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— Princesa Theodosia.

Theo ouviu a voz de Antonieta reverberar pelo quarto quando a mulher bateu na porta, sendo ela a responsável por cuidar da única filha do Grão-Senhor da Corte Outonal. Mas a princesa já estava acordada. Seu corpo e mente já tinham se acostumado a despertar no meio da madrugada.

Antonieta, uma humana de um metro e cinquenta e cinco, de cabelos lisos e escuros, a pele pálida e fina demais por se alimentar tão pouco. Seus olhos castanhos cansados miraram a fêmea sentada na cama quando adentrou o cômodo.

O quarto de Theo era enorme, obviamente. Só o melhor para a Princesinha das Chamas. Era assim que o povo a chamava. Sempre foi a favorita entre os filhos de Beron, por sua gentileza e animação. Quando era mais nova, costumava participar das festas na cidade, dançava com os cidadãos e cantava todas as músicas que sabia, até ficar tão cansada que Eris ou Lucien tinham que carregá-la no colo para casa.

Depois que Beron chamou a filha para uma reunião, quando ela tinha doze anos e a deu um propósito, ela não podia ir mais a festa alguma fora do complexo em que os Vanserra viviam. Os únicos eventos sociais em que participava eram os que aconteciam dentro dos muros do Palácio da Outonal.

— Lorde Brynjar está esperando-a — Antonieta avisou gentilmente, seguindo em direção ao imenso armário que ficava em uma das extremidades do quarto.

Theo tinha vestidos lindíssimos, mas não usava nenhum deles durante as madrugadas. Ela usava um conjunto de camiseta e calças em branco. A humana a vestiu e escovou seu cabelo curto e cobreado. Quando era mais nova, seu cabelo era enorme e repleto de ondas ruivas, mas o comprimento começou a atrapalhar os experimentos, e Beron mandou que a garota cortasse-o.

Assim que saiu do quarto a frente da escrava humana, ela viu que os dois guardas já estavam cruzando o corredor para acompanhá-la para os andares inferiores da Casa na Floresta. Theo não entendia porque eles sempre agarravam seus braços com tanta força. Sabiam que ela não tentaria fugir.

Andar pós andar, Theodosia foi guiada para as profundezas do complexo dos Vanserra. O lugar em que ela passava tantas horas era ainda mais abaixo que o calabouço. Pouquíssimas pessoas tinham permissão de visitarem.

Estava andando por um dos corredores cavernosos, iluminados por fracas tochas penduradas pelas parades de pedra. O silêncio tomava todo o local, e apenas seus passos e sua respiração podiam ser ouvidos.

Seu corpo começou a tremer quando avistou Brynjar Njord parado a frente da porta. Ele abriu um sorriso macabro enquanto Theo era arrastada até lá.

— Podem colocá-la na maca — o Mestre de Armas da Corte Outonal ordenou aos guardas, que levaram-a para dentro da câmara.

O local também era escuro. Cheirava a metal enferrujado. Havia uma escrivaninha próxima de uma das paredes, repleta de papéis com as anotações de Brynjar. Estantes escuras cobriam a parede contrária, repletas das ferramentas e elixires usados em suas sessões. E a maca.

Ela não sentia ter mais o controle do próprio corpo quando foi colocada por cima daquela cama dura de madeira e ferro. Sentiu os guardas prenderem seus pulsos e tornozelos. Eles partiram depois de fazer uma reverência a Njord.

Dezenove anos. Dezenove anos de vida, e Theodosia já conseguia reunir ódio suficiente para queimar o mundo inteiro quando se tratava do Mestre de Armas. Ela o odiava tanto quanto o temia.

— Tive muitas ideias para a sessão de hoje, Theodosia — ele falava o nome dela de forma venenosa, a fêmea quase podia ver ácido escorrendo entre os lábios do macho.

Loiro, rosto bruto e olhos azuis assustadores. Sua pele pálida parecia áspera. Estava sempre vestindo verde e laranja. Os cabelos dourados perfeitamente penteados para trás. Fora quem Beron escolheu para moldar Theo da maneira que ele queria.

Theodosia não estava participando da briga entre os irmãos pelo trono. Beron jamais permitiria que ela tivesse a chance de se tornar Grã-Senhora um dia. Mas ele disse que a garota podia ser útil de outra forma.

