ponto sem nó

By MariahQueirozz

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Uma Regina recém separada que aceita uma aposta entre amigos para transar com alguém que supostamente nunca m... More

Um plano perfeito
Eu também sei brincar
Machado de Assis ouve Bruno e Marrone
Três andares de mentiras
Jogue sal na ferida para curar
Cura-me com fones de ouvido part. 02
Equalize
Neal e o altar
Chamada recebida
Divórcio amigável

Cura-me com fones de ouvidos part. 01

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By MariahQueirozz

Oi pessoal! Sei que hoje não é sexta, mas voltei!

Peço desculpas pela demora. Quem me segue no Instagram (mariahqueirozi) já sabe que estou passando por um processo complicado com a minha namorada. Ela perdeu os dois rins, está fazendo hemodiálise e com mais alguns problemas de saúde pessoais. Segunda, quarta e sexta são os dias de hemodiálise e ela costuma voltar muito mal, então estou pensando em mudar o dia de atualização. Qual dia da semana você mais gosta de ler?

Esse é um capítulo muito sensível do início ao fim. Atente-se aos avisos de gatilho de ponto sem nó e boa leitura. Te encontro nas notas finais.

Atenção: a Zelena se chama Fernanda no  livro original. Você precisa saber disso para entender uma "piada" no capítulo. Emma se chama Marília e a Regina se chama Ana Rita Mendonça.

Emma

É extremamente clichê que a Regina chegue no meu carro com uma mala que quase alcance minha cintura enquanto eu tenho uma mochila preta e básica.

Decidi não falar nada, considerando o olhar que ela me deu quando eu ousei abrir a boca para questionar a altura dos saltos. Era melhor não alimentar a fera, porque se os meus planos dessem certo, eu precisava estar viva para realizá-los.

Senti minha pele arrepiar com todas as possibilidades e planos que criei antes de dormir. Ainda que olhando de fora se pareça com uma má ideia, já que a Regina mal me disse "oi" e esticou as mãos para me cumprimentar quando tentei um beijo na bochecha, esse é um daqueles tipos de histórias que você não consegue opinar se não ver de dentro.

Você não consegue enxergar tudo o que Regina demonstra sem querer se não olhar bem pra ela.

— Você está pensando em ir hoje ou pretende perder o voo? — Regina cortou meus pensamentos, rompendo um silêncio quase confortável. Olhei pra ela no banco ao meu lado e sorri sem jeito por ter me perdido em pensamentos.

— Está me dando ideias, Regina?

— Passar 13 horas num carro com você, Emma? Bebeu tequila misturada no café?

— Como você sabe o tempo? Pesquisou antes de dormir?

— Você não sente vergonha por falar tanta besteira em voz alta? — Regina bufou como uma adolescente mimada e eu dei uma risada que a deixou vermelha.

— Por que eu teria vergonha se cada besteira que eu falo te arranca um sorriso de lado? Eu deveria falar mais.

— Ok, você precisa de ajuda psiquiátrica, Emma. Imaginar coisas assim deve ser algum tipo de esquizofrenia.

— Que desrespeitoso, Regina — Dei uma risada e ela bufou, mesmo vermelha.

Percebi seus saltos batendo no chão do carro, uma demonstração clara de ansiedade. Eu sabia que essa viagem comigo não era a ideia favorita daquela morena teimosa, mas ao mesmo tempo, tinha certeza que ela não deixaria passar por nada. Se eu pudesse apostar, diria que ela organizou todo um roteiro de fala para quando encontrarmos as autoras.

Meu estilo está mais para entregar nas mãos de Deus e esperar dar certo.

Ah, as manias de uma ex-crente.

— Só dirige, Emma. Dirige, porque se perdermos esse voo eu te jogo da sacada da sua casa.

— Eu moro no primeiro andar, Regina. O máximo que vai acontecer é eu quebrar uma perna e você ter que cuidar de mim.

— Vou até tomar uma água pra engolir esse absurdo. Que a santa paciência me ajude por esses dias, senão você que vai me deixar louca.

