HOLLYWOOD'S BLEEDING

By xmcecix

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Você mataria por amor? Quer dizer, faria alguma loucura por amor? Porque Kim Taehyung, Jung Hoseok e Min Yoo... More

CAPITULO UM - SECRETS AND PAST
CAPÍTULO DOIS - CHOICES OR CHANCES?
CAPÍTULO TRÊS - ANYTHING CAN HAPPEN
CAPÍTULO QUATRO - FOREBODINGS
CAPÍTULO CINCO - LOVERS TO RIVALS
CAPÍTULO SEIS - CHANCES OVER REAL CHOICES
CAPÍTULO SETE - FORGIVENESS OR REVENGE?
CAPÍTULO OITO - LOVE IS NEVER ENOUGH
CAPÍTULO NOVE - YOU (UN)KNOW YOUR LIMITS
CAPÍTULO DEZ - CHAOS IS ALWAYS WELCOME
CAPÍTULO ONZE - FAREWELLS
CAPÍTULO DOZE - FEAR OF LOVING
CAPÍTULO TREZE - CHANGES AREN'T ALWAYS WELCOME
CAPÍTULO QUATORZE - WHAT IF...?
CAPÍTULO QUINZE - NEW FEELINGS, NEW CHOICES
CAPÍTULO DEZESSETE - THERE'S STILL TIME?
CAPÍTULO DEZOITO - A WIN FOR A LOSS
CAPÍTULO DEZENOVE - NEW START
CAPÍTULO VINTE - START FROM SCRATCH

CAPÍTULO DEZESSEIS - THE LAST CHANCE

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By xmcecix

⚠️ATENÇÃO⚠️

PALAVRADO DE BAIXO CALÃO / ATO SEXUAL EXPLÍCITO / USO DE DROGAS LÍCITAS E ILÍCITAS EXPLÍCITO / PROSTITUIÇÃO / ANGST / AGRESSÃO FÍSICA E MORAL / MORTE

THE LAST CHANCE

DOIS DIAS ANTES

🐿 🐿 🐿

— Porra, Hoseok, calma! O que aconteceu, mano? Por que você 'tá desse jeito? — Me segurando pelos ombros, Jimin se esforçava para entender o que eu dizia. As palavras saíam praticamente incompreensíveis em meio àquele choro incessante. Não conseguia me conter, não conseguia.

Eu ainda procurava formas e mais formas de explicar, mas a dor não parava, as lágrimas caíam tão agressivas que não me permitiam respirar, me consumindo, consumindo, consumindo.

— Caralho... Caralho, que merda, Jimin, que merda! — Os xingamentos, no entanto, escapavam com nitidez, como se fossem as únicas coisas capazes de expressar como minha cabeça e coração estavam naquele momento.

Hermano... Eu nunca te vi assim... — De relance, pude ver suas sobrancelhas unidas expressando preocupação. Minhas costas eram acariciadas enquanto ele esperava pelo momento em que eu finalmente dissesse algo.

— Eu... Eu sou um merda, cara, um merda — Quando o choro se continha pelo o que pareciam milésimos de segundos, eu tentava falar — Eu... Eu queria... Eu queria ter percebido antes, eu... — Mas assim como os ditos vinham à tona, embaralhados na ponta da língua, eles morriam quando eu estava prestes a contar.

Jimin suspirou fundo, olhando para os lados ao procurar por algo. Tomou um maço de cigarros em mãos, tirando um para mim e acendendo ele mesmo.

— Toma — Aquilo costumava me acalmar.

Aceitei sem pensar muito, tragando a fumaça densa e tóxica para dentro do corpo, sentindo, contraditoriamente, aquela substância me relaxar aos poucos. Eu respirava de novo, ainda com dificuldade, minhas mãos começavam a parar de tremer, mas ainda instáveis, as lágrimas ainda desciam, mas um tanto moderadas a partir dali.

— Eu... Eu fui conversar com o Yoongi hoje — Minha voz saiu baixa e eu não queria encarar Jimin.

— Sobre?

— Sobre nós. Eu confessei 'pra ele tudo que 'tô sentindo, cabrón... — Tenho certeza que seu olhar dobrou de tamanho — A gente se beijou e... — Mais um trago, uma pausa — Foi diferente, 'tá ligado? E eu 'tava prestes a falar com o Taehyung também, queria resolver de vez essa merda, porque eu 'tô cansado, não aguento mais fingir que nada disso me afeta, porra.

E então, ergui meus olhos para Jimin, que tinha um semblante perplexo.

— Peraí, Hoseok, que parte eu perdi?

Soltei quase todo ar presente em meus pulmões, me dando conta que já fazia tempo desde a última vez em que eu e ele falamos sobre isso.

— Não perdeu nada. É só que eu deixei de envolver vocês nas paradas que passam pela minha cabeça. Comecei a ver algumas coisas meio diferentes há uns dias. Tudo que aconteceu entre eu e eles foi muito bizarro e... E eu não percebi que... Que 'tava me apaixonando pelos dois — Jimin levou suas duas mãos à cabeça, abrindo um sorriso grande, terno, mas incoerente ao meu ver — Por que 'tá rindo?

— Mano... 'Tô orgulhoso de você, só isso.

Bufei. Não tinha motivos para orgulho, na verdade, eu merecia uma surra por ter descoberto tão tarde, por não ter percebido que cada ato, meu e deles, não podia ser normal para pessoas que meramente curtiam o sexo uma da outra.

— Esquece, Jimin. Se eu 'tô desse jeito é porque nada do que eu fiz valeu a pena. Eu 'tava errado o tempo todo — O desânimo e angústia ficaram expressos novamente.

— Como assim?

Dei mais uma tragada no cigarro. Me levantei e fui em direção à varanda, porque mais uma vez, não tinha coragem de encará-lo enquanto dizia.

— Quando eu saí do quarto do Yoongi, fui direto 'pro terraço... 'Tava inclusive escrevendo uma mensagem 'pro Taehyung 'pra ele me encontrar lá... — Funguei, o incômodo no peito voltava a aparecer, as palavras de Taehyung reverberavam em meus ouvidos — Mas 'pra minha sorte — Dei uma risada irônica e repulsiva — Ele já 'tava lá, no telefone, conversando com o Yoongi.

— Ué, os dois conversando por telefone? Não faz sentido, a gente mora no mesmo lugar — Jimin pontuou, mas aquilo sequer era importante.

— É, mas foda-se isso, a questão é que eu cheguei na hora que ele... — Porra, era tão difícil dizer aquilo — Que ele 'tava falando que eu não fazia parte de nada que os dois tem, Jimin — Eu queria contar absolutamente tudo que ouvi, eu sabia que poderia confiar nele para isso, todavia, sabia mais ainda o quão revoltado Jimin ficaria, sabia que ele perderia a cabeça se soubesse de tudo... E por algum infeliz motivo, eu não consegui entregá-los dessa forma — Ele disse que não confia no que sai da minha boca... Que eu sou oportunista, manipulador — O choro voltava sem que eu pudesse controlar, era humilhante não conseguir controlar minhas próprias emoções — Ele falou que tudo que eu disse 'pro Yoongi não passavam de palavras soltas... Caralho, hermano, essa porra 'tá doendo 'pra cacete... Eu nunca senti merda nenhuma por ninguém, cara, não desse jeito... E agora que eu fiz o que tinha que ser feito, recebo isso. Caralho, vai se foder, vai se foder!

Desisti de continuar falando, minha cabeça já estava cheia outra vez, meu corpo voltava a se desestabilizar e eu só queria esquecer toda aquela merda.

— Peraí, Hoseok... Deixa eu ver se entendi, você por um acaso escutou o Taehyung falar mal de você 'pro Yoongi e desistiu de tudo por causa disso? — Nem percebi quando Jimin se aproximou.

E bom, não era apenas isso, mas de certa forma, colaborava. Não tive muito tempo para pensar, mas, eu conhecia aqueles dois, e a forma como estavam agindo nos últimos dias me faziam achar que... Que eu seria descartado a qualquer momento.

— Eu... Não sei, quer dizer... É que... — Fui interrompido.

— Cara, o Yoongi e o Taehyung falam mal de você na sua cara há anos! O que vocês três fizeram um com o outro foi insano, hermano, insano, 'tá ligado? Você não pode esperar que eles coloquem toda a credibilidade do mundo em cima de um ato seu só porque dessa vez você 'tava sendo sincero! Você nunca deu esperança alguma 'pra eles, esse tempo todo vocês só fizeram merda atrás de merda, então não é porque agora você se deu conta de tudo, que as coisas vão vir tão fáceis na sua mão, Hoseok! — Eu não esperava ouvir aquilo. Talvez ele só tivesse tanta certeza em sua opinião por não saber da verdade por completo. 

— Mas...

— Mas nada, parceiro! Não vai me dizer que 'tava indo falar com os dois achando que eles iam esquecer tudo que aconteceu, todas as cagadas que você fez?

— Porra, cara, mas eu não fui o único a ser filho da puta! — Rebati, ainda não estava fazendo sentido para mim.

— Não, não foi! Mas não muda o fato de que eles tem todo direito de não confiar em você... Não 'pra isso — Jimin suspirou, saindo do meu lado para caminhar pelo quarto — Eu... Eu 'tô ligado que machuca, Hoseok, eu sei que essa merda dói 'pra caralho, eu sei que é ruim ser rejeitado, mas... O que você esperava? — Virei para encará-lo — Sério, você pensava que a primeira reação deles seria pular nos seus braços e quem sabe vocês terminarem o dia fodendo em algum lugar? 'Pô, cara, impossível...

— Tá! Então o que eu faço, hm? Engulo tudo que 'tô sentindo? Finjo que nada aconteceu e continuo me humilhando por duas pessoas que deixaram claro que eu sou uma diversão? — Joguei o cigarro no chão e quase o esfarelei com a sola do sapato. Já estava impaciente.

Jimin caminhou até mim, estava perto o suficiente ao pôr suas mãos em meus ombros e me chacoalhar para frente e para trás, pouco se intimidando com meu breve descontrole.