Quando completou doze anos, Theo foi obrigada a acordar todas as noites durante a madrugada para descer até a câmara de Brynjar e permitir que ele coletasse seu sangue, injetasse elixires, embebedasse-a com poções, para que a fêmea pudesse se tornar a arma mortal que a Corte Outonal tanto precisava.

[...]

Theodosia sempre acordava tarde. Quando as sessões com Njord terminavam, ela voltava para o quarto e dormia até a hora do almoço. Nos dias bons, ela ficava apenas com alguns hematomas e dor pelo corpo, mas nos piores, precisava de ataduras, costuras pela pele e voltava sentindo seus ossos pegarem fogo.

— Princesa Theodosia — Theo ouviu Antonieta chamar antes de entrar na suíte com a bandeja de seu almoço. A escrava deixou por cima da mesa da sala de jantar antes de cruzar o cômodo para abrir a porta do quarto.

A fêmea se levantou da cama, colocando seu robe verde por cima da camisola vermelha, cobrindo o corpo magro demais, e seguiu em direção a sala de jantar.

Aquele era um dos dias ruins, em que sentia que o mundo estava se partindo em dor e o corpo todo queimava feito brasa.

— Coma comigo — Theo disse ao sentar à mesa com uma cadeira vaga a frente.

Ela sabia que os escravos só recebiam uma ração por dia. Então, sempre dividia suas refeições com Antonieta. As duas tinham a mesma idade, mas não eram exatamente amigas. Theo não gostava de conversar. Não mais.

Antonieta abriu um pequeno sorriso antes de sentar de frente para a princesa, e as duas começaram a comer em silêncio. A escrava observou a grã-feérica bebericar o copo d'água.

— Precisamos começar a vesti-la para o baile de hoje — a jovem mulher disse.

Theo apenas concordou com a cabeça.

Depois da refeição, a humana seguiu para o banheiro para preparar o banho da princesa. Horas se passaram enquanto a fêmea era embonecada para a celebração. Beron precisava fortalecer seus laços frágeis demais com as outras cortes, então aproveitou o nascimento de seu filho mais novo, Aidan, para convidar a todos. Haviam boatos de escravos humanos se unindo para tentar uma rebelião, então, precisava se certificar de que as cortes se uniriam contra eles.

Seu vestido era de um laranja frio, cheio de bordados em formato de folhas verdes, vermelhas e douradas pelo busto e descendo pela cintura. Mangas bufantes de um tule quase transparente contornavam seus braços finos e pálidos. Seu cabelo estava trançado como uma coroa ruiva em sua cabeça.

Ela deixou o quarto avistando Eris, que estava saindo do dele no mesmo instante. Um sorriso tomou os lábios rachados da fêmea ao avistar o irmão centenas de anos mais velho.

O ruivo se aproximou da irmã mais nova, cruzando o braço com o dela para caminharem juntos pelo corredor. Os quartos dos filhos da família Vanserra ficavam no subsolo, um andar acima do que ficava o do Grão-Senhor.

— Todos os outros já subiram — disse Eris, se aproximando das escadas juntamente com Theodosia —, Lucien saiu bem animado.

Ele olhou para a irmã com as sobrancelhas arqueadas sugestivamente, fazendo um riso escapar entre os lábios pintados de vermelho.

— Ele se encontrará com Jesminda essa noite? — Theo perguntou em um cochicho, já que não podiam arriscar que outras pessoas ouvissem a conversa.

Lucien mantinha seu relacionamento em segredo. Apenas Theo e Eris sabiam, sendo os únicos entre os Vanserra que eram dignos de confiança. Ele sabia que, se Beron descobrisse, sua amada sofreria por não ser considerada boa o bastante para um príncipe, sendo ela uma feérica-menor.

— Sim. E talvez você também devesse tentar dar uma escapadinha. Soube que Soleil foi convidado. Beron e ele vão se reunir durante o desjejum de amanhã para conversar sobre o acordo de noivado.

Theo cerrou a mandíbula, seu braço apertando-se mais fortemente contra o do irmão conforme subiam as escadas. Soleil, um dos herdeiros de Montesere, era um macho nojento.

Sua barba espessa, acompanhada dos olhos escuros emoldurados por grossas sobrancelhas e cicatrizes de batalha rosadas por toda pele branca de sua face, apesar de levemente bronzeada, fazia o estômago da princesa se embrulhar. Seu olhar era sempre malicioso e maldoso para ela.

