A probabilidade de dar tudo errado era zero. Mas mesmo assim teimava em me manter no estado de alerta com medo do que pudesse acontecer caso as coisas fossem escolhidas de maneira simples. Duvidando ou até mesmo desconfiando de quem se aproxima de mim. Todos os nossos problemas ou estão no passado ou presos ao futuro.
Um passado doloroso forja uma pessoa metódica e cheia de traumas. O futuro é um cartão bloqueado onde você nem chegou nessa fase mas já está pensando em como agir nela. Uma antecipação dos fatos, correndo o risco de deixar pelo caminho o que realmente é importante.
Pensar no futuro é uma coisa.
Agora ficar fixo lá é perder um tempo que não volta mais. Me livrar das preocupações tornaria as situações um dilema difícil de se superar quando sabemos que viver o presente nem sempre é possível. Será mesmo?
Mais um personagem cansado de ser interpretado todos os dias. Carregava consigo uma essência totalmente diferente de todos os outros que inventei na frente do espelho.
Dentro dos dias difíceis que a gente não tá nem um pouco afim de sair de casa. Como se o ego fosse o vestir uma fantasia. Encarando o mundo de maneira maliciosa e debochada, um protesto a si mesmo, para não ser nem muito bonzinho, nem muito idiota. E sim, sensato.
Há algum tempo já trabalhando sem ter chefe a única certeza que sempre tive era a de não querer trabalhar para ninguém, focando nos meus sonhos, objetivos, metas e alcançando o meu futuro com obsessão pelo processo. Mesmo que para isso tivesse que trabalhar 16 horas por dia. Levando um estresse mental constante. São os meus sonhos e ninguém poderia trabalhar mais do que eu. Os resultados acima de qualquer paixão ou tragédia, sem tempo para lamentações aprendendo a seguir em frente .
Com a mente sob controle até porque para tudo dar errado bastava ela acreditar. E isso não poderia ser uma hipótese, muito menos um fato.
Estabilizar a ansiedade no mudo para não querer ouvir sobre um possível amanhã. Querer o hoje e o agora matando toda e qualquer possibilidade de não estar no presente. Sobrecarregando a minha alma com corações e taças vazias que se caem ao chão viram cacos impossíveis de juntar.
Queria evoluir e deixar o que ficou para trás no passado. Mas nem sempre é fácil. Quando bate a carência tudo que você tem são lembranças e esses momentos que o controle emocional precisa aparecer para manter você frio. Se apaixonar já não era mais uma opção. Uma luta constante entre futuro e presente. Uma queda de braço sem fim. Ambos querem o domínio. Porque ter o controle de tudo?
A ilusão de ter o controle da própria vida. Uma decisão tudo desmorona. Então se isso acontecer seria preciso recomeçar. Sim, havia me acostumado a colocar as coisas no jogo e depois de um tempo perceber que nossos erros nos fazem aprender, realmente viver é o desafio de errar sem medos. Quando somos imaturos não existe o medo de errar e quando aprendemos a pensar nas consequências tudo se torna um fardo quase impossível de carregar. Estar sempre com fones de ouvido me colocavam no mundo próprio onde era preciso manter a concentração e não ouvir a opinião dos outros. A necessidade de eliminar o pensamento "o que outros vão pensar."
Toda minha vida era baseada em colocar a aposta no jogo e sempre estar disposto a ir contra as estatísticas aceitando um Red possível. Como quem deixa o esquecimento levar tudo o que te causa dor. Afinal de contas qual a graça de viver sem riscos mesmo que tenha medo. Colocar na balança os prós e contras e estar contra ou a favor do tempo. E ai, será que vale a pena?
O que foi feito está feito, provocando a si mesmo para expulsar sua versão antiga com velhos valores, pudores. Cada vez mais distante dos personagens que já não servem mais. Não é nada sobre o outro e sim contra você. Sacrifícios colocam a razão contra o coração e se envolver vira posição próxima do Xeque-Mate. Será que você ganha ou perde?
Nesse cenário resta rei e rainha. O último dispara o relógio e em milésimos de segundos você tem que pensar com precisão ou aceitar a derrota.
Mais um personagem pronto para lidar com todos os cenários possíveis.
A primeira vez que tudo mudou foi quando ouvi a frase de que nossa mente cria a pessoa que queremos ser e junto a essa frase um velho amigo sempre dava um conselho aos netos dizia que um legado é criado por seus hábitos. "A primeira coisa que vocês devem fazer ao acordar é arrumar a cama". Ter uma rotina.