Eu gosto de ver a Regina louca, mas de tesão. Ao invés de dizer isso pra ela, decidi passar o resto do caminho em silêncio, afinal, as chances de ela pular do carro em movimento só para não confirmar seu braço arrepiado eram grandes.

A viagem estava só começando.

Regina

Dias antes

Eu estava terminando de guardar meus materiais quando ouvi a porta da sala ser aberta. Por um segundo achei que era algum aluno com dúvidas, então nem me preocupei em me virar, já que eles costumam marcar presença com urgência quando querem algo do professor.

Porém, mais impulsivo do que um jovem em tempos de tomadas de decisão, é uma mulher se sentindo culpada.

— Ei, Regina! — Meu sangue gelou.

— Zelena? O que você quer?

— Sim, estou bem e você? Dormi bem sim, muito obrigada.

— Você perdeu o espaço para fingir que é minha amiga quando apoiou a Úrsula, Zelena. Diga o que quer e economize o meu tempo. — Ela ia falar alguma coisa sobre o assunto, mas a impedi — E não, não precisa repetir que você não a apoiou e sim esteve ao seu lado por ser sua amiga há muitos anos. Eu entendi meu espaço na sua vida assim que tudo aconteceu e hoje não estou com humor para ouvir mais das suas justificativas e histórias de vida. Pra mim, a consideração nunca será sobre tempo e sim sobre reciprocidade, conexão, consideração. Se você é capaz de apoiar a Úrsula numa traição tão baixa, você só me prova que não merece estar ao meu lado.

— Para de tomar ar! Você sabe que não foi assim, Regina. A Úrsula cresceu comigo, você queria que eu fizesse o que? Eu conversei com ela, apontei os erros, disse que não concordava. O que mais eu podia fazer?

— Você podia ter me contado que minha querida esposa estava fodendo com a sócia dela no escritório que eu ajudei a abrir. Isso só pra começar.

— Ela me disse que eram grandes amigas, melhores amigas.

— Eu achei que você era a melhor amiga dela. Não foi isso que ela disse quando você ficou no apartamento no dia que eu fui buscar minhas coisas?

— Não quero falar sobre isso agora. Não com você tão nervosa e ansiosa.

Vamos no seu tempo então, Zelena. Talvez você e a Úrsula tenham muito em comum mesmo.

— Você me conhece, Regina. E eu conheço você. Você decidiu me atacar hoje, mesmo depois de uma certa evolução na nossa convivência, afinal, fomos até no pub juntas e me atacar feio — Dessa vez, foi a minha vez de tentar falar e ela interromper — Sim, com motivos, eu posso concordar, não estou dizendo que estou certa. Mas se você está me atacando hoje, depois de tanto tempo me dando o silêncio ou ironias, é porque estou certa pra vir te procurar.

— O que você quer? — Decidi não rebater mais sobre o assunto Úrsula. Já sentia meu corpo pesando por falar daquilo que eu não falava há um tempo. Deve ser o peso do chifre, afinal.

— Vim saber como você está. Sei que hoje é aniversário de morte daquela cantora que você gostava e eu não tinha certeza se você estava lembrando.

— Estava bem. Supimpa. Antes de você chegar, é claro. Agora estou tão bem quanto a Lexie de Grey's Anatomy debaixo daquele avião.

— Grosseiro, Regina.

— Bem-vinda ao meu mundo. Fale o que você quer e pare de rodear o assunto.

— Bom, é verdade que vim saber sobre seu bem-estar por causa da data, mas eu também consegui algo pra você. — Zelena chegou um pouco mais perto de mim e esticou o celular para que eu pudesse ver um e-mail — Aqui estão duas entradas pra área vip do evento que você vai com a Emma. Eu soube que a faculdade bancou o acesso geral, mas imaginei que a área vip poderia dar um acesso mais fácil às autoras.

Por um segundo pensei em negar, dizer que não precisava, mas Zelena estava certa quando disse que me conhecia. Ela sabia que eu sabia que aquela era mesmo uma boa oportunidade e até aquele momento eu nem havia me dado conta disso.

— Me encaminha, por favor, e depois me envia o preço com o seu pix para acertarmos. Vou pagar o da Emma também para que esse assunto não se estenda.