— Você mesmo disse que 'tá apaixonado por eles... Confesso que ainda 'tô surpreso com isso, mas também 'tô orgulhoso de você finalmente ter enxergado... Mas se você gosta de verdade desses dois, se quer que algo dê certo, precisa mostrar que 'tá disposto a passar por cima de certas coisas 'pra eles entenderem que não é uma brincadeira, que não é mais um joguinho, se ligou?

— Não sei se 'tô com cabeça agora — Confessei, não me animando em quase nada com aquele papo motivacional.

— Olha, Hoseok... Eu entendo, 'tá? Mas o tempo 'pra gente funciona de uma outra forma, você sabe disso. Depois de amanhã muito provavelmente vai acontecer o maior confronto dessa organização... E você sabe o que isso significa... Não dá 'pra garantir que todo mundo vai 'tá vivo 'pra resolver essas paradas depois.

Jimin tinha razão, sobretudo. Pessoas como nós são incertas em relação à vida, ao que ela significa e ao tempo que terá. Decerto que por isso, eu tenha sido tão negligente comigo, e com todos que passaram por minha vida.

Sempre vivi como se fosse meu último dia, sempre agi de forma inconsequente, sem pensar no depois, uma vez que nunca pensei que eu chegaria até lá. Nunca pensei que em meio a esse caos completo, eu teria a honra de uma continuação. Nem mesmo quando soube que Anabel estava esperando um filho meu, fui capaz de mudar a ideia de que poderia haver algo verdadeiramente grande nessa minha vida de merda.

Ao mesmo tempo em que eu conseguia enxergar o resultado do que causei tanto em mim, quanto neles, eu também me tornava um simples tolo e aprendiz quando o assunto era amor, ou demonstrá-lo à alguém.

— Eu sei... Mas porra, é difícil, Jimin, é difícil fingir que não ouvi nada daquilo. – Contestei, ainda sem compreender muito o que ele esperava de mim.

— Não precisa fingir que não ouviu, cara, justamente o contrário. Vocês tem que conversar de verdade, os três, sem esconder mais porra nenhuma... Só que é uma decisão sua, e eu não posso fazer nada por você, além do que já 'tô fazendo. Só acredito que doeria muito mais o arrependimento de não ter falado nada quando tinha chance.

É, e eu queria ter entendido isso como um verdadeiro presságio. Queria ter dado ouvidos ao Jimin.

— Eu sei.

— Eu sei que sabe. Enfim, seca esse rosto, toma um banho e vamos receber os caras do Bambam, depois disso podemos voltar e abrir um whiskey 'pra conversar melhor.

Assenti, me lembrando que teria de olhar para a cara daquele novato imbecil.

. . .

Todos reunidos no gramado. Mesmo com o sol forte, o tempo estava fresco, ameno.

Consegui me recompor um pouco, o suficiente para não parecer abatido aos recém chegados, uma vez que para aqueles que moravam comigo, qualquer mínima mudança de comportamento era perceptível.

Bambam caminhava em nossa direção, um sorriso grande e um olhar nostálgico o compondo, seus braços envolvendo cada um de nós demoradamente. Após um tempo sem nos vermos, percebi que estava mais forte, com mais tatuagens, incluindo algumas no rosto. O risco na sobrancelha esquerda sempre presente, e claro, os braços e pescoço lotados de ouro vivo.

Ele era um grande e velho amigo.

— 'Cabruuun' — Na minha vez, eu sabia que ele tiraria sarro com o apelido que mal sabia pronunciar — Quanto tempo, seu filho da puta!!! — O abracei apertado de volta, sorrindo largo e terminando o cumprimento com um tapa em sua nuca.

— E aí, cabrón... — Respondi, tentando expressar o máximo de ânimo — Abandonou a família mesmo, hein — Provoquei.

— Abandonei meu cu, Hoseok, 'tu acha que essas arminhas personalizadas que você coleciona vem de onde? Viado.

Gargalhei alto da forma como ele falava, o deixando se dispersar pelo local para falar com os outros.

Enquanto Bambam fazia questão de cumprimentar também os comandantes, que praticamente o veneravam, nós nos apressamos em fazer o mesmo com seus homens.

Respirei fundo, era apenas um aperto de mão, troca de nomes e um sorriso. Só isso.

Yuta. Ex-integrante da Yakuza. Mal encarado, mas educado, uma das pontas de seus dedos mindinhos cortada, a camisa preta ainda me permitia ver um resquício da tatuagem enorme que certamente ornava seu torso por inteiro. Nada contra.

Pete. Ex-soldado de artilharia do exército. Se não fosse um procurado da polícia e eu não soubesse a quantidade de pessoas que já matou, aquele sorrisinho me faria pensar que era um cidadão de bem. Nada contra.

Niran. Ex-membro da A Bratva. Não sei como explicar o que um russo estava fazendo ali, mas estava. Barbudo, um pouco mais velho que os outros, cicatrizes no rosto e braços. Nada contra.

E por fim, Bible, é claro. Um ex-policial de merda. Vestia um terno ridículo, seus cabelos alinhados me dava preguiça. Ouvi dizer que é sádico, mas só acredito vendo. Tudo contra.

Um sorriso cínico pintava seus lábios quando nossas mãos se encontraram no aperto. Devolvi com um sorriso também, mais cínico que o dele, e um aperto tão forte que notei quando seu rosto se contorceu pela dor.

Bible. Então era esse o nome do filho da puta que eu vi com Yoongi no outro dia.

Semicerrei bem os olhos nesse desgraçado enquanto passava na minha cabeça o que ele e Yoongi tinham feito naquele dia debaixo do meu nariz.

Seria interessante, de qualquer maneira.

— Prazer em te conhecer, Hoseok — Ele disse baixo, se curvando brevemente.

— Vamos ver se vou poder dizer o mesmo, Bible — Respondi, não fazendo questão em devolver a reverência.

. . .

— Seguinte, vocês 'tão aqui por um motivo, Bambam já deve ter comentado por alto — Todos já estavam no saguão, devidamente acomodados, quando Seokjin aumentou o tom de voz, chamando atenção para si — Taehyung vai entrar pela primeira vez em uma missão de linha de frente nesse sábado, e nós... Não sabemos o que pode acontecer — Vi quando seu olhar perdeu o foco, imaginei que fosse difícil assumir aquele fato — Então, agradecemos por estarem do nosso lado e espero que a maioria de nós tenhamos um bom final.

Palmas breves foram ouvidas, e por segundos, aquela mansão permaneceu em completo silêncio.

Até o insuportável do Bible abrir a boca.

— Qual seria nossa posição? — Ele perguntou, tendo os olhares em sua direção.

— Por enquanto, vamos manter vocês como equipe de prontidão. Essa é uma parada que 'tá perseguindo a gente tem anos, então achamos justo vocês entrarem caso for extremamente necessário. 'Pra não colocar ninguém em risco à toa — Namjoon, que havia montado todo o esquema, respondeu.

Bible e seus colegas assentiram, para logo começarem a se dispersar pela mansão, conversando uns com os outros, se conhecendo. Quase como uma confraternização de despedida.

Permaneci na minha, sentado um pouco distante, pensando nos próximos dias.

— E aí, parceiro... 'Tá caladão — Olhei para cima, encontrando Bambam animado como sempre. Sorri para disfarçar meu real estado.

— Que nada... 'Tô só pensando nas paradas que podem rolar no sábado. Muita coisa ainda não faz sentido e talvez a gente não encontre as respostas da melhor forma.

— Saquei — Ele se acomodou ao meu lado, não parecendo tão interessado nos assuntos da missão — Bible veio falar comigo... — Revirei os olhos discretamente e suspirei — Ele acha que você não gostou dele — Jogou aquela informação como se eu me importasse.

— E? — Fiz pouco caso.

— Ah, sei lá... — A reticência em sua resposta deu a entender que ele gostaria de ouvir algo mais concreto, quem sabe, minha opinião. Mas eu não fazia questão de dá-la.

Coloquei meus braços atrás da cabeça como apoio, torcendo o pescoço para os lados em um visível desconforto. A última coisa que eu queria agora era gastar minha energia falando desse intrometido.

— Se liga, Bambam, você sabe que gosto 'pra caralho de você, somos parceiros há anos... Mas o que esse cara acha ou deixa de achar, não é um problema meu, 'tá ligado? Você sabe como funcionam as coisas aqui dentro. Sabendo se comportar, não teremos problemas, é simples — Fui direto, ocultando a cena ridícula que vi pela manhã.

— 'Tô ligado sim, irmãozinho — Bambam e eu tínhamos um respeito mútuo. Ele sabia do meu espaço assim como eu sabia do seu — Não sei o que rolou, mas conhecendo a peça, imagino que você esteja assim por algum motivo. Vou dar um toque nele, apesar de já ter feito isso antes... Bible é maluco mas é gente boa.

Sorri para ele, assentindo ao mesmo tempo. Esperei que ele compreendesse que minha reação era uma forma de encerrar o assunto de uma vez por todas. E ele entendeu, para minha sorte.

Sozinho novamente, o tempo passava devagar. Eu só queria encontrar uma brecha para voltar ao meu quarto, onde ninguém me veria, onde eu não veria e não precisaria falar com ninguém.

Mas de todo modo, tinha de cumprir o protocolo de boa vizinhança.

Meu olhar se cruzava com o de Yoongi e Taehyung de minuto em minuto. Era angustiante, eu me sentia vulnerável, desprotegido. Toda vez que aqueles pares de olhos pousavam em mim, eu podia jurar que uma ardência se fazia presente em minha pele, podia jurar que todos me observavam.

Tentei me distrair, observando os outros, propositalmente. Até que deu certo, pois quando passei a encarar o outro lado do saguão, vi Jungkook e Jimin mais próximos que o normal, se é que posso chamar aquilo de proximidade. Eles não se moviam, sequer estavam sentados um ao lado do outro, mas seus olhares travavam uma guerra, uma guerra esquisita, pois sorrisos se escapavam e eram contidos quase no mesmo instante.

Achei engraçado. Depois me lembraria de perguntar ao Jimin que porra estava acontecendo ali.

