CAPÍTULO XVIII
TROCANDO EM MIÚDOS
Não sabia se corria ou desmaiava. Minhas pernas se estremeceram. Meu coração disparou a mil por hora. Minhas mãos suavam e o medo consumia minha alma. Grande herói era eu! Toda esperança de salvar o Universo de Fantasia encontrava-se em mim. Naquele instante, na presença do Imperador Frangoso, tremia feito uma vara verde.
Procurei respirar fundo, buscando inspiração e coragem na lembrança da sábia árvore Fantasia. Afrontei o maléfico Imperador que não parava de abanar seu rabo de penas pretas:
__ Jantar? Estou morrendo de fome -- afirmei a contragosto, tentando descobrir a real intenção do Imperador.
Era de se admirar aquela cordialidade toda, sem qualquer sentido nem razão aparente.
__ Gentis, cavalheiros. Tenham o obséquio de me acompanhar em minha carruagem até meu doce lar imperial.
A nossa esquerda existia uma carruagem toda feita de bambus, revestida de plumas de tons roxo, com quatro enormes rodas de madeira com a suspensão feita de uma espécie de cipós. Como observou meu Algodão-doce, não havia nenhum sinal de branco em qualquer ponto que olhássemos. As cores eram de uma tonalidade fria e escura, sem brilho, bem pálidas.
A carruagem tinha o feitio idêntico àquelas de filmes de faroeste. Todavia, em vez de ser conduzida pelos cavalos, encontravam-se arreadas em quatro enormes avestruzes de penas pardas cheias de pintas.
Amoroso sentou-se num banco macio, à meia altura, na frente da cabine e segurou a corda de arreio, preparando-se para conduzir a carruagem até o Palácio Imperial. Entramos na carruagem cautelosos. Frangoso não parava de olhar no medalhão em meu pescoço.
Frederico sentou-se a meu lado e Bola acomodou-se próximo ao Imperador. Em meio aos gritos frenéticos dos demais servos de Frangoso, seguimos rumo ao norte, mergulhando naquele mar de areia no deserto do Vale da Obediência.
A carruagem, bem confortável, protegia-nos do sol ardente. Pela pequena janela apreciávamos a monótona paisagem do deserto constituída de um céu vermelho fosco e de uma areia amarelada e fina.
__ Por acaso o gato comeu a língua de vocês? -- inquiriu-nos Frangoso.
__ Absolutamente, Imperador. Estamos apenas cansados -- relatei consciente de que, apesar de toda aquela cordialidade, estávamos na toca do lobo, em maus lençóis.
Frangoso sorriu e revelou:
__ Sou o fiel e pontual servo do Buraco Negro e terei o maior prazer de ser sorvido pela sua força descomunal da mesma forma que vocês também serão engolidos, juntamente com todo o Universo de Fantasia. Não existirá nada em lugar algum. O Vazio reinará no âmago da humanidade. Todos os humanos passarão a ter um coração de pedra, igualmente àquele que eu tinha quando assumia a forma de Mensageiro.
__ O vazio é alguma coisa -- objetou-se Bola, tentando confundir o Imperador.
__ O Vazio a que me refiro é diferente do vazio etimólogo que abrange qualquer dicionário.
__ O que tudo isso significa? -- perguntei, apreensivo, não compreendendo nada.
__ Significa uma única coisa, Rafael. A humanidade está a caminho de sua própria destruição. Isto fortalece o poder absoluto do Buraco Negro. Enquanto existirem pessoas egoístas que pensam em si mesmas, que cospem no mesmo prato que comeram, que pensam ser imortais, que se considerem deuses e poderosas, a esperança de toda humanidade estará se desgastando continuamente. Chegará o momento que a Anti-matéria, constituída pelo Vazio infinito, simplificará o Universo numa vasta, perene e absoluta escuridão.
__ Mentira. Utopia -- retruquei, discordando do relato de Frangoso.
__ Falta muito pouco para o Buraco Negro atingir seu auge. As pessoas, que vivem em seu mundo, andam muito indiferentes com suas próprias fantasias. Elas perderam o rumo e a direção de seus próprios sonhos.
