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By dayligzt

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By dayligzt

Theo estava sonhando. Estava mais para uma lembrança, na verdade. Uma memória que a antiga Princesinha das Chamas havia guardado consigo com todo o cuidado, por todos aqueles anos.

A Theodosia de duzentos anos atrás, magra demais para seu próprio bem, de cabelos curtos e lábios rachados, estava no banheiro da cabana dos Vanserras, olhando seu reflexo pelo espelho.

Ela e Azriel estavam na cabana desde que voltaram de uma festa em Núbia, onde haviam dançado até que os pés dela doessem. Assim que chegaram no local aconchegante, Theo foi para o banheiro e se trancou lá dentro.

A princesa e o Encantador de Sombras estavam juntos já fazia alguns meses. E pela primeira vez em muitos anos, ela estava feliz. Ela era feliz, ao menos quando estava com o illyriano, aconchegada em seus braços ou dançando, bebendo ou rindo com ele.

Nos últimos tempos, Theo estava começando a se sentir culpada por esconder seu relacionamento com Azriel dos irmãos mais velhos. O illyriano havia se tornado mais parte dela do que o sobrenome Vanserra, mais do que o fogo que havia em seu sangue.

Não havia mais uma Theo sem um Az, ou um Az sem uma Theo.

E ela queria muito dar o próximo passo com ele.

Quando Theodosia saiu do banheiro, Azriel se virou para ela, sentado na cama. Um suspiro profundo escapuliu dos lábios entreabertos dele, os olhos de avelã disparando para a camisola que a fêmea estava vestindo.

A camisola curta terminava no início das coxas, um tom de verde esmeralda que, quando chegava aos seios, se tornava pura renda, deixando o contorno dos mamilos rosados a vista.

Azriel não falou nada. Ele continuou observando-a com os olhos brilhando de adoração enquanto Theodosia caminhava até a cama, parando a beira, perto de onde ele estava sentado.

— O que... — Azriel piscou, tentando se concentrar no rosto da fêmea, mas seus olhos sempre acabavam desviando para a camisola e o que ela não era capaz de cobrir. As orbes de avelã subiam das coxas pálidas até os mamilos cobertos de renda. — Theo.

Theodosia subiu na cama, ficando de joelhos a frente de Azriel, que permaneceu congelado no lugar, as mãos cerradas em punho enquanto observava-a, como se estivesse usando cada grama de força de seu ser para não toca-la.

— Estou pensando sobre isso já tem algum tempo — disse ela baixinho, os dedos mexendo timidamente no lençol amarelo claro. — Antes de conhecer você, eu nunca tive vontade de fazer isso. Antes de te conhecer, eu não gostava de conversar, ou de fazer amizades.

Azriel a ouvia atentamente agora, os olhos de avelã intensos focados nos dela. As pequenas sombras deixando os ombros do Encantador para perambular pelos ombros nus de Theo, afagando a pele com carinho.

— Sabe que eu amo você — ela continuou, a voz um pouco embargada de emoção —, sabe que amo estar com você, e dançar, e conversar, e cantar... E já fazia tanto, tanto tempo que eu não me sentia assim.

— Assim como? — Azriel perguntou, os olhos fixados nos dela com toda a atenção do mundo.

— Viva. Verdadeiramente viva — Theodosia confessou. — Alguns meses atrás, eu só era... uma casca vazia, que dormia e comia, mas eu só estava existindo. Isso não é viver, Azriel.

Ela se aproximou dele, segurando uma das mãos do illyriano, arrancando do macho um suspiro trêmulo. Theodosia levou a mão de Azriel ao próprio peito, por cima do coração.

Isso, é viver — Theodosia se referiu ao próprio batimento cardíaco acelerado. — E... e eu...

— O quê? — Ele perguntou em um sussurro, os olhos mirando sua mão enlaçada a dela sob o peito que subia e descia rapidamente de acordo com a respiração.

— Eu amo você e... desejo você — Theo confessou, a pele pálida ficando avermelhada por baixo da mão do illyriano, o calor se espalhando por todo o corpo da princesa.

— Theo — a voz de Azriel estava rouca e um tanto desesperada, quando ele tentou afastar a mão, mas Theo a manteve acima de seu coração.

Azriel tentava afastar a mão coberta de cicatrizes, como se ela pudesse arruinar a pele de Theo, a quebrar. Mas Theo segurou também a outra mão dele, deixando as duas firmes por baixo das dela. Porque sabia que aquelas mãos pertenciam a um homem gentil e maravilhoso, que a conquistava todos os dias com seu carinho e compreensão.

— Me toque — pediu Theo em um sussurro —, nunca se afaste, por favor. Eu sou sua, Az, de alma, coração e corpo.

— Você tem certeza? — Azriel perguntou com cuidado, soltando uma das mãos das de Theo para segurar no rosto dela, afagando a maçã do rosto avermelhada com o polegar, não se importando com o calor anormal da pele.

— Sei que você já fez isso antes — Theo comentou, sorrindo ao ver Azriel ruborizar.

— Só algumas vezes — ele murmurou, e Theo não acreditou nem por um segundo que aquele macho de trezentos anos tinha se deitado com mulheres só "algumas" vezes.

— Pelo menos um de nós sabe o que fazer — Theodosia disse com um sorriso travesso, os olhos brilhando de diversão, relaxando ao toque do Encantador de Sombras em sua bochecha.

Azriel, cuidadosamente, segurou Theo pelos quadris e a guiou para sentar no colo dele. O macho alisou as mechas ruivas curtas do cabelo dela, depois deu um beijo leve nos lábios rachados.

— Eu a amo mais do que tudo, Theo — Azriel confessou, olhando-a com os olhos de avelã amorosos, como se a enxergasse por inteira, tudo o que Theodosia já fora e era, tudo o que ela queria ser.

Theo suspirou quando ele aproximou o rosto do espaço entre o ombro e o pescoço dela e afagou a pele com o nariz, um gesto que ele fazia com costume.

— Faremos apenas o que você se sentir à vontade. Me mande parar, se quiser — Azriel avisou, descendo os dedos carinhosamente pelo pescoço de Theodosia, afagando a pele pálida.

— Tenho certeza de que não vou querer parar — ela murmurou, um sorriso nos lábios ao senti-lo soltar uma risada suave contra sua pele.

Azriel focou aqueles olhos de avelã nos dela mais uma vez, antes de beija-lá nos lábios calmamente, sua língua explorando a boca de Theo com paciência enquanto as mãos circulavam carícias nas coxas da fêmea.

A ruiva subiu as mãos para os cabelos curtos demais do Encantador se Sombras, suspirando baixinho ao sentir as sombras se enrolando em seus pulsos, fazendo carícias frias e delicadas.

O illyriano deixou um beijo no ombro de Theo, beijando-o mais uma vez, e depois mais outra quando desceu, lentamente, a alça da camisola.

Theodosia teve o sonho interrompido ao acordar com batidas na porta, sentindo o corpo inteiro doer. Sua cabeça girava enquanto olhava, com a visão turva, o local em que estava. Estava deitada em algo macio, um colchão. Os dedos serpentearam por cima da roupa que estava usando, uma camisola. Alguém havia trocado suas roupas.

Estava em um quarto. E não era o quarto da Casa da Cidade. Olhando pela janela, viu que estava a centenas de metros do chão. Era a Casa do Vento, então. O céu ainda estava clareando, ganhando uma cor fraca e indicando que ainda estava muito cedo.

Ela se esforçou para sentar na cama, sentindo seu cabelo trançado deslizar por cima do seu ombro. Ouviu mais batidas na porta. Com a garganta seca e dolorida, Theo disse: — entre.

Azriel abriu a porta, os olhos de avelã sendo direcionados automaticamente para a cama onde ela estava sentada. Ela sentiu seu estômago embrulhar, aquele sonho ainda em sua mente, relembrando-a de duzentos anos atrás.

