleza sempre atraía todos para si, mas naquela noite...

O vestido de Theo era deslumbrante. Ela era deslumbrante.

Azriel a conhecia o suficiente para saber que aquele não era o tipo de vestido que a fêmea gostava de usar, muito justo e muito trabalhoso de vestir, provavelmente não muito confortável também. Theodosia gostava de vestidos leves e confortáveis.

Mas Azriel não podia negar que ela estava maravilhosa, parecendo uma chama dourada que aquecia todo o ambiente com apenas um movimento.

E ele também não podia negar que queria tirar aquelas pedrinhas douradas coladas acima das maçãs do rosto de Theo com a própria língua.

— Vamos cumprimentá-los, abra um sorriso — Theo avisou Azriel, vendo o semblante sério demais para um cantor. — Anda, Corvo, temos que ir para o palco daqui a pouco.

Azriel olhou-a de soslaio com aquelas íris aborrecidas, e então, abriu um grande sorriso falso, tão grande que todos os dentes ficaram a mostra, mas tão fingido que não chegava aos olhos.

— Que horror, melhor não sorrir — Theo franziu o cenho, antes de dar as costas para o macho e seguir em direção aos Reis Sangrentos.

Ragnar e Aesir pareciam de bom humor, conversando animadamente um com o outro. Hermond permanecia com aquele semblante de cachorro furioso, quase espumando pela boca.

Não precisava dos sussurros das sombras para saber que Hermond era um macho perigoso. O mais sádico dos reis, o mais impiedoso e com sede de sangue.

E Theodosia e Azriel estavam na mira dele. Hermond só estava esperando por um motivo para desembainhar a espada e começar a derramar sangue.

Mas se o rei erguesse um único dedo na direção de Theo, o sangue derramado seria o dele.

Estavam começando a se aproximar da mesa, os olhos dos dois reis e da rainha já disparando em sua direção quando o illyriano enlaçou a cintura da ruiva, andando ao lado dela, os corpos se chocando conforme passavam.

— Você disse que éramos amantes, esqueceu? — Azriel se curvou um pouco contra o ouvido de Theodosia, murmurando contra sua pele.

Ele viu quando a ruiva engoliu em seco, mas ela não respondeu. Ao invés disso, abriu um grande sorriso para os Reis Sangrentos antes de, juntamente do Mestre Espião, fazer uma reverência profunda.

— Estamos ansiosos para que nos ouçam no palco, majestades — Theodosia disse com a voz doce, a cabeça se erguendo na direção da mesa, ainda com a postura curvada.

— A banda está ali atrás — Ragnar indicou alguns machos próximos da parede, já com seus instrumentos —, quando estiverem prontos, só precisam chamá-los.

Ragnar estava com um elmo de bronze partido ao meio por cima dos cabelos grossos e ruivos, uma túnica vermelha cobrindo sua figura corpulenta.

— A menos que tenham desistido — Aesir arqueou uma das sobrancelhas escuras, um sorriso nos lábios ao dizer: — o que seria uma pena, Raposinha.

Aesir usava um vestido de tecido fino e azul, que descia até seus joelhos e se ajustava ao corpo com o boldrié marrom cheio de lâminas que estava usando como cinto. O cabelo escuro estava solto, os cachos caindo de maneira elegante por seu rosto.

— Certamente não desistimos — Theo respondeu com um sorriso gracioso. — Na verdade, vamos agora mesmo! Estou tão ansiosa!

A ruiva se curvou em outra reverência, Azriel a acompanhou.

— Com a permissão de vocês, majestades — Theodosia murmurou, ainda curvada. Ragnar a dispensou com um gesto singelo de mão.

O Encantador de Sombras não havia soltado a cintura da ruiva em nenhum momento da conversa, e isso também não aconteceu enquanto se viravam para seguir na direção da banda.

— Por que "Raposa"? — Azriel perguntou em um tom baixo, para que só Theo pudesse ouvir. Ela deu de ombros.

— Achei que Pássaro de Fogo era um nome grande demais — respondeu ela, pegando os dedos do illyriano e fazendo-o soltar sua cintura, como se o braço dele fosse um carrapicho preso ao vestido que ela acabara de arrancar. — Vou falar com eles.

Ela foi sozinha até os quatro machos, deixando-o para trás.

Azriel pensou que teria que constantemente durante o fim de semana evitar Theodosia. Mas não estava sendo necessário, porque ela o enxotava para longe o tempo inteiro.

Mas ela tinha motivos, não tinha? Azriel havia cometido um erro gravíssimo ao culpá-la pelo fim do relacionamento com Elain. E, desde então, Theodosia não o considerava-o digno de sua atenção e companhia.

E Azriel devia estar feliz por não ter que afastá-la ele mesmo, mas não estava. Ele queria puxa-lá pelo vínculo da parceria e trazê-la para perto.

As palavras de Cassian quando estavam no Refúgio do Vento voltaram a sua mente, fazendo morada ali enquanto via Theo sorrir para a banda, as pedrinhas douradas fazendo-a cintilar.

"— Vocês já perderam duzentos anos, Az — Cassian disse —, você quer mesmo continuar perdendo tempo?"

No entanto, o tempo de Azriel parecia ter se esgotado.

Viu quando Theo se virou para ele e ergueu o braço, mandando-o se aproximar. Os machos começaram a subir no palco, carregando os instrumentos.

Azriel não tinha gostado nem um pouco daquele disfarce. Preferia limpar o chão cheio de tripas á cantar na frente daquela gente toda.

Ele ainda estava sob o olhar da ruiva quando um criado passou com uma bandeja com pequenas doses de uma bebida azulada.

Azriel nunca bebia em missão, no entanto, nunca precisou cantar em uma.

Ele pegou duas doses da bandeja e virou uma na boca.

— Não! — Theodosia corria na direção dele quando Azriel tomou a segunda dose de uma vez. Ele sentiu o líquido descer rasgando sua garganta, mas o rosto permaneceu indiferente enquanto deixava os copos vazios por cima da bandeja de metal e acenava em agradecimento para o criado.

Quando a ruiva o alcançou, cruzou os braços e Azriel interpretou o olhar dela como um "você é um idiota".

— O que foi? — O macho perguntou.

— Você é um idiota! — Ela disparou, do jeito que ele sabia que faria.

— Foram só duas doses, Raposa — Azriel respondeu, ainda sob o olhar reprovador. — É preciso mais do que isso para me embebedar.

— Mas não é preciso mais do que isso para te fazer querer trepar com uma mesa — ela rebateu, apoiando as mãos nos quadris.

— O quê? — Ele franziu levemente o cenho.

— Eles colocam afrodisíaco fae nas bebidas — Theodosia explicou. — Não pensei que teria que avisar isso para você, já que você é um macho profissional que nunca bebe em serviço. Ou era, pelo visto!

— Foram só duas doses — ele repetiu.

— Está vendo mais alguém aqui tomar uma dose inteira? Metade já é suficiente para fazer as pessoas treparem a noite toda — ela segurou o osso do nariz com o dedo indicador e o do meio, como se Azriel a tivesse estressado ao ponto de sentir exaustão.

— Eu estou bem.

Theodosia rolou os olhos para cima antes de agarrar Azriel pelo pulso e arrastá-lo em direção ao palco.

A mão pequena de Theo envolveu o pulso dele com força, os calos leves devido a vida de pirata da fêmea roçando a pele do illyriano e deixando um rastro de calor por onde tocavam.

Azriel respirou fundo, subindo os degraus que levavam ao palco.

Duas doses não eram suficientes para embebedá-lo, também não seriam para fazê-lo perder o controle.

Theodosia agradeceu a um dos machos que a entregou os apetrechos enfeitiçados que aumentavam os sons. Ela grudou um deles na garganta enquanto o illyriano se virava para o público que esperava-os começar.

Ele encontrou Eris e Morrigan, a fêmea com as sobrancelhas arqueadas para Azriel, tentando segurar um sorrisinho. O Vanserra, no entanto, não disfarçava a risada.

— Relaxa, corvinho — Theodosia debochou ao se aproximar dele e se colocar na ponta dos pés para grudar o pequeno aparelho em sua garganta. — Ninguém vai prestar muita atenção em você.

O Encantador de Sombras não estava prestando muita atenção nas palavras dela, no entanto. Estava ocupado demais observando-a se esticar para ficar a altura dele, sentindo a ponta de seus dedos roçando seu pescoço.