Mais perto do bar, Namjoon dividia sua atenção entre garrafas de cerveja e Seokjin, que parecia falar sobre algum assunto sério com Bambam. Achei esquisito, a forma na qual sussurravam, ainda que ninguém pudesse ouví-los, me fez pensar que existia algo desconhecido por todos nós. Deixei para lá. Sobre Seokjin, sobre Namjoon ou sobre os dois juntos, eu nem me daria ao trabalho de perguntar nada.

Respirei fundo, cansado daquilo, cansado daquele dia. Os comandantes se divertiam, fazendo brindes, falando alto, gargalhando sem parar das merdas que Jackson certamente dizia.

Talvez ninguém percebesse se eu saísse de lá naquele momento.

Mas meu corpo travou quando vi Yoongi passar por todas aquelas pessoas em direção à copa. Porque aquele infeliz estava indo atrás.

Só podia ser brincadeira.

Eu não deveria seguí-los, não deveria. Mas minhas pernas se moveram sozinhas e quando me dei conta, já estava escorado na porta, exatamente como mais cedo, tendo a desagradável cena de Bible murmurando algo no ouvido de Yoongi. Mas daquela vez, Yoongi se desvencilhou, não demonstrando o mínimo de entusiasmo com sua presença.

Não muito depois, Yoongi saía do ambiente com duas garrafas de uma cerveja que somente ele podia beber, somente ele gostava, enquanto Bible continuou lá, rindo para o nada até perceber que eu estava o encarando.

— Hoseok? Olá... — Me cumprimentou, com aquele coreano ruim para um caralho.

Não respondi, do contrário, mantive meu corpo estático e a expressão fechada.

— Acho que você é o único que não tive oportunidade de falar direito ainda... Quer uma cerveja? — Despreocupado e petulante, ele foi até a geladeira, abrindo-a sem a menor hesitação. Senti meu sangue ferver quando ele retirou uma das cervejas de Yoongi.

— Se eu quisesse, teria pego — Não o impedi, no entanto, queria ver até onde aquele imbecil iria.

— Hm, tudo bem, então — Ele arrancou o lacre com os dentes, sorrindo para mim como se fôssemos velhos amigos — Por que não relaxa um pouco? Parece tenso...

— Já você... 'Tá relaxado até demais, 'né? — Andei um pouco mais para dentro do espaço, braços ainda cruzados, a raiva cada vez mais óbvia em meu rosto.

— E eu tenho motivos 'pra não estar? — Devolveu a pergunta, sendo debochado demais enquanto tomava um gole — Uau, essa é boa de verdade.

— Depende... Se me irritar, sim — Como se ele já não tivesse me irritado o bastante.

— Hoseok... Sério, ainda não consegui entender. O que eu te fiz?

— Nada... — Abri os braços de forma irônica — Só acho que você não sabe chegar nos lugares.

— Como assim?

— Bible... Sua mãe não te ensinou que é feio chegar na casa dos outros e sair colocando as mãos no que não é seu? — Fui sugestivo, e tive certeza de que ele entendeu do que eu estava falando.

— Pior que não, minha mãe morreu quando eu tinha quatro anos — Aquilo não parecia afetá-lo nem um pouco, na verdade, o fazia ainda mais insolente ao encenar um semblante triste.

— Hm... Uma pena, porque alguém teria que ter te ensinado isso... Mas já que não ensinaram, não vejo problema em eu mesmo fazer isso.

Bible esboçou um fio de sorriso nos lábios, deu mais um gole na cerveja antes de avançar em minha direção, todo presunçoso, agindo como se não temesse a nada. Me fez inclusive, ficar na dúvida se ele estava gostando de meus insultos, ou só estava sendo burro mesmo.

Porque Bible não me conhecia, não fazia ideia de quem eu era.

— Você é tão arrogante quanto ele... E tão gostoso quanto — Seus olhos diminuíram de tamanho, sua língua passou a brincar com os próprios lábios.

Me deu vontade de rir de sua cara.

— Sim, eu sou. Mas a diferença é que não tenho interesse no seu papo. Não adianta contornar a situação dando em cima de mim, porque você precisaria muito mais do que um rostinho bonito 'pra me despertar alguma coisa que não seja preguiça — Sorri de canto, debochado, fitando cada um de seus movimentos patéticos.

— Será? — Bible chegou bem perto, seu rosto a poucos centímetros do meu. E sem permissão, sem imaginar que comigo as coisas eram diferentes, seus dedos quase encostaram em minha cintura, não fazendo somente porque os meus envolveram seu pescoço antes.

Quando ouvi o choque de sua cabeça batendo na parede, sorri mais largo, intensificando o aperto.

— 'T-tá maluco, p-porra?! — A voz tão confiante começava a falhar e eu sabia que em segundos, ele desmaiaria, mas não seria uma boa ideia armar uma cena daquela, portanto, fui breve.

— Entendeu o que acontece quando você toca no que não é seu? — Forcei ainda mais meus dedos em sua pele, suas mãos segurando meu pulso com desespero, tentando se desvencilhar, agora apenas as pontas dos pés encostando no chão.

Tão satisfatório.

— M-me la-arga — O rosto de Bible tomava uma coloração avermelhada aos poucos, e eu não conseguia conter o sorriso em meus lábios.

— Você pediu... Eu avisei, e você insistiu — Botei mais força, só para deixá-lo no ápice do desespero, pensando que eu o mataria ali mesmo — Da próxima... Quer dizer, acho que não vai ter próxima, vai, Bible? — Ele negou rapidamente, se debatendo, e eu ria, não parava de rir — Ótimo. Essa é a minha casa, eu mando aqui, é bom você não esquecer disso enquanto estiver sob nossa proteção.

Finalmente o soltei, com brutalidade, batendo uma palma na outra como se me livrasse de alguma sujeira. Ele massageava o próprio pescoço, recuperando o ar novamente.

— Ah, você tem razão, uma cerveja cairia bem — Peguei a garrafa que ele havia deixado na bancada, levantando-a como um brinde e saindo dali sem dar mais espaço para que falasse algo.

Ao menos uma coisa tinha sido boa naquele dia. Pude descontar meu ódio.

Retornei pelo mesmo caminho e no meio daquelas pessoas encontrei Yoongi me observando de longe, disfarçando um sorriso com a garrafa de cerveja entre os lábios.

Ele tinha visto.

Não retribui, no entanto. Mas não posso mentir que meu ego, por segundos, voltou a ter algum tipo de dignidade.

— Vai ficar muito feio se eu for lá 'pra dentro? — Sussurrei no ouvido de Jimin ao chegar perto dele.

— Relaxa, vai lá que eu te dou cobertura — Ele suspirou antes de dizer — Daqui a pouco te encontro.

— Te devo uma — Saí andando sem me despedir de ninguém, sabendo que o olhar de Yoongi ainda me acompanhava.

X X X

Irene se recordava com riqueza de minúcias. Se recordava de cada segredo não revelado, de cada escolha feita, de todas as vezes em que precisou manter-se calada como prova de lealdade, de toda a culpa que carregava até hoje.

Seus pais e os de Seokjin eram amigos. Verdade seja dita, seus interesses os tornavam próximos, por assim dizer. A família Kim, proprietária de uma grande empresa, que anos antes, denominava-se por logística internacional; e a família Bae, tão reconhecida financeiramente quanto a outra, reunia os mais diversos investimentos em negócios que não podiam ser considerados como legais, além de claro, uma empresa de porte médio, destinada ao aluguel de carros. Muitos naquela época se questionavam o porquê de Bae Doyun, pai de Irene, ter tanto dinheiro, como conseguia manter tal padrão de vida, através de um comércio tão comum, cuja capital de giro não era exatamente significativa.

O que não fazia ninguém ir atrás de respostas.

Exceto Kim Young Chul, pai de Taehyung e Seokjin, que também não era a personificação de um santo.

Kim Young Chul era um bom homem. Um homem de imagem construída e admirável pela sociedade, que jamais permitiria seu nome e de sua família serem manchados. Vivia de aparências? Sim. Mas era um bom marido, um bom pai e um homem de palavra.

O problema era Kim Seokjin, o primogênito, que mesmo dono de uma personalidade idêntica ao do pai, fazia questão de ser seu maior opositor. Kim Seokjin era uma criança competitiva, que desfrutava de poucas amizades, sempre muito leais, mas poucas. Seokjin foi um adolescente ávido por ser o melhor em tudo que se propunha a fazer, mais inexpressivo que os colegas, menos entusiasmado com o que condizia à sua idade. E então, esse mesmo Seokjin tornou-se um jovem determinado, ambicioso e sobretudo, observador. Os únicos que tiveram acesso ao seu lado minimamente caloroso, eram Taehyung e Kim Areum, A mãe dos dois garotos.

Ainda assim, ele e o pai não possuíam grandes discórdias. Era só que às vezes parecia que Young Chul não exercia o papel de pai. Seokjin dizia que sentia-se morando com um estranho, um colega sem muitas afinidades.

Não o odiava por isso, no entanto.

Até porque, Bae Doyun sempre esteve ali. O pai de Irene o tratava como um filho. Sendo um cara astuto, calculista e ambicioso, levava o pequeno Seokjin para todos os lugares, repassando seus conhecimentos e afagando os cabelos negros e lisos do menino quando seus olhos infantis brilhavam por tanto que admirava aquele homem e sua vasta experiência. Doyun mostrava o mundo ao garoto, ainda que não fosse a hora deste saber que aquele lado obscuro existia.

De todo modo, ele soube. Kim Seokjin soube, e se encantou.

Se encantou ao ponto de fazer pesquisas por ele mesmo, de se inscrever em cursos de tiros, de preferir brincadeiras mais agressivas, ou do contrário, que possuíssem algum aspecto de negociação, de permuta. Se encantou ao ponto de querer que seu irmão brincasse consigo ou, simplesmente, tivesse o mesmo interesse em seus assuntos. Mas Kim Taehyung era a cópia de Areum. Tão observador quanto o mais velho, todavia, enxergava o mundo de maneira determinista. Onde se há uma causa, há um efeito. E na visão de Seokjin, isso o tornava ingênuo, óbvio, naquela época.