Atrás do illyriano havia uma fêmea de olhos e cabelos castanhos, mais velha. Ela entrou no quarto, passando pelo macho.

— Olá, Theodosia. Sou Madja. A Grã-Senhora me pediu para vir vê-la — explicou a fêmea, se aproximando da cama. — Sou uma curandeira.

— Eu estou bem — Theo afirmou, sua garganta extremamente seca. Olhando de soslaio, percebeu que já havia um copo d'água na mesa de cabeceira. Ela esticou o braço dolorido para pegar e tomou um gole lento.

— Imagino — Madja disse com ironia, apesar da voz gentil. Ela se aproximou da ruiva, estendendo a mão na direção de seu rosto, mas Theo segurou em sua mão e a afastou. — Preciso checar se você realmente está bem.

— Madja é a curandeira do Círculo Íntimo de Feyre e Rhysand — Azriel explicou com a voz baixa, parado próximo a porta aberta.

Theodosia o observou por um momento, ainda tensa contra o toque da curandeira, até que deixou as mãos ao lado do corpo, relaxando sob o toque de Madja e deixando-a observá-la.

Madja passou alguns minutos analisando Theo e fazendo algumas perguntas. Azriel em silêncio do outro lado do quarto, atento á elas duas.

— Você me parece bem, mas precisa descansar. Evite fazer esforço — Madja avisou ao esticar o corpo e, olhando Azriel por trás do ombro, disse: — não deixe que ela pegue peso ou faça exercícios intensos. Pelo menos por hoje.

— Não vou — o Mestre Espião garantiu, a voz fria de sempre, mas os olhos solenes.

Madja assentiu antes de se voltar para Theo novamente.

— Não seja teimosa — a curandeira falou.

Theodosia não disse nada, mas assentiu. Observou a fêmea se aproximar da porta do quarto.

— Eu posso descê-la — ofereceu Azriel, mas a curandeira negou com a cabeça.

— Cassian já está no terraço me esperando para descer. Mas obrigada, Lorde Azriel — apesar da formalidade das palavras, Madja falava como se estivesse conversando com uma criança pela qual sentia carinho.

Madja saiu do quarto, deixando o Encantador de Sombras e a antiga Princesinha das Chamas sozinhos. Enquanto sentia os olhos do macho sobre si, ela esticou o braço e pegou aquele copo d'água novamente, bebericando o líquido silenciosamente.

— Por que mentiu para ela? — Azriel perguntou, a voz baixa, os olhos intensos concentrados em Theo.

— O quê? — Ela franziu o cenho.

— Você disse para Madja que está bem. E é mentira — o illyriano disse simplesmente.

— Suas sombras cochicharam essa informação para você? — Ela perguntou com um humor grosseiro, deixando o copo na mesa de cabeceira novamente.

— Não. Mas eu te conheço bem — Azriel respondeu, os braços cruzados abaixo do peitoral.

— Nem sempre você sabe quando eu estou falando a verdade ou não — Theodosia ronronou, um sorrisinho debochado nos lábios. — Duzentos anos atrás eu fui bem convincente.

Azriel pareceu se empertigar mais, desconfortável. As sombras espessas rodeando ao redor de seu rosto com certa rapidez, tentando protegê-lo das emoções que ele não era capaz de controlar. Ele abriu a boca, mas a fechou rapidamente.

— Diga — Theo sussurrou.

— Queria que tivesse me contado — Azriel murmurou, a camisa de mangas compridas justa e preta torneando os músculos dos seus braços, delineando o abdômen definido.

— Contado sobre o quê? — Theodosia perguntou, voltando a se concentrar no par de olhos de avelã. Mesmo estando do outro lado do cômodo, o cheiro de névoa gelada e cedro alcançava a cama, inebriando os sentidos da ruiva e mantendo-a ciente do laço inquebrável que havia entre os dois.

— Sobre tudo. Queria que tivesse me contado sobre Brynjar e a câmara no subsolo. Queria que tivesse me contado sobre as coisas que estava suportando — Azriel estava com a mandíbula tensa, a voz grave e dura, mas os olhos feridos.

— Eu jamais te envolveria nisso — Theodosia disse com uma voz calma.

— Deveria. Eu era seu parceiro. Tinha a obrigação de fazer alguma coisa e você não me permitiu saber sobre nada.

— Você ainda é meu parceiro — Theodosia soou mais áspera do que queria, os dentes cerrados. — O laço não foi cortado só porque você está com outra agora.

Azriel engoliu em seco, os olhos descendo para a ponta do colchão por um momento, desviando da figura ruiva. E então, ele deu alguns passos até a cama e sentou, longe de Theo, de costas para ela. As asas repousando de lado por cima do colchão.

— Eu poderia ter te tirado do Palácio da Outonal e te trazido para cá — ele disse, baixo.

— Não poderia. Beron tentaria atacar a Corte Noturna...

— Não me importa. Estaria segura aqui — Azriel olhou-a por trás do ombro —, eu teria protegido você.

Theodosia respirou fundo, sentindo uma sensação gelada descer por seu âmago quente, e depois subir para sua mente, desorganizando seus pensamentos.

— E do que isso importa agora? Não dá para mudar o que aconteceu e como aconteceu — ela retrucou, levando as mãos ao rosto, cobrindo-o por um momento ao dizer: — eu não devia ter voltado.

— Se realmente não quer estar aqui, por que veio? — Azriel perguntou de maneira gélida, raiva em seu semblante duro.

— Por você, Azriel — Theodosia ralhou, tirando as mãos do rosto para mirar o illyriano com os olhos azuis pegando fogo. A pele ficando avermelhada.

Azriel esticou a postura, as asas se arqueando levemente em suas costas. As orbes cor de avelã mostrando surpresa e alguma outra emoção que Theo não conseguiu ler naquele momento.

— Você me pediu para vir até aqui salvar o seu irmão — ela continuou, falando em um tom mais leve e baixinho. — Eu jamais te diria não. Não para isso.

Barulhinhos de patinhas e asas foram ouvidos da janela, grasnados logo em seguida. Haviam pelo menos cinco corvos empoleirados, observando-os com os olhinhos escuros.

Azriel encarou Theodosia por um momento, provavelmente tentando lê-la, enxergar a verdade naquelas palavras. Depois, virou o rosto muito levemente para a janela, para os corvos.

— Seus irmãos? — Ela perguntou indicando os pássaros, um sorriso divertido tomando seus lábios ao ver Azriel abrir um sorriso suave.

Algumas sombras desgarraram dos ombros do Mestre Espião e seguiram espiralando pela cama até chegar em Theodosia, percorrendo seus pulsos, dançando no ar. Ela mordiscou o lábio inferior.

— Azriel?

— Theo — ele respondeu rapidamente, os olhos suaves para ela, a voz soando dolorosamente gentil, como se estivesse esperando muito tempo para pronunciar o nome dela.

Ela se sentiu envergonhada por um instante, o vermelho subindo por seu colo e seu rosto, o quarto ficando abafado por sua culpa.

— Você se lembra da primeira vez que nós...

— Sim. — Azriel interrompeu, como se soubesse exatamente qual era a pergunta, os olhos de avelã ficando mais vívidos por um momento.

Theo deu um pequeno sorriso, relaxando as costas contra a cabeceira de cor creme, os olhos observando o semblante de Azriel enquanto ela se distraía brincando com os próprios dedos.

— Essa foi uma das coisas que eu mais lutei para não esquecer, nos últimos séculos — ela comentou. — Foi especial, doce. Foi puro. Foi...

— Foi amor — Azriel admitiu, fazendo que o ar escapasse dos pulmões de Theo para nunca mais voltar.

— Foi — ela concordou, ainda com um sorriso discreto, as bochechas vermelhas demais acentuadas.

O cenho de Theodosia se franziu levemente ao ver o illyriano se levantar com uma expressão fria no rosto, os olhos gélidos agora na direção dela. E Theo nunca odiou tanto ser observada por Azriel.

— E foi duzentos anos atrás — Azriel disse, seguindo em direção a porta. — E nós dois seguimos em frente.