Quando os dois irmãos chegaram ao primeiro andar em superfície do complexo, sendo ele onde ficavam os salões de recepção e baile, todos os outros quatro filhos de Beron estavam reunidos atrás do Grão-Senhor, que estava recebendo os convidados ao lado da Senhora da Corte Outonal, que ninava seu recém-nascido nos braços.

Ravi e Perseu estavam cochichando um com o outro. Eram muito próximos graças a pouca diferença de idade. Ravi foi o terceiro herdeiro de Beron, e Perseu, o quarto. Os dois tinham apenas quinze anos de diferença. Muitos anos antes, veio Eris, depois, Lucien, após o nascimento de Ravi e Perseu vieram os gêmeos: Theo e Dastan, e por último, o pequeno Aidan.

Theodosia nunca gostou de Ravi e Perseu. Sempre foram cruéis, principalmente com os humanos que faziam trabalho forçado em sua corte. Os dois eram seres muito fáceis de odiar.

Dastan e Theo foram inseparáveis por muito tempo. Eles eram grudados um ao outro durante a infância. Viviam se escondendo na cozinha para roubar doces antes do jantar, dançavam juntos nas festas de rua. Ele fora quem confortou a princesa quando tinham doze anos e o pai começou a força-lá a ceder o corpo para os experimentos de Brynjar.

Mas Dastan, ao longo do tempo, começou a desejar a atenção do pai mais do que qualquer coisa. Fazia tudo para agrada-lo, inclusive delatar os irmãos quando faziam alguma besteira. Mesmo assim, a Theo de treze anos de idade tentou ser compreensiva.

Ela foi compreensiva, até perceber que o irmão não era o mesmo que costumava ser, até ver uma escrava humana deixar o quarto de seu gêmeo de dezesseis anos chorando muito, com hematomas pelos braços e pescoço, além de sangue manchando suas calças.
Theodosia se afastou completamente de Dastan depois do episódio, começando a despreza-lo. Tinha contado o ocorrido ao pai em busca de algum castigo á Dastan, mas Beron não podia ter se importado menos.

E então, tinham Lucien e Eris. Seus irmãos mais velhos que tratavam-à como uma pequena rainha. Lucien era a ovelha negra da família, sequer tentaria competir pelo trono. Enquanto Eris era o macho mais louco e engraçado que Theo já conheceu. Os dois tentavam ao máximo tornar a vida da princesa mais suportável, sabendo do que ela era obrigada a enfrentar todas as madrugadas.

No entanto, nenhum deles tinha coragem de enfrentar Beron. Nem mesmo Theo, que odiava o pai com cada grama de seu ser.

Ficaram atrás do pai, cumprimentando os convidados depois dele e de sua esposa. Mas Theo mal enxergava o rosto das pessoas que cumprimentava. Eram todos iguais para os olhos exaustos dela.

— Princesa Theodosia — ela identificou a voz do herdeiro da Corte Noturna, conseguindo focar em seu rosto e ver seus olhos violetas. Ele abriu um sorriso singelo antes de pegar a mão enluvada em laranja de Theo e deixar um beijo casto, fazendo uma reverência.

Ela avistou dois borrões de asas atrás do Filho da Noite, um deles havia pequenas sombras espiralando em seus ombros. Theodosia já tinha ouvido falar sobre o Encantador de Sombras da Corte Noturna.

As grandes portas que davam acesso ao salão de baile foram abertas, e Beron indicou que todos os convidados entrassem. Rhysand fez outra breve reverência antes de seguir para o outro cômodo, junto com seus dois amigos.

Olhando para aquela aglomeração de feéricos e pensando que teria que conversar com todos, sendo parte da família anfitriã, ela se sentiu enjoada. Quando passou pelos portões do salão de baile, pegou uma caneca de cerveja que estava em uma bandeja de um escravo e engoliu toda a substância, antes de pegar outra e começar a andar pelo local.

Depois de alguns minutos perambulando pelo salão, sempre com uma bebida em mãos, ela avistou Soleil conversando com Beron, a alguns metros de distância. Os dois perceberam-a, e seu pai estava pronto para chamá-la.

Desesperada para escapar daquela conversa desagradável, Theo largou sua caneca vazia em uma bandeja e se viu virando para um macho qualquer e agarrando seu braço, surpreendendo-o e mais outros dois que estavam fazendo-o companhia.

— Dança comigo? — Ela perguntou a ele, apesar de seu olhar estar focado no pai.

