– Anda logo, gente! Vamos nos atrasar. Todo ano é isso – O senhor Carter resmunga passando por mim enquanto se dirige à porta do ônibus.
Como alunos do último ano ainda são tão imaturos continua um mistério para mim. Olho ao redor para ver se encontro alguém, mas Jake não chegou ainda e Hazel já entrou no outro ônibus. Alguém me observa, Jordan. Ela mantém o mesmo olhar misterioso sobre mim enquanto ajeita o casaco e a mochila nos ombros. Não conversamos mais depois do esbarrão no corredor, mas eu esperava arrancar algo dela hora ou outra. Principalmente depois de decretar que ela definitivamente não seria uma predadora.
Decido que não vou esperar Jake chegar, pois não estou afim de irritar ainda mais o Senhor Carter. A última vez que isso aconteceu não foi muito legal. No primeiro ano, quando eu sentava um degrau abaixo de Clara Mason e Jake ainda insistia em namorar a garota da outra escola e gostar de mim em segredo, Carter deu em cima de mim quando eu saía do vestiário. Eu não correspondi e ele quase me reprovou.
Entro no ônibus e tento ajeitar a bolsa da minha barraca no lugar de colocar a mala acima do banco, mas não encaixa de jeito nenhum, e ao invés de me ajudar, Jess se preocupa mais com a cor do seu novo batom. Bufo e tento, em vão, empurrar mais uma vez aquela bolsa enorme. Por que eu não o joguei logo no compartimento de malas correto, na lateral do carro?
– Aqui, eu ajudo – Adam surge atrás de mim e eu sorrio por ele realmente ter vindo – Seus valiosos treinos não estão te deixando na melhor forma? – Ele pergunta sarcástico, mudando o ângulo da bolsa e encaixando perfeitamente no local – Nem sempre se resolve com força bruta.
– Obrigada, você é meu herói – Enrolo os braços ao redor da sua cintura, adorando o fato de estarmos nos aproximando de novo, mas um pigarreio me interrompe.
– É realmente muita gentileza, Summers, mas pode soltar a minha namorada agora – Jake diz autoritário, e já posso imaginar Adam revirando os olhos. Era um saco ter que deixar Adam de lado quando meus amigos chegavam por perto, mas o que eu podia fazer se ele não queria que eu o colocasse ao meu lado no refeitório?
– Ah, me perdoe por tocar na majestade. Vai cortar a minha cabeça? Me jogar da prancha?
– Adam, por que não vai se sentar? – Sussurro fechando os olhos e me afasto dele antes que alguma briga aconteça, de novo. Vamos dizer que o histórico de Adam e Jake é conhecido e não é bem um exemplo a ser seguido.
– Allyson...
– Tá tudo bem, mesmo – Ando em direção ao Jake e passo o braço pela sua cintura, enroscando o dedo no passador de cinto da calça jeans. Ele me abraça de lado apertando meu ombro em um jeito meio possessivo.
– Ótimo, nada mudou não é mesmo? — Adam resmunga – Oi... Jessica — Ele hesita ao passar por nós.
– E aí, gatinho esquisito – Ela o cumprimenta com um sorriso cínico e ele bufa de novo.
– É, nada mesmo – Ele diz e vai se sentar no fundo
Estou prestes a fazer o mesmo no assento em que coloquei a minha mochila, mas alguém esbarra em mim enquanto Jake fala com um amigo e eu quase caio no corredor estreito. Jordan se vira e murmura desculpas. Claro que tinha que ser ela, era perseguição. Só podia ser. Será que ela ainda não viu que eu sou hétero? E que eu namoro?
– Foi sem querer – Ela balança a cabeça, mas antes de procurar um lugar, eu me assusto quando seus olhos ganham um tom de amarelo vibrante.
– Ok galera, quero todos sentados agora – Ouço a voz do Senhor Carter e tomo meu lugar na janela enquanto Jake se senta ao meu lado. Ele deposita um beijo no meu rosto antes de me abraçar – A reserva é um pouco longe daqui, como vocês sabem, mas tem muita coisa legal pra catalogar, vamos passar uma noite acampados e voltamos amanhã durante a tarde.
– Isso vai ser interessante – Jake sussurra e eu tento sorrir, parecer animada, mas a cor daqueles olhos ainda me deixa perturbada.
– Cataloguem o máximo de espécies possível, quero nome científico, espécie, família e ordem. O relatório é pra semana que vem, então sem moleza.
Todos resmungamos e sentimos o solavanco do ônibus quando ele começa a partir. Olho uma última vez para trás e pego Jordan me observando, de novo. Mas que diabos?
– Ei, o que foi? – Jake mexe nas mechas do meu cabelo, e isso acaba me distraindo um pouco.
– É a garota nova, ela meio que me dá arrepios – Brinco e procuro sua mão para entrelaçar os seus dedos nos meus – Não precisa se preocupar.
– Sei. Deixa eu te falar, já que você vai dividir a barraca com a Jenn, quando o Senhor Carter for se deitar, você vem para a minha, dou um jeito no Mason.
– Claro, tudo bem.