Frangoso demonstrava conhecer muito bem o mundo humano. Continuamos a seguir pelo imenso deserto do Vale da Obediência num ritmo bem acelerado. A carruagem balançava de um lado para outro. O tal do Palácio Imperial deveria ficar muito distante.
Tatu, levantando suas afiadas garras das patas dianteiras, insinuou:
__ Se atacá-lo com minhas garras, creio que o Imperador não seja tão valente e esperto como demonstra ser.
__ Tente me atacar, ser ingênuo. Saiba que seu ódio se canalizará em forma de uma potente corrente negativa capaz de sorver toda a energia de seu corpo. Você ficará preto como carvão, ausente de qualquer frequência de cor. -- advertiu Frangoso, sorridente.
Frederico, que odiava pessoas orgulhosas, não conteve seus impulsos instintivos, arrepiou-se todo. Com toda ira pulou no pescoço de Frangoso.
Num lampejo incomensurável, Frederico recebeu uma veemente descarga elétrica feito um fugaz raio em dias de tempestades. Demorou menos de um segundo; suficiente para haurir todas as frequências de cores do corpo de meu Algodão-doce. Ele ficou negro como a escuridão. Não dava nem para discernir seus olhos de seus lábios. Parecia que havia caído num poço de piche.
O interior da carruagem ficou tomado de uma fumaça com um forte odor de enxofre.
__ Cóf! Cóf! -- tossimos eu e Bola, colocando a cabeça para fora das janelas, buscando respirar o ar puro.
Procurei manter a calma. Se atacasse o maléfico Imperador, certamente ocorreria o mesmo comigo e o Universo de Fantasia não teria mais ninguém para salvá-lo de sua destruição total. Tatu recolheu-se em seu canto e passou a olhar Frangoso com muito espanto e receio.
Frederico ficou imóvel, meio zonzo. Depois, pulou em meu colo, escondendo-se debaixo de minha camisa. Seu pelo perdeu toda maciez e brancura, tornando-se áspero e negro, exaurindo os pigmentos que compunham a síntese de cores que formavam o branco de seu corpo. Ele continuava mudo, amedrontado e trêmulo, com os olhos esbugalhados.
Sentia muita vontade de esmigalhar o Imperador Frangoso com minhas próprias mãos. Não sobraria nenhuma pena do corpo daquele velhaco e fiel vassalo do Buraco Negro.
Se ao menos Mago Buzina tivesse me orientado como usar os poderes do medalhão. Talvez, pudesse fazer uma mágica para fugir da carruagem e das garras do Imperador Frangoso.
Enquanto pensava em algum plano para se safar daquela situação de perigo, puxei conversa com Frangoso para ganhar tempo:
__ Você venceu, Imperador. O que você deseja de nós? Se deseja me destruir, por que não liberta Frederico e Tatu?
__ Demoraram bastante para compreender que quem manda nas regras do jogo nesse mundo de tolas fantasias sou eu.
__ Por que você não me destruiu quando foi me buscar em meu mundo? -- inquiri ao Imperador que exibia um semblante de satisfação.
__ Boa pergunta, Rafael. Você é um garoto muito inteligente. Apareci na forma de Mensageiro para conquistar sua confiança. Era a única maneira de trazê-lo para o Universo de Fantasia, tornando-o assim mais vulnerável aos meus poderes. Facilitando minha missão de lhe furtar a única coisa que poderia salvar esse mundo feito de ilusões: sua esperança. Há apenas uma maneira de destruir a esperança de um ser humano.
__ Qual?
__ Não se preocupe que não há mais tempo para reverter o processo de destruição do Universo de Fantasia. É o fim da imaginação humana. Rhá, rhá, rhá -- gargalhou Frangoso.
__ Deve existir uma saída. Para tudo na vida existe uma solução. Não posso deixar o desespero tomar conta de minha alma. Sei que me resta a esperança – aspirei fundo, buscando fôlego e forças para prosseguir caminhando, sem se abater pelo cansaço e pelo desânimo.