O vermelho na pele de Theo ficou escuro, frio, combinando com seu semblante rígido. Mas ela respirou fundo, sua expressão se suavizando quando abriu um sorriso sarcástico, os olhos azuis divertidos como nunca antes.

— Acho que você já pode ir — Theo indicou a porta tão próxima a ele, se espichando na cama antes de se deitar novamente, se cobrindo com o lençol.

Azriel a olhou por um único segundo antes de piscar e deixar o quarto. Quando a porta foi aberta, seu corpo grande se chocou contra o de Lucien.

O illyriano cruzou o corredor em passos largos, e o ruivo adentrou o quarto com as sobrancelhas arqueadas no mesmo momento em que os corvos voaram para longe da janela.

— Vejo que você já acordou pronta para aborrecer os outros — Lucien murmurou, fechando a porta.

O ruivo usava uma camisa de cetim branca e sedosa, as mangas compridas dobradas nos cotovelos e os primeiros botões abertos expondo o peitoral esculpido. Um cinto dourado rodeava a calça marrom clara. Haviam alguns anéis dourados e elegantes nas mãos grandes de Lucien. Theo sorriu, vendo que ele estava habituado a usar roupas da Corte Diurna, seu verdadeiro lar.

— É minha maior habilidade — Theo respondeu com um sorriso orgulhoso, antes de culpa tomar seu semblante, seus olhos ficando pesarosos. — Lucien, eu sinto muito por ontem.

Lucien dispensou o pedido de desculpas com um gesto de mão, fechando a porta antes de dar a volta pela cama para sentar ao lado da irmã.

— Eu que sinto muito, Theo — o ruivo disse, o olho saudável enviando-a um olhar tão culpado quanto o dela.

— Pelo o quê? — Ela franziu o cenho, se sentando na cama contra a cabeceira.

— Por nunca ter tentado te livrar de Brynjar e da câmara — a voz de Lucien parecia um pouco embargada, as sobrancelhas levemente franzidas com uma expressão dolorosa.

Era verdade. Lucien tinha ficado realmente revoltado quando descobriu dos planos de Beron para a pequena Theodosia de dez anos, mas não havia feito nada a respeito. Ninguém fez. Nem Eris, nem sua mãe. Muito menos ela mesma tentou lutar contra aquilo.

— Todos nós estávamos sendo torturados de maneiras diferentes — Theo murmurou, os olhos focados nas mãos apoiadas nas coxas —, nunca esperei que alguém da família tentasse me ajudar com aquilo... e acho que também não ajudaria se nossas posições fossem trocadas, sinceramente.

Lucien não pareceu ofendido com as palavras de Theodosia. Todos os Vanserras sentiam medo demais para protegerem a si mesmos, como poderiam cuidar uns dos outros?

— Quando descobri que você estava desaparecida — Lucien voltou a falar, virando o rosto para ela —, fiquei feliz. Realmente feliz. Sabia que, seja lá onde estivesse, com certeza seria melhor do que aquele palácio.

— Bom, a Casa na Floresta não era sempre tão ruim — Theo comentou com um pequeno sorriso —, era divertido quando estávamos juntos. Eu, você e Eris, jogando cartas, fugindo dos bailes para beber em algum lugar escondido, roubando comida da cozinha...

Lucien soltou um suspiro pesado, ficando tenso de repente. Ainda não parecia disposto a ter uma conversa decente com Eris.

— Ele está tentando, Lucien — Theodosia disse baixinho. — Ele está tentando se acertar com você.

— E se ele estiver com Beron, no fim das contas? E se ele estiver contra nós? — Lucien arqueou as sobrancelhas, a voz firme ao dizer: — duzentos anos atrás, aprendi que ele não é confiável.

— Foi um acidente. Eris nunca quis que Jesminda se ferisse — Theodosia defendeu o irmão mais velho entredentes.

— Isso é o que ele diz — Lucien rebateu.

— Ele era seu melhor amigo. Seu único amigo. Você sabe que ele jamais faria isso — Theodosia usou um tom calmo, percebendo que o ruivo pareceu pensar sobre aquelas palavras, sabendo, no fundo, que ela estava certa.

Mas ele não parecia pronto para admitir.

— Uma baita coincidência, não é? — Lucien perguntou de maneira divertida, querendo escapar daquele assunto com um sorriso torto nos lábios cheios.

— Que coincidência? — Theo quis saber, arqueando as sobrancelhas.

— Nossos parceiros estarem juntos — Lucien respondeu como se fosse óbvio, mas algo transpareceu na face de Theodosia, talvez o puro choque que sentia, porque ele arregalou os olhos. — Ah, achei que Feyre já teria fofocado para você a essa altura.

— Você e Elain são parceiros?! — Theodosia perguntou em um tom um pouco alto demais, no mesmo instante em que batidas na porta foram ouvidas.

— Pois é — Lucien se levantou da cama, espreguiçando-se —, eu e você podemos sair um dia, apenas dois Vanserras solteiros curtindo por aí — ele falou com um sorriso debochado.

— Quem diria que no fim das contas Eris seria um pai de família, e nós dois seríamos os encalhados — Theo bufou, observando o irmão dar a volta pelo quarto para chegar a porta.

— Fale por você. Eu estou solteiro, não encalhado. Seu irmão é lindo demais para ficar sozinho por muito tempo, Theozinha... — Lucien brincava conforme abria a porta, mas sua voz foi cortada e a boca fechada ao ver quem estava esperando para entrar do lado de fora.

Lucien provavelmente tinha ficado tão distraído com Theo que não percebeu o cheiro da parceira, Elain, escapando pelas frestas da porta. A fêmea estava parada a frente dele, os olhos castanhos um pouco arregalados e as bochechas ruborizadas. Lucien coçou a garganta, sem graça.

— Essa sim é a atitude de um garanhão, Lucien — Theodosia debochou sentada na cama, sorrindo para o irmão —, você está com tudo mesmo!

— Bom dia — Elain murmurou, a voz desconcertada, os olhos disparando de Lucien para Theodosia —, podemos conversar por um instante?

Theodosia engoliu em seco, sua consciência ficando pesada ao perceber que havia tido um sonho com o companheiro de Elain.

Azriel podia ser parceiro de Theo e ter um laço ligando o coração dele ao dela, mas, apesar disso, ele estava com Elain. Ele amava Elain e escolheu estar com ela.

Azriel não pertencia a Theo, não mais.

— Cassian disse que pode nos descer — Lucien avisou a irmã —, vamos ficar te esperando na sala de estar.

— Está bem — Theo assentiu, ajeitando-se não cama.

Lucien abriu a boca para dizer algo a Elain, mas decidiu apenas balançar a cabeça para ela e se afastar, deixando as duas no quarto, a sós.

Elain fechou a porta, Theo empertigou os ombros. As duas ficaram em silêncio por um momento, os olhos focados em qualquer outro lugar que não fossem uma na outra, até que a Archeron decidiu falar.

— Não vim aqui bancar a ciumenta louca e mandar você ficar longe de Azriel, se é o que está pensando — Elain murmurou, os olhos encontrando os de Theodosia.

— Então... o que foi? — A Vanserra perguntou, arqueando levemente as sobrancelhas ruivas para a fêmea. O corpo ainda doía por conta da noite passada, apesar de conseguir disfarçar bem.

— Eu vim aqui mais cedo, para ver se você estava bem — disse Elain, antes de indicar o copo d'água —, o trouxe para você. E quando eu estava saindo do quarto, eu ouvi, bem...

— O quê? — Theo estava curiosa, os olhos concentrados na fêmea de cabelos castanhos e receosa a frente.

— Você ainda está apaixonada por ele? — A Archeron perguntou, as palavras escapulindo rápidas de sua garganta.

— Por que você pensaria isso? — Theodosia franziu o cenho tão fundo que conseguiu ver a sombra de suas sobrancelhas.  