Quando os olhos azuis-turquesa se cruzaram com os de avelã, Azriel se lembrou da época em que ele era quem tocava o pescoço de Theo.

Ele deu um passo para trás, piscando.

Quando a banda começou a tocar aquele ritmo repetitivo e agressivo que o povo de Vendavour costumava ouvir, Theo se aproximou dele para contar qual canção era aquela.

E Azriel estava se sentindo ridículo ali naquele palco, mais parecia um bobo da corte que um cantor, mas não tinha para onde fugir. Sua garganta pinicava com o aparelho grudado a ela, mas o macho acompanhou a voz da Vanserra, murmurando a música junto com ela.

Theo se destacava, obviamente. Os olhos de todos se concentravam nela, na maneira como se movia no palco como se fosse dona dele. Ela sorria e dançava, mandando piscadelas para os convidados.

Azriel queria ficar parado, apenas resmungando a música. Mas estava em uma missão, e querendo ou não, seu desempenho diria se eles sairiam do baile novamente para o quarto, ou para a torre de tortura. Ele não tinha muita escolha fora cantar direito.

Apesar de conquistar alguns olhares para si, era Theodosia a chama viva daquele salão de baile, recebendo aplausos e assobios do público, sendo elogiada a cada segundo.

O Mestre Espião precisava admitir que tinha sentido falta da voz dela, de ouvi-la cantar. Theo tinha o poder de atrair muitas pessoas por sua voz melodiosa, e Azriel era uma delas. Completamente hipnotizado por ela.

Os dois cantaram mais algumas músicas até Theodosia se aproximar de um dos machos que tocava o alaúde para entregá-lo os papéis que ela havia escrito no quarto. Ele distribuiu entre os amigos enquanto a ruiva se aproximava do illyriano.

— Agora, é a hora de impressionar — Theo disse para Azriel. — Vamos garantir nossa sobrevivência, pode ser?

Azriel não sabia se tinha assentido ou não, porque se distraiu em observar como as pedrinhas douradas coladas no rosto de Theodosia faziam seus olhos azuis brilharem.

Ele deu outro passo para longe dela quando um lampejo daqueles olhos arregalados invadiu sua mente, de uma noite em que estavam na cabana dos Vanserras, com Azriel colocando os dedos dentro dela...

— Está tudo bem? — Theo perguntou, a voz e as sobrancelhas arqueadas mostrando desconfiança. Ela bufou. — As doses já estão te derrubando?

— Estou bem — ele conseguiu resmungar, indicando os machos atrás de si quando começaram a tocar novamente. — Vamos acabar logo com isso.

O ritmo era mais animado do que o das primeiras canções, o que já despertou certa surpresa nos convidados. A batida dos tambores, junto com os dois alaúdes e a gaita ressoavam por todo o salão.

Theo mandou-o um olhar que, apesar de não ter gostado, Azriel entendeu o que quis dizer: "você começa".

Ele não era tolo, e sabia muito bem quando Theodosia compôs aquela canção, mas ela estava enganada, ao menos no que se referia à ele.

A ruiva tinha esse dom de fazer canções melancólicas com ritmos animados e dançantes, mas Azriel não fora tão carismático quanto ela quando teve que começar a cantar.

— Você se arrepende de mim, e eu me arrependerei de você, exceto que eu não me importo com o que você sente — Azriel começou, sabendo que se tratava de uma música que Theo escreveu, sabendo que era sobre o que ela queria provar a ele. Mas o illyriano discordava daquilo, então, adicionou ao trecho: — E eu definitivamente me importo.

Theo semicerrou os olhos na direção dele, sentindo a alfinetada. Ela arqueou as sobrancelhas, como se quisesse dizer que ele estava errado.

O Encantador de Sombras sentia o corpo esquentar, as palmas das mãos formigando para tocarem Theodosia, que se afastava para rodear o palco. A distância entre os dois fazia uma frustração subir até a garganta dele, fazia seus músculos se tensionarem.

Talvez ela estivesse certa, e ele tivesse cometido um erro. A bebida que tomara antes de subir ao palco estava começando a embaralhar seus sentidos e o deixar irritado. Talvez algo a mais do que irritado.

Azriel voltou a cantar, agora com a ruiva se juntando a ele, a voz mais baixa e deixando a do macho em destaque.

"Eu sou um deslize no sistema
Com um dom natural, como eu me movo
Então vá em frente e se arrependa de mim
Mas estou superando você."

Theo abriu um sorriso antes de soltar um arfar dramático para os convidados, preparando-se para cantar sozinha agora, mas Azriel a cortou.

"Você se arrepende de mim, e eu
me arrependerei de você
Você não conseguiu lidar com sua bebida
E parece que não consegue lidar com a verdade."

Ragnar, sentado com o outro rei e rainha próximo ao palco, arqueou levemente as sobrancelhas para a cena, para a figura de Theodosia se virando para Azriel com os olhos pegando fogo. Se era pelas palavras ou apenas pelo fato do illyriano estar roubando seus trechos, ele não sabia dizer.

Mas Theo abriu um sorriso afiado para Azriel, votando a cantar.

"Eu sou um deslize no sistema
E estou perfeitamente pronta para atacar
Então vá em frente e se arrependa de mim
Mas não vou pegar leve nessa canção."

Ela girou no palco, recebendo aplausos e assobios dos convidados. A Rainha Aesir foi uma das pessoas que a aplaudiu e urrou. Azriel sentiu seu semblante ficar mais duro.

Theodosia agora dançava livremente, parando de se irritar com Azriel para provocá-lo de volta com diversão. Ela estava se divertindo, mas ele não estava.

A música caiu em um ritmo mais lento por um momento, quando Azriel voltou a cantar, olhando para a ruiva de soslaio, vendo o cabelo ruivo e o vestido dourado fazerem-a parecer uma brasa ardente e selvagem.

E Azriel sentia que entraria em combustão.

— Sete anjos caídos em um copo — ele cantou, a voz mais grave conforme observava Theodosia seguir até ele, os olhos azuis queimando e o sorriso travesso em seus lábios. Ele engoliu em seco antes de continuar: — encontre-me na sala com suas chaves, encontre-me no canto onde você me mantém.

E Theodosia ainda tinha um sorriso felino no rosto quando tocou no ombro dele, os dedos quentes parecendo queimar a pele coberta pelo gibão de Azriel, quando ela cantou, com a voz delicada e arrastada: — Eu farei qualquer coisa que você quiser... eu farei qualquer coisa que você quiser...

Enquanto a música voltava a se agitar, os tambores fortes fazendo o palco vibrar, Azriel tentou segurar a mão de Theodosia que estava em seu ombro, tentou mantê-la próxima a ele, mas a fêmea puxou a mão para longe, girando nos calcanhares e seguindo para longe, torturando-o.

O Mestre Espião precisou conter um rosnado, precisou controlar as sombras que estavam agitadas em seu esconderijo, esperando um único deslize do Encantador parar correrem até Theodosia e dançarem com ela.

Os dois voltaram a cantar, Azriel sentindo queimar por dentro, e Theo aquecendo o ambiente afora.

"Você se arrepende de mim, e eu
me arrependerei de você
Acho perfeitamente natural
para estar fazendo aqui nesse palco
E não nos nossos esconderijos
Com aquela típica vista maravilhosa."

E, com o olhar vítreo de Theodosia na direção dele, a banda parou de tocar, deixando o salão de baile em silêncio por um curto momento, enquanto ela dizia: — Vá em frente e se arrependa de mim, mas estou superando você.

E a música voltou a gritar nos ouvidos de Azriel, enquanto todos gargalhavam, aplaudiam e enalteciam a dramatização de Theodosia.

Mas o illyriano não sabia se era apenas atuação para entreter os Reis Sangrentos. E isso pareceu atingi-lo profundamente, virando-o de frente para a ruiva, voltando a cantar para ela.

— Vá em frente e se arrependa de mim, mas eu sempre me arrependerei de você também — Azriel cantou, a voz brutal do illyriano retumbando pelo salão.

Theo pareceu ver algo no semblante dele que não gostou, porque ela tensionou a mandíbula, também virando de frente para ele com raiva inundando seus olhos.

— Vá em frente e se arrependa de mim, mas eu sempre me arrependerei de você também — ela repetiu, abrindo um sorriso venenoso ao dar um passo na direção do Encantador de Sombras.