– Ótimo. Ei, o que tá rolando com a Hazel? Vive correndo atrás do Chase, mas estava com o Zack na noite do jogo.
– Não faço ideia do que aquela vadia tem na cabeça – Ele ri e eu pego o celular, me lembrando de mandar uma mensagem.
Allyson (9:23):
Ei, saudades
Ela responde quase na mesma hora:
Hazel (9:24):
Tô no ônibus de trás, não morra. O Zack tá dando muito em cima de mim.
Allyson (9:24):
Esqueceu o Chase?
Hazel (9:24): Conveniência, meu bem, conveniência. Acho que vou mudar meu horário de biologia de novo, tô ficando com teias de aranha.
Eu rio, bloqueio a tela e pouso a cabeça no ombro de Jake, que começa a fazer carinhos no meu cabelo, o que faz eu quase adormecer em seus braços.
– Aqui estão as duplas – Senhor Carter aparece com uma folha na mão assim que terminamos de montar nossos aposentos temporários, então amarro meu cabelo em um rabo de cavalo e coloco as mãos na cintura, controlando a respiração. Hazel vai olhar os nomes junto com a Jessica, e as duas voltam com um sorriso.
– Minha dupla é o Zack – Hazel comenta – Viram? É o destino nos juntando. Quem liga para o Chase e a Donavan?
– Isso aí, garota! – Clove estala os dedos – E a minha é você, não é demais?
– Ótimo, pelo menos assim não vou precisar puxar conversa com nenhuma presa. Mas já vou avisando, não vou fazer tudo sozinha.
– Tudo bem, eu faço a capa – Ela desdenha passando brilho labial.
– Idiota – Sorrio e o professor continua a nos passar as mesmas regras de todo ano.
Clove e eu conseguimos catalogar algumas espécies de répteis, pássaros e ainda pegamos dois ou três mamíferos, o que é raro nessa parte da floresta. Então eu me sentei em uma pedra enquanto ela pegava mais algumas dicas com Cole, o assistente, para finalmente encerrarmos o dia.
Estava conferindo as espécies e pesquisando os nomes científicos no celular pra facilitar. Por sorte eu tinha baixado um aplicativo que não precisava de internet, já que aqui não tem nem resquício de sinal de telefone
– Ah, oi – Jordan se aproxima com sua prancheta e olha ao redor – Está aqui sozinha?
– É, minha amiga saiu por aí e me abandonou.
– Então estamos as duas sem sorte – Ela dá uma olhada no papel em sua mão.
– Quem é a sua dupla?
– Ahn... Lindsay.
– Amo a Lind, vai se dar bem, ela só se finge de burra. Mas cuidado, ela dá em cima de todo mundo que tem pernas. Eu juro, ela já deu em cima de mim.
– Vou me lembrar disso – Ela sorri.
Eu mordo o lábio inferior, ainda indecisa se deveria comentar, e antes que eu me arrependa, me levanto e cruzo os braços.
– Eu vi seus olhos hoje de manhã.
– Sério? Bom, eu não costumo esconde-los, tá meio nublado, então pra que usar óculos escuros?
– Você sabe do que estou falando – Jordan suspira quando levanto o queixo, e se senta em um tronco de árvore caído perto de mim, apontando o lugar ao lado dela – Eu vi a cor deles, estavam amarelos.
– Pode acrescentar na lista das coisas que um dia você vai ficar sabendo.
– Eu quero saber agora.
– Por quê, Allyson? Por que agora? Por que de repente está se importando? – Jordan estava me instigando a admitir, e estava adorando aquilo de brincar comigo.
– Porque eu me sinto diferente, quando meus pais falaram que eu não era normal, eu... fiquei com medo, e você parece saber de alguma coisa, eu sei que...
– Ah, achei você – Jessica aparece entre as árvores e eu mudo minha postura imediatamente.
– Finalmente, estava dando para alguém? No meio da floresta? Não perde tempo, Jessica Farley.
– Haha, ridícula – Ela sorri e parece perceber a presença do Jordan – Ah, oi novata.
– E aí – Jordan se levanta, mas antes de ir por completo, ela segura meu braço, mandando um arrepio direto para a minha espinha – Eu ainda vou te contar tudo que precisa saber, mas o que você tem, Adina, é algo especial, um presente, não tem porquê ter medo – E então desaparece nas sombras escuras que já começam a se formar com o pôr do sol.
– Porque ele te chamou de Adina se seu nome é Allyson, e que presente é esse? O que você ganhou que não me contou?
– Não é nada, vem.
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– Jake, meu Deus, tenta fazer menos barulho – Rio quando ele beija meu pescoço.
– Não dá, tem muitas folhas embaixo da barraca. É tipo fazer isso no carro e não querer que ele balance – Reviro os olhos e troco de posição como um raio, ficando por cima dele de repente – Ei, como fez isso?
– Não sei, só cala a boca e me beija.
– Agora mesmo – Ele sussurra e me abaixo para depositar meus lábios no seu pescoço, para depois descer. Ouço seu grunhido e me incentivo a continuar – Deus, você é incrível.