— Porque foi o nome dele que você chamou enquanto dormia — Elain respondeu com um suspiro.

Theo engoliu em seco mais uma vez, antes de respirar fundo e fechar os olhos por alguns segundos. Quando voltou a olhar Elain, indicou a cama.

— Por que Azriel não partiu com você, duzentos anos atrás? — A Archeron perguntou ao sentar próxima dos pés da Vanserra. — Por que não o chamou para fugir com você?

A ruiva cruzou as pernas uma por cima da outra, arrumando a postura e ficando mais a vontade para conversar, ignorando os músculos doloridos. Ela pensou por um instante.

— Sei que Azriel teria ido comigo, se eu tivesse pedido — Theo contou —, mas eu não poderia fazer isso.

— Por que não? — Elain quis saber, o cenho se franzindo muito levemente, buscando por respostas esclarecedoras.

— Porque eu não pretendia voltar para Prythian. Nunca. E, apesar de saber que Azriel estaria feliz por estar comigo, ele também sentiria falta da família dele. Prythian é a casa dele, onde os irmãos dele estão, e ele não poderia voltar para cá enquanto estivesse ao meu lado. Saber que eu seria culpada por mantê-lo tão longe das pessoas que tanto ama iria me matar.

— Só isso? — Elain insistiu, a voz baixinha, como se não quisesse soar inconveniente, mas ainda estivesse buscando algo maior de Theodosia.

— Azriel já tinha sofrido demais e suportado muitas merdas. Tudo o que ele sempre quis e provavelmente ainda quer é algo estável e seguro. E eu era uma fugitiva que nunca mais teria uma casa própria. Eu sabia que não encontraria estabilidade ou segurança na vida que iria levar — Theo suspirou —, e não podia arrasta-lo para aquilo.

Elain murchou um pouco, os ombros se encolhendo. Não era a resposta que ela esperava. O rosto ficou levemente ruborizado enquanto ela desviava os olhos para as próprias mãos apoiadas nas pernas.

— O que você realmente quer saber, Elain?

— Você não o deixou por conta das... das sombras? — Elain perguntou baixinho, os olhos novamente focando na figura ruiva.

— Por que eu faria isso? — Theo franziu o cenho levemente, confusa.

— Naquela época, talvez elas fossem menores, mas... hoje em dia estão maiores e mais intensas, mais fortes...

— As sombras são inofensivas, Elain. Bom, exceto quando Azriel quer que elas não sejam inofensivas. Mas ele jamais as usaria contra você — Theodosia garantiu.

— Ele disse que pode fazê-las sumir, extingui-las de maneira definitiva — Elain murmurou.

— Você pediu para ele fazer isso? — Theodosia perguntou preocupada.

— Não! É claro que não — A Archeron respondeu rapidamente, os olhos ficando um pouco arregalados. — Eu nunca seria capaz de pedir algo assim, mas... não sei se posso lidar com essas mudanças que estão acontecendo com ele.

Elain mordiscou o lábio inferior, os olhos observando Theodosia de soslaio antes de um suspiro escapar entre seus lábios.

— Azriel às vezes perde o controle das sombras. Nunca as vi machucando ninguém, mas elas mudam. Completamente. Ele muda.

Theo assentiu, ouvindo-a atentamente, os olhos concentrados na figura de vestido rosa-claro.

— Azriel é maravilhoso, eu sei disso. Mas, muitas coisas aconteceram na época em que eu o conheci. Fui sequestrada, fui — Elain mordeu o lábio inferior mais uma vez, com uma força maior, parecendo querer conter a si mesma —... fui violada, transformada em algo que eu nunca quis ser. Tudo que eu conhecia e queria para a minha vida foi tomado de mim e eu tive que aderir a esse novo corpo e esse mundo, entende?

— Entendo — Theodosia mentiu, sem entender a história que Elain estava contando. Aquela explicação fora rasa demais para contextualiza-lá, mas só de olhar para a fêmea, podia ver o quanto tocar em seu passado a feria.

— Eu ainda estou aprendendo a lidar com a escuridão do meu próprio passado. E acho que não quero ter que lidar com a escuridão de Azriel — Elain soltou um suspiro. — Azriel é rodeado de sombras, constantemente. E eu sinto como...

— O que? — Theodosia perguntou de maneira gentil.

— Sinto como se estivesse cercada de breu, mas precisando de luz — Elain respondeu, os olhos se voltando para Theo —, eu sei que pode parecer loucura...

— Não parece, Elain — Theo abriu um pequeno sorriso empático. Umedeceu os lábios. — Posso dar minha opinião sincera?

— Sim — a Archeron sussurrou, assentindo.

— Você não tem a obrigação de gostar das sombras de Azriel. Mas elas fazem parte dele, tanto quanto as asas. Azriel é as sombras — Theodosia explicou. — Para amar Azriel por completo, você precisa amá-las também. Não estou dizendo que você não o ame, mas... talvez não o ame da maneira que ele precisa ser amado.

Elain se virou mais para Theo, o rosto mostrando uma expressão atenta, os olhos reflexivos.

— Azriel merece ser amado por inteiro. E, posso não conhecer você muito bem, Elain, mas você parece ser alguém gentil, que também merece a felicidade. E se você não se sente feliz com ele...

— Não quero magoá-lo — Elain murmurou.

— Provavelmente ele se magoaria. Ele é bem emotivo — Theo deu de ombros —, mas já é um velho centenário, vai superar.

Elain soltou um risinho, assentindo. Theo a observou por um momento.

— Obrigada — a morena sorriu pequeno —, pela conversa. Desculpe por ter incomodado, sei que deve estar cansada por ontem...

— Não se preocupe — Theo dispensou as desculpas com um gesto de mão, se levantando —, mas preciso de um favor: consegue alguma roupa para eu me trocar? Não sei se estou afim de ser carregada pelos céus usando uma camisola.

— Vou buscar roupas para você e avisar Lucien que já está indo — Elain disse, ficando de pé. Ela deu outro sorriso suave na direção de Theo, como em despedida, e deixou o quarto.

Poucos minutos depois, Theodosia já estava vestida com calças escuras e uma blusa azul justa, emprestada de Nestha, e seguiu para a sala de estar.

Quando encontrou os donos da Casa do Vento de pé, próximos do sofá onde Lucien estava sentado, Theo seguiu até eles em passos largos.

— Cassian, eu sinto muito por ontem. Juro que nunca quis feri-lo ou a qualquer outro...

— Não se preocupe com isso — Cassian dispensou com um sorriso gentil —, fico feliz em saber que você acordou bem.

Apesar do General não parecer guardar mágoa, Nestha estava rígida, os olhos azuis cinzentos focados em Theodosia com toda a dureza de uma parceira querendo defender e proteger seu parceiro.

— Cassian pode atear fogo em mim para ficarmos quites — Theo barganhou com Nestha —, mas acho que essa montanha não vai suportar mais situações desse tipo...

— Essa não foi a primeira vez que um Vanserra feriu Cassian — Nestha comentou, dando um passo para mais perto de Theo, medindo-a com desprezo e uma ameaça velada. — Mas será a última. Porque se ele acabar queimado uma terceira vez, eu mesma mato todos vocês.

Lucien se levantou do sofá, se aproximando da irmã e de Nestha. O olho saudável semicerrado na direção da Archeron mais velha, pronto para retrucar aquela ameaça à família dele. Mas Theo ergueu a mão para ele, sendo mais rápida ao falar com a dona da Casa do Vento.

— Tenho certeza de que você tentaria — Theodosia respondeu, um sorriso travesso —, mas garanto que não será necessário.

Cassian olhava da parceira para a Vanserra repetidamente, esperando por uma resposta da Archeron, que aos olhos da ruiva, era a mais impiedosa.

— Que bom que você acordou bem — Nestha parecia se esforçar para dizer as palavras, controlando os instintos superprotetores da parceria. Não havia sorrisos ou voz gentil, mas suas palavras pareciam ser verdadeiras —, os Samudras estão preocupados, melhor descer para falar com eles.

