Julian
Os lábios da minha mãe tremeram, os olhos se desencontraram dos meus. Ela se levantou da cadeira e passou a mão sobre o rosto.
-Você têm certeza disso? -perguntou com a voz baixa.
-Infelizmente, mãe. Nós conversamos e ele me confirmou tudo. -Me aproximei para tentar abraçá-la, mas ela não quis.
-Me deixe sozinha, filho. Por favor.
Meu coração estava apertado, comecei a me questionar se de fato eu fiz a escolha certa em contar a verdade pra ela.
Fiz como ela pediu e a deixei sozinha pelo tempo que precisou.
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-Neto, sua mãe não vem jantar? -meu avô perguntou assim que me viu sozinho na mesa.
Quando eu ia abrir a boca para respondê-lo, minha mãe surgiu.
-Desculpe a demora. O cheiro está ótimo! -Ela sorria.
Parecia outra pessoa. Não havia nenhum resquício da mulher desesperada que acabara de descobrir uma traição que eu vi há algumas horas atrás.
Ela estava de banho tomado, levemente maquiada e sorrindo.
Como isso é possível?
O jantar estava silencioso, eu a olhava com estranheza, mas ela permanecia com aquele sorriso suspeito no rosto.
-Tá tudo bem, filho? -Ela perguntou.
-Eu é quem pergunto.
-Estou ótima.
Apesar de estar aparentemente bem, eu realmente não acredito que isso seja verdade.
Depois do jantar, eu a vi arrumando as malas. Ela ainda pretendia ir embora amanhã de manhã.
-Mãe, se precisar...você pode ficar aqui em casa por um tempo. -Eu disse.
-Eu sei filho, não se preocupe comigo. Além disso, aquela casa é minha, não do seu pai.
-Você vai terminar com ele? -Pergunto.
Ela ficou em silêncio.
Mas um silêncio que explicava muita coisa.
-Não acredito que está considerando manter essa palhaçada, mãe.
-O nosso casamento só diz respeito a nós dois, Julian. -Ela me olhou séria.
-Parece que diz respeito a vocês três, ou eu não deixei claro que o meu pai têm outra mulher?
-Pode deixar que eu já sou bem grandinha pra tomar minhas próprias decisões, ouviu bem?
-Inacreditável. Há umas 2 horas você estava chorando por conta daquele merda que não está nem aí pra gente! Nunca esteve! Você precisava ver a forma como ele sorri quando está com a família dele, de uma forma que ele nunca sorriu estando com a gente, mãe.
-Chega, Julian! -Eu vi ela limpar algumas lágrimas.
-Faça o que achar melhor. -Eu disse por fim
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Kira
Eu estava escalada para um desfile com roupa de praia logo depois de ter furado a dieta na viagem, isso só poderia ser o universo me castigando por ser uma descontrolada faminta.
Antes do desfile, assistimos uma pequena reunião sobre a loja e sobre o tipo de roupa que irão vender. Logo depois da reunião, havia uma mesa lotada de comida.
-A mesa de café está liberada! -A dona da loja anunciou. -Menos para vocês, queridinhas. -Ela sorriu para mim e para as outras três modelos que desfilariam junto comigo.
-Tudo bem, não era minha intenção nem chegar perto dessa mesa. -eu disse baixo, mas as modelos escutaram e deram uma risadinha.
-Vida de modelo não é fácil. -Uma delas disse enquanto observava as pessoas atacarem a mesa de café da manhã. -Pelo menos, se sobrar, poderemos comer depois do desfile.
-Vocês não têm medo de engordar? -pergunto.
-Claro que temos, é por isso que eu vomito tudo depois. -ela fez um gesto simulando o dedo na garganta e as outras riram.
-Quem nunca, né? -Uma delas disse.
-Eu nunca. -Confessei.
-Sério?
Assenti com a cabeça.
-Bom, não é um método tão saudável, mas o resultado é ótimo. Pelo menos eu não passo vontade de comer essas coisas clóricas e ainda assim não engordo nenhuma grama.
-Vamos, meninas! Venham colocar a roupa de vocês. -A organizadora das modelos nos chamou, tirando minha atenção daquela conversa.
Entramos em um camarim onde estavam todas as roupas. Muitos biquínis e saídas de praia.