Anos e anos se atravessavam e Kim Young Chul, tendo seu belo e renomado império ainda alicerçado na corrupção, em sangue derramado, em histórias interrompidas, se mostrava ciente de que um dia tudo seria exposto, dado que nenhuma mentira se sustenta para sempre. E junto a isso, ele esclareceu a Doyun que jamais, jamais aceitaria que seus bens estivessem vinculados à uma gangue no dia em que morresse. E ao falar de bens, o homem referia-se aos filhos e à esposa.

Kim Young Chul era mais velho. Casou com Areum quando já beirava os cinquenta e oito e a moça fluía de seus vinte e cinco. Kim Young Chul sabia que não viveria o suficiente para acompanhar ou ditar as escolhas de seus dois meninos. E pelo mesmo motivo, talvez, somente talvez, tivesse permitido que Bae Doyun fizesse parte do crescimento deles.

Não é que confiava em Doyun, mas por conhecer perfeitamente o tipo de homem que ele era, tinha certeza de que Taehyung e Seokjin não estariam sozinhos, ainda que aquela não fosse a melhor companhia para eles.

No fim, era o melhor que Youngchul poderia fazer por seus filhos.

E como pressuposto, o pai de Irene parecia mesmo ter traçado todo o percurso desde o início. Desde quando apresentou sua única filha - não desejada - ao garoto Seokjin. Desde quando os colocava intencionalmente para brincarem juntos. Desde quando passou a dar os melhores presentes para Kim Taehyung e Kim Seokjin.

Isso até o momento em que forjou uma morte natural de seu amigo, logo após ter contado toda a verdade para os dois meninos.

Exatamente como deveria ser.

"O pai de vocês não é quem vocês pensam que é, garotos". Disse ele, atuando com sua melhor expressão de condolências, embora os irmãos sequer soubessem que aquele seria o último dia da vida de Young Chul. "Ele não é uma pessoa ruim, não, jamais! Só que precisou proteger vocês todos esses anos, não quis que soubessem da verdade porque ama vocês!". Ainda os coagia, naquele momento, juntando as sobrancelhas e abrindo um sorriso pequeno e nostálgico, como quem dizia do respeito e admiração pelo pai daqueles garotos. Mal sabiam eles. "Mas... Eu sei que vocês não precisam de proteção, sei que são fortes e inteligentes o bastante para entenderem que nem tudo é como nos contos de fadas". Sua última fala soou confusa para os jovens, originando uma sensação de perda em seus corações. Kim Seokjin e Kim Taehyung sentiam um pelo outro, um com o outro, uma espécie de conexão inexplicável, que nem eles sabiam como ocorria.

E então se olharam profundamente, o máximo que puderam. Em silêncio, prometeram que jamais deixariam um ao outro. Jamais.

"Young Chul e eu somos amigos há anos, e tenho certeza que sua maior vontade é que vocês dois trabalhem comigo, sigam como os representantes dos negócios dele, mas ao meu lado. E claro, eu do lado de vocês, como sempre estive". Aqueles ditos acertaram Seokjin como uma flecha em chamas. Acreditava nas palavras de Doyun, que era uma de suas maiores inspirações na vida, contudo, devia ao próprio pai tal orgulho. Não queria ser injusto, precisava fazer algo por ele antes que partisse. Então, se aquele era seu desejo, Seokjin faria, e faria como tudo que sempre fez: com maestria.

Kim Taehyung, por sua vez, apenas gostava de parecer ingênuo. Apenas fingia confiar em cada sílaba escoada pela boca de Doyun.

E bem, Kim Young Chul morreu no dia seguinte.

Em seu enterro, foram apenas pessoas selecionadas. Kim Areum, chorava toda a água presente em seu corpo, soluçando, tendo o filho mais novo agarrado em seu corpo magro e frágil, que aos poucos secava por dentro, que aos poucos tornava-se tão sem vida quanto a do marido em sua frente. Como se aquela fosse a última vez em que pudesse externar sua dor.

E realmente era, já que na semana seguinte, foi encontrada morta em meio a um acidente de carro, uma cena perfeitamente montada. Talvez ela soubesse demais, talvez tivesse recebido uma informação que não podia carregar.

Kim Taehyung não fazia ideia de que contar à mãe os possíveis planos de Doyun a dariam esta sentença.

E Irene... Irene não pensou que seu pai fosse tomar medidas tão radicais quando resolveu contar a ele que Areum podia estar desconfiada de si.

Kim Taehyung ao menos acreditava que a morte de seus pais foram coincidências cruéis, desumanas, mas ainda assim, coincidências, acasos.

Irene não teve coragem de assumir que se não tivesse falado nada, possivelmente Areum ainda estaria viva.

Mas ela não teve tal coragem. Não teve. Não quando viu pela primeira vez Seokjin se debulhar em lágrimas, quebrar sua casa inteira, atentar contra a própria vida. Não teve coragem ao ver Taehyung ser levado ao hospital em meio a um ataque de pânico, sem conseguir respirar, murmurando com dificuldade o nome de Areum pelos corredores brancos e iluminados.

Não teve coragem de assumir quando foi ela quem precisou fazer o reconhecimento do corpo, mesmo sabendo perfeitamente que era mesmo o corpo da mulher jovem, a quem pedia conselhos, que deixava fazer tranças em seus cabelos longos quando pequena, que pintava suas unhas sempre que formava um bico nos lábios.

Um corpo jovem, deformado propositalmente, com sangue seco nos braços, pernas e rosto.

Irene sentiu-se um monstro pela primeira vez. Sentiu que o próprio pai era um monstro. E dali em diante, prometeu a si mesma que faria de tudo para que Seokjin e Taehyung tivessem seu apoio, que não ficassem desamparados, que desfrutassem do que era deles por direito.

Que vivessem suas vidas longe de Bae Doyun e até mesmo dela, por não ser merecedora de suas compaixões e amizades.

Mas não foi bem isso que aconteceu.

Bae Doyun conhecia bem a filha e sabia perfeitamente como a tinha criado, porém, Joohyun veio ao mundo contra sua vontade, porque queria um filho homem, que pudesse dar continuidade em seus passos.

E a única maneira seria juntar Irene com Seokjin em um matrimônio com união parcial de bens.

"Pai, eu não vou me casar com ele só porque você quer, só porque isso te beneficia! Você 'tá fazendo isso por interesse, 'pra mascarar toda a sua sujeira na dor deles". Irene gritava, chorava enquanto implorava a Doyun que não fizesse aquilo. Mas seu pai pouco reagia ao escândalo, fumando um cigarro com o semblante calmo, como se sua resposta não fosse outra.

"Você não está diante de escolhas, Joohyun. Se não cumprir com o nosso combinado, Seokjin e Taehyung saberão que foi você a culpada pela morte da mãe deles". O homem apagou o cigarro em um cinzeiro enquanto falava aquilo com calma e tranquilidade, deixando a fumaça sair e atingir o rosto da filha.

"V-você não seria capaz de fazer isso... Eu sou sua filha... Você..." Ela ponderou por um instante. "Se me obrigar, eles também vão saber quem você é, e nenhum de nós dois sai ganhando". Ela tentou o ameaçar, mas recebeu uma sequência de gargalhadas que a fizeram sentir vergonha de si mesma.

"Minha querida... Não seja burra! Acha que os dois vão acreditar em você? E mesmo que acreditassem, eu sou um homem rico, não tenho tanto a perder... Mas e você? Vai morar aonde? Como vai se sustentar se mal sabe lavar uma louça direito? Me responde, filha... Vai se prostituir, como sua mãe?". Irene não conseguia acreditar que seu próprio pai estava falando isso para si, não conseguia controlar a raiva que subia por suas veias ao ouvir ele mencionando sua mãe, que foi abandonada por ele.

Não se controlou também quando foi para cima dele, estapeando seus ombros, gritando xingamentos incompreensíveis.

O homem revirou os olhos e a segurou pelos pulsos, sem paciência para todo aquele show.

"Sabe qual é o seu problema, garota? Você não 'tá arrependida pelo o que fez, você só não queria ter sido diretamente culpada pela morte de alguém, porque é uma covarde! Você quis isso o tempo todo, assim como eu! Enquanto sua vidinha de madame 'tava garantida, não teve um momento em que você discordou, Irene. Então me poupe desse espetáculo, tenho mais o que fazer".

Doyun soltou a filha, a empurrando levemente para longe de si ao sair do próprio escritório.

Era aquilo, não tinha volta.

. . .

"Olha 'pra mim, Jin...". Doyun segurou o queixo do jovem, apontando para si. "Eu não quero que pense que 'tô tentando substituir seu pai, mas tenho certeza que ele estaria orgulhoso de você agora, assim como eu estou". A mão que segurava com delicadeza aquele rosto passou para a gola do terno bem alinhado, tirando qualquer imperfeição.

Porque aquele dia precisava ser perfeito.

Seokjin deu um pequeno sorriso, sem muito ânimo.

"Eu só queria que eles 'tivessem aqui, sabe?". Confessou, a voz fraca, um sentimento amargo dentro de si.

"Sei disso... E de alguma forma eles estão, mesmo que aqui dentro..." Apontou para o lado esquerdo de seu peito. "Seus pais abençoavam esse casamento mais do que você imagina... Então isso que está fazendo hoje, não é só por você, mas principalmente por eles". Doyun dizia com tanta suavidade que Seokjin chegou a sentir uma pontada de alegria em seu coração. Queria honrar sua família, queria que tivessem mesmo orgulho de si.

As batidas na porta do camarim despertaram a atenção dos dois.

Quando a porta foi aberta e Taehyung passou por ela, com a expressão mais abatida que a do irmão, Doyun se levantou, sabendo que era a hora de se retirar.

"Vou deixar vocês dois à vontade..." Antes de sair, deixou um aperto de conforto no ombro do mais novo, que revirou os olhos quando já estava sozinho com o irmão.

"Não gosto dele", foi a primeira coisa que disse, ganhando uma risada fraca de Seokjin.

"Eu sei, mas não consigo entender essa implicância".

"Eu já te disse. Não acho ele confiável. Acho que 'tá fazendo isso 'pra ter direito no que é nosso, no que é da nossa família".