— Está bem — Theo assentiu —, obrigada.

— Venham — Cassian chamou, indicando o acesso para o terraço, aproveitando a calmaria duvidosa de Nestha —, vou ter que fazer duas viagens, então, decidem quem vai descer primeiro — ele falava de maneira divertida.

— Onde Azriel está? — Theodosia perguntou, franzindo o cenho levemente.

— No escritório, está muito ocupado agora resolvendo algumas coisas que Feyre mandou — explicou o illyriano quando chegaram no terraço.

Theo apenas concordou com a cabeça, aproximando-se do General, que a pegou nos braços antes de saltar do terraço, despencando pelo céu antes de se estabilizar no ar e descer calmamente pela cidade.

Quando aterrissaram a frente da Casa da Cidade, Cassian colocou Theodosia cuidadosamente no chão antes de alçar voo novamente para buscar Lucien.

A fêmea olhou receosa para a porta da casa conforme se aproximava pelo gramado.

Enquanto usava seus poderes, tudo ficou distorcido demais. Ela não estava mais na Casa do Vento, não estava mais com aquelas pessoas. Estava no Palácio do Outonal.

Eris e Lucien eram Brynjar Njord e Beron, Kai era Dastan, e Theo tinha ficado tão assustada e ao mesmo tão apavorada, que tudo o que mais queria era explodir em chamas e levá-los consigo.

Só de imaginar Brynjar, Theo queria gritar. Queria se esconder e chorar. Podia ser corajosa e forte contra outros, podia ser destemida e confiante, mas quando se tratava do Mestre de Armas, ela não passava da Princesinha das Chamas frágil e assustada de duzentos anos atrás.

Theodosia entrou na casa em silêncio, querendo seguir até as escadas em busca de seu quarto e passar o resto do dia sentindo pena de si mesma, mas passos foram ouvidos antes de Nalu e Kai deixarem a cozinha para se aproximar.

— Theo — Nalu disse com a voz aliviada, um sorriso pequeno nos lábios ao se aproximar da fêmea congelada no lugar —, como você está? Está se sentindo melhor?

— Eu... eu estou bem — mentiu ela, assentindo. Os olhos azuis focados no chão, evitando a avaliação crítica do antigo General.

— Pare de bancar a difícil, garota — Kai mandou de forma marrenta e debochada antes de puxar Theodosia pelo quadril e abraçá-la. — Ninguém aqui cai no seu papinho.

Theodosia resistiu ao abraço do Imediato do Demônio do Mar por um momento, tentando segurar o bolo doloroso que se formava em sua garganta.

— Sinto muito. Sinto muito por ontem — Theodosia sussurrou, passando os braços ao redor do irmão de coração, apertando-o contra si. — Vocês estavam certos, eu tinha perdido o controle. Eu sinto muito...

— Acho que esse não é um momento apropriado para dizer "eu avisei", então não vou dizer — Kai murmurou por cima dos cabelos ruivos de Theo, ainda envolvendo-a nos braços fortes —, mas ficou subentendido.

Theodosia soltou um riso nasalado antes de se afastar do macho, os lábios se reprimindo em uma linha fina quando se virou para Nalu.

O Capitão estava com um sorriso solene, aproximando-se calmamente da fêmea antes de abraçá-la, deixando um beijo na testa pálida. Ele afagou as costas de Theodosia calmamente, com amor.

— Você está bem, isso é tudo o que importa. Você é uma pirata, Theo, o que significa que já está na hora de superar o ocorrido e seguir em frente para bater de frente com os outros problemas — Nalu falava com a voz agradável de sempre.

— Que discurso reconfortante — Theodosia resmungou, se soltando do abraça do mais velho.

— Você ainda tem muitas coisas a fazer. E, enquanto não for Grã-Senhora, continua sendo minha Mestre do Navio e se reporta a mim — Nalu respondeu, segurando com cuidado o rosto dela com as duas mãos. — E eu estou te dizendo, marujo, que você vai tirar o dia de hoje para descansar, porque, a partir de amanhã, vai treinar duro. Vai tomar o controle da sua magia, e depois, da Corte Outonal.

Theodosia soltou um suspiro de alívio, o peso em seu peito se esvaindo conforme Nalu falava. Ele sempre teve o poder de manter a calma e o controle mesmo quando as coisas fugiam do planejado, e Theo sabia que tê-lo ao seu lado seria mais do que necessário para suportar tudo o que estava acontecendo.

— Estamos entendido, marujo? — Nalu perguntou, a voz mais firme agora, a voz do Capitão do Demônio do Mar.

— Sim, Capitão — Theo respondeu com um sorriso enviesado, uma risada escapulindo entre os lábios quando Nalu bagunçou seu cabelo.

— Aí está a garota em chamas — Eris disse, descendo as escadas. Um sorriso zombeteiro nos lábios quando chegou a sala de estar —, bom te ver morninha, Theo.

— Não acredito que desperdicei a oportunidade de te incinerar — Theodosia soltou um muxoxo, um sorriso tomando seus lábios ao ouvir o riso de escárnio do irmão mais velho.

— Agora, falando sério — o sorriso de Eris se esvaiu, deixando o rosto do ruivo sério, ele analisou Theo minuciosamente. — Você está bem?

— Dolorida, mas bem — Theodosia deu de ombros. — E faminta, não tomei café da manhã na Casa do Vento.

— Posso te levar para comer — Eris ofereceu —, Selene meio que não está me suportando agora. Dizem que as fêmeas pegam ranço de algumas coisas aleatórias durante a gravidez e, bom — ele bufou —, acho que eu sou o maior objeto de ódio da minha esposa agora.

— E pode culpá-la? — Theodosia abriu um sorriso debochado.

A porta da casa foi aberta e Lucien apareceu. Era para ele ter chegado há muito tempo, já que Cassian tinha ido buscá-lo assim que deixou Theo no gramado.

Theodosia se perguntou o porquê da demora do irmão.

— Lucien — a ruiva sorriu —, quer sair para comer com a gente?

Lucien percebeu o olhar meramente esperançoso de Eris, parado atrás de Theo, e a fêmea notou que ele estava prestes a negar.

— Por favorzinho — Theodosia pediu —, eu acabei de passar por uma situação tão traumática...

Eu acabei de passar por uma situação traumática, minha irmã tentou me torrar vivo — Lucien rebateu, as sobrancelhas arqueadas. Ele bufou. — Vá se banhar antes, está com cheiro de cinzeiro.

— Eu já volto — Theodosia respondeu, já correndo em direção as escadas. Parou no primeiro degrau, abrindo um sorriso para Eris ao dizer: — vou aproveitar para contar algumas coisinhas sobre sua adolescência, irmão, para dar a Selene mais alguns motivos para ter ranço da sua cara.

— Theo, pare! Ela só está esperando por um motivo para me fazer dormir no sofá! — Eris reclamou, os olhos arregalados enquanto observava a irmã subir as escadas em direção ao quarto temporário dela, em que ele e Selene dormiram enquanto ela estava na Casa do Vento.

Theodosia chegou ao quarto, encontrando uma Selene dorminhoca na cama com a barriga redonda para cima, as mãos abraçando-a carinhosamente. A ruiva não pôde deixar de sorrir.

Apesar de ter sido completamente inesperado, estava feliz por Eris ter encontrado um amor. Theo nunca tinha visto o irmão passar tanto tempo com uma fêmea, e agora ele tinha até se casado! E a forma como ele olhava para Selene era especial.

E que o Caldeirão a ajudasse, Theo seria tia!

Pensar em Eris tendo que trocar fraldas e colocar um bebê para arrotar fez a ruiva soltar uma boa risada enquanto seguia para o banheiro acoplado ao quarto.