Manhã de sábado acordei no mesmo horário. Chaleira no fogo. Três colheres de sopa de café no coador de pano. O cheiro de café passado se contrastava com o do fino matinal. Misturando sensações totalmente opostas. Calmaria e Euforia. Cama arrumada e na frente do notebook comecei a fazer minhas transações. O final de semana me permitiu viver um sonho. Estar em casa, sozinho e com muitas possibilidades do que fazer com meu tempo. Ele era tudo meu, e o que deveria ser feito com ele cabia apenas as minhas decisões. Eram os únicos dias da semana que de fato eu era dono do meu próprio tempo.
Costumo dizer que das tantas coisas que faço são pessoas totalmente diferentes dentro da mesma. Como professor preciso ser observador, comunicativo e levar quem está comigo para atingir seus resultados. É preciso ser metódico e falar não o que quer ouvir e sim o que é necessário. Como Trader tenho que observar o comportamento do mercado e estar atento a qualquer oscilação que me agregue valor e não me faça perder dinheiro. Trabalhar com o que depende do seu controle emocional te torna uma coringa. Você cria cenários e pensa muito antes de tomar uma atitude. Assim como lidar com pessoas.
Um forte emocional não te deixa ser empurrado contra a maré. As chances de você ficar um pouco emocionado são menores e ambos os resultados sendo positivos ou negativos sempre te ensinam alguma coisa. Primeira entrada, verde, segunda entrada verde, última entrada verde era meu dia de sorte. Quando na verdade o fruto dos seus resultados eram muito estudo e superstição com uma mistura de dias iluminados. Aquele frio na barriga de ir de 0 a 100 em 90 minutos. E no amor era a mesma sensação. Quando as coisas dão certo a confiança aumenta e ao mesmo tempo é preciso ter calma e não ambição imediata. Saber a hora certa de parar.
A última entrada pagaria todos os erros do passado. Porém, além de ter coragem era preciso saber sofrer e estar disposto a aceitar o erro caso não desse certo. Último jogo do dia terceira divisão da Inglaterra, Gillingham x Harrogate, nas estatísticas o time da casa era favorito, o cenário mostrava pressão. Posse de bola 72% contra 28%. 26 chutes a gol contra 1, porém, 0x0 é esse tipo de jogo que me interessa. Quando tudo se encaminha para um empate o mercado pagando cotações altas para um gol e vitória da casa, correr o risco gerava tesão. Entrei nos exatos 90 minutos justamente quando a superstição entrou em campo, 13 minutos de acréscimo. Justamente meu número da sorte.
Finalizei minhas operações naquele dia com sucesso. A mente cansada mas com a sensação de ter o controle de tudo. A ilusão de ser o melhor no que se faz. Mas nem sempre as coisas são assim. Estar a manhã inteira na frente do computador sob pressão trazia além de um desgaste mental o despertar em mim de uma sensação de poder e liberdade somada ao tesão e a vontade de viver. Eu gosto tanto de ser um investidor não só pela remuneração e sim por todas as sensações que isso me trazia e de alguma maneira era possível associar tudo isso com a intimidade entre quatro paredes.
Precisava sair um pouco. Apesar de que ficar trancado dentro de casa não era um problema. Gostava de ficar sozinho na minha intimidade. Mas precisava treinar. O treino foi meu melhor sócio, meu maior psicólogo e o momento do meu dia que meu único problema durante uma a duas horas era submeter meu corpo a grandes desafios. Tinha treinado tudo na semana menos pernas. O treino que mais gostava de fazer por ser o que mais me desafiava. Se você não é movido por desafios o que te motiva? O que tira você da sensação de mesmice? Você deita a cabeça no travesseiro com a sensação de que deu o seu máximo? Detestava chegar em casa depois de uma sessão de treino com a sensação de que poderia ter dado mais. O segredo era esse. Ser intenso em tudo que faz. A única diferença é que nos últimos anos decidi ter a malícia de não ter medo do que vão pensar misturando o deboche de não me submeter a qualquer situação. Eu era quem precisava e o queria ser. Mesmo não estando onde e com quem queria.
Com o passar do tempo você decide quem quer ser. Alguém que vive de prazeres momentâneos sem sentido e sem resultados ou o cara que está disposto a dar prazer sem esperar por nada em troca. Quando amadureci percebi que se relacionar é algo tão simples, mas que assim como os jogos de azar tem uma singularidade e desafios dos quais o medo não nos deixa perceber a olho nu. O dia em que você eliminar o medo de perder o seu mundo ficará no presente. Sentir medo é sempre uma antecipação de coisas que podem nem acontecer.
A decisão de ser malicioso e debochado me levou a outro nível de consciência. Agora tenho de fato o controle da minha vida. Aprender a dizer NÃO e não estar disposto a agradar os outros me tornou um milionário. Se não financeiramente pelo menos em paz de espírito.
Tudo na vida é uma questão de tempo.