"Taehyung, por favor, não começa com isso agora. Ele deixou claro que não tem interesse em nada, que podíamos até casar com separação total de bens... Por que fica insistindo nessa merda?". Já tinham falado sobre aquilo tantas vezes, que Seokjin já não aguentava mais.

"E por que você acredita tanto nele?".

"Porque eu sei que esse era o desejo dos nossos pais!". Jin se exaltou, levantando da cadeira, cansado de falar a mesma coisa sempre. "Nossos pais queriam isso, queriam que seguíssemos os passos deles, Taehyung!".

Taehyung se afastou do irmão, balançando a cabeça em afirmação, fingindo acreditar.

"É... O Doyun disse isso. Nunca tivemos a oportunidade de perguntar aos nossos pais se era mesmo isso que eles queriam...".

Seokjin seguiu Taehyung e o segurou pelo rosto, fazendo uma concha com as mãos, como se explicasse o óbvio para uma criança inocente.

"Entende uma coisa... Para de achar que a morte dos nossos pais foi um acaso. Para de se enganar desse jeito! Ninguém morre de uma hora 'pra outra como o papai morreu, ninguém sofre um acidente fatal estando em baixa velocidade, como a mamãe, Taehyung". Os olhos do garoto se enchiam de lágrimas, que ameaçavam descer, mas nunca fazendo. "Eu sei que dói, mas nós só temos um ao outro, e se quisermos sobreviver nesse meio que nossos pais nos deixaram, não dá 'pra fingir que as coisas acontecem pela lei natural da vida, porque não acontecem! Nosso pai e nossa mãe morreram assassinados, porque procuraram por isso, porque deram passos errados!".

Taehyung não estava preparado para ouvir aquilo, não queria aceitar, não era justo.

Ele afastou as mãos de Jin, agora sim, com as lágrimas escorrendo por seu rosto, com o peito ardendo.

Seokjin se arrependeu de ter sido tão duro, sabia que com Taehyung as coisas não funcionavam assim.

"Ei... Desculpa... N-não quis ser...". Seokjin ainda tentou se desculpar, mas Taehyung não estava interessado em suas desculpas.

"E você vai ficar parado?! Vai aceitar essa porra e pronto? Não pensa em tentar descobrir quem fez isso com eles?!". Sim, Seokjin pensava, mas não tinha forças para descobrir, não sabia muito bem do que era capaz se encontrasse a verdade.

"Isso vai fazer eles voltarem?". Com isso, Taehyung não conseguiu vocalizar a resposta, não só por ser óbvia, mas pela dor em aceitá-la como a única possível.

Os dois permaneceram em silêncio por longos segundos, e quando Taehyung virou-se na direção do irmão novamente, a penteadeira marrom já estava com rastros brancos.

Cocaína.

Seokjin enfileirou as carreiras de pó com um cartão qualquer, enrolando uma nota de dinheiro qualquer antes de aproximá-la de uma das narinas e aspirar tudo para dentro de si. Como se lhe recuperasse, como se fosse um combustível.

"Você mudou, Jin". Comentou Taehyung, com desgosto estampado em sua face, vendo o irmão jogar o peso no encosto da cadeira e suspirar aliviado pela sensação que aquilo causava em si.

Seokjin olhou extasiado para o mais novo e assentiu.

"E 'tá na hora de você mudar também".

. . .

O buquê de hortênsias coloridas em suas mãos lhe davam uma efêmera fantasia de que mesmo suja, mesmo sendo a culpada do que estava acontecendo, havia um tanto de dignidade, pureza em seus sentimentos... Lealdade.

Seu braço entrelaçado com o de seu pai, o sorriso falso em seus lábios, representando uma felicidade que não existia. Pessoas que nunca tinha visto, olhares que pareciam de julgamento em sua concepção, mas sabia que era apenas um truque de sua própria consciência.

Os olhos de Seokjin, suas pupilas dilatadas, seus dedos inquietos, sua feição determinada, certo de que era aquilo que queria. Mas não por amor.

Nem ela.

"Prometo ser fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde ou na doença, todos os dias de nossas vidas... E que somente a morte possa nos separar". Os dois repetiram em sequência, sabendo que a partir dali, após aceitarem, após assinarem, não tinha como ser desfeito.

Nunca foi segredo para Seokjin e Irene que aquele casamento não representava o amor entre eles. Também não precisava ser algo tão difícil.

Irene encarava o atual marido com culpa nos olhos, uma culpa que ele não podia identificar, mas ela existia. O olhava também com excesso de amor, jorrando naquelas orbes a saudade que tinha dos momentos que compartilharam juntos, da inocência que um dia tiveram. Mas também, Joohyun via um homem feito à sua frente. Um homem convicto, que sempre lhe estendeu a mão quando precisou, sempre lhe deu uma espécie de colo quando estava se sentido sozinha.

Irene via um homem lindo, que agora podia chamar de seu, ainda que seu estômago não embrulhasse pelas famigeradas borboletas, ainda que seu coração não se enchesse de ansiedade por estar cara a cara com o grande amor de sua vida.

Não seria tão difícil, mas não sabia até quando poderia aguentar. Torcia para que um dia pudesse amá-lo de verdade, porque qualquer um amaria Seokjin.

Kim Seokjin também fazia suas próprias considerações. Sempre muito frio, sempre projetando os cenários futuros, sempre preocupado com o que faria dali em diante.

Não teve como planejar a morte de seus pais, já que se pudesse, as impediria. Não planejou estar se casando tão jovem, com uma mulher pela qual não tinha quaisquer sentimentos românticos, não planejou começar a usar drogas para afastar os pensamentos corrosivos, não planejou nada, absolutamente nada. E por isso, cada passo que daria em seguida, precisava ser estratégico.

Gostava do que via, era um homem como qualquer outro, afinal. Irene era uma mulher linda, tão imponente quanto ele. Tinham opiniões iguais, sabiam conversar sobre tudo juntos. Curtiam algumas músicas e bandas em comum, tinham os mesmos pratos favoritos. E ela era gostosa, não só fisicamente.

E antes mesmo de pensarem em se casar, a curiosidade falou mais alto e os dois quiseram experimentar um do outro.

Foi bom, muito bom.

Para Seokjin também não seria tão difícil.

Só que algo lhe dizia que aquela moça não deveria estar cem por cento incluída em seus planos. Precisava ser cauteloso, buscar seus objetivos com ela ao seu lado, pensar nos mínimos detalhes para Irene não sentir-se tentada a atrapalhar.

Até porque... Taehyung poderia estar certo.

X X X

Haviam se passado três dias.

Três dias que Namjoon deu a Irene o prazo de contar tudo a Seokjin. Três dias em que sua mente dividia-se em pensar como seria dali em diante e se valeria mesmo a pena insistir naquilo.

Ele afirmou com todas as letras que não era seu objetivo esperar grandes coisas de Seokjin, mas convenhamos, não tinha como não criar esperanças, não tinha como simplesmente enxotar a mínima possibilidade de talvez... Talvez ser enxergado de outra forma.

Não quando era perdidamente apaixonado por ele, não quando aquela família estava a um passo de ruir, tornando seu coração partido, o menor dos problemas, quem sabe, o mais insignificante.

Namjoon não estava pronto para pôr um ponto final. Ele queria mais certezas.

Mas não possuía provas suficientes.

Tentava buscar na memória todas as vezes em que minutos foram perdidos de sua vida enquanto desconfiava daquela mulher. Tentava juntar quaisquer peças soltas que contribuiríam ao chegar em alguma conclusão.

Se lembrou primeiro de umas semanas atrás, quando saía de Royal Suerte com Hoseok. Encontrou Irene conversando com alguém ao telefone, ela parecendo assustada ao ver os dois ali, mas nada além disso, nada que pudesse entregar um nome.

Se lembrou também de inúmeras vezes em que a viu voltando mais tarde que o normal, ou saindo mais cedo que o normal, o que da mesma forma, não lhe diria nada, não o levaria a lugar algum.

Mas no momento em que uma recordação específica invadiu sua mente, Namjoon sobressaltou de onde estava, estalando os dedos, se agarrando naquilo, desejando que suas suspeitas estivessem corretas.

Nem de longe poderia dizer que sabia fazer o trabalho de Jungkook, no entanto, de tanto vê-lo mexer em seus equipamentos, tinha uma breve noção de como e onde descobrir o que queria, por isso, não hesitou ao entrar naquele laboratório, ainda que ciente do risco de alguém encontrá-lo.

Ele só esperava que a sorte estivesse ao seu lado.

Namjoon procurou pelos arquivos de missões anteriores, buscando na pasta de vídeos a data do evento diplomático em que a I&E Company participou. Se ele não estava muito enganado, lembra-se de ter notado algo estranho nas câmeras de segurança.

Alguns com imagens de Siwon, Taehyung, Sunmi e Seokjin, o que não o interessava por enquanto. Outros com rostos aleatórios de possíveis suspeitos, também não sendo o que buscava. E havia uma gravação do corredor onde ficavam os banheiros.

Ali, Namjoon suspirou, não se permitindo cantar vitória antecipadamente.

Abriu o vídeo, analisando cada uma das faces que transitava por lá durante a festa, nenhuma sendo do seu interesse, até que, lá estavam eles. Irene e Seojoon em um relance, nada comprometedor, apenas os dois trocando algumas palavras e seguindo de volta para o salão.

Namjoon bufou, certo de que algo havia ocorrido antes daquela cena, mas as câmeras não tinham captado.

Continuou mexendo nos arquivos, na esperança de que aquilo provocasse algo dentro de si, ainda agarrado na possibilidade de conseguir provas de verdade.

Resolveu abrir a gravação do evento inteiro, o que seria confuso, mas era a única forma de ter acesso ao que tinha acontecido por completo. Além do mais, ele precisaria apenas anotar o horário do vídeo de Seojoon e Irene para não se perder na cronologia.

O evento durou horas, mas o que lhe interessava só podia ter acontecido dentro das três horas e meia que permaneceram lá.

Namjoon não soube como entendeu todos aqueles comandos, mas conseguiu acesso à todas câmeras disponíveis ao mesmo tempo. Adiantou um pouco a gravação para o momento em que Irene e Seojoon se "esbarram" no toalete.