Quando finalmente se voltou para o macho, percebeu que era o Encantador de Sombras que tinha visto atrás do filho do Grão-Senhor da Corte Noturna há pouco tempo.

Seu rosto era elegante, o cabelo escuro cortado rente ao couro cabeludo. Suas roupas pretas combinavam com as pequenas sombras em seus ombros.

Os olhos de avelã passaram dela para os outros dois, Rhysand e outro illyriano com pedras grandes e vermelhas adornando suas luvas de couro pretas.

— Dança comigo, Rhys? — O illyriano musculoso perguntou de forma debochada, erguendo a mão para o amigo.

— Seria um prazer, Cass! — O herdeiro da Corte Noturna esbravejou, pegando em sua mão. Ele enviou uma piscadela ao Encantador de Sombras antes de deixá-lo a sós com a fêmea, se aproximando da pista de dança com seu amigo.

De repente, Theodosia percebeu que estava ficando envergonhada. Sentia as bochechas queimarem - literalmente - por baixo da pele. Mas não podia se afastar, não agora que Beron e Soleil tinham notado e chamariam-a para conversar.

Não sabia de onde a coragem saiu, mas ela pegou uma das mãos calejadas do illyriano e guiou-o até a pista de dança, ignorando a expressão chocada dele.

— Sabe dançar? — Ela perguntou, parando a frente dele, deixando-os em volta de dezenas de feéricos dançando.

— Não — o Encantador de Sombras murmurou, mais para si mesmo do que para ela, como se ainda estivesse processando o que estava acontecendo. Ele olhou para a princesa com uma feição indecifrável. Estava bravo? Confuso? Constipado? Ela não conseguia entender.

— É só... se mover. De um lado para o outro — Theo ergueu as mãos para os ombros do illyriano, mas ele era bastante alto, então se contentou em tocar um pouco acima do peito dele.

Ele, lentamente, descansou as mãos na cintura da fêmea, e começou a se balançar devagar de acordo com os movimentos dela. Theo inclinou a cabeça, vendo seu pai e o príncipe Soleil observarem de longe.

Ela semicerrou os olhos com curiosidade para as sombras pequenas e esmaecidas que espiralavam pelos ombros do illyriano.

— Nunca ouvi falar de um Encantador de Sombras, além de você — Theo conseguiu dizer. Sinceramente, não entendia o porquê de estar puxando assunto. Não gostava de conversar, principalmente com desconhecidos. Perdeu o interesse em fazer amizades há muito tempo.

— Ouviu falar de mim? — Ele franziu muito discretamente as sobrancelhas espessas. Sua voz elegante e baixa, talvez um pouco sombria.

— Acho que todos já ouviram falar sobre o macho que foi nomeado Encantador de Sombras pelo Grão-Senhor da Corte Noturna. É um título bem singular.

Theo percebeu que ele virou para ver o que ela tanto observava por trás do ombro.

— Quem está tentando evitar?

— Uma fêmea não pode convidar um macho para dançar sem ter segundas intenções? — Ela retrucou, arqueando as sobrancelhas, mas ele não pareceu se convencer. Theo bufou — estou evitando meu futuro noivo, aparentemente.

— Príncipe Soleil?

— Como sabe?

— Intuição — o Encantador de Sombras respondeu simplesmente.

Um silêncio desconfortável pairou entre seus corpos, e a ruiva o viu abrir a boca novamente, buscando algo para dizer. Supôs que ele percebeu que para manter uma conversa, era necessário falar.

— Sou observador — o macho voltou a dizer —, estou aprendendo sobre esse tipo de coisa em meu tempo livre.

— Está aprendendo a... observar? — Perguntou ela, juntando levemente as sobrancelhas, mostrando confusão em seu semblante.

— A perceber coisas que a maioria não percebe. Minhas sombras são boas com esse tipo de coisa, então achei que seria útil começar a me especializar nisso. Obter informações e rastrear pessoas ou objetos através delas, como um...

— Espião?

Ele abriu um sorriso singelo, bonito e que contrastava com o semblante duro que tinha no rosto segundos antes.

— Acho que podemos chamar disso, sim.

— E quais informações suas sombras conseguem sobre mim? — Theo perguntou, e ao notar que uma nova música começou, observou os feéricos ao redor se prepararem para uma dança diferente.