— É um presente, Regina. Pra vocês duas. E por favor, não tente não aceitar... Já está pago, organizado e, sinceramente, não foi um preço muito exorbitante para se preocupar. Fora que não tenho saco para insistir, então por favor, só encerra o assunto.

Pensei um pouco sobre o tema e decidi aceitar. Não porque concordava, mas porque estar na presença constante da Zelena sem que eu pudesse falar como nos velhos tempos, me incomodava e me deixava cansada. Mais tarde ela receberia o pix com o valor total.

— Obrigada. — Respondi e recebi um sorriso de volta, mas ela não fez nem um movimento que indicava a sua saída. Olhei no relógio no meu pulso pra mostrar que estava com pressa, mas ela não se moveu. — Mais alguma coisa?

Antes que ela pudesse falar, meu celular vibrou. Como estávamos muito perto uma da outra, vi que a Zelena leu a notificação – ou um pedaço dela – na tela.

— Caroline... — A minha ex amiga não tentou nem disfarçar e testou o nome que leu na tela. — Eu achei que você estava desenvolvendo algo com a Emma. Não sabia que estava conversando com outra pessoa.

— Desenvolvendo algo com a Emma? Ficou maluca? De onde você tirou um absurdo como esse? E por que você supõe que seja algo romântico? Não posso ter amigas? Contatos profissionais?

— Meu Deus, Regina, toma um calmante porque você 'tá insuportável hoje, viu?! Você não permite que ninguém chegue perto de você o suficiente pra ter seu telefone pessoal. Então amiga para bater papo no meio do dia? Acho que não.

— É aqui que percebemos que você não sabe mais nada sobre mim.

— Vamos tentar nos convencer disso então.

Zelena suspirou, mesmo com um sorriso irônico e eu desisti daquela interação. Peguei minha bolsa e saí da sala, deixando para trás uma morena curiosa, claramente irritada e levei comigo um sorriso no rosto – apesar de tudo – porque li a mensagem da Caroline.

Eu podia ler com o seu tom de voz animado – que aprendi depois de falarmos algumas vezes sobre assuntos rotineiros – o que ela havia me enviado.

"Ei, você ouviu falar sobre o evento da Evelyn Hugo aqui em Goiânia? Preciso de companhia. Que tal irmos juntas? Seria muito legal!!!!"

Por mais que fosse um evento raro no nosso Estado e muito interessante por gostar do livro e da atriz, eu teria que dizer "não". Será no mesmo final de semana da viagem com a Emma, então não conseguiria ir.

Mesmo assim, deixei combinado um passeio na livraria assim que eu voltasse de viagem.

Isso é... Se a Emma não me matasse de raiva no meio do caminho.

*

Emma

O plano não era exatamente perder o voo. Na verdade, a ideia era adiar o voo pra mais tarde pra poder passar algumas horas com a Regina no aeroporto.

E então, depois da Regina se irritar com a moça da companhia aérea que demorava 03 minutos para falar uma frase curta e quase gritar comigo na fila de espera para ajustar as passagens, eu descobri que não existia mais voo aquele dia e nem no próximo, por causa da diminuição das rotas pós-pandemia.

Por mais estranho que seja, eu fiquei extremamente feliz.

Pois é. Talvez eu goste um pouco de um bom drama.

— Swan, você fez isso de propósito! Quem é que busca outro ser humano em casa e depois volta na própria casa pra pegar um fone de ouvido? Você sabia que eles dão fone de ouvido no voo?

— Tenho os ouvidos sensíveis, Regina. Eu preciso dos meus.

— Nem você acredita nisso.

Bem, ela tinha razão. Eu sou a pessoa menos fresca do mundo. Posso facilmente assistir um filme no mudo se for pra não atrapalhar alguém. Mas como eu teria a mínima chance de convencer a Regina de um plano secreto se a gente não perdesse o primeiro voo?

*

Ainda no jantar na casa da Emma

— Você não está pensando o que eu acho que você está pensando, está?!

— Claro que sim, David. Pensa comigo: qual a melhor maneira de você conquistar alguém? — Dei uma pequena pausa dramática, mas não deixei que ele respondesse — Convivendo com ela.