E, com a canção chegando ao fim, os dois estavam quase colados um ao outro, terminando juntos:

"Vá em frente e se arrependa de mim
Mas eu sempre me arrependerei
de você também."

A banda continuou tocando um pouco mais, enquanto Azriel sentia o calor que Theodosia tinha começado a emanar em algum momento. Os olhos do illyriano medindo a postura ofegante e raivosa da fêmea a sua frente.

Os lábios reprimidos de ódio em uma linha fina de Theo vacilaram, como se ela tivesse conseguido ler nos olhos dele o quanto Azriel a achava linda quando estava com raiva.

A música acabou, e Theodosia se virou para o público que tinha começado a aplaudir avidamente, como se fosse a primeira vez que tivessem ouvido uma canção que não era relacionada a morte ou violência em geral.

A ruiva sorriu, acenando para eles com o charme que só ela tinha, conquistando-os com apenas algumas canções. Ela fez uma reverência, Azriel a imitou.

Quando Theodosia esticou o corpo novamente e se virou de frente para ele, o illyriano permaneceu em silêncio, admirando os traços delicados de seu rosto.

Do rosto de sua parceira.

Quase que involuntariamente, Azriel puxou o laço, fisgando a ponta presa á Theo, lembrando-a que ele ainda existia, que ainda estavam ligados um ao outro.

Theodosia soltou um suspiro baixinho, dando um passo na direção dele, como se a lembrança daquele vínculo a empurrasse para o macho. Ela umedeceu os lábios antes de descer os olhos na direção dos dele.

E, tensionando a mandíbula, Theodosia o empurrou pelo peitoral e passou por ele, descendo do palco em passos largos.

Os convidados continuaram a aplaudir, como se aquilo fizesse parte do show, como se Theo não estivesse furiosa de verdade.

Azriel piscou algumas vezes antes de descer do palco, tentando alcançá-la. Theodosia o olhou por trás do ombro, percebendo que precisava esperá-lo para que seguissem juntos até os Reis Sangrentos.

O Encantador de Sombras respirou fundo, contendo os ânimos para estender a mão para a ruiva. A fêmea suspirou levemente antes de segurar nela, e os dois caminharam lado a lado até ficarem a frente da mesa dos reis.

— E quem diria que o caladão canta mesmo? — Ragnar soltou uma risada estrondosa, um sorriso zombeteiro no rosto. — Foi um belo show, corvinho.

— Foi uma honra, Rei Ragnar — Azriel respondeu, curvando-se em uma reverência breve. A mão não soltando a de Theodosia.

— Acho que nunca vi esse lugar tão animado — Aesir comentou, um grande sorriso nos lábios cheios, os olhos escuros focados na ruiva.

— E será assim pelos próximos dois dias, se nos permitirem ficar para assistir ao leilão, depois de amanhã — Theodosia pediu, os olhos azuis transbordando de doçura e expectativa.

— E por que querem tanto isso? — Hermond finalmente falou, curvando-se um pouco sobre a mesa para apoiar os cotovelo na madeira. — Não acredito nem por um segundo que só querem cantar aqui.

— Queremos trazer luz e vida aos lugares escuros e mórbidos — Theo respondeu com educação, mas a voz mostrando indignação, como se Hermond a tivesse ofendido. — Queremos cantar aqui, assim como cantamos nos acampamentos durante a guerra contra Hybern, em Prythian. Assim como cantamos nos bailes de Amarantha, tanto tempo atrás. Nos arriscamos para trazer alegria aos amargurados e jamais vou me envergonhar disso.

Azriel precisou se esforçar para disfarçar o choque pelo cinismo de Theodosia, que olhava como se Hermond a tivesse ofendido profundamente.

— Deixe a doidinha em paz, Mond — Ragnar bufou. — Cantem amanhã novamente, e no dia do leilão. Mas não serão pagos pelas apresentações.

— Só de estarmos aqui, já estamos mais do que satisfeitos, majestade — Theo garantiu.

— A banda vai continuar tocando até o fim da festa — Aesir abriu um pequeno sorriso, indicando o salão. — Por que não aproveitam a noite?

— Obrigada, majestade — Theodosia se curvou mais uma vez, e Azriel a acompanhou.

Hermond soltou um grunhido que indicava que já estava na hora dos dois partirem.

No entanto, Azriel e Theodosia não aproveitaram a noite. Não juntos, pelo menos.

O Encantador de Sombras ficou sentado sozinho em uma das mesas, se esforçando para não ir atrás de Theodosia, se esforçando para pensar em qualquer coisa que não fosse ela naquele maldito vestido.

E, enquanto ele estava se torturando, Theo estava dançando com qualquer um que a convidasse. O rosto pálido estava avermelhado de tanto rir, uma camada fina de suor em sua testa, o penteado já um pouco bagunçado, com algumas mechas ruivas escapando dos grampos.

A única vez que Theodosia se dirigiu a ele nas últimas três horas foi quando colocou o par de sapatos por cima da mesa em que ele estava sentado e o mandou ficar de olho nos saltos.

Por mais que Azriel tentasse desviar o olhar, não conseguia. Como ela conseguia se divertir em um lugar como Vendavour?

É claro que ela daria um jeito de se divertir naquele lugar horrível e violento. Theodosia sempre conseguia fazer uma situação ruim se tornar animada.

Ela atraías as pessoas para si, as conquistava com um único sorriso charmoso. Sequer precisou do sorriso duzentos anos atrás, quando convidou Azriel para dançar.

Azriel percebeu que sentia falta disso, de dançar com ela.

Não que Azriel realmente gostasse de dançar, mas Theo o tinha tornado um ótimo parceiro de dança. Era com ele que Nestha dançava nos bailes, quando Cassian já tinha pisado nos pés dela o suficiente. Mas não era a mesma coisa.

Havia uma diferença palpável entre dançar coreografias rebuscadas ao som de orquestras, e dançar no meio de um bar estando bêbado e desajeitado, ouvindo a música mais indecorosa possível.

Ele sentia tanta, tanta falta de dançar com Theodosia.

Duzentos anos perdidos. Duzentos anos em que poderia ter estado com ela, seja lá para onde ela fora com o Demônio do Mar.

Se Theo tivesse o pedido para fugir com ele, Azriel teria ido. Sem pensar duas vezes. Ele teria largado tudo por ela. Foi exatamente por isso que ela não tinha o feito. Porque a Corte Noturna era a casa dele.

Mas fazia duzentos anos que ele não se sentia em casa. O lugar que ele realmente teria gostado de chamar de casa, provavelmente era a cabana dos Vanserras. Porque era onde Theodosia estava.

[...]

O baile se estendeu até um pouco mais de meia-noite, mas os Reis Sangrentos decidiram acabar com a festividade, como se fosse alegria demais para uma noite só.

Azriel e Theo deixaram o salão e seguiram por alguns corredores junto com os outros convidados, e quando encontraram Mor e Eris, os quatro caminharam próximos uns dos outros até não estarem mais a vista dos outros.

Quando os guardas estavam afastados o suficiente, Azriel os envolveu nas sombras, guiando-os pelos cantos escuros de volta para o salão, onde havia o cômodo acoplado em que os artefatos do leilão estavam guardados.

Ninguém percebia as sombras que moviam-se tão lentamente pelos cantos escuros, ninguém os impediu de voltar para o salão de baile. Os criados estavam ali, começando a limpar toda a sujeira, as comidas no chão molhado de vinho. Levou um pouco mais de uma hora até que aquela dúzia de feéricos fosse embora.

Quando o último criado deixou o salão, as portas foram fechadas pelos guardas, deixando os quatro ali, sozinhos.

As sombras finalmente os libertaram, uma explosão delas deixando-os a mostra, por fim. As espirais escuras seguiriam pelo ar até as grandes portas do salão, se enfiando por todas as frestas, impedindo que o som das vozes dos quatro fossem ouvidas por quem estivesse do lado de fora.

— Vamos logo com isso — Theodosia disse, seguindo em passos largos na direção do palco onde havia cantado algumas horas antes.

— Dentro da sala com certeza haverão armadilhas que impeçam as pessoas erradas de tocarem nos artefatos — Eris avisou, acompanhando a irmã de perto, deixando Morrigan e Azriel para trás.