A ruiva se afastou do Encantador de Sombras, antes de erguer a mão para cima, esperando que ele espelhasse seus movimentos. Os dois tocaram suas palmas antes de começarem a andar em círculos.

— Ainda estou treinando-as para conseguir conhecimentos mais secretos — ele explicou, e ficou alguns segundos em silêncio, como se estivesse ouvindo-as, suas bochechas ganharam um leve tom rosado antes dele dizer: — me disseram que você é muito bonita e agradável.

— Eu não diria "agradável" — ela segurou nos dedos do illyriano, erguendo suas mãos no alto antes de girar no lugar.

— Também falaram que é forte.

— Com esses meus bracinhos? — Um riso de escárnio escapou dos lábios ressecados, e ela parou de girar, ficando de frente para o macho.

— Não força bruta — Azriel firmou cuidadosamente as mãos na cintura da fêmea novamente, voltando aquele ritmo lento, movendo-se de um lado para o outro —, você só... Suporta algo. Com bravura.

Ela parou de dançar, os olhos azuis-turquesa envoltos daquele desalento novamente. O Encantador de Sombras percebeu a mudança e se retesou.

— Desculpe se fui... intrometido demais.

— Não é isso. Eu só — Theodosia se calou, pensando que deveria dar uma desculpa esfarrapada para voltar a perambular sozinha pelo salão, mas algo a dizia para continuar perto do illyriano.

Algo a dizia para continuar a dançar e conversar com aquele macho de olhos misteriosos e fascinantes, que tinham prendido sua atenção desde que reparou neles.

— Eu só acho que meus sapatos vão acabar esfolando meus pés, se continuar dançando com eles — ela disse, curvando-se para descalçar os saltos laranjas. Tendo-os presos a uma das mãos, ela sorriu para ele — me chamo Theodosia.

— Eu sei.

— As sombras te contaram?

— Eu estava atrás de Rhysand quando ele a cumprimentou, Princesinha das Chamas — o macho usou um tom um tanto travesso, voltando a circundar a cintura da ruiva com uma das mãos, enquanto erguia a outra para cima, observando-a levantar o próprio braço.

— E ouviu alguém me chamar assim? — Quis saber ela, tocando a mão erguida dele, apesar de ainda segurar o par de sapatos.

— Essa informação, no caso, as sombras que me passaram.

Ela soltou um riso, observando o sorriso esperto que decorava os lábios do Encantador de Sombras. Ele se afastou novamente, esticando os braços pra segurar os dela.

— Não vai me dizer o seu nome? — Perguntou ao pegar nas mãos do macho e se aproximar dele, antes de ter que dar alguns passos para trás de novo, de acordo com o ritmo da música.

— Azriel.

Os dois passaram horas dançando, por incrível que pudesse parecer. Os sapatos de Theo já haviam se perdido há sete músicas atrás, e ela estava alegre demais depois de ter tomado mais algumas taças de bebida.

— Então, você e Cassian precisam dividir Rhysand com um dos herdeiros da Corte Primaveril? — Ela perguntou em um tom divertido.

Mechas ruivas já tinham soltado da coroa de tranças de sua cabeça e estavam coladas a testa suada. Os dois tinham deixado a pista de dança para descansar no jardim, chegando a ele pelas portas do salão de baile que davam acesso à área externa.

— Eles dois são bons amigos, sim — Azriel riu levemente. — Cassian não gosta dele.

— Por que não?

— O acha muito mimado.

— E o que você acha? — Ela quis saber, sentada em um dos bancos dourados colados a parede, apesar do macho permanecer de pé, a poucos passos de distância. Observou-o pensar por um momento, suas pequenas sombras espiralando ao redor de seu rosto, como se seguissem sua linha de raciocínio.

— Acho que Tamlin se esforça demais pela aprovação do pai. E isso pode influenciar na amizade com Rhysand, sendo ele filho de um Grão-Senhor que pode ser considerado uma ameaça aos ideais da Corte Primaveril.

— Como assim?

Azriel se silencia por um momento, olhando ao redor para ter certeza de que não havia mais ninguém observando-os. Depois, analisa Theodosia, provavelmente pensando se devia ou não passar informações a ela. Finalmente senta ao lado dela.

— Você deve saber sobre os boatos da rebelião dos humanos. Algumas cortes estão pensando em se aliar a eles, e ajudá-los para que consigam a liberdade. O Grão-Senhor da Corte Noturna libertou todos os humanos de lá, enquanto o da Corte Primaveril se recusa a perder os próprios.