-Você desfila só com as saídas que cubram essa barriguinha. -ela apontou pra mim, me constrangendo na frente de todas.
Me encolhi. Eu realmente senti que ganhei peso nessa viagem.
-E você, nem deveria estar aqui. -ela olhou para outra menina e em seguida saiu do camarim.
-Relaxa, ela é assim com todo mundo. -Uma das modelos nos confortou.
Depois do desfile, a mesa que sobrou do café da manhã foi liberada para as modelos. Havia uma variedade de bolos e pães muito chamativos, mas eu não queria nem chegar perto, eu estava gorda demais pra isso, a própria organizadora deixou isso bem claro.
Quando o meu problema eram os músculos do muay thai era menos escancarado a forma como me menosprezavam.
-Não vai comer, novata? -Uma das modelos perguntou. Eu era a única afastada da mesa.
-Não, não estou muito afim.
-Venha cá, não tenha medo. -Uma delas me aproximou da mesa. -Depois você resolve isso no banheiro. -Ela piscou pra mim e em seguida preparou um sanduíche pra mim. -A sua boca está branca e seca de tanta vontade, novata.
Segurei o sanduíche tremendo, tamanha a minha fome naquele momento e em questão de minutos, tudo saiu de controle. Pães, bolos, sucos, doces e salgados, eu comi todos descontroladamente até que me sentisse suja o suficiente para o que viria em seguida.
Eu não tive paz em nenhum segundo ao voltar para casa, a minha mente só repetia que eu estava gorda porque não tinha controle sobre mim mesma. Assim que cheguei em casa, fui ao banheiro e me ajoelhei em frente o vaso sanitário, e apenas dois dedos na garganta me proporcionaram o alívio que eu tanto precisava.
A minha mãe bateu na porta do banheiro.
-Filha? tá tudo bem?
-Tá sim, mãe. -Eu disse enquanto escovava os dentes rapidamente. -A comida do desfile me fez mal.
Me olhei no espelho mais uma vez. Eu nunca havia reparado que tinha bochechas tão grandes.
Tomei um banho e odiei cada segundo. Eu não queria olhar para mim mesma enquanto não perdesse aquela barriga que me impediu de desfilar de biquíni hoje mais cedo.
Estou disposta a me esforçar o máximo por isso.
-Kira! Saia logo daí, eu quero usar o banheiro! -Tomás gritava, e só então eu notei que já estava há alguns longos minutos olhando meus defeitos.
Assim que saí, minha mãe apontou para o meu quarto e sussurrou.
-Julian está te esperando aí dentro.
A julgar pela expressão dela, algo não estava bem. Assim que abri a porta, ele se levantou da minha cama com o rosto vermelho, parecia ter chorado recentemente. Eu o abracei forte.
-Ela vai voltar pra ele amanhã. Eu juro que tentei. -Ele disse sem me soltar.
-Eu sinto muito, meu amor. -Eu disse.
-Posso dormir aqui essa noite?
-Sempre pode. -Eu disse enquanto fazia carinho em suas costas.
-Sinto muito não ter te acompanhado no desfile, como foi?
-F-foi legal.
-Têm algo que queira me contar?
-Não, eu só senti muito a sua falta. -Eu o abracei. Não queria falar a verdade, Julian jamais entenderia.
-Prometo que não irei perder mais nenhum desfile seu, miss simpatia. -Ele me apertou.
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Julian
Juanito chegou no prédio assim que contei tudo a ele no dia seguinte.
-Creo que no tengo la solución para esto, manito. Pero trouxe la bola de basquete. ¿Qué tal una partida?
-Vamos, manito.
Querendo ou não, jogar basquete com meu melhor amigo como se os problemas a minha volta não existissem me ajudou muito, mas como sempre, estava bom demais pra ser verdade. Quando vi a figura do meu pai em pé atrás da grade que cerca a quadra de basquete do prédio, eu sabia que dele não viriam boas notícias.
-Espero que esteja feliz com o que fez, Julian. -Disse sério enquanto mostrava algo da tela do seu celular.
Me aproximei da grade para enxergar melhor.
Era minha mãe, na cama de um hospital.
-Ela tentou se matar. -Ele disse frio como gelo
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