— A noite foi agradável? — O Mestre Espião se viu perguntando para Mor, tentando ocupar sua mente com outra coisa que não fosse a cintura fina de Theodosia, o movimento que os quadris dela faziam conforme subia os degraus do palco.

Morrigan arqueou as sobrancelhas com desconfiança, sabendo que não era comum de Azriel começar uma conversa fiada.

— Na medida do possível, tendo Eris Vanserra como companhia — ela respondeu, começando a caminhar na direção do palco, onde os dois Vanserras estavam procurando por qualquer sinal da entrada.

— Tem certeza de que é aqui? — Eris perguntou a irmã, agora começando a tatear pela parede rochosa. — Talvez tenha ouvido errado.

— Não ouvi errado coisa nenhuma — Theo resmungou, dando alguns passos para trás, olhando aquela parede com atenção. Ela mirou Azriel por trás do ombro. — As sombras não podem dar uma ajudinha?

No mesmo momento, as sombras se descolaram do illyriano e seguiram na direção da ruiva, começando a serpentear pela parede rochosa.

As sombras espiralaram ao redor de uma fissura que estava a alguns centímetros acima da cabeça de Theo, na parede. A ruiva levou um dos dedos ali, contornando a fissura.

— O que fazemos? — A Vanserra perguntou, mas Azriel já conduzia as sombras para passarem para o outro lado da parede, para que buscassem um meio de abrir a porta.

Morrigan franziu o cenho, ficando entre Eris e Theo, e colocou a orelha contra a parede, se atentando a algum som que ela conseguia ouvir vindo de dentro da câmara.

— Tem algo se movendo — a loira murmurou, enquanto os Vanserras se aproximavam mais da parede para também ouvir.

— Parecem... engrenagens — Theodosia murmurou, com curiosidade, a bochecha colada á rocha.

Azriel sentiu quando as sombras que restavam em seus ombros começaram a ficar agitadas, desesperadas.

Perigo. Perigo. Perigo.

Saiam daí — Azriel avisou, já se aproximando para puxar Theodosia para o lado.

A ruiva se afastou junto com ele da parede rochosa, mas Eris e Morrigan não foram tão rápidos. Inúmeros buracos surgiram na estrutura de pedra, com arpões começando a escapar por eles.

Eris desviou do primeiro que quase acertou sua bochecha, e já estava se afastando para o lado contrário ao de Azriel e Theo quando outro arpão foi lançado na direção do peito de Morrigan.

A fêmea estava desviando de outros e não notou o que vinha na direção de seu coração. Azriel já estava saltando para frente para puxar a loira quando Eris ergueu o braço a frente do busto de Mor.

— Caralho! — Eris xingou, o rosto franzido em uma expressão de dor quando o arpão atravessou seu braço, sangue escorrendo pelos dois lados, a ponta brilhando em carmesim.

Morrigan o agarrou pelo gibão esverdeado e o afastou da mira da parede, os dois ficando perto de Theodosia e Azriel.

— Por que fez isso?! — Mor perguntou, choque nos olhos arregalados enquanto via Eris continuar a xingar.

— Preferiria que eu deixasse aquela porra atravessar seu coração? — O ruivo perguntou, segurando o braço direito com a mão esquerda. — É isso que eu ganho por tentar ajudar? Porra! Nunca mais tento fazer uma boa ação! Que merda!

— Pare de gritar, podem acabar ouvindo lá fora — Azriel disse, observando os arpões que permaneciam sendo lançados pela parede.

— Pelo menos o arpão não estava envenenado — Theo disse, se aproximando mais do irmão para analisar o braço.

— É, que sorte a minha — Eris ironizou. Suas sobrancelhas se franzindo quando viu Theo e Mor trocarem um olhar.

Azriel se viu precisando ajudar as duas. Cobriu a boca de Eris com a mão enquanto Morrigan arrancava o arpão. O ruivo urrou contra a mão do illyriano, o grito sendo abafado.

Theodosia segurou o braço ensanguentado de Eris entre as mãos, curando os cortes profundos. Felizmente, não fora nada grave o suficiente que não pudesse ser resolvido com magia feérica.

— O que fazemos com os arpões? — Theodosia perguntou, se referindo às armas que agora estavam jogadas pelo piso do salão. Parecia que o estoque da câmara havia acabado, porque havia parado de disparar.

— Vamos sumir com eles — Azriel respondeu, vendo os buracos na parede fecharem, as rochas ficando impenetráveis novamente, com exceção daquela primeira fissura.

— Vão descobrir que a armadilha foi acionada e vão nos matar — Mor disse, empurrando um Eris ofegante contra a parede para que ele se escorasse ali.

— Só vão abrir a câmara para pegar os artefatos no dia do leilão — Azriel explicou. — Nós vamos roubar a Ladra de Caos amanhã. No dia seguinte, quando estiverem procurando-a, já estaremos longe.

— Por que não a pegamos agora? Já estamos aqui — Theodosia falou.

O Mestre Espião estava pronto para concordar com ela quando as sombras se agruparam ao pé de seu ouvido.

— O que foi? — Theo perguntou quando Azriel se curvou no chão e começou a pegar os arpões.

— Tem alguém vindo — ele explicou, e no mesmo instante, os outros três pularam do palco para buscar os arpões que estavam espalhados.

Depois que todos estavam com as armas em mãos, Morrigan guiou o grupo até uma das alcovas cobertas com a cortina vermelha. Ela foi a primeira a entrar.

Eles deixaram os arpões no chão, aos seus pés. Eris e Mor estavam no fundo da alcova apertada, e Theodosia estava a frente de Azriel, fechando a cortina.

Azriel os envolveu nas sombras no instante em que as grandes portas foram abertas e passos foram ouvidos.

As sombras disfarçavam o cheiro deles, além de os deixar invisíveis, mas nada faziam pelas armas no chão da alcova. Se alguém abrisse a cortina, perceberia que a armadilha da câmara fora acionada.

Quando inspirou o ar, o cheiro de azalea e canela invadiram suas narinas, o cheiro de Theodosia. Ele tentou dar um passo para trás, mas Mor e Eris já estavam quase sendo esmagados pelas asas. Ele se remexeu mais uma vez.

— Quer parar com isso? — Theo cochichou, tentando vê-lo por trás do ombro.

— Estou tentando — ele murmurou, e quando os passos do lado de fora ficaram mais altos, a ruiva recuou um pouco mais de perto da cortina, prensando suas costas contra o peitoral de Azriel.

— Theo — Azriel fechou os olhos, a voz saindo engasgada.

— Cale a boca — Theodosia disparou aos cochichos. Mas ela deve ter sentido a respiração pesada do macho, porque perguntou: — o que foi?

— As doses.

— O quê?

— O efeito. Ainda não passou.

Azriel não precisava ver o rosto de Theo para saber que ela tinha ficado vermelha. De repente, a alcova começou a esquentar, aquele espaço minúsculo de repente começando a ficar abafado.

— Acalmem os ânimos, vocês dois — Eris resmungou. — Vai acabar nos cozinhando, Theo.

Azriel ouviu quando a cortina de alguma das alcovas fora aberta. Ele enlaçou a cintura de Theodosia, puxando-a mais para perto, para longe da cortina que poderia ser aberta a qualquer momento.

Ele se esforçou para se abaixar até o ouvido dela.

— A adaga, Theo.

O illyriano sentiu quando Theodosia levou a mão para trás, começando a subir pela perna dele até chegar ao cinto onde a Reveladora da Verdade estava presa.

Ela empunhou a lâmina contra o peito, esperando. Mas algo dizia a Azriel que Theodosia estava pensando no quão pior a situação ficaria se matassem alguém.

Mais uma cortina foi aberta, e Azriel finalmente identificou o cheiro de quem estava do lado de fora.

Era a Rainha Aesir.

Theodosia também pareceu perceber, porque guardou a adaga no cinto de Azriel. E começou a desenlaçar o braço dele de sua cintura.

— Theo — Azriel chamou, sabendo o que ela queria fazer.

— Espere a hora certa e saia daqui com eles — ela cochichou de volta.

Theo — Azriel pediu. Mas Theodosia já estava deixando a alcova, tomando cuidado para que a cortina continuasse a cobri-los depois que ela saísse.


Assim que Theodosia colocou os pés para fora da alcova, mãos a agarraram e prensaram contra uma das pilastras cinzentas. Ela arfou, as costas doendo contra a estrutura enquanto Aesir colocava uma adaga contra sua garganta.