— Essa é uma ótima forma de fazer alguém te odiar também. Meu primeiro casamento acabou porque eu odiava o jeito que ele lavava a louça.

— Belle, isso não é um motivo e sim uma gota d'água, mas vou aceitar a resposta porque qualquer coisa é útil pra tentar tirar a Emma dessa insanidade!

— Ruby, sério, por que você é tão contra? É gostoso estar perto dela, discutir com ela nariz com nariz pra ver seu braço arrepiar. Nós duas somos adultas, eu sei que ela me quer e se nega por orgulho, então por que não nos divertir? A partir do momento em que ela disser "não", que ela quiser olhar nos meus olhos e dizer que não me quer, eu paro.

— Ainda bem que a Caroline foi ler no quarto — David comentou antes que a Ruby pudesse responder e eu ri.

— Eu só não entendo essa fixação com ela, Emma. Se isso for seu ego, é ruim. Se não for, é pior. Ok que ela é conhecida como uma vadia completa, mas ninguém merece ser enganada para suprir qualquer personalidade leonina que você carregue.

— Você tem certeza que está falando de mim?

— Emma...

— Eu sei, ok?! Eu sei que é estranho e completamente pirado da minha parte, mas eu não sei explicar. Talvez seja ego mesmo. Mas eu não estou enganando ninguém. Você não viu como os olhos dela brilham em desafio quando eu me aproximo, muito menos sentiu a energia que ela carrega. Eu não quero casar com ela, fazer promessas românticas, voltar ao pub em que nos conhecemos pelo romantismo, ir ao cinema nas quartas porque é mais vazio ou viajar juntas pelo mundo. É sexo. E desculpe, mas eu já me neguei muito prazer. Por que eu faria isso agora?

— Eu acho que você está se enganando, mas não temos muita intimidade para que eu diga isso, então vamos fingir que eu não disse nada — Belle falou com um sorriso no rosto, quase tapado pela taça que ela ainda bebia.

— Vocês estão malucos. Nós vamos nessa viagem, vamos passar um tempo juntas andando na corda bamba, vamos falar com as autoras e voltar vivas. Não vai acontecer nada demais, vocês vão ver.

— Você nem consegue arrumar uma desculpa pra nós.

— E eu nem preciso, porque sou maior de idade e deixei as regras absurdas da igreja pra trás há algum tempo, Ruby. Desculpe, mas isso não é uma enquete. Estou indo pra São Paulo com a Regina de carro e será super divertido. Eu creio. — Falei com convicção. Se eu cresci com pai pastor, eu podia lidar com Regina Mills.

— Oh Deus...

*

Regina

— Pensa pelo lado positivo, Regina. Nós teremos as 13 horas de carro que você tanto queria.

Só pode ser um pesadelo. Tenho certeza que se eu me beliscar bem forte vou acordar desse coma. Quando eu aceitei aquela aposta no pub foi pra provar pra Zelena que eu podia, não para selar um pacto com o diabo.

Aparentemente é a mesma coisa.

— Eu sugiro que você não diga mais nenhuma palavra, Emma. Conheci você como uma idiota completa, ignorante, cheia de marra, então por favor, fique assim. Não diga um "pio" até que a gente chegue em São Paulo.

— Pelo menos você não desistiu da viagem.

É óbvio que a Emma não ia atender ao meu pedido de ficar calada, mas é impressionante como ela sempre é capaz de falar absurdos. Parei no meio do aeroporto – o que fez com que ela se esbarrasse em mim – e a olhei indignada.

— Desistir da viagem? Eu topei fazer esse trabalho com você porque é importante para a Universidade e para os alunos. Não pense em nem um segundo que eu quero essa viagem com você. Por mim, iríamos em dois carros.

— Diga e nós vamos. Nunca vou te obrigar a fazer nada. Diga que não quer ir comigo, que não será divertido me xingar pela música que eu escolher, que não vai aproveitar para sentir o vento no rosto. Diga e nós vamos separadas.

— Foda-se.