Depois do banho, ela voltou para o quarto e vestiu suas roupas. E ao invés de um vestido, Theodosia escolheu usar uma saia longa e de tecido leve e fresco carmesim, com uma camisa de cetim branca, que terminava em mangas compridas com babados discretos, mas divertidos, nos pulsos. Os primeiros botões abertos, expondo o colo pálido. Havia um cinto grande ajustando a camisa à saia, preto e com uma fivela dourada. Ela calçou botas vermelho-escuro de salto curto com laços dourados e deixou os cabelos de cobre soltos.

— Vocês vem com a gente? — Theo perguntou ao voltar para a sala de estar, olhando Nalu e Kai.

— Nós já tomamos café, obrigado — Nalu dispensou com um sorriso.

— Vamos nos reunir com a tripulação hoje no jantar, no Demônio do Mar — Kai disse, antes de indicar os Vanserras atrás de Theo —, pode levá-los, se quiser.

— Claro — ela concordou, abrindo um sorriso —, vai ser divertido.

Os três ruivos deixaram a Casa da Cidade e seguiram caminhando pelas belas calçadas de Velaris. Theo ficou entre os machos.

— Lulu, pode nos levar até a casa de Feyre? — Pediu Theodosia, ouvindo os saltos curtos das botas contra o chão. — Acho que preciso me desculpar pelo o tumulto que fiz na cidade dela.

— Feyre não te culpa pelo o que houve — Lucien garantiu, abaixando o rosto para olhar a irmã.

— Mesmo assim, precisamos conversar, eu e ela. De Grã-Senhora para Grã-Senhora — Theodosia respondeu, a postura confiante e espichada.

Eris soltou um riso de escárnio.

— Você ainda não é Grã-Senhora, Theozinha, vai ter que passar por alguns Vanserras primeiro, incluindo a mim — Eris sorria, provocando a irmã.

— Bom, isso não será um problema, tenho certeza que a Mãe reconhece que sou muito mais apta para o cargo, se levarmos em consideração que eu nunca cortejei o conselheiro da Corte Outonal. Sabe, isso não foi muito profissional da sua parte  — Theo disse com um sorriso.

— Em minha defesa, nós dois tínhamos uma conexão real — Eris retrucou.

— Lembro muito bem que ele dizia "pirralho ruivo, me deixe em paz ou vou contar para Beron" — Theodosia comentou.

— E no entanto, nunca contou. Lorde Tenrys me adorava, eu inflava o ego dele — Eris respondeu. — Aquele pobre lorde não faz ideia do que está perdendo.

— Sorte a dele — Lucien murmurou.

Eris arqueou as sobrancelhas, surpreso. Um sorriso grande tomou os lábios do Vanserra mais velho, ignorando a provocação e focando no fato de Lucien ter dito qualquer coisa para ele por vontade própria.

Muitos pais caminhavam com os filhos a caminho da escola, inúmeras crianças fae usando mochilinhas e rindo, brincando umas com as outras conforme andavam.

Os três seguiram por mais alguns minutos até chegarem ao Rio Sidra, onde a casa dos Grão-Senhores ficava, à margem.

A frente da casa havia uma fêmea de pele escura, usando um vestido elegante amarelo-vivo, os cabelos crespos e cheios coroando sua cabeça com elegância. Ela segurava a mão de uma menininha com os cabelos curtinhos e escuros cheios de tranças, usando um macacão rosa e com uma pastinha roxa na mão livre.

A Casa do Rio se abriu, um Nyx passando com os pés pesados, arrastando as asinhas pelo chão com raiva. O rosto sempre calmo e elegante -até demais para uma criancinha-, estava frustrado.

— Nyx, a sua mochila — Feyre seguiu o filho em passos largos, carregando a pequena bagagem azul.

Da calçada, Theo observou o pequeno herdeiro da Corte Noturna se virar para a mãe, os olhos azuis-acinzentados -iguais aos da progenitora- pareciam irritadiços.

— Eu sequer quero ir para a aula — Nyx disse entredentes, olhando para a mãe.

— Mas você precisa, suas provas vão começar em breve — Feyre respondeu, a voz gentil, mas o rosto mostrava que ela estava se esforçando para manter a paciência.

— Tenho oito anos, não é como se essas provas fossem mudar a minha vida — Nyx resmungou, pegando a mochila e colocando nas costas, ajustando-a por baixo das asas.

— Você será Grão-Senhor um dia e precisa aprender a cumprir com as suas responsabilidades. E no momento, sua responsabilidade é estudar — Feyre explicou.

— Papai me deixaria faltar aula! — Nyx rebateu, dando as costas para a mãe e seguindo até a calçada, onde a fêmea mais velha e a coleguinha dele estavam esperando.

— Mas eu não sou o seu pai — Feyre respondeu, a voz permanecia calma, mas os olhos mostravam o quanto estava sendo estressante.

— Eu sei que não é — Nyx olhou a mãe por trás do ombro, os lábios pequenos e delicados rígidos em uma linha fina de raiva —, e era melhor que ele tivesse ficado aqui, não você!

Antes que Feyre pudesse responder, Nyx foi coberto por uma névoa em cor obsidiana e atravessou, desaparecendo da calçada.

— Com certeza ele atravessou para a escola, Tia Feyre — a garotinha disse, tentando abrir um sorriso para a Grã-Senhora. — Hoje tem aula de história, e ele gosta muito.

— Obrigada, Jess — Feyre se esforçou para abrir um sorriso gentil para a menininha.

— Assim que chegar na escola, vou procurar por Nyx. Te aviso se ele não estiver lá, mas também acho que ele estará — a mãe de Jess falou para a Grã-Senhora.

— Está bem, obrigada — Feyre respondeu assentindo, ainda cortês.

As duas feéricas seguiram pela calçada, para longe da casa. Feyre pareceu não ter notado a presença dos três Vanserras parados próximos do gramado, ela apenas respirou fundo, virando e voltando para casa em passos largos.

Lucien deu um passo na direção dela, mas Theo foi mais rápida, seguindo a Grã-Senhora de perto. Foi notada assim que a fêmea abriu a porta, contendo um suspiro.

— Que bom que acordou bem, Theodosia, mas é melhor voltar mais tarde — Feyre disse, já pronta para fechar a porta, mas Theo se colocou à frente, entrando na casa.

— Está tudo bem? — Theo perguntou, já sabendo a resposta, e mediu a postura cansada da fêmea, vendo-a soltar um riso nasalado sem humor.

— Sim. Nyx só está com muita saudade do pai. Ele é um bom menino e sei que só está passando por um período ruim — Feyre respondeu, o rosto um pouco duro demais para alguém que parecia ser constantemente tão gentil.

— Acho que crianças são assim mesmo — Theodosia falou, dando de ombros —, ele vai voltar da escola te dando um abraço e pedindo desculpas, você vai ver.

Observou a postura da Grã-Senhora começar a ficar mais rígida, a mandíbula tensa com lábios trêmulos, mas ela assentiu, com um sorriso vacilante nos lábios.

— Eu sei — Feyre assentiu mais uma vez, piscando devagar, querendo conter as lágrimas nos seus olhos.

Theodosia suspirou, e então, quando viu uma lágrima finalmente deslizar pelo rosto de Feyre, passou os braços ao redor da fêmea, abraçando-a.

— Sinto muito por isso — Theo murmurou, sentindo Feyre rígida contra si, os braços inertes ao lado do corpo.

Até que um soluço escapou da Grã-Senhora, que envolveu os braços tatuados e receosos pelos ombros de Theo e começou a chorar.

— Sinto tanta falta de Rhys — Feyre tremeu levemente, ainda abraçada a fêmea levemente mais alta —, é tudo muito mais simples quando trabalhamos em conjunto.

— Você está dando conta de tudo muito bem sozinha — Theodosia respondeu, afagando as costas dela —, Velaris não foi incendiada ontem a noite, isso já é um indicador de que você está sendo ótima.

Feyre soltou um riso, assentindo. Ela se manteve no abraço por mais algum tempo, respirando fundo, se acalmando.

O toque de Theo sempre foi bom para acalmar os ânimos. A pele sempre quente era aconchegante, fazia as pessoas se sentirem confortáveis e seguras.