Como antes, nada os entregava naquele vídeo. Naquele.

Porque uma das câmeras que ficava ao final do corredor foi capaz de captar apenas um ato, um ato simples, mas comprometedor.

Namjoon precisou dar zoom, e já procurava um pendrive formatado e vazio nas gavetas bagunçadas de Jungkook.

Salvou aquele vídeo para cortar o frame em que Seojoon e Irene apareciam de costas, saindo de trás de um ponto cego de todas as câmeras. Seojoon dava passagem para a moça, preparando-se para deixá-la ir em sua frente sem que desconfiassem de nada. Mas pelo visto aquele imbecil não contava que a câmera captaria o exato segundo em que ele deixou um aperto na bunda da mulher. Rápido e quase imperceptível.

Quando a cópia foi feita, Namjoon deu-se por satisfeito, guardando o pendrive no bolso e fechando todas aquelas abas.

. . .

Namjoon precisava apenas ser assertivo e nada mais. Com tudo aquilo nas mãos, era certo que Irene não teria mais escapatória.

A mulher havia saído há um tempo, sabe-se lá para quê. Ele queria esperar o momento certo, era sua única chance.

Todos os ocupantes daquela mansão tinham rastreador em seus aparelhos celulares, e Irene não ficava fora disso, portanto, Namjoon pela primeira vez em todos esses anos, decidiu rastreá-la, acompanhando seus passos segundo a segundo.

Ela ainda estava em sua empresa, então o que lhe restava era aguardar.

Passados mais ou menos uma hora, a mulher começou a mover-se no local, parecendo estar saindo dali. Ele sabia que, caso viesse para a mansão, levaria por volta de trinta minutos. Era mais que o suficiente.

E bem, não precisaria dar-se ao trabalho de procurar por Seokjin.
. . .

Namjoon: Abre a porta pra mim.

Seokjin: ?

Namjoon: A porta. Tô aqui.

Seokjin evidentemente estranharia receber uma mensagem como aquela, mas não pensou muito antes de fazer o que havia sido pedido, deixando o homem um tanto mais alto entrar em seu quarto.

— O que foi? — Perguntou, já supondo que se tratava de algo sério ou no mínimo, urgente. Namjoon não apareceria em seu quarto sem mais nem menos, principalmente depois da última vez em que estiveram sozinhos. Em contraponto, naquele semblante, que costumava ter facilidade em identificar, tinha algo, algo diferente, algo que não reconheceu.

— Precisamos conversar — A resposta não sanou sua curiosidade, no entanto — 'Tava indo tomar banho? — Namjoon o encarou por inteiro, parando no inferior de seu corpo, onde somente uma toalha lhe cobria pela cintura.

— 'Tava, mas fala logo — Não soube porquê, mas sentiu-se vagamente intimidado com aquele olhar.

— É um assunto longo. Faz o que você tiver que fazer que eu te espero aqui — Namjoon deixou um suspiro no ar e já se distanciava, sentando na cama como se aquele quarto fosse dele.

Seokjin hesitou mais uma vez, mas no fim, concordou. Sabia ser paciente.

— Não demoro — Assegurou.

— Sem pressa.

Namjoon esperou que Jin entrasse no banheiro para conseguir pensar de verdade. Ele não queria ser tão baixo, tão egoísta, mas àquela altura, estava farto de manter aparências. 

Que se foda.

Ao ouvir o registro de água ser aberto, respirou fundo como síntese, batendo o martelo a favor de sua própria decisão, não exatamente orgulhoso do que fazia, mas como antes dito: que se foda.

Pôs-se então a retirar cada peça de roupa que vestia, exceto a íntima. Seu suéter foi jogado ao chão, assim como a calça. O relógio foi colocado em cima da cabeceira de Jin, os sapatos largados mais ao longe.

Tudo perfeito e milimetricamente bagunçado.

Foi para frente do espelho, observando seu próprio corpo apenas com uma cueca branca e apertada o cobrindo. Sorriu. Sorriu pelos músculos saltados dos braços, do abdômen e das coxas, pela pele bem hidratada, sorriu por saber que era mesmo um homem lindo, e estava à vista de quem entrasse ali e quisesse apreciá-lo.

Às vezes Namjoon era perverso, e ele suspeitava que esse era um dos seus pontos em comum com Seokjin.

Um maço de cigarros jogado em cima de uma mesa qualquer agora estava em suas mãos. Ele acendeu um, caminhou para a varanda e só precisaria aguardar. Nada mais.

Vinte minutos exatos e o barulho da porta preencheu seus ouvidos. A porta de entrada, não a do banheiro. Ele se manteve debruçado no batente, se esforçando ínfimo ao virar o rosto por cima dos ombros, certamente com um sorriso tomando seus lábios quando a mulher adentrou o cômodo, os olhos se esbugalhando à medida que se dava conta daquele homem praticamente nu em seu quarto.

Ela não esperava por isso, mas esperava por Namjoon, de certa forma.

— Que isso?! — Irene poderia estar na pior das situações, mas não admitiria tamanha audácia. Aquele quarto ainda era seu, aquele espaço era seu, o marido era seu, mesmo que estivesse prestes a não ser mais. 

— Shhh, fala baixo, 'tô ouvindo o canto dos pássaros.

Ela não teve tempo de retrucar aquele deboche, porque quase no mesmo instante, Seokjin saiu do banheiro, já vestido com uma bermuda curta, sem camisa e com a toalha rodeando o pescoço.

Ele também não teve tempo de processar a cena à sua frente, a calmaria presente em seu rosto por milésimos se desfez em um desespero ao encontrar Namjoon naquele estado, não compreendendo o porquê daquilo, e Joohyun, o encarando com raiva, com angústia.

— Q-que porra é essa? — Seokjin não teve outra opção a não ser gaguejar, metade de si realmente não entendia, mas a outra encenava surpresa para que Irene não pensasse que ele tinha algo a ver com aquilo.

Por que Namjoon faria algo assim consigo? Esse não era ele. Era imoral demais para condizer com sua personalidade e Seokjin começou a perceber que algo de muito errado acontecia naquele ambiente.

Algo que ele não sabia. Mas somente ele.

— O que ele 'tá fazendo aqui assim? Desse jeito?! — Irene também estava dividida. Tinham mesmo que escolher aquele momento para aquilo? Não era exatamente uma vítima, mas já era humilhação demais.

— Podem parar com o teatro, os dois — Namjoon interviu, se espreguiçando ao caminhar sem pressa alguma para o meio do quarto. Os dois olhares lhe acompanhavam, o de Irene transbordando desgosto, nojo, raiva e medo. O de Seokjin, incerto, embaralhado, descrente... Mas ainda dando espaço para um pouco de desejo, porque era impossível ver Namjoon daquele jeito e não sentir seu corpo arder — Irene já sabe de nós dois.

— Oi? Do que você 'tá falando? — Jin perguntou, não fingindo desentendimento, e sim verdadeiramente cético de que aquilo estava acontecendo. Como assim Irene sabia dos dois e aquele maluco parecia tão calmo?

— Ela sabe, ué. Eu contei a ela — Respondeu simples.

Seokjin arrancou a toalha do pescoço, o resto de seus movimentos ainda estagnados, como se esperasse pela reação da mulher, que não veio.

E quando seu olhar esbarrou com o dela, Seokjin viu. Finalmente viu que aquilo não se tratava de um acaso. Viu que tal cena não era uma vingança ou qualquer merda desse tipo. Namjoon tinha algo a dizer, e Irene parecia ter um mundo escondido por trás de seu olhar marejado e trêmulo.

— Que merda 'tá acontecendo aqui? — A postura altiva de Seokjin voltou a aparecer, seus olhos caíram em direção aos próprios pés, sua boca abriu-se discretamente, ameaçando dizer algo, esperando ouvir uma explicação, seu peito começou a apertar, lhe trazendo uma ideia de que talvez fosse algo maior, algo que não estava preparado para receber.

— Bom, Irene, eu te avisei, não avisei? Mas você preferiu que fizéssemos do seu jeito... Então nada mais justo que você mesma contar — Namjoon sentou-se em uma poltrona, afastou as pernas e relaxou a coluna no encosto, se mostrando tão paciente quanto cínico.

— Eu... E-eu... — Nada saía de sua boca enquanto Seokjin a encarava daquela forma tão proeminente, ela sequer conseguia pensar direito — Por quê? Por que 'tá fazendo isso? — Somente quando seu olhar voltou-se a Namjoon, melancólico e assolado, que a pergunta se fez, tendo como resposta, uma revirada de olhos do outro.

— Irene, caralho, que porra é essa? O que você tem 'pra falar?! — Seokjin se exaltou, cansado daquela enrolação, de todo suspense.

Joohyun caminhou lentamente em direção ao marido, a palma de suas mãos suando, sua fisionomia contorcida como se implorasse por piedade, como se preparasse o terreno.

— Jin... Por favor, eu preciso que você me escute! — Ela dizia pausadamente, gesticulando ao que chegava mais e mais perto do homem — E-eu não sei como aconteceu, e-eu... — As palavras sempre morriam, a coragem se esfarelava, escorrendo por entre os dedos, e Namjoon, mais uma vez revirava os olhos, percebendo que não tinha tanta paciência como imaginava.

— Ela 'tá grávida, Seokjin — Falou em alto e bom tom, encarando as próprias unhas com desprezo de toda aquela encenação.

Eventualmente, a mulher abaixou a cabeça, fazendo de seu choro o mais audível, o mais agonizante de todos, seus ombros relaxaram certamente não por alívio, mas por derrota. Ela não fingia, apesar de Namjoon achar o contrário, suas lágrimas escorriam com força, com verdade, com medo. Seokjin manteve-se paralizado, sua feição quase neutra, indecifrável para os dois, seu interno desejando uma explicação, sua mente pensando uma, duas, três vezes. E não sendo necessário mais do que isso para entender que aquele bebê não era seu.

Seu maior sonho era ser pai, mas não era nisso que pensava naquele instante. Ignorava mesmo a sensação de ter uma adaga afiada penetrando em suas costas, porque Irene havia conseguido a proeza de descumprir o único acordo dos dois. A única coisa que poderia comprometer de vez aquela organização.