– Por isso você me ama.
– Exatamente por isso – Jake ri, grave e baixo, o que me leva às alturas e ele tira minha blusa. Até que ouço um barulho de algo se quebrando e me levanto – O que foi?
– Ouviu isso?
– Baby, tem muita gente achando um jeito interessante de dividir barraca, não se preocupe.
– Não, tem algo errado, espera aqui – Pego minha blusa e a visto, abrindo a barraca logo em seguida.
– Ally, qual é, não pode me deixar aqui nesse estado.
– Pare de chorar, eu já volto – Me aproximo e lhe dou um selinho antes de sair com uma lanterna em mãos.
Ouvi um barulho de galhos se quebrando ao longe, e passos, logo depois uns sussurros. Chase não vai pregar uma peça em mim dessa vez, se ele se acha esperto o bastante pra tentar a mesma coisa do ano passado, vai se arrepender. Sigo o barulho e caminho a passos leves e lentos. A lanterna treme em minhas mãos por causa do frio já que estou só com uma regata e calça de moletom.
– Você não pode me impedir – Ouço uma voz mas paro ao perceber que não é do Chase, e quando olho pra trás, já é quase impossível ver as barracas e as luzes do gerador.
– Você vai matá-la.
– Ah, Jordan, por favor, Allyson já provou ser forte o bastante pra aguentar comandar comigo, e ela nem vai lutar. É o destino dela, as instituições estão crescendo cada vez mais, estamos nos impondo.
– Peter, não – Sua voz é rouca, mas firme.
– Você não vai me impedir – Depois de dizer isso ouço passos, e de repente tudo fica em silêncio de novo.
– Talvez eu vá.
– Me solta, ela é minha filha! – Abro a boca com o susto e vou andando pra trás, até esbarrar em alguma raiz e cair. Grito acidentalmente e minha lanterna cai longe. Meus pais biológicos não estão mortos? O casal do meu sonho não está morto? Jordan está segurando um homem adulto?
– Meu Deus, me ajuda, meu Deus – Sussurro procurando aquela maldita coisa brilhante, mas não enxergo nada. Toco em uma superfície fria e quase choro de alívio ao colocar as pilhas de novo e religar, mas a forma que se materializa na frente do farol me faz gritar e cair de novo.
– Cristo. Cala a boca – Jordan diz com a mão em minha boca depois que me levanta. Tento me soltar, completamente perdida e assustada com aquela situação – Para de me arranhar, Allyson. Eu vou te soltar, mas promete que não vai gritar? – Faço que sim com a cabeça e ela tira a mão da minha boca devagar.
– Que porra é essa?!
– Falei pra não gritar, caramba.
– Com quem você estava conversando?
– Você estava ouvindo?
– Achei que era alguma brincadeira do Chase e vim... vim ver o que era. Você estava falando de mim, não é? – Por um tempo tudo fica em silêncio, e até as cigarras pararam de cantar – Me fala a verdade, caramba!
– É! Droga, era sobre você.
– Ah meu Deus, ah meu Deus... – Ando em círculos e paro na sua frente de novo – Eu quero saber de tudo, agora – Jordan bufa e se vira de costas pra mim. Estou prestes a protestar quando ela começa a tirar a camiseta – O que você...? – Então eu vejo, a mesma cicatriz, igual a da Zoe, mas a dele não fecha o "V" completo, o encontro das duas linhas não existe – É igual...
– As daquela menina? Sim.
– Eu posso tocar?
– Não – Jordan se vira assim que começo andar na sua direção com a mão estendida – Não ouse.
– O que você é? Quem fez aquilo com a Zoe? O que eu sou?
– Você não vive no mundo que acha que vive, Allyson. E tem que tomar cuidado com o que te rodeia agora que suas habilidades começaram a desabrochar.
– Habilidades?
– É, habilidades de Nephilim.
– Mas que diabos. Os filhos de caídos com humanos – Adivinho – Isso fica cada vez mais interessante – Deixo o sarcasmo bem claro na minha voz.
– Sim, como...?
– Andei pesquisando – Envolvo meus braços em mim mesma pra espantar o frio – O que você é? O que as suas cicatrizes querem dizer? E as da Zoe.
– Zoe era Nephilim, um Caído a matou, manipulou sua forma para se parecer com ela e te enganar. Eu sou um anjo da guarda, a sua anjo da guarda. Por isso meus olhos eram dourados, os dos Caídos são vermelhos. Por isso eu o matei, para que não acontecesse nada pior com você.
– Meu pai era um caído? – Ainda tento processar toda a informação – Porque eu li que...
– Não, ele é um Nephilim, por isso você é especial, você nasceu assim mas tem que passar por uma outra transformação para completar a tríplice, o que eu não vou deixar.
– Por quê?
– Porque voltei pra salvar sua vida.
– Voltou de onde? – Sei que estou fazendo perguntas demais, mas não posso evitar.
– Do seu passado.
– Eu não acredito em você.
Dito isso, Jordan se vira novamente, e enormes asas brancas saem de suas cicatrizes, o que me faz gritar de novo.