— Esse tempo longe de Rhysand está sendo desgastante demais, sinto o laço de parceria pulsando dentro de mim o tempo todo, me lembrando constantemente da ausência dele — Feyre suspirou —, não sei como você conseguiu.

Theo entendeu o que ela quis dizer. Como Theodosia tinha conseguido passar tantas dezenas de anos longe do próprio parceiro.

— Talvez eu tenha um coração de pedra — Theo brincou, um sorriso nos lábios quando Feyre se afastou, passando as mãos tatuadas pelo rosto para secar as lágrimas.

— Não — Feyre respondeu, um sorriso no rosto levemente inchado pelo choro —, certamente você não tem um coração de pedra.

— Eu e os meninos vamos tomar café — Theo disse com um pequeno sorriso —, quer ir com a gente?

— Ainda tenho coisas para resolver hoje — Feyre respondeu, respirando fundo —, algumas reuniões na Corte dos Pesadelos antes do almoço.

— Bom, então, vou te deixar trabalhar — Theodosia assentiu, voltando para a porta —, mas acho que soltar um grito bem alto contra o travesseiro ajuda a aliviar a tensão.

— Já dei cinco hoje — Feyre bufou, soltando um riso em seguida —, obrigada por ter passado por aqui, fico feliz em saber que está bem.

— Até mais — a ruiva respondeu antes de fechar a porta, voltando para o gramado da casa.

Lucien e Eris estavam ali, em silêncio.

— Feyre está bem? — Lucien quis saber, quando a irmã já estava se aproximando e seguindo para a calçada.

— Vai ficar, acho que ela só está com muito peso nos ombros — Theodosia explicou, dando de ombros. Os irmãos a acompanharam pela rua. — Mas ela está dando conta.

Os três foram caminhando até o centro comercial da cidade, Lucien mostrando os lugares bonitos e lojas agradáveis que conhecia por lá.

— Ah, estou doida por um café! — Theodosia quase salivou ao ver as mesinhas do lado de fora de um estabelecimento rosa. Ela já estava prestes a se aproximar quando Lucien a segurou pelo cotovelo.

— Não é uma boa ideia — o irmão murmurou, o semblante sempre cheio de humor e presunção estava um pouco tenso.

— O café dali é ruim? — Theo perguntou com as sobrancelhas arqueadas. — Deve ser muito ruim para você ter medo dessa faixada rosa-bebê.

— Elain é a dona, deve estar trabalhando agora — Lucien explicou, os olhos atentos à entrada da cafeteria.

— Você está sabendo muito para alguém que teve a parceria rejeitada — Eris comentou, um sorrisinho nos lábios e olhos investigativos na direção do irmão.

— Às vezes conversamos, só isso — Lucien se explicou, dando de ombros —, na época que ela abriu a cafeteria, eu estava por aqui e entrei sem saber que era de Elain. Tomei chá e batemos papo — ele olhou para Eris — só isso.

— O namoradinho dela sabe disso? — Eris perguntou.

— A última coisa que quero é me meter na confusão deles dois — Lucien garantiu —, Elain e eu somos só colegas.

— Um degrau abaixo de amigos, tem razão, o que pode acontecer de errado? — Eris sorriu.

— Não lembro de ter pedido sua opinião sobre o assunto — Lucien ralhou.

— Nem dei minha opinião ainda, se quer saber — o outro ruivo falou, dando um passo à frente, os olhos sérios, apesar do tom debochado.

Theo mediu Lucien por um momento, desconfiando do porquê dele ter demorado para descer da Casa do Vento.

Tinha certeza de que Lucien não estava mentindo. Os dois só conversavam às vezes. Não havia nenhum resquício do cheiro de Elain nele para alguém acusá-los de um caso. Mas a situação era complicada demais, a deles dois.

Theo tinha dúvidas de que fosse possível manter uma simples amizade com um parceiro. Ela tinha experiência suficiente para dizer que jamais conseguiria aguentar apenas a amizade de Azriel.

Lucien estava se torturando com aquelas conversas "entre colegas".

— Parem de discutir, pela Mãe, ainda é de manhã — Theodosia reclamou, erguendo as mãos entre os irmãos. — Nos leve para outra cafeteria, então, Lucien, estou morrendo de fome.

Os três seguiram o caminho em busca de outro estabelecimento, e o que era para ser apenas uma manhã de passeio, acabo se estendendo até a hora do almoço. Lucien mostrou o teatro para Theo, as lojas de roupas, confeitarias. Theodosia já podia dizer que conhecia a Praça do Arco-Íris quando estavam voltando para a Casa da Cidade.

— O que acham de passarmos na casa de Feyre? — Theo perguntou. — Vou chamá-la para o jantar no Demônio do Mar.

— Vai aproveitar que o marido dela não está para propor uma união entre a Corte Outonal e a Noturna? — Eris perguntou com as sobrancelhas arqueadas. Um sorriso malicioso quando disse: — acho que Feyre não corta para os dois lados.

— Diferente de você, Eris, eu gosto de ser simpática — Theodosia abriu um sorrisinho debochado. — Feyre precisa de uma folguinha para se divertir, ela pode convidar os amigos dela também.

Os três seguiram para a Casa do Rio, e Lucien e Eris ficaram na calçada enquanto Theodosia seguia pelo gramado para bater na porta.

Aparentemente, Feyre já tinha voltado da Corte dos Pesadelos. Quando a fêmea abriu a porta, usava uma camisa de mangas compridas vinho e calças de moletom, o cabelo preso em um rabo de cavalo. Ela sorriu.

— Vim só para te chamar para jantar no Demônio do Mar. Ele fica praticamente no seu quintal — Theo indicou a grande embarcação no cais, não muito longe da casa. — Pode chamar seu Círculo Íntimo também.

— Eu gostaria de conhecer a tripulação do Demônio do Mar, ainda não tive tempo de falar com eles — Feyre ponderou, assentindo rapidamente. — Obrigada pelo convite, Theodosia, eu vou, sim.

— Só Theo já está bom — a ruiva dispensou com um gesto singelo de mão. Algo havia mudado atrás dela, porque Feyre estava se espichando para ver.

Theo se afastou da Grã-Senhora para liberar a visão dela e se virou para o gramado, onde havia um Nyx com olhinhos brilhando, o rostinho triste e envergonhado.

Feyre já estava caminhando na direção dele quando o garotinho correu até ela, abraçando as pernas da mãe com força, escondendo o rostinho entre os joelhos dela.

— Me desculpe pelo o que eu falei, mamãe — Nyx chorou, agarrado às pernas de Feyre. — Não quero te perder como perdemos o papai.

— Ei, ei, ei — Feyre dobrou os joelhos, ficando mais próxima da altura do filho, e segurou nos ombros dele —, não perdemos o seu pai, meu amor. Ele vai voltar em breve.

— Sinto falta dele — Nyx soluçou, esfregando o rosto com os dedinhos, secando as lágrimas. — Sinto muita falta do papai.

— Eu sei — Feyre respondeu com doçura, puxando o filho cuidadosamente para um abraço —, eu também sinto, querido. E pode ter certeza de que ele também está com saudade de nós.

Theo fechou a porta da casa e seguiu quietinha pelo gramado, voltando para os irmãos sem querer interromper o momento "mãe e filho".

— Me desculpe, mamãe. Eu te amo muito — Nyx voltou a falar.

— Está tudo bem — Feyre respondeu, deixando beijos pela cabeleira escura do filho —, e eu também te amo, meu querido, mais que qualquer coisa.

Theo olhou aqueles dois pelo ombro, abrindo um pequeno sorriso. Feyre olhou de volta. A ruiva sibilou um "eu avisei", fazendo a Grã-Senhora soltar um risinho.

— Vamos — Theodosia disse aos irmãos, se virando para andar pela calçada —, agora já estou com vontade de almoçar.