— Irene... — Ele a chamou, baixo, seu tom beirando a ameaça, os músculos tensionando quando ela não o respondeu — Irene, olha 'pra mim, caralho!

Seokjin não era um homem de sentir pena. Seu coração batia de forma calculista, sua mente quase a todo momento impiedosa e suas reações privadas de sensibilidade impediam que ele sequer vacilasse com aquele escândalo que a mulher fazia.

— Jin... P-por favor — Irene revelava aos poucos seu estado, se agarrando à última esperança que tinha em Seokjin.

Mas aquele não era mais o Seokjin que havia conhecido há anos atrás.

— Quem é o pai? — Ninguém esperava por aquilo. Namjoon e Joohyun não faziam ideia que Jin já suspeitava que a mulher tinha um amante.

— É você! É você! Eu j-juro... — Irene queria se fazer convincente, mas a forma como gaguejava, como mal conseguia olhar nos olhos do marido, a entregavam facilmente. 

Seokjin contorceu o rosto, agora com ódio. Seria capaz de admitir qualquer coisa, menos mentira.

— Eu vou te dar mais uma chance... Quem é a porra do pai dessa criança, Irene? — Ele segurou suas bochechas sem muita força, obrigando-a a manter seus olhos fixos no dele — Quem é? Fala 'pra mim.

— Eu não sei! Eu não sei, ok?!

Namjoon riu sozinho, sem que os dois pudessem ver. Balançou a cabeça para os lados, desacreditado na audácia da moça em insistir naquilo.

— Ah, não sabe? Agora um cara que faz questão de te deixar com o colar dele, que te marca sempre que vocês se encontram, que deixa a porra do perfume barato dele impregnado nas suas roupas, é um desconhecido? Sua memória não é tão ruim assim... Vamos, acaba logo com isso — Afrouxou de maneira rude o aperto que exercia em seu rosto, afastando-se dela com desprezo e nojo em suas expressões.

— Jin... — Mais lágrimas, nenhuma resposta, Namjoon estava prestes a aplaudir pela boa atriz que era.

— Que você tem a porra de um amante eu sabia, Irene... Acha mesmo que é boa em esconder as coisas? — Seokjin riu com ironia e gana preenchendo aquele ato — Só que eu 'tava engolindo essa merda, até porque seria hipocrisia da minha parte fazer o contrário... Eu só não imaginava que você seria burra ao ponto de engravidar dele. Qual é o seu plano agora?

— Eu não engravidei porque quis!!! — Ela passou a falar mais alto, desesperada.

— Foda-se o que você quis ou deixou de querer, o que me interessa é essa criança e a porra da organização que você acabou de foder!!! — Sua voz saiu mais alta que a dela, a diminuindo, tornando-a menor que nada.

— Não, não, não!!! — Sua negação entediava Seokjin.

— Você abriu a boca 'pra falar alguma coisa disso aqui?

— É óbvio que não! Eu nunca faria isso, você sabe!

— Eu não sei mais nada sobre você — Ele andava ao seu encontro enquanto ela recuava até estar com as costas coladas na parede — Quem é o pai? Fala, porra!

— Jin... Não faz isso comigo, não envolve ele nisso!!!

— Fala, Irene!!! — Com a respiração acelerada e o olhar injetado, Seokjin derrubou boa parte de objetos de decoração que haviam no móvel ao seu lado.

— Jin... É uma p-pessoa que... Q-que eu conheci há pouco tempo... Você não... Você n-não sabe quem é...

Namjoon, que estava na metade de outro cigarro, esperando pelo momento de intervir, subiu o olhar para a cena, rindo alto e chamando a atenção dos dois.

— Conheceu há pouco tempo, Irene? Que estranho... Porque o Seojoon é um funcionário antigo.

— Como é que é? — Seokjin franziu ainda mais o cenho, desacreditando que era aquilo mesmo que havia escutado.

Irene pareceu mudar de cor na mesma hora. Seus lábios, entretanto, perderam a coloração.

— Eu falei que se quisesse, descobriria qualquer coisa... Agora não perca mais seu tempo tentando fingir.

— Irene, eu 'tô te dando a última chance de falar a verdade... — Seokjin avisou, com o rosto vermelho, seu descontrole chegando cada vez mais perto. Namjoon percebeu.

— Eu... Eu... Desculpa... — Ela desistiu de tentar.

— Desculpa?!?! — Seu grito veio, cortando a própria garganta, assustando os dois ali — É isso que você tem 'pra dizer, sua desgraçada?! Eu vou te matar! Eu vou acabar com você, 'tá me ouvindo?! — Namjoon correu para frente de Seokjin, segurando-o pelos ombros. Ele não iria encostar em Irene, não mesmo. Ele não iria chegar perto dela para machucá-la. Namjoon o segurava porque Seokjin queria matar Irene, e ainda havia um bebê dentro dela.

— Jin, me escuta! — Namjoon tentava dizer algo, mas Seokjin se desvencilhava fácil de seu aperto, o fazendo ter que imobilizá-lo várias vezes. 

— Eu vou matar você, 'tá me entendendo? Eu vou matar vocês dois! Olha a merda que vocês fizeram, sua filha da puta! Desgraçada, eu vou matar, eu vou te matar!!! — Os gritos cada vez mais altos despertaram a atenção de alguns comandantes, que em segundos invadiam o quarto de Seokjin, procurando pelo o que poderia estar acontecendo.

Irene chorava baixo, encolhida quase sentada no chão, sem saber mais quem era Seokjin, sem reconhecer aquela pessoa, aquele monstro à sua frente.

— Jackson, tira ela daqui e não deixa ela sair da mansão, 'tá escutando? — Namjoon ordenou, ainda com os braços de Seokjin presos em suas mãos, evitando que ele tomasse qualquer decisão precipitada.

Não. Seokjin nunca se exaltou dessa forma. Seokjin nunca encostaria um dedo em uma mulher por qualquer motivo que fosse. Ele queria matar Irene e Seojoon por outros motivos. Porque os deixar vivos era comprometer sua própria família, e antes sua vida do que as deles.

Somente quando a porta foi trancada novamente que Namjoon liberou Seokjin do aperto.

Em segundos, todo aquele quarto estava sendo destruído. Seus olhos acompanhavam aquela fúria desconhecida. Nunca tinha o visto daquele jeito, descontrolado. Nada o fazia parar. Nada.

— Jin, porra! Fala comigo!!! — Os gritos suplicantes de Namjoon se perdiam nos barulhos estrondosos de vidros se quebrando, madeira se partindo.

— Sai daqui! Sai daqui agora, caralho! — Seokjin sequer ouvia direito, ele só precisava ficar sozinho, ele só não queria que Namjoon fosse mais um alvo.

Mas Namjoon não estava disposto a deixá-lo naquele estado.

Foi em direção ao corpo em desequilíbrio, envolvendo-o pelas costas com seus braços em uma força que até ele mesmo desconhecia que tinha. Apertou Seokjin com todo seu amor, pressionando suas pálpebras como se qualquer tipo de dor presente naquele corpo fosse passada para ele.

Namjoon não imaginava que isso aconteceria. Se sentia culpado.

Seokjin relaxou naquele abraço e ali sim, suas lágrimas desceram. Desceram grossas, quase como se sangrasse, perdendo as forças, a raiva se transformando em frustração repentinamente. Sua aparência estava horrível, sua respiração tão acelerada que Namjoon não soube como ele resistiu àquele pico de adrenalina.

— Jin... Eu 'tô aqui... Eu 'tô aqui com você — Doeu em Namjoon. Talvez ele não tivesse a capacidade de perceber, mas, doeu em si ver Seokjin tão abalado. Ele pensava que... Pensava que seu amor não tinha mais sentimentos por aquela mulher.

Talvez houvesse algo. Talvez aquele choro não fosse por ela, mas Namjoon também não sabia pelo o que era.

— Me solta.

— Não... Não... Eu 'tô aqui, eu não vou sair daqui — Namjoon garantia aquilo como se fosse a última coisa a fazer em sua vida.

Namjoon virou lentamente Seokjin para olhá-lo cara a cara. Seokjin estava uma completa destruição.

Ele tomou a liberdade de selar aqueles lábios. Não por oportunismo, mas porque era uma forma de dizer que estaria com ele, que não o deixaria sozinho, nunca, nunca.

— Eu 'tô aqui... Eu 'tô aqui — Repetia aquilo como um mantra, retirando os cabelos bagunçados do rosto de Jin, que não reagia, que sequer parecia atento em algo à sua volta.

O choro de Seokjin se fazia cada vez mais baixo, ele desistia cada vez mais de tentar lutar contra Namjoon. Por que Namjoon estava ali? Por quê?

Era óbvio o porquê. Namjoon não sabia de nada, absolutamente nada.

11 HORAS ANTES

X X X

As horas passavam e as peças não se encaixavam. Seokjin estaria mentindo se dissesse que sabia o que estava fazendo.

Os reféns, mantidos há mais ou menos cinco dias no galpão, não abriam a boca por nada. Nem mesmo após a proposta feita por Taehyung. Ele precisava pensar em algo, ainda que sua mente estivesse tomada por seus problemas pessoais.

Tortura não seria útil, porque já estava claro que aqueles homens não temiam a morte. Uma negociação seria o mais viável, porém, qual? O que poderia oferecer a eles?

Sua única e última tentativa era arriscar com o que tinha em mãos.

— Como estão, meus amigos? Sentiram saudades? — Ao chegar no espaço úmido com rastros de sangue seco ainda manchando o piso, Seokjin não se deu ao trabalho de puxar cadeiras ou até mesmo cumprimentar os comandantes encarregados de cuidar dos reféns.

E em silêncio todos permaneceram, olhando para cima ao encarar o homem bem vestido e de postura rígida.

— Bom, eu acho que demos tempo suficiente 'pra vocês pensarem com calma, 'né? O que me dizem sobre a oferta? — Seu entusiasmo e cinismo não condiziam nada com o estado real de si.