A Úrsula me trai e eu sou castigada por não conseguir dizer "não" pra essa mulher.

E o pior: por não querer dizer não.

Que fase do videogame é essa? Eu nem escolhi jogar, gente.

*

Foi em Hidrolândia que a Emma voltou a falar. Por bons 40 minutos dentro do carro, eu quase acreditei que teríamos uma viagem tranquila, mas é claro que eu sempre tenho razão e a minha teoria ia se provar: a Emma não ia ficar calada.

— Eu já te falei que adoro amarelo? — Suspirei sem tirar meus olhos da estrada.

O som baixo do carro não me incomodava, então até cantarolei as músicas da Pitty por um tempo para tentar não dormir - ou pensar.

Tudo o que eu menos queria era ter um diálogo amigável com aquela loira atrevida, principalmente depois que perdemos o voo. Por sorte, saímos de casa em um horário que não nos obrigaria a dormir em qualquer hotel de beira de estrada.

Só de falar, me arrepiei com a possibilidade de viver um clichê da sessão da tarde, dividindo apenas uma cama em um motel barato porque todos os outros não tinham vaga.

E o arrepio foi de pavor. É claro.

— Eu tenho muita vontade de ter um jeep amarelo, mas no fundo acho que nem é um desejo sincero. Você já ouviu falar em segunda adolescência lésbica? — Continuei em silêncio enquanto ela parecia pensar em voz alta — É uma reação comum entre lésbicas que se descobriram ou se assumiram quando mais velhas. Por não termos vivido nossa adolescência do jeito "certo", sabe?! Enfim, o ponto é que eu acho que o jeep amarelo é um reflexo da Emma adolescente que gostaria de ousar, mas não podia. Imagine só uma diretora de colégio adventista, filha de pastor, andando num jeep amarelo?

— O que uma coisa tem a ver com a outra, Emma? Crente não pode andar de jeep? — Bufei.

— Meio segundo de raciocínio te responde isso, Regina. Sei que você é bem inteligente.

Revirei meus olhos pra resposta dela, sem dar indícios de que eu diria mais alguma coisa. Ela suspirou antes de voltar a falar. Se eu continuasse em silêncio, talvez ela parasse de tentar, mas era muito difícil ignorar as besteiras que saíam daquela boca bonita.

Ok, eu não disse isso.

— Como você não está disposta a falar, mas ainda temos cerca de 12 horas de viagem, vou te explicar: o jeep amarelo não é muito tradicional. O ideal é que não tenhamos muita vaidade e, muito menos, que a gente chame a atenção por bens materiais.

— Você está brincando comigo?

— O que?

— Prefiro não falar para não ser cancelada.

— Eu entendi, então tudo bem.

O sorriso que ela me deu foi quase nostálgico. A minha intuição me dizia que provavelmente ela teve seu pacote de experiências ruins nesse meio, mas além de não ter nada com isso, eu não queria perguntar.

Mais algum tempo se passou. Não sei se horas ou minutos. Fiquei perdida nas lembranças do início dessa viagem, na piada de mau gosto do universo no segundo em que fez a Emma cruzar meu caminho naquele pub.

Ela não tinha ideia da aposta, nunca iria saber, porque isso não importava. Porém, é muito doido pensar que tudo aconteceu ao contrário do que eu esperei — e me convenci.

Sim, aquela loira de braços fortes e sorriso irônico me fodeu de várias formas, com e sem roupa. Me arrancou gemidos de prazer e de frustração. Ela me deixou e deixa louca, confusa, furiosa ao mesmo tempo em que me faz querer jogar tudo para o alto para fazê-la lembrar que quem manda sou eu.

Emma me faz duvidar da minha sanidade quando penso na probabilidade de cruzar com ela depois daquela noite. Depois dela acordar com mensagens no celular que podiam indicar qualquer coisa, inclusive um marido ou esposa. Como é possível nós termos nos dado tão mal e ainda assim ela continuar aqui, falando comigo, dirigindo a maior parte do caminho para que eu possa descansar?

Como eu posso odiá-la tanto, ser correspondida e, mesmo assim, querer puxar aquele cabelo para encontrar caminho em seu pescoço, dentro do carro, na beira da estrada?