Os três voltaram para a Casa da Cidade onde, por incrível que Theo tivesse achado, Nalu e Kai tinham feito o almoço.

Os cinco comeram juntos, e Theodosia não pôde negar o quão bom foi ver seus irmãos de sangue e seu irmão de coração conversando e se dando bem, Nalu rindo das piadas de Eris como ria das de Kai.

Selene era uma fêmea ótima. Ela rebatia as piadinhas de Eris, sempre com um sorriso perverso nos lábios. Ela e Lucien entraram em uma conversa animada sobre os cães farejadores da Corte Outonal e Eris teve que pedir mais uma vez para o irmão parar de flertar com sua esposa.

Depois do almoço, uma preguiça terrível tomou conta daquela casa. Selene e Eris voltaram para a própria casa em uma das cidades da Corte Outonal, Lucien foi para as Terras Mortais, para ver seus amigos Jurian e Vassa -e garantiu que Theo os conheceria algum dia.

Kai e Theo foram cochilar nos respectivos quartos e Nalu foi para o Demônio do Mar, como se não conseguisse passar mais de cinco horas longe da embarcação, que fora seu lar por tantos séculos.

[...]

Quando Theodosia acordou, o céu já estava escurecendo. Ela precisava se aprontar para o jantar no Demônio do Mar.

Theo tirou as roupas e colocou seu robe de cetim. Sentou à penteadeira para começar a escovar o cabelo comprido e pensar em algum penteado. Podia fazer umas trancinhas, quem sabe.

Ela se retesou na banqueta branca, sabendo que havia algo diferente na Casa da Cidade. Não estava ouvindo nada, mas podia sentir.

Theo entendeu o que era antes mesmo das batidas na porta soarem. Soltou um suspiro, voltando a escovar os cabelos.

— Entre, corvinho.

Ela abriu um sorriso presunçoso quando a porta se abriu, olhando-o pelo reflexo do espelho. Tentou disfarçar a curiosidade, querendo saber o porquê dele ter ido até ali, vê-la.

Azriel estava com o traje de couro illyriano, aparentemente tinha voltado de uma missão há pouco tempo. Seu semblante era duro, os olhos muito mais frígidos do que de costume.

— Você disse para Elain me deixar?

O sorriso sumiu dos lábios de Theo, ela respirou fundo antes de deixar a escova de cabelos por cima da penteadeira e se levantar, ficando de frente para ele.

— Ela me procurou para conversar....

— Você disse para Elain me deixar? — Ele perguntou mais uma vez, a voz cortante.

— Eu não disse para Elain te deixar. Disse que, se ela não está feliz com você, precisa fazer algo a respeito — Theodosia explicou devagar, a postura reta. — Parece ser o melhor.

— Você não tem ideia do que é ou não melhor — Azriel respondeu, o cenho afundando, como se Theo tivesse dito um absurdo.

— Você também não, se precisa vir até aqui me culpar pelo seu relacionamento fadado — ela rebateu. — Não tenho nada a ver com os problemas de vocês dois, só dei minha opinião sincera porque ela veio até mim.

— Se acha que me tirando dela vai abrir caminho para nós dois... — Azriel começou, sua postura ficando ainda mais dura quando Theodosia gargalhou.

— Ah, não seja tão cheio de si, Azriel! Acha que foi um plano maligno para separar vocês dois e ter você só para mim? — Perguntou Theo com um sorriso maldoso, a pele se avermelhando de raiva.

— Então, está dizendo que não faz diferença nenhuma para você se eu e Elain estamos separados? — O Mestre Espião perguntou, as sobrancelhas levemente franzidas.

— Estou dizendo que não foi minha intenção causar mais problemas entre vocês dois — Theodosia respondeu.

As sombras estavam escondidas nas costas do illyriano, como se não quisessem estar presentes naquele momento, como se não quisessem estar presenciando aquilo.

— Sinto muito por você estar magoado, Azriel — Theo disse, a voz mais baixa —, mas pode ter sido para melhor.

— O que está querendo dizer?

— Elain é parceira de Lucien, e você é o meu. Ela ter rejeitado o laço não o apaga. E o nosso laço sempre vai existir, não importa quantos séculos passem ou quantos oceanos estejam entre nós dois — Theodosia explicou, os olhos brilhando com a verdade.

Azriel ficou em silêncio, a respiração forte. Os olhos de avelã observavam cada mínimo movimento de Theo, cada respirada curta, até mesmo os dedos mexendo nervosamente nos braços esticados ao lado do corpo.

Theo estava tensa agora, agoniada com aquele silêncio. Ela se mexeu um pouco, incomodada, sentindo o quarto ficar mais quente.

— Sei que fiquei longe por muito tempo, mas tive meus motivos — ela murmurou baixinho —, e sei que você teve uma vida enquanto eu estava fora, eu também tive. — Theo engoliu em seco, cruzando os braços abaixo dos seios cobertos pelo robe folgado. — Mas eu estou aqui agora.

Azriel continuou em silêncio, os olhos concentrados na figura ruiva, intensos. Ela abriu um pequeno sorriso.

Theodosia estava falando a verdade. Não teve intenção nenhuma de piorar o relacionamento dele e de Elain. Mas se eles dois tinham terminado...

— Sei que está chateado e que pode levar um tempo — Theo falou, a voz embargada. Ela engoliu em seco algumas vezes, um sorriso suave nos lábios. — Eu só... eu senti sua falta, Az. O tempo todo.

Ele desviou os olhos para o chão, seu rosto se suavizando um pouco.

— Na noite do jantar, em que Elain descobriu sobre a nossa parceria — Azriel ergueu os olhos na direção dela mais uma vez —, ela perguntou se eu ainda te amo.

Theodosia mordeu o lábio inferior, trocando o peso de uma perna para a outra, inquieta.

— O que você respondeu? — Ela perguntou em um sussurro.

— Nada. Eu não sabia o que dizer — Azriel falou, calmamente —, mas agora eu sei.

E pelo olhar frio do Mestre Espião, pela postura dura, o semblante sombrio... Theodosia não queria saber.

— Se ela me perguntasse isso de novo — Azriel deu um passo para frente —, sabe o que eu diria?

Theodosia deu um passo para trás, as sobrancelhas se franzindo levemente, odiando o olhar frio que o Encantador de Sombras enviava para ela.

— Eu diria que amei você, Theodosia, muito. Amei você com tudo o que eu tinha, tudo — Azriel admitiu, a voz mortífera como se ele estivesse dizendo algo horrível —, mas foi duzentos anos atrás. E eu não cometeria esse erro uma segunda vez.

Theo sentiu uma lágrima escapar de seus olhos e deslizar por sua bochecha, mas ela evaporou.

Ela umedeceu os lábios com a língua, desviando os olhos para o chão. Ouviu os passos de Azriel se afastando, mas não o olhou. Ouviu a porta sendo fechada.


‧₊˚ Escrevendo esse final eu só consegui pensar naquele trecho de música "from strangers to friends, friends into lovers... and strangers again?"..... rindo pra não chorar.

‧₊˚ Eu sei que dá vontade de esmurraaaaaaar o Azriel, mas eu entendo um pouco, da raiva dele. Apesar dos motivos da Theo, ele ainda se ressente por ela ter o mandado embora naquela noite, foi muito doloroso, tanto para ele quanto para ela. E aí a Theo volta, e se declara pro Az logo depois da fêmea que ele lutou para estar junto por oito anos dar um pé na bunda dele kkkkkk

‧₊˚ É impossível que o Azriel e a Theo voltem a ser como antes, eles tem muito o que conversar para conseguir se resolver. E até lá, muita coisa vai dar errado ainda rsrs.

‧₊˚ A relação do Nyx e da Feyre é tudo pra mim, ela é uma ótima mãe. Nyx está muito chateado pela ausência do pai, mas é um menino muito inteligente e gentil. Amo os momentos do nosso bebê illyriano!

‧₊˚ Por hoje, é isso! Até domingo que vem!

——— F.  24 de setembro de 2023.

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