Theo se encolheu levemente. Beron jamais libertaria os escravos da Corte Outonal, e a fêmea odiava isso. Odiava ver aqueles humanos sofrendo e sendo obrigados a servi-la.

— Você acha que haverá uma guerra? — Ela ousou perguntar, tal possibilidade arrepiando sua pele pálida demais.

— Acho que uma guerra é inevitável. E está cada vez mais perto de acontecer.

Pensar em todo o sangue inocente que seria derramado nos campos de batalha fez a fêmea sentir enjoo. Se de fato houvesse uma guerra, Beron não aceitaria perdê-la. Ele jogaria sujo para manter seus escravos, e certamente, usaria Theodosia para vencer, obrigaria a filha a vestir uma armadura e queimar todos que estivessem contra ele.

Para evitar vomitar bem ao lado do Encantador de Sombras, a Princesinha das Chamas decidiu mudar de assunto. Ela virou o rosto na direção do illyriano, observando as asas fechadas que estavam descansando no chão, atrás do banco.

— Foi fácil aprender a voar?

— Para a maioria dos illyrianos, sim. Mas eu aprendi mais tarde que os demais.

— Por quê?

Azriel desviou os olhos para as mãos marcadas que estavam apoiadas por cima das próprias pernas. Aquele semblante ininteligível estava sendo maculado por uma leve tensão em sua mandíbula, como se a pergunta tivesse tocado em alguma ferida não cicatrizada.

— Desculpe se eu...

— Princesa Theodosia — um dos guardas, o de cabelos castanhos e olhos pretos demais chamou ao se aproximar, ladeado por seu colega —, está na hora.

Ela não tinha se dado conta de que já estava tão tarde assim. Estava na hora de descer às catacumbas para mais uma sessão dolorosa com Brynjar. Quando se levantou, percebeu que o olhar de Azriel acompanhou cada um de seus movimentos até ela estar entre os dois guardas.

— Você estará no desjejum de amanhã? — Theo quis saber.

— Sim. Eu, Rhysand e Cassian só partiremos ao pôr do sol — ele respondeu, semicerrando muito levemente os olhos, como se as engrenagens de sua mente estivessem trabalhando naquele instante avidamente.

— Então até amanhã, Encantador de Sombras.

Um sorriso pequeno foi esboçado nos lábios carnudos do macho quando ele se levantou para se aproximar da ruiva.

— Nos vemos logo, Princesinha das Chamas.

Retribuindo ao sorriso, ela se virou de costas para ele e seguiu novamente para dentro do salão, atravessando-o para chegar às escadas que a guiariam para os acessos, e desceria mais e mais fundo no subsolo do Palácio da Outonal.

Quando chegou à câmara de Brynjar Njord, avistou um conjunto branco de camisa e calças por cima da escrivaninha. O Mestre de Armas estava parado, um sorriso ansioso brilhando em seus lábios rosas.

— Pode trocar de roupas, princesa.

Parecia apenas uma sugestão, mas ela sabia que era uma ordem. Brynjar e o guardas não se moveram para se virar de costas ou indicaram algum lugar onde ela pudesse se despir com privacidade. Dignidade era algo raramente oferecido à Theodosia.

A fêmea engoliu em seco conforme levava as mãos as costas, tentando desfazer os laços do vestido. Levou mais tempo do que de costume, já que sempre recebeu ajuda de Antonieta para tal. Quando conseguiu, sentiu o vestido afrouxar antes de cair no chão, ficando com o busto nu, apesar de ainda ter anáguas envolvidas em sua cintura e pernas.

Sentiu o ar frio roçar seus seios e se encolheu, virando-se para ficar de costas e evitar o olhar dos outros três. Uma lágrima solitária e odiosa escapou de seus olhos quando o resto de tecido caiu, deixando-a apenas com uma roupa íntima.

Era humilhante. Era humilhante ter que se esgueirar para perto da mesa, para perto de Brynjar, para pegar as mudas de roupas brancas e começar a se vestir.

— Podem colocá-la na maca — o Mestre de Armas disse quando ela já estava vestida, seguindo em direção às estantes para separar suas ferramentas.

Os dois guardas se aproximaram e guiaram a fêmea até aquela cama de madeira e ferro, prendendo-a ali. Ela viu uma mão marrom, pertencente à um dos feéricos, prender um pedaço de madeira entre suas arcadas dentárias.