— Preciso parar.

Quase entrei em pânico com a possibilidade de ter pensado algo em voz alta, porém quando olhei pra ela com a boca aberta e posição de ataque, só encontrei um rosto limpo e pequenas manchas de olheiras debaixo dos olhos.

— O que?

— Preciso fazer xixi, Regina.

— Oh, ok! Eu poderia pegar uma água nova também.

— Eu não conheço nada em Itumbiara, mas não deve ser difícil encontrar um posto por aqui.

— Itumbiara? Já?

— Pois é. O tempo passa rápido em boa companhia.

Não sei te explicar o som que saiu de mim, porque a melhor comparação é de um porco segurando a risada (e porco nem ri, que eu saiba).

Maldita facilidade dessa mulher em me arrancar sorrisos.

*

Quando saí de casa nessa manhã, eu achei que estaria em outro Estado em cerca de 02 horas. Pensei que entraria no meu quarto de hotel e ficaria horas rolando o dedo no aplicativo de comida até achar algum restaurante que brilhasse meus olhos — e ficasse em dúvida mesmo assim.

Não achei, nem em um milhão de anos, que estaria aqui, tentando não cochilar dentro de um carro que tinha cheiro de limpeza e ao lado da loira que mais me irritava no mundo.

Por um segundo penso que esse "adjetivo" já estava ficando chato, batido e clichê, mas não consigo encontrar qualquer outra forma de chamar aquela mulher.

Irritante sim.

É o adjetivo perfeito, até mesmo quando perco alguns segundos encarando os braços dela sem querer.

Emma voltou da conveniência com 03 garrafas de água e alguns doces, mais uma vez me pegando desprevenida, perdida nos meus pensamentos.

— Não sabia o que você gostava, então trouxe um pouco de cada.

— Gosto do Fini de banana. Obrigada.

— Olha só! Você sabe falar "obrigada". Estou impressionada — Emma sorriu ao mesmo tempo em que abria o pacote com a boca e começava a dirigir.

— Eu ainda fico chocada por você ser incrivelmente chata, meu Deus! Será que consegue só aceitar o "obrigada?"

— E não te irritar? Que graça teria?

Viu só? Irritante.

— Pode ficar com esse pacote. Na próxima parada compro outro pra mim.

Puxei o pacote da mão dela e me virei pra estrada, como uma criança mimada. Foi só depois de comer 03 que bufei, indignada comigo mesma, e ofereci o pacote pra ela.

Emma abriu um grande, lindo e brilhante sorriso e aceitou de bom grado.

*

Uma melodia bonita, mas que eu não conhecia, começou a tocar na rádio (que escolhemos depois da playlist da Pitty acabar).

Fechei meus olhos por alguns segundos para tentar reconhecer, mas o suspiro da loira ao meu lado me deixou curiosa. Foi um som que eu não tinha ouvido sair dela ainda.

Sem pensar muitas vezes, a encarei para tentar entender o que tinha sido aquilo, porém não consegui falar nada porque a encontrei um pouco vermelha e com um sorriso quase indignado.

— Isso não era uma rádio de música sertaneja?

— Não sei, Emma. Acho que é de música nacional. Está tudo bem?

Aos poucos comecei a tentar entender que letra era aquela e quem estava cantando, mas nada vinha para mim. Emma balançou a cabeça, olhou para cima e, mais uma vez, sorriu.

— Vou colocar minha playlist — Decidi assim que ouvi a cantora dizer "cura o meu altar". Naquele segundo eu entendi que era uma música gospel e que, talvez, trouxesse lembranças ruins para a loira.

Nesse ponto eu não sabia muito, só o que ela me disse sobre segunda adolescência lésbica, filha de pastor e diretora de escola adventista.

Isso já bastava.

— Não precisa mudar, está tudo bem — Ela segurou minha mão antes que ela chegasse no som do carro e eu não entendi nada.

— Não parece tudo bem.

— Você se importa, por acaso?

— Em passar a viagem com uma música que eu não conheço? Óbvio. Não aluguei meu ouvido.

