Virginia com toda sua simpatia peculiar abriu os braços para a tia.
- Nina?! O que faz aqui?!
A senhora surpreendida com a presença inusitada da sobrinha, a abraçou sem graça.
- Tia, precisamos conversar com a senhora, sobre algo bastante sério.
A senhora fez sinal autorizando nossa entrada, desconfiada nos olhou com uma enorme interrogação nos olhos e Virginia prosseguiu:
- Essas são duas amigas, Megan e a Doutora Camila Cabello, minha chefe.
Visivelmente deslocada, dona Dulce nos cumprimentou e nos convidou a sentar, logo perguntando:
- Nina, eu estou feliz em ver você depois de tanto tempo minha querida, mas não estou entendendo o que se passa, por que você trouxe sua chefe aqui?
- Tia, doutora Camila está aqui pelo mesmo motivo que eu. Viemos falar sobre Pietra.
- Aconteceu alguma coisa com ela? Você trouxe uma médica aqui com você? Meu Deus o que houve?!
- Calma tia Dulce. Nós vamos explicar tudo. Pietra está doente, uma doença que vocês sabem qual, ela está fora de controle, prejudicando pessoas, viemos aqui na esperança que vocês pudessem fazer algo, intervir para que ela se submeta a um tratamento...
- Pietra é adulta e fez a escolha dela Virginia, não podemos fazer mais nada por ela.
- Dona Dulce, estamos aqui porque acreditamos que só vocês podem fazer algo por ela. Antes que ela machuque alguém e que as consequências até para ela mesma sejam drásticas. - Intervi.
- Tia, nós vamos contar o que está acontecendo em detalhes.
E assim, Virginia com nossa ajuda narrou todos as loucuras que Pietra vinha fazendo nos últimos meses. A senhora não esboçava reação, era como se falássemos de alguém estranho.
- É isso tia. Pietra precisa ser interditada, antes que ela cometa algo grave nessa obsessão pela Lauren. Vocês são os únicos que judicialmente podem fazer isso.
Dona Dulce aparentemente continuou insensível, e disparou:
- Pelo que escutei, vocês não estão aqui preocupados com a saúde mental de Pietra, estão aqui para se livrar dela, esperava mais consideração de sua parte Virginia, pelo que sei, Pietra te deu um teto quando você precisou, não foi?
- Tia não se trata disso. Pietra está agindo como uma louca, eu me preocupo sim com minha prima, mas o que é necessário fazer por ela nesse momento é tratá-la, antes que ela machuque alguém ou se machuque também!
- Não vamos interditá-la, porque não queremos ser responsáveis por ela. Quando ela era nossa responsabilidade, nós fizemos de tudo, e ela fugiu, fez a escolha por essa vida de pecado, que parece ser a vida de todas vocês!
- Não estamos aqui para ser julgadas senhora. Nós precisamos que a senhora e seu marido façam algo para ajudar sua filha e por consequência ajudar nossa amiga Camila, mas não venha nos dizer que sua filha não é responsabilidade de vocês, porque ela é, e nesse momento ela não é capaz de se responsabilizar por si mesma, e ela precisa de vocês. – Megan se exaltou.
- Como você ousa me dizer o que fazer? Você não é ninguém para mim, e nem você Virginia tem o direito de se intrometer nos assuntos da minha família.
- Gente, calma! – Tentei ponderar. – Megan, por favor. Dona Dulce, nós não estamos te dizendo o que fazer, estamos pedindo que a senhora pense no bem de sua filha, só isso.
- Tia Dulce, se não fizer por nós, ou pela Pietra, faça isso pela Ana. Como acha que ela vai reagir se a mãe dela for presa depois de cometer mais uma loucura?
- Cale-se Virginia!
Virginia tocou em um assunto delicado, segredo de família que deixou a senhora ainda mais nervosa. E quando a situação parecia suficientemente tensa, uma jovem entra na sala indagando:
- Por que Virginia precisa se calar madrinha? Até quando a senhora vai me esconder a identidade da minha verdadeira mãe?
A moça franzina de cabelos escorridos, de rosto delicado escondido por um par de óculos, nitidamente tímida, se apresentou.
- Volte para seu quarto Ana, essa conversa não tem nada com você, Virginia e as amigas dela já estão de saída.
- Madrinha, eu ouvi tudo. Nunca entendi o esforço de vocês para me manter longe da filha de vocês, mas agora entendo. Ela é minha mãe!
- Anna não fale besteira!
- Virginia, o que está acontecendo com minha mãe, a Pietra?
O clima tenso estava instalado. Mas, Anna, não parecia nervosa. A timidez aparente deu lugar a uma segurança tranquila e a moça ignorou os insistentes apelos de dona Dulce para deixar a sala.
- Vou chamar meu marido aqui, vocês estão todas loucas!
A senhora saiu apressada, enquanto Virginia se apressava em contar mais uma vez o motivo de estarmos ali. Anna escutou tudo atentamente.
- Onde ela está nesse momento? – Perguntou depois de escutar nosso relato.
- No Rio. – Respondi.
- Ela acha que Megan mantém Camila longe, foi uma condição que impôs para não delatar Lauren e seu irmão. – Virginia completou.