— Hoje será um pouco mais doloroso — Brynjar avisou, seguindo até a ruiva amordaçada e amarrando uma fivela de couro pela cabeça dela e a maca, impedindo-a de se mexer.

Quando o Mestre de Armas fez um corte profundo em seus dois braços e começou a enfiar os cabos de cobre embebidos de seus elixires, Theo sentiu que estava queimando.

Ela começou a suar rapidamente, conseguindo ver que seus braços estavam ficando iluminados por dentro da pele, aquele brilho vermelho espalhando-se por todo seu corpo e fazendo-a sentir que estava fervendo.

Theo começou a mover os braços e o pés involuntariamente, tentando escapar daquela dor, apesar de saber muito bem que estava firmemente acorrentada. Gritos abafados pelo pedaço de madeira em sua boca tentavam escapar de sua garganta conforme sentia seu corpo ficar em chamas.

[...]

O sol já tinha nascido quando Theodosia foi acompanhada por seus guardas até o quarto. Ela entrou, percebendo que Antonieta não estava lá. Geralmente, a humana esperava-a com o banho pronto.

Theo arrancou as ataduras de seus braços, aquela altura o sangue já tinha parado de escapar, e tudo o que restara foram alguns hematomas escuros por sua pele.

Ela não queria dormir, não queria ficar naquele quarto. Mas se saísse pela porta, os guardas a seguiriam para qualquer lugar que fosse. Por isso, a princesa atravessou para um corredor qualquer das passagens dos criados.

O local era escuro e úmido, só era possível enxergar graças às tochas penduradas pelas paredes. Não haviam escravos andando por ali, o corredor estava silencioso.

Ela seguiu caminhando em silêncio, subindo alguns andares, chegando ao da cozinha. Começou a ouvir cochichos do outro lado da porta, e sabia que vinham dos humanos.

— Como vamos nos juntar aos outros?

Theo ouviu a voz de Antonieta dentro da cozinha, e se atentou mais a conversa.

— Vamos ter que pensar em uma maneira discreta de deixarmos o palácio, se o Grão-Senhor descobrir... estaremos mortos — ela ouviu uma voz mais antiga falando, feminina.

Sem pensar no que estava fazendo, Theodosia abriu a porta e entrou na cozinha, paralisando os humanos que estavam lá dentro, arregalando os olhos de choque e pavor.

— P-princesa — Antonieta gaguejou, aterrorizada por terem sido pegos —, nós... nós podemos explicar.

Theo não disse nada, apenas observou-os, aqueles vinte humanos magros demais. Eles estavam participando da rebelião. Se houvesse uma guerra, como o Encantador de Sombras disse, ela teria que enfrentá-los em um campo de batalha, em nome de Beron. Pensar em ferir aquelas pessoas fez seu estômago embrulhar e se torcer.

— Princesa Theodosia — Antonieta chamou-a novamente, dando um passo para mais perto da grã-feérica muito mais alta —, por favor. Por favor, vossa alteza. Não...

— Eu não vi nenhum de vocês aqui, e vocês não me viram — Theodosia disse simplesmente, olhando de Antonieta para os demais. — Vim apenas buscar um copo de leite.

Prontamente, a mulher mais velha, com cabelos brancos e rugas pelo rosto, que estava falando alguns momentos atrás, buscou a jarra de leite e encheu um copo para a fêmea. Entregou-à com a mão trêmula, tentando formar um sorriso nos lábios.

— Obrigada. Boa noite — foi tudo o que Theo falou antes de dar as costas ao grupo e seguir em direção as escadas novamente.

Se Beron soubesse que ela viu aquela reunião e não disse nada, ficaria furioso. Mas se Theo contasse, todos aqueles humanos inocentes morreriam da forma mais dolorosa possível, e ela se recusaria a participar de uma atrocidade como essa.

Theodosia poderia guardar aquele segredo, não poderia?


‧₊˚ Primeiro capítulo de Firebird! E aí? Quais as primeiras impressões?

‧₊˚ Lembrando que esse primeiro ato se passa antes dos livros de ACOTAR, quando a guerra pela liberdade dos humanos estava prestes a começar. Esses três primeiros capítulos serão sobre isso. A partir do segundo ato a história se passará depois de Corte de Chamas Prateadas.

‧₊˚ Nos vemos logo!

——— F.  23 de julho de 2023.

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