— Você não me engana, Regina. Você passou 03 horas me ouvindo cantar Equalize repetidas vezes. Eu me lembro de te dizer uma vez que você é atenciosa, intensa. Lembra?

"Cuidadosa sobre o meu prazer". Sim, eu me lembrava como se tivesse sido ontem.

— Não.

— Mentirosa — Emma sorriu, mas suspirou de novo, a música quase acabando — Quem está cantando é a Fernanda Brum. Essa foi a primeira música dela que eu ouvi depois que saí da igreja. Ouvi assim, sem querer numa rádio e a letra só... me atingiu. Não foi um dia fácil.

— Fernandas nos causando traumas — Abri um sorriso de lado, tentando de alguma forma quebrar aquele silêncio insuportável, que antes eu queria tanto.

— Sim... Mas eu confesso que gosto. Gosto da melodia, da letra, de me lembrar que "não vou mais chorar, foi o que decidi. Não vou mais sofrer, por que viver assim?" — Emma cantarolou e eu precisei virar meu rosto para que ela não visse meus olhos se enchendo de lágrimas — Se você escutar a letra, é como se fosse Jesus me segurando no colo e me dizendo que está tudo bem, afinal, é uma cantora "dEle" falando coisas que lembram tanto de mim.

— Jesus? — Virei de volta para olhá-la nos olhos. Não sabia que ela ainda falava de questões religiosas assim. Achei que, não sei, ela tinha virado ateia quando saiu.

— Jesus é legal, Regina. O que fode é o fã clube.

Pela primeira vez naquela viagem, não consegui segurar a gargalhada presa na minha garganta. No fundo eu queria perguntar, saber mais, mas rir junto com ela meio que bastou.

Não sei explicar o porquê.

O rosto mais claro, sem a vermelhidão e o sorriso triste que tinha ficado tão óbvio, era bem mais fácil de olhar. Não por beleza, porque nem acordando esse ser humano conseguia se enfeiar, mas por algo que eu não sabia explicar.

— Você se importa de ouvir aquela música mais uma vez?

— Oi? — Não tinha certeza se tinha ouvido certo, então preferi perguntar.

— Fernanda Brum. Tudo bem se eu colocar no meu celular?

— Você tem certeza?

— Claro. A menos que você queira me contar o que rola entre você e a sua Zelena, prefiro ouvir a música. Só mais uma vez.

— Quer meu celular?

— Ridícula!

Rimos mais uma vez. Eu não queria falar daquilo agora, não depois de ter tido aquele embate desnecessário na minha sala. Eu estava ansiosa pela viagem e tinha visto uma foto da Úrsula nas redes sociais de uma prima dela que eu nem me lembrava que ainda seguia.

Foi impossível não abrir um pouco aquela ferida que há tanto tempo já começava a cicatrizar.

— Pode colocar sim, mas depois quero ir ouvindo Maria Bethânia com a Adriana Calcanhotto sem parar.

— Temos um combinado.

E assim foi feito. Não sabia o que aconteceria quando chegássemos em São Paulo, mas naquele momento, em uma cidade qualquer, depois de algumas horas de viagem eu só sabia uma coisa:

Talvez — e só talvez — Regina Mills e Emma Swan podiam ocupar o mesmo espaço sem se matar.

Não sei o que dizer sobre ocupar um mesmo quarto de hotel. 

--------------

Essa é a primeira de duas ou três partes dessa viagem. Ainda estamos no capítulo 06, então peço que leia de coração aberto e confie em mim.

Porém, caso você não esteja tão mais on nas plataformas de leitura grátis (para ler e comentar) me avisa que eu fico direto no Amazon. Ainda publico no wattpad porque gosto de compartilhar teorias, seguir ideias e pedidos de vocês. Sem isso, como autora independente, não compensa publicar aqui. 

Esse capítulo me deixou chorandinho... Tenho muita pena da Emma rs, mas tudo vai se encaixar. 

A música citada no capítulo é Cura-me, da Fernanda Brum. 

Agora é com você. Comente e indique para mais pessoas s2

A próxima parte da viagem já vai chegar s2

*

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Twitter: mariahpqueiroz

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