__ Quando você for atirado no Labirinto do Desespero não haverá esperança que resistirá aos perigos que estarão prontos para abatê-lo e conduzi-lo a sua própria destruição -- acrescentou Frangoso, olhando-me de uma forma atroz.
__ Labirinto do Desespero?
__ Breve você saberá o que isso significa. Acho que já falamos demais. Lá está meu Palácio Imperial. Não é mesmo um desencanto?
Espiei pela janela da carruagem conduzida velozmente pelos avestruzes. Aproximávamos de uma vegetação desconhecida, entrelaçadas entre ramificações de cipós e espinhos, formando uma grande muralha.
__ Não vejo palácio algum -- contestei.
__ Erga bem sua cabeça e olhe para o alto -- orientou-me Frangoso, sorridente.
O violeta do horizonte que contornava aquele macabro palácio, na forma de um urubu negro, criava um clima sombrio e horripilante naquele vasto deserto solitário. O palácio do Imperador Frangoso flutuava sobre a selva de cipós e espinhos como uma nuvem densa e negra.
A passos de tartaruga, tínhamos pela frente algumas centenas de metros de areia queimante até chegarmos às margens daquela selva. De que forma a percorreríamos com a carruagem e os avestruzes? Talvez existisse alguma passagem secreta, alguma trilha entre os espinhos e os cipós que nos conduziria a uma eventual escada gigantesca, semelhante àquela que nos levara até ao portal do Castelo Beija-flor.
Enquanto seguíamos em direção à selva, dirigi-me novamente ao Imperador Frangoso com uma pergunta na ponta da língua:
__ Quando você assumia a forma de Mensageiro, por que pulou de alegria e se emocionou ao encontramos a falsa esmeralda Esmeral?
O Imperador, esboçando aquele seu sorriso mentecapto, explicou:
__Tudo caminhava muito bem, da forma que havia planejado. Já tínhamos encontrado a Esmeral e destruído a velha árvore Fantasia. Porém, apareceu o imbecil do Mago Buzina para estragar tudo. Você me perguntou por que fiquei alegre naquele momento?
__ Por que?
__ Nesse seu maldito medalhão estão concentrados os sete elementos humanos. Somente você poderá destrui-lo. Tenho de cumprir meu objetivo, garoto: fazê-lo destruir o medalhão. Ele deverá ser lançado no Precipício Mutilador com suas próprias mãos.
__ Nunca -- relutei, pronto para atacar Frangoso.
__ Tolice, garoto. Existe dentro de vocês humanos uma força maléfica imensa. Meu objetivo é despertar e fortalecer essa linda maldade que existe adormecida em seu coração.
__ Você é um mentiroso, Frangoso. Não me ilude mais. A velha árvore Fantasia disse-me que a verdadeira Esmeral encontrava-se há mil quilômetros ao norte do pântano, no Castelo Beija-flor. A única coisa que tenho de fazer é libertar a Princesa Esmeraldina do interior da esmeralda, salvando o Universo de Fantasia da destruição do Buraco Negro.
__ Pobre garoto. Esse tal de Castelo Beija-flor é coisa do passado. Ele se transformou no meu Palácio Imperial. O trono da princesa Esmeraldina com a verdadeira Esmeral já foi lançado no Precipício Mutilador. Uma queda que leva à destruição total, que conduz ao âmago do Buraco Negro. Desista.
__ Nunca.
__ Se atirar seu medalhão no Precipício Mutilador, prometo que levarei você e seus amigos de volta para seu mundo real a salvos.
__ Nem que a vaca tussa -- respondi resoluto, pensando na integridade do Universo de Fantasia e no renascimento da princesa.
__ Minha paciência se esgotou, garoto. Não tenho outra escolha senão lançá-lo no Labirinto do Desespero. Vou dar a você mais uma chance.
__ Já disse que prefiro lutar. frisei terminantemente.
__ Tudo bem. Chegamos -- avisou Frangoso, olhando para Bola, que se mantinha estático, em estado de choque.