— O que está fazendo aqui? — Aesir franziu o cenho, surpresa e desconfiança batalhando em seus olhos escuros.

— Prefiro responder sem uma lâmina contra a minha pele — Theo respondeu, a voz um pouco embargada.

Ela podia não estar vendo, mas sabia que Azriel estava tão tenso quanto ela. Se Aesir continuasse com aquela adaga contra seu pescoço, seu parceiro sairia do esconderijo e a mataria antes que ela pudesse matar Theo, o que acabaria com o disfarce de todos eles.

— Responda — Aesir repetiu, pressionando a adaga.

— Só precisava sair do quarto — Theodosia tentou dizer, sua garganta ondulando contra a lâmina. — Queria voltar para o palco. Me ajuda a acalmar os ânimos.

— E o que faria no palco uma hora dessas?

— Só queria estar ali — ela engoliu em seco, as sobrancelhas se franzindo um pouco de maneira tristonha quando continuou, baixinho: —, e queria estar... longe do quarto. Só isso.

— Por quê?

Theo abriu a boca, mas a fechou, balançando a cabeça em negação. Mas ainda havia uma lâmina contra sua garganta, então teve que responder.

— Eu e o Corvo estamos brigados.

— O quê? — Aesir franziu o cenho ao afastar a adaga da garganta da ruiva e dar um passo para trás, permitindo que Theodosia se desgrudasse da pilastra.

— Nós discutimos. Uma discussão séria. Não quero vê-lo agora. Quero me acalmar antes de voltar para o quarto e evitar acabar enfiando minha escova de cabelo nos olhos dele.

— Como conseguiu vir até aqui? Os guardas não te deixariam ir tão longe sem permissão — Aesir a analisou com atenção.

— Cantar não é meu único dom — Theo deu de ombros. — Também sou bem silenciosa — ainda sob o olhar desconfiado da fêmea, continuou. — Não estava fazendo nada de errado, Rainha Aesir. Estava deitada no palco quando ouvi seus passos. Me assustei e achei que era melhor me esconder.

Aesir continuou analisando-a, não muito convencida. Theo balbuciou nervosamente, os lábios trêmulos.

— Por favor... por favor, não me arraste para as torres, não fiz nada de errado, eu juro — Theodosia pedia juntando as mãos, a voz vacilante.

— Pare com isso — Aesir dispensou o medo da ruiva. — Está tudo bem. Mas não pode ficar aqui, precisa voltar para o seu quarto, e eu preciso levar os guardas que não impediram sua passagem para a masmorra.

— Entendo — Theo respirou fundo, ainda cabisbaixa. Aesir pareceu um pouco preocupada agora.

— O que houve entre você e o Corvo? — Aesir quis saber, os olhos escuros curiosos na direção da fêmea.

— Bem... — Theodosia fez subir o fogo que serpenteava por baixo da pele para as maçãs do rosto, parecendo tímida. — Ele estava com ciúmes.

— Como é possível ter ciúmes cercado apenas de brutamontes grosseiros? — Aesir soltou um riso nasalado. — Não acho que nenhum dos guerreiros daqui faça seu tipo, Raposinha.

— Ele não estava falando dos guerreiros — Theodosia murmurou, brincando com os próprios dedos. — O Corvo disse... que notou a rainha me olhando bastante.

Aesir abriu um pequeno sorriso no rosto elegante, dando de ombros antes de se aproximar mais, apoiando um dos braços na pilastras atrás de Theo e deixando-a cercada.

— Ele não pode me culpar por não querer desviar os olhos de alguém tão bonito — a rainha ronronou, fazendo um sorriso se abrir no rosto da ruiva. — Mas ele não precisa sentir ciúmes, precisa?

— Creio que não — Theo tremeluziu sob os cílios, umedecendo os lábios.

— Uma pena — Aesir soltou um muxoxo —, mas ainda temos alguns dias de festividades para que eu a faça mudar de ideia.

Theodosia ruborizou ainda mais, enquanto a rainha estendia a mão para ela, indicando a saída.

— Precisa voltar para o seu quarto, Raposinha — Aesir disse quando a ruiva aceitou sua mão. — Eu a acompanho até lá.

Theodosia seguiu com a fêmea em direção as portas, se controlando para não olhar para a alcova por trás do ombro. Azriel precisava chegar ao quarto antes delas.

As duas subiram conversando, Theodosia andando o mais devagar possível para dar mais tempo ao Encantador de Sombras. Aesir contava sobre como era governar o reino junto com os irmãos, e que Hermond parecia ranzinza e insuportável, mas era pior.

Theo achava difícil Hermond ser ainda pior do que parecia, mas não comentou a respeito.

Theodosia deixou escapulir que gostava muito de dançar. Aesir comentou das festas que haviam em algumas tabernas, dizendo que a melhor era aquela mais próxima do Forte. Disse que, se a Raposa voltasse a Vendavour algum outro dia, a levaria lá.

— Acha que consegue se manter no quarto pelo resto da noite? — Aesir perguntou de maneira zombeteira quando finalmente chegaram á porta dos aposentos do Corvo e da Raposa.

— Vou tentar — Theo riu baixinho, esperando que tivesse dado tempo suficiente a Azriel. — Me deseje sorte para suportar um illyriano reclamão.

— Boa sorte — Aesir riu, esperando Theodosia abrir a porta.

Mas ela não precisou abrir a porta, porque foi aberta por dentro, por Azriel, que agarrou a ruiva pela cintura e a ergueu no ar, apertando-a firmemente contra si.

Theodosia soltou um soluço surpreso sentindo seus pés saírem do chão, os olhos arregalados enquanto sentia o Encantador de Sombras balançá-la.

— Me desculpe pela briga, minha raposinha — Azriel dizia contra os cabelos de cobre, alto o suficiente para que Aesir ouvisse e acreditasse em toda aquela palhaçada.

— Tudo bem, meu corvinho — Theodosia respondeu cheia de carinho fingido, acariciando o cabelo escuro do macho, que ainda a balançava no ar, deixando-a mais alta que ele. — Vamos esquecer isso.

— Vou... deixar vocês a sós — Aesir falou, ainda da porta, as sobrancelhas arqueadas, como se não acreditasse que aquele illyriano rabugento de algumas horas antes pudesse ser tão manhoso.

— Rainha — Azriel fez uma reverência para Aesir, ainda carregando Theodosia nos braços como se a fêmea não pesasse nada. Depois, se virou para chegar a cama.

Theo engasgou quando o Encantador de Sombras se jogou na cama com ela ainda por baixo de seu corpo. Os olhos azuis arregalados estavam sendo cobertos pelas mechas ruivas que agora estavam bagunçadas por seu rosto.

— Certo, essa é a minha deixa para ir embora.

Theo conseguiu ouvir a voz de Aesir descontraída e ainda um pouco desconcertada vindo do corredor antes que a rainha fechasse a porta e partisse.

Azriel, lentamente, saiu de cima de Theodosia, ficando sentado na cama.

A ruiva engoliu em seco, ficando congelada no lugar por mais algum tempo. Ainda estava com o cabelo pelo rosto, mas sabia que o illyriano estava observando-a.

Theo se sentou na cama, de frente para ele. O encarou de volta. Piscou.

Theodosia pegou um dos travesseiros de forro cinza e começou a acertar Azriel.

— Qual. É. O. Seu. Problema? — A ruiva perguntou, cada palavra saindo de acordo com uma travesseirada no illyriano.

— Eu tinha que ser convincente. — Ele se defendeu, erguendo o braço para se proteger do travesseiro. — Você quem inventou essa briga por ciúmes. Você quem inventou essa coisa de amante! — Azriel tomou o travesseiro dela, colocando-o na cama a uma distância segura da fêmea.

Theo respirou fundo, tentando se acalmar. Não sabia ao certo porque estava irritada. Talvez por Azriel ter a pegado no colo como se fosse um saco de batatas. Ou porquê gostou de como ele a jogou na cama...

— Pare com isso — o illyriano reclamou quando ela se esticou para pegar o travesseiro de novo.

Theodosia se levantou, andando de um lado pelo outro no quarto, começando a tirar as presilhas do cabelo. E querendo ganhar espaço entre ela e o macho.

Olhando-o de soslaio, percebeu que Azriel estava começando a suar. Ele afrouxou o colarinho da camisa, incomodado. Se levantou e foi até a janela, abrindo-a e mantendo os olhos para fora do quarto.