- Ela está doente, precisa de tratamento, a melhor alternativa é de fato obrigá-la a se tratar, a interdição pode demorar, mas diante da urgência, podemos solicitar uma liminar, baseada no laudo da médica que a acompanha, isso será mais fácil não?
Anna parecia segura do que estava dizendo.
- Ana cursa direito. – Virginia explicou. – Acho que podemos descobrir a médica que a acompanha sim Ana.
Os pais de Pietra entraram na sala afobados. O senhor calvo berrou:
- Anna já para seu quarto, e vocês todas fora da minha casa, agora!
- Padrinho ninguém vai sair daqui até resolvermos a situação da Pietra, minha mãe! Ela precisa de tratamento e vai receber nem que eu seja obrigada a fazer isso judicialmente, só vocês podem pedir a interdição, e vocês vão pedir isso, de outra forma, solicitarei uma ação de investigação de maternidade, e como filha dela, eu mesma poderei pedir a interdição, é isso que vocês querem? Demorará mais tempo, mas o escândalo será bem maior também.
A altivez e segurança da jovem pareceram surpreender não só a nós, mas aos seus avôs também.
Um silêncio incômodo se instalou, a troca de olhares entre Anna e seus supostos pais adotivos falava mais do que qualquer discussão, como se os desafiasse, a filha de Pietra não desviou os olhos como se afirmasse categoricamente, que nada a faria dissuadir de sua decisão.
- Vamos para o Rio, entraremos com a ação lá, o endereço da minha mãe é de lá, não? Acho que vocês podem entrar em contato com a médica que a acompanha para que a gente possa incluir seu laudo no pedido de interdição, não podem?
Megan acenou em acordo, os pais de Pietra pareciam chocados com a nova face daquela frágil menina.
- Padrinho, madrinha? Vocês não vão dizer nada?
- Virginia, você pode levar suas amigas para dar uma volta? Precisamos conversar a sós com a Ana.
Nossa espera pareceu uma eternidade, cada minuto que se passava aumentava minha angústia e minha dor por estar longe da mulher que eu amava, e pior, fazendo ela sofrer.
Cerca de uma hora depois, Anna surgiu na calçada da casa, solicitando que entrássemos.
- Muito bem, nós faremos o que vocês querem, vamos interditar a Pietra, para tratá-la.
Um suspiro de alívio ecoou na sala. Anna tomou a frente da situação, determinando nossos próximos passos. Parecia determinada a curar a mãe, e enfim, iniciar uma relação de mãe e filha, que obviamente ela sentia falta.
Partimos para o Rio, seguidas de Anna e seu avô. Pietra parecia me monitorar, ligando para Megan várias vezes, pedindo para falar comigo a fim de assegurar que eu continuava em sua vigilância. Virginia ficou responsável por descobrir o nome do psiquiatra que acompanhava Pietra, planejava pegar o celular da prima, certamente encontraria ali o nome de algum médico.
- Vou ligar para Dinah, é melhor que vocês fiquem na casa dela. – Comentou Virginia.
- Virginia, por enquanto, não é prudente que Lauren saiba o que está acontecendo. Pietra está acampada na casa dela, desconfiaria de qualquer mudança em seu comportamento.
Megan disse, quase sem perceber o que revelara: Pietra estava com Lauren. Sabendo da vulnerabilidade de minha noiva, imaginei que Pietra estava se aproveitando disso para impor sua presença sob o pretexto de ser sua amiga.
- Megan, não aguento mais, foram três dias horrorosos imaginando o que Lauren está passando, preciso falar com ela, ao menos deixe que Virginia lhe explique tudo...
- Mila, você sabe os riscos, Lauren ficaria possessa de raiva...
- Lauren não é criança, ela saberia como agir! – Defendi.
- Calma, vamos com calma. Primeiro vocês se instalam na casa da DJ, eu encontro o contato do psiquiatra da Pietra, sondo como estão as coisas com Lauren, e dependendo da situação, converso com ela, ok?
Virginia segurou minha mão, não muito convencida, aceitei a sugestão. Dinah praticamente teve uma síncope quando me viu com Megan na sua casa.
- Camila! Meu Deus você está viva! Inteira!
Ela me abraçou eufórica.
- Ei! – Estapeou-me. – Como ousa estragar a festa que eu estreei um vestido deslumbrante de madrinha?!
- DJ, tudo tem uma explicação.
Pacientemente explicamos o que aconteceu, e aí, minha amiga parecia se preparar para síncopes seguidas. E quando eu era consolada por DJ, ouvi a voz familiar da mulher que eu amava:
- Eu precisava ver com meus olhos, não podia acreditar quando me falaram que a mulher que se casaria comigo, me abandonou no altar para fugir com outra!
- Lauren!
Virginia entrou em seguida se defendendo...
- Não tive culpa, ela me seguiu...
Eu me aproximei de Lauren, ansiosa por abraçá-la e explicar tudo para nos entendermos.
- Lauren...
Não esperava o que se seguiu. Lauren não me deixou falar. Minha face sentiu todo o peso de sua mágoa, a mão que me acariciava encontrou meu rosto com violência. Aquele tapa não marcou só minha pele, me arrancou também a voz, me despedaçou.
- Como não vi antes, a vagabunda que você é Camila?