— O efeito das doses ainda não passaram? — Theo perguntou.

Um rosnado dolorido como o de um cachorro chutado foi a resposta vinda do illyriano.

Ela puxou uma das cadeiras da mesa próxima da porta e sentou, analisando-o. Azriel permaneceu imóvel na janela, se debruçando sobre ela e se esforçando para respirar o ar puro e não... bem, o cheiro de Theo.

— Vamos conversar — Theo avisou. — Mor e Eris foram para o quarto também? Vocês se livraram dos arpões?

— Não quero conversar — a voz de Azriel saiu arrastada e gutural.

— Eu não perguntei se você queria — ela deu de ombros, mesmo sabendo que o macho não conseguiria ver. Tentando distraí-lo, perguntou: — sobre o que você e Elain conversaram antes de partirmos?

— O quê? — Azriel a olhou por trás do ombro, só por um momento. Seus olhos dispararam para a janela mais uma vez, como se olhar para ela fosse demais.

— Vocês entraram juntos na Casa do Rio. Imagino que tenham conversado — a fêmea ficou cutucando a parte interna da bochecha com a língua enquanto esperava por uma resposta, mas o illyriano ficou em silêncio. — Ela se arrependeu do término?

— Não.

— Você gostaria que ela se arrependesse?

Azriel não respondeu de imediato. As asas se arquearam um pouco em suas costas.

— Não.

Theo assentiu, se escorando contra as costas da cadeira, pensando no que perguntar agora. Mas o illyriano foi mais rápido.

— Você estava certa — Azriel disse, a voz baixa. Ela arqueou uma das sobrancelhas. — Elain não estava feliz. E por mais que eu tentasse negar, também não estava.

— Sinto muito — Theo murmurou. Azriel dispensou com um dar de ombros.

— Acabaria acontecendo, mesmo que você não tivesse metido seu nariz — ele comentou, o ar de zombaria fazendo um sorriso pequeno se abrir nos lábios da ruiva.

— Cinco anos com uma fêmea só — Theodosia falou —, é muito tempo. Vai ter que reaprender a paquerar.

Azriel soltou um riso nasalado, olhando-a por trás do ombro de novo, as orbes de avelã brilhantes, faiscando com diversão.

— Ela só estava me contando sobre o que faria no fim de semana — o illyriano respondeu aquela pergunta inicial, sobre o que ele e Elain estavam conversando. — Mas você já deve saber.

— Se eu soubesse, não precisaria perguntar.

— Lucien a convidou para conhecer a Corte Diurna. Ele também chamou Jurian e Vassa. Já devem ter partido, a essa altura.

Theo bufou. Era isso que Lucien queria contar!

— Ele disse que não está com segundas intenções — Theodosia defendeu o irmão rapidamente, mas Azriel dispensou o comentário com outro dar de ombros.

— Elain disse que eles são bons amigos. E, mesmo se não for isso, eu não posso fazer muita coisa — Azriel respondeu. — Ultimamente, ela está mais... viva, acho. — Ele pensou por um momento. — Se Lucien tiver alguma coisa a ver com isso, fico feliz.

— Pensamento muito maduro para quem estava se lamentando há uma semana — Theo zombou, as sobrancelhas arqueadas.

A ruiva conseguiu ver as sobrancelhas dele se franzindo, os olhos disparando na direção dela prestes a mudar de assunto.

— Você e a rainha estavam flertando — Azriel observou.

— A Raposa estava — Theodosia corrigiu, mandando um olhar esperto na direção do illyriano. Ele bufou.

— A Raposa e o Corvo não são amantes?

— Sim, mas nada impede minha personagem de ser infiel — Theodosia rebateu, uma risada escapulindo de seus lábios ao ouvir um resmungo vindo de Azriel. — Escolhi uma personalidade muito cativante para a Raposa! Engraçada, um pouco doida, talentosa e, é claro, mestre nas artes do flerte.

— O Corvo não vai gostar de saber disso.

— Ah, ele vai sobreviver. A Raposa sabe que ele é bem pior do que ela — Theodosia disse com um sorriso divertido.

— É aí que a Raposa se engana, o Corvo só tem olhos para ela — Azriel retrucou, os lábios curvados em um sorriso brincalhão.

Theo amava quando ele sorria assim.

Os olhos dele se semicerraram, como se tivessem conseguido ler nos dela aquele fato, e Azriel se virou para a janela de novo, se agarrando a mureta.

— Conversar não está dando certo? — Theo suspirou.

— Está longe de funcionar — Azriel reclamou, arrancando o gibão e ficando apenas com a camisa de baixo, parecendo estar sentindo um calor insuportável.

— Pela Mãe, chega, você não pode ficar nesse quarto — Theodosia se aproximou dele, mas o illyriano deu um passo para trás, como se ela fosse perigosa. — Vamos te tirar daqui.

Precisava encontrar um lugar em que Azriel pudesse gastar as energias, mas só de imaginar os lugares convencionais em que ele podia se aliviar, seu estômago se revirava. Tentou imaginá-lo em um prostíbulo, rodeado de fêmeas...

Theodosia sentiu que ia vomitar.

Alívio a inundou quando pensou em outro lugar onde poderiam ir.

Ela foi até o armário e tirou duas capas das bagagens, entrega a que pertencia ao illyriano para ele, já vestindo a própria, de um laranja claro.

— Vamos, Azriel — Theo se aproximou, erguendo a mão para ele depois que o viu vestir a capa —, precisamos atravessar para fora do Forte.

— Para quê? — O Encantador de Sombras perguntou com desconfiança, tentando evitar olhar para Theodosia por muito tempo. Mas ele não resistiu, e seus olhos subiram da mão erguida até as clavículas proeminentes...

Theo também começou a achar o quarto abafado demais.

— Para que você gaste as energias — Theodosia sacudiu a mão no ar, apressando-o. — Vamos logo.

Azriel analisou a mão estendida da ruiva antes de soltar um suspiro e a segurar. As sombras finalmente deixaram o esconderijo nas costas do illyriano e envolveram aos dois rapidamente, rodeando-os até que atravessassem para fora da fortaleza.

Quando Theodosia foi liberta pelas sombras, viu que estavam em um beco de uma rua qualquer da capital. Erguendo a cabeça, conseguiu ver a enorme fortaleza, a muitos quilômetros.

A Vanserra puxou o Mestre Espião pelo pulso, enquanto as sombras dele se escondiam atrás das asas novamente. Os dois começaram a caminhar pelas ruas em passos largos, ela tentando compreender onde estavam para saber para onde seguir.

A mão de Azriel apertava-a com firmeza, mas ele parecia se esforçar para ser cuidadoso, para não machucá-la. Sendo guiado por ela pelas ruas úmidas e escuras da madrugada, o macho ficou em silêncio o tempo inteiro.

Por sorte ou intervenção divina, Theodosia encontrou a taberna que Aesir tinha mencionado. Ela franziu o cenho, avaliando o estabelecimento construído em rochas sujas, com poças de lama a frente da porta. Parecia igual a qualquer outro lugar de Vendavour, com exceção de um único detalhe: havia uma lamparina pendurada ao lado da porta, e as chamas não tinham uma cor comum. O fogo era esverdeado, vibrante, quase fluorescente.

Ela conseguia ouvir a música vindo de dentro do lugar, e soltou um muxoxo. Pareciam estar tocando as mesmas músicas horrendas que, aparentemente, todos daquele povo violento gostavam.

— Foi o melhor que eu consegui — Theodosia avisou, puxando Azriel na direção da porta. Ela o olhou por trás do ombro, percebendo que ele continuava tenso, a veia em seu pescoço saltada.

Quando a ruiva abriu a porta, já entrou de uma vez, puxando Azriel consigo. A porta fechou-se atrás dos dois com um estrondo, o barulho sendo engolido pela música gritante.

Theo se surpreendeu com o que viu. Do lado de fora, parecia com qualquer outra taberna imunda daquele reino, mas por dentro...

Era completamente diferente.

Luzes fae laranjas e amareladas estavam penduradas no teto alto -muito mais alto do que se mostrava ser do lado de fora. Elas balançavam de um lado para o outro, reluzindo no rosto daquelas dezenas de feéricos dançando.

E a música certamente não era a mesma que fora ouvida do lado de fora. Era animada, dançante. Não era o estilo de Vendavour, mas não havia banda, o som vinha de aparelhos mecânicos presos nas paredes, como um Symphonia, mas... muito mais alto.

Foi quando Theodosia entendeu que ali era um lugar encantado, o lado de fora feito para que ninguém desconfiasse que, por dentro, não havia aquela agressividade palpável que o reino tanto gostava.

— Vamos voltar para o Forte — Azriel avisou, segurando a mão de Theo com mais firmeza para trazê-la para mais perto, para seguirem em direção a porta. — Eu fico trancado no armário ou sei lá.

— Fala sério — Theodosia bufou, puxando-o de volta. — Vai ser divertido. Você vai gastar as energias e não vai precisar se trancar em lugar nenhum. — Ele não parecia muito convencido, então, ela continuou: — não temos opções melhores.

— Temos uma — Azriel retrucou, a voz gutural, como se as palavras tivessem saído sem o consentimento dele.

Theodosia não conseguiu evitar quando suas bochechas ficaram avermelhadas. Voltar para a fortaleza não seria uma boa ideia...

Azriel não estava pensando com clareza e estava por um fio de perder o autocontrole. E Theodosia não tinha autocontrole quando se tratava do illyriano.

— Vamos, Az — Theodosia abriu um sorriso travesso, apesar do misto de sensações que bagunçavam seu âmago. Ela se soltou do macho, seguindo na direção do mar de feéricos que não paravam de dançar. — Como nos velhos tempos.

Azriel continuou congelado no lugar, pensando, os olhos descendo por Theodosia antes de se fixarem nos olhos dela.

O Encantador de Sombras abriu um pequeno sorriso, seguindo-a. A ruiva soltou uma risada, segurando nas mãos dele para que começassem a dançar uma música típica que qualquer um sabia a coreografia, erguendo as mãos para cima, ou girando no lugar, trocando de parceiros em alguns momentos.

Theo se lembrou da primeira vez em que dançaram juntos, na Casa na Floresta. Se lembrou de como Azriel era desajeitado e um péssimo parceiro de dança. Mas eles tinham se divertido tanto.

Enquanto erguia a mão no ar, ainda segurando a dele e rodava no lugar, se lembrou de como era emocionante quando os dois se amavam em segredo, desde a primeira que se viram. Theo gostava de pensar que foi amor à primeira vista, e Azriel nunca negou a ideia.

Fora tantas vidas atrás, mas agora, com o Encantador de Sombras enlaçando-a pela cintura com um dos braços, enquanto seguravam um na mão do outro e ele a guiava de um lado para o outro, parecia que nunca tinham se afastado. Parecia que passaram aqueles duzentos anos juntos, fazendo exatamente aquilo.

— Aí! — Theo reclamou quando sentiu seu pé ser pisoteado pelo do Mestre Espião. — Pensei que tinha te ensinado direito!

— Desculpe — Azriel soltou uma risada, o som chegando aos ouvidos de Theo e soando muito melhor do que a música que tocava —, mas já estou há muito tempo sem praticar.

Ela sentiu tanta falta da risada dele. Daquele som tão raro vindo do illyriano, mas que antigamente escapava fácil quando estava perto de Theodosia. O som que, mesmo quando Theo se sentia queimando de ódio por suas obrigações, a embalava em uma carícia refrescante.

Os dois dançaram, pelo menos, cinco músicas até que Theodosia largasse a capa laranja em alguma mesa e voltasse para a pista de dança correndo. O sorriso não deixou o rosto do macho nem por um segundo, enquanto a observava voltar correndo para ele.

Um garçom passou com uma bandeja com doses, e Azriel parecia realmente confortável ali, porque estava esticando o braço para pegar a última que sobrara na bandeja de metal do feérico, mas Theo foi mais rápida.

— Você já tomou o suficiente, não acha? — Ela debochou com uma sobrancelha arqueada antes de virar a dose na boca. Seu rosto congelou em uma expressão de pavor.

— Merda, também é afrodisíaco fae? — Azriel ficou tenso, se aproximando de Theodosia. — Não estou dando conta nem de mim mesmo, Theodosia. Por favor, enfia os dedos na garganta e vomita isso antes que...

— Estou brincando! — Ela soltou uma risada, devolvendo o copo vazio à bandeja. A ruiva agradece ao garçom, que se afasta logo depois. — Apenas o velho álcool. Já estou tendo trabalho demais com um de nós estando completamente descontrolado.

— Mas está divertido — Azriel sorriu de maneira travessa, firmando as mãos fortes no quadril de Theodosia, trazendo-a para mais perto.

Theo poderia ficar para sempre com as mãos dele ali.

— Só um pouco — ela conseguiu responder, o colo ficando tão avermelhado quanto as maçãs do rosto.

Theo dançava tão alegremente quanto naquela primeira vez. Azriel sorria muito mais do que naquela época. Ele ria no ouvido dela, fazia piadas um tanto inapropriadas que a faziam gargalhar.

Mas, assim como naquelas primeiras vezes, disse que ela estava bonita. Mesmo naquela época, com lábios rachados e aparentando sempre estar fraca, Azriel a achava linda.

Theo não queria soltar a mão dele nunca mais.

O Encantador de Sombras colou os corpos dos dois, subindo uma das mãos pelo flanco da princesa, os dedos deslizando por cima das luvas de pedrinhas douradas até tocarem a pele pálida.

Quando a mão subiu para o queixo de Theodosia, os olhos azuis dispararam para os de avelã, escuros de uma maneira que ela não via fazia muito tempo. Os dedos subiram pelo rosto dela com o toque leve, fazendo-a soltar um suspiro trêmulo.

Azriel, cuidadosamente, tirou uma das pedrinhas douradas acima da bochecha dela. Os olhos intensos focados onde o acessório estava antes, a pele provavelmente um pouco marcada.

O Encantador de Sombras se curvou, deixando um beijo onde a pedrinha estava colada um momento antes.

— Queria fazer isso desde que te vi vestida assim — Azriel murmurou contra o ouvido de Theo, os lábios roçando o lóbulo da orelha dela.

Theodosia sentiu que estava febril, os olhos se fechando ao mesmo tempo em que as mãos se fechavam na camisa de Azriel, grudando-se mais à ele.

Aquilo não daria certo. Se continuassem com os rostos tão próximos...

Theo começou a ter um mau pressentimento. Nenhum dos dois aguentaria muito tempo.

Ela se virou de costas para ele, ganhando distância entre seus rostos. As músicas com coreografias tinham acabado há muito tempo, e agora os feéricos apenas se balançavam de um lado para o outro, se divertindo cada um à sua maneira.

Azriel claramente estava se divertindo quando passou o braço pelo quadril de Theodosia, enquanto que a mão livre subia para o cabelo dela, os dedos se enroscando nas mechas acobreadas e pendendo cuidadosamente a cabeça para trás, da forma que ele queria.

Theo engoliu em seco, os olhos azuis concentrados nos de avelã, que observavam-a com tanta devoção que a fêmea começou a se sentir faminta.

A respiração pesada de Azriel se misturava com a trêmula de Theodosia, os narizes se tocando conforme o macho se movia. Os lábios deles estavam tão, tão próximos...

Azriel tinha deixado bem claro que não se apaixonaria por Theodosia de novo. E ela não conseguia viver aquilo sem evitar que... que gostasse mais do que deveria.

Theo virou o rosto para frente, seu corpo se amolecendo contra o do illyriano que se curvou mais atrás dela, os dedos soltando seu cabelo e passando-o para seu ombro direito, deixando seu pescoço exposto.

— Quer que eu me afaste? — Azriel quis saber, o nariz acariciando a pele entre o pescoço e o ombro de Theodosia, o gesto a fazendo se jogar mais contra ele, enviando lembranças que Theo se esforçava para esquecer na última semana.

Ela deveria querer que ele se afastasse, mas a única resposta em sua mente era um gritante não.

— Você não quer nada disso — Theo conseguiu murmurar, apesar da garganta seca, apesar dos olhos fechados, sentindo a mão fria de Azriel descer por sua barriga, resfriando o corpo sempre tão quente dela.

— Não há nada no mundo que eu queira mais — ele confessou ronronando, antes de sugar a pele dela e mordisca-la.

Theo não sabia se havia alguém os observando dançar daquele jeito indecoroso até mesmo para uma taberna secreta. Mas não estava se importando com isso, a única coisa em sua mente era o illyriano atrás dela.

Aquele mau pressentimento continuava ali, mostrando-a como as coisas terminariam se ela cedesse. Mostrando-a como seria se finalmente se virasse de frente para ele e o fizesse enroscar as mãos em seu cabelo de novo...

Theo tinha o amado tanto. E mesmo sabendo do quanto doeu partir, ela não se arrependia de tê-lo amado tão profundamente. Mesmo se não o tivesse levado para as festas de rua, mesmo se só tivessem se visto aquela única vez na Casa da Floresta, Theo teria o amado.

Azriel se afastou um pouco, o rosto mostrando certo esclarecimento, enquanto os olhos de avelã estavam concentrados nos dela, como se tivesse conseguido ler cada pensamento que passara pela mente de Theodosia.

E Theo nem tentou resistir quando Azriel a guiou em direção ao canto mais escuro da taberna, próximo da janela, onda as luzes das ruas Vendavour iluminavam pouco o ambiente, e as luzes fae coloridas não alçavam.

O Encantador de Sombras segurou na cintura da ruiva e a colocou contra a parede rochosa com todo o cuidado do mundo. Ela se agarrou à camisa dele, o tecido em punhados em suas mãos, trazendo-o para tão perto quanto possível.

Aquilo poderia acabar com tudo. Poderia mudar tudo.

Azriel beijou sua pele por cima das pedrinhas douradas, beijou suas bochechas, sua mandíbula. As mãos apertando sua cintura com uma força comedida, dizendo que só estava esperando que ela permitisse.

Uma palavra, um assentir de cabeça, um grunhido, qualquer coisa que o mostrasse que podia beija-lá.

Theodosia ergueu a cabeça para ele com uma permissão silenciosa e fechou os olhos, esperando.

Azriel arfou de alívio quando segurou no rosto dela com as mãos em concha e se aproximou, as respirações se misturando enquanto seus lábios se aproximavam.

Theo esperou que seus lábios se tocassem. Esperou que seus lábios finalmente se tocassem depois de duzentos anos. O corpo esquentava de necessidade e urgência por baixo das mãos do Encantador de Sombras.

No entanto, Azriel suspirou, as mãos ficando mais rígidas no rosto de Theo.

A ruiva abriu os olhos, percebendo que o macho não olhava mais para ela, e sim para a janela.

Theodosia se descolou da parede e se virou para ver o que tinha de tão assustador fora da taberna que impedisse-o de a beijar.

— Corvos — Theo falou, tentando fingir que não estava se sentindo ofendida. Corvos fizeram Azriel perder a vontade de beija-lá?

Theodosia tentou contar quantos pássaros haviam e se perdeu. Pelos menos vinte? Vinte e cinco? Não sabia dizer. Todos no chão a frente da janela, grasnando e olhando para dentro, e ela podia jurar que estavam olhando para Azriel.

— Temos que voltar para a fortaleza — o illyriano avisou, puxando Theo para longe da janela, como se os pássaros fossem capazes de matá-la com as patinhas. — Vamos buscar sua capa.

— Azriel...

— Vamos, Theo — ele a segurou pela mão, levando-a até a mesa onde a ruiva tinha largado a capa. O macho vestiu a roupa nela, prendendo-a com cuidado, mas agilidade, e cruzou a taberna em passos largos.

Quando saíram da taberna, Azriel mal olhou se havia alguém na rua antes de libertar as sombras e fazê-las atravessarem aos dois de volta para o quarto.

De volta nos aposentos, o Encantador de Sombras fechou a janela e a cortina, mas deu um passo vacilante para trás.

Os corvos pareciam ter quebrado o efeito do afrodisíaco, mas não fizeram nada quanto à sonolência colateral que vinha depois que o sujeito finalmente estava esgotado.

Os olhos de Azriel estavam pesados, mas ainda preocupados enquanto ele tirava a camisa de mangas compridas. Ele deu dois passos na direção do biombo e quase tropeçou sozinho de sono.

— Deixe para tomar banho de manhã, ou vai acabar se afogando na banheira — Theodosia falou, guiando-o de volta para a cama.

Azriel deitou, parecendo ainda atordoado. Seria tudo isso por conta dos pássaros ou porque, apesar de recusar os sentimentos de Theodosia, quis beija-lá? Azriel se arrependia de ter dançado com ela?

O illyriano desceu as mãos para as calças, tentando puxa-las para baixo, mas o cinto o impedia e Azriel parecia tão cansado que esqueceu de tirá-lo. Theo bufou, observando a batalha entre ele e a roupa.

— Para com isso, vai acabar rasgando — Theodosia resmungou, ajudando-o com o cinto. Depois, puxou as calças para baixo. — Pelo visto já está na hora do bebê illyriano dormir.

Azriel grunhiu sonolento, os olhos se fechando. Theodosia jogou um cobertor por cima dele e seguiu para o armário, buscando uma camisola.

Diferentemente do illyriano praticamente desmaiado na cama, Theo tinha forças para se banhar. Ela ficou alguns minutos na banheira, se ensaboando e tentando processar as últimas horas.

Estar com vontade de beijar Azriel fora mais assustador do que ver arpões saindo de uma parede.

Ser rejeitada por ele de novo foi pior do que se um dos arpões tivesse acertado seu braço.

Theodosia estava indo tão bem em se manter longe dele, e jogou tudo para o ar por causa de algumas horas de dança.

Quando saiu de trás do biombo, já estava usando a camisola amarela clara e com o cabelo comprido penteado. Se aproximando da cama, viu que o macho ainda estava acordado, os olhos pesados seguindo-a, observando-a sentar na cama.

— Senti sua falta — Azriel sussurrou, as asas fechadas na cama, para que ela pudesse deitar com conforto.

— Fiquei menos de quinze minutos na banheira — Theodosia soltou um riso nasalado, se deitando a alguns palmos de distância.

Ele balançou a cabeça em negação, os olhos se fechando enquanto a mão apalpava a cama procurando por Theo. Azriel a passou por baixo do quadril dela e a cutucou, tentando convencê-la.

Theo já tinha chutado o balde. Só algumas horas de sono não fariam diferença, fariam?

Theodosia se aproximou dele pela cama, sentindo o braço forte envolver seu quadril, trazendo-a ainda para mais perto. Sua mão estava pesada de sono, mas ele acariciou as costas da fêmea mesmo assim.

Ela encostou a cabeça contra o peito dele, sentindo o coração do illyriano bater tão próximo do dela.

— Não me deixe mais, Theo — ele sussurrou. — Por favor, não me deixe de novo.

Com isso, ela entendeu que Azriel não tinha se referido ao tempo que ela levou tomando banho. Ele sentiu falta dela naqueles duzentos anos.

Azriel estava morrendo de sono e tinha tomado duas doses de afrodisíaco. Theo não sabia como alguém ficava após tomar tanto, talvez ele estivesse delirando, talvez nem se lembrasse disso quando acordasse.

Por isso, só por isso, ela respondeu: — eu não vou. Nunca mais.

Ele abriu um sorriso sonolento, satisfeito. Não levou dois minutos até que pegasse no sono e continuasse adormecido pelo resto da noite.

Azriel dormiu tranquilamente, o braço ao redor de Theo o tempo inteiro.

Mas, quando ele acordasse, Theodosia não estaria na cama.

‧₊˚ Decidi colocar as músicas mencionadas nos capítulos para que vocês possam imaginar melhor a cena. Eu, particularmente, imagino que a voz do Azriel seja mais grave, mas tenho para mim que a voz da Riley Keough combina muito com a Theo. O que vocês acham?

‧₊˚ Com certeza não há instrumentos elétricos em ACOTAR, e eu precisei alterar um trechinho da música: "Acho perfeitamente natural, para estar fazendo aqui no meu carro, Fora da Pacific Coast Highway" porque não faria sentido nenhum, mas apesar desses detalhes, acho que deixar a música junto do capítulo fica divertido kkkkkkkkkk

‧₊˚ Escrevi a cena do Az e da Theo dançando na taberna ouvindo Dancing With Our Hands Tied e tenho essa ideia na cabeça faz muuuuuito tempo, só estava esperando a oportunidade pra usar. Vocês gostaram?

‧₊˚ Por hoje, é isso! Até logo <3

——— F. 22 de outubro de 2023.

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