— Vocês não vão conseguir arrancar nada de ninguém aqui, filho da puta! Quando eu sair, você e sua ganguezinha vão pagar muito caro por tudo... Faço questão de matar você com minhas próprias mãos! — Um deles esbravejou, o barulho alto das correntes batendo uma na outra enquanto ele se movia com raiva.

— Oh... Isso foi uma ameaça? — Seokjin caminhou até estar bem próximo dele — Nunca mais... Nunca mais me ameace, seu capacho de merda.

— Por que, playboyzinho? Vai fazer o quê? Me matar? Então faz! — Aquele homem preferia morrer ao ter que abrir a boca, Jin sabia disso, por esse motivo, não se deixaria levar.

— Boa tentativa... Mas esse fica como o primeiro e último conselho que vou te dar. Se quiser seguir, ótimo, caso contrário, lide com as consequências.

O homem voltou a se calar, mesmo a contragosto.

— 'Tô esperando... Ninguém vai se pronunciar?

— O que quer da gente, caralho? — Um outro arriscou perguntar, sua expressão abatida demonstrava o quão estava exausto, acabado.

Seokjin sorriu, ajeitando o terno e andando até ele.

— Nada demais, só queremos saber o que 'tavam fazendo naquele dia em Seocho, e quem é o chefe de vocês.

O homem que há segundos atrás ameaçava Seokjin, começou a gargalhar como se estivesse em vantagem para isso.

— É muita ousadia sua pensar que te daremos algo assim de bandeja. E em troca do quê? Nem sabemos se o que vocês têm é verdade — Disse ele, terminando a frase com fogo nos olhos e asco em sua voz.

— Como meu irmão bem disse, somos homens de palavra. Assim como vocês estariam dando um tiro no escuro, nós também estamos. Se vocês perdem, nós também perdemos. Quem me garante que vão me dizer a verdade?

— Trabalhamos sozinhos — Um outro respondeu, e Seokjin bufou uma risada.

— Viu só? Uma mentira que nem ao menos teve esforço 'pra ser contada.

— Por que acha que é mentira? Se nós tivéssemos alguém acima da gente, não acha que já teriam vindo até aqui? Não acham que já teriam sofrido um ataque? — O rapaz refutou, colocando toda a verdade em sua fala. Mas não era fácil enganar Seokjin.

— Vocês estão sendo observados há muito tempo — Era ali que Jin arriscaria pela primeira vez — E sejam sinceros, vocês acham que o Siwon ou Heechul moveriam um dedo 'pra tirar vocês daqui? É claro que não. Eles não enxergam vocês como aliados deles, enxergam vocês como marionetes, um depósito de sangue fresco, pronto 'pra servirem como escudo. Se vocês morrerem hoje, eles tem mais trinta esperando 'pra morrer também. Suas famílias não importam 'pra eles, suas existências são tão insignificantes que eles sabem que estão aqui, mas por serem capangas bem adestrados, sabem que nenhum de vocês abrirá a boca 'pra dizer nada. Ou seja, eles deixam vocês aqui 'pra morrer com o segredo deles, enquanto eles mesmos mal se lembram do nome de cada um aqui.

Aquilo podia dar errado. Eles podiam sequer ter ideia de quem eram Choi Siwon e Kim Heechul. Mas Seokjin tinha que fazer aquilo, precisava arriscar, precisava apostar sua última ficha naqueles homens. A ordem dos fatos batia, as informações se encaixavam uma na outra. Se não fosse aquilo, ele poderia considerar seu irmão como um homem morto.

Todos à sua frente paralisaram. Os olhares quase esbugalhados o davam quase certeza de que tinha acertado. De que correr o risco valeu a pena.

Eles moviam suas cabeças apenas um para os outros, como se em cumplicidade compartilhassem do mesmo pensamento, da mesma dúvida. Como se em silêncio, questionassem um ao outro se em algum momento informações foram vazadas.

— S-se você sabia desde o início... Por que manteve a gente aqui?

— Eu ainda quero saber por quem vocês procuravam em Seocho. Eu quero saber de tudo, e se me disserem, nunca mais eles vão saber de vocês, forjo a morte de todos, e vocês somem daqui com suas famílias — Seokjin propôs, tentando se aproveitar da vulnerabilidade deles.

Mas aquele que parecia sempre ter respostas na ponta da língua, soltou um riso frustrado.

— Acha que é fácil assim? Eles são grandes, achariam a gente até no inferno — Confessou, seguro de que sua situação não melhoraria nem de uma forma, nem de outra.

Jin quem riu dessa vez, juntando as mãos atrás do corpo.

— Se eles são grandes, eu sou muito maior.

— Engraçado, só ouvi falar de você pelas revistas de economia.

— E isso já não diz muita coisa? — Refutou, abrindo os braços — Seus chefes foram descobertos através de um blefe, meu amigo... Se eu não quiser que saibam quem eu sou, não vão saber... E o contrário também é válido. Cabe a vocês fazerem o melhor negócio agora.

Silêncio. Mentes se enchendo ao ponderar pela primeira vez a proposta de Seokjin. Tinham famílias, tinham vidas deixadas de lado. Será que ainda poderiam recuperar isso tudo?

— 'Tá. E o que você quer em troca?

Seokjin sorriu, para ali sim, puxar uma cadeira para si.

Estavam começando a falar sua língua.

4 HORAS ANTES

🐯 🐯 🐯

Em anos dentro dessa família, era a primeira vez que eu não fazia ideia se voltaria para casa.

Isso estava me tirando do sério, me fazendo questionar se meus passos até aqui eram os certos. Logo eu, que sempre fui extremamente seguro. E bem, não que isso tenha mudado, mas a verdade é que estávamos dando um tiro no escuro.

Em conclusão, eu não sabia se estávamos mais no controle, ou se algum dia estivemos.

De qualquer forma, fechei o último botão do paletó, torcendo para que Namjoon tivesse montado a melhor estratégia de sua vida. Porque nossas vidas, de fato, dependiam disso. Um erro, apenas um erro, e poderia ser fatal.

Me encaminhei para frente do espelho, esquecendo de conferir qualquer que fosse o detalhe quando meus olhos encontraram o próprio reflexo. Tive a impressão que aquele olhar pertencia a um outro eu. Pude enxergá-lo apreensivo, carregando maus pressentimentos, e sobretudo, uma sensação de vazio.

Respirei fundo, me forçando a acreditar que eram meras peças que minha mente pregava nela mesma, tentei afastar tudo aquilo de mim, porque eu não poderia em hipótese alguma demonstrar fragilidade, não poderia me deixar levar, seja qual fosse a surpresa. Aquilo tinha que dar certo, porque eu não fazia ideia de como agir caso contrário.

"Taehyung, ainda 'tá na escuta?". Jin deu sorte de ainda me encontrar com o ponto ativo, pois eu estava prestes a desligá-lo.

— Sim, por quê?

"Vou aí antes de você sair".

Em poucos minutos, escutei os seis toques intervalados formando uma quase melodia. Eu e Seokjin usávamos aquilo como um código quando éramos adolescentes, e desde então, nunca mais ele havia feito.

Abri a porta, dando passagem a ele. Suas mãos juntas atrás do corpo, seu olhar apontado para o chão, seus passos incertos, e para deixar tudo mais excêntrico, um sorriso pesaroso ornava aquele belo rosto.

Ele se virou, no entanto, impedindo que eu continuasse lendo suas expressões.

— Se a mamãe soubesse que 'tô te deixando fazer isso hoje, ela me mataria. Sabe disso, 'né? — De todas as coisas que pensei escutar, essa com certeza seria a última.

Meu coração se apertou quando, em meio àquela fala, sua voz saiu embargada, como se estivesse guardando aquilo há muito tempo e agora... Agora fosse o momento de dizer. Já que, talvez, não houvesse mais momentos no futuro.

— Jin... — Tentei andar alguns passos em sua direção, completamente sem jeito, sem saber o que responder.

— Você é a pessoa mais importante da minha vida, moleque. Se acontecer alguma coisa com você hoje, eu não sei do que sou capaz, eu nunca vou me perdoar — Ele se virou, revelando a face avermelhada, os olhos derramando mais e mais lágrimas, uma confissão feita ao redor de um choro tão incomum... Eu nunca o vi daquele jeito antes.

Não consegui encontrar palavras de conforto, não consegui fazer nada além de fechar os olhos com força quando meu corpo se inundou de uma sensação assustadora, um sentimento amargo. Porque na ponta de minha língua só havia promessas. Promessas de que aquele não seria meu último dia.

Mas como eu poderia prometer algo assim?

Nossos olhares conectados pareciam se comunicar sem mesmo nós sabermos disso.

— Você não pode me prometer que vai voltar vivo, eu sei que não pode. Eu sei que é importante 'pra você estar na linha de frente hoje. Mas eu posso te prometer  que faço questão de acabar com todos que ousarem tocar em você Taehyung. Todos. Eu acabo com a minha vida, mas faço a deles um inferno primeiro, nem que me custe absolutamente tudo, 'tá entendendo? — Ele caminhava tão discretamente para perto de mim, sequer notando sua voz sendo consumida pela raiva, embora a expressão carregasse dor, medo de nos separarem.

Ainda calado, vi suas mãos subirem até a altura do meu pescoço, com um colar desconhecido balançando entre elas. Era uma jóia minimalista. Um cordão fino de ouro, sem pingentes, sem nada.

Ele desprendeu as pontas, colocando em mim com um cuidado insólito, quase como se fosse um amuleto.

Deixei, sem entender o porquê do ato, mas destituído de coragem para questionar.

— Quando a gente era novo, a mamãe me deu isso aqui, dizendo que era o colar da sorte do nosso pai — Jin se adiantou, falando baixo, tendo dificuldade em se manter estável — Ela deu 'pra ele um tempo depois que se casaram, e no dia que ele morreu, ela me contou que ele esqueceu de colocar — Eu não sabia daquilo, não fazia ideia do que ele estava falando — Logo depois do enterro, ela pediu 'pra eu guardar e usar caso precisasse proteger a mim... Ou você. Só que... — Suas lágrimas voltaram a atropelar o que dizia, os dedos resvalando sobre o acessório delicado — Só que eu não posso fazer isso hoje, eu não posso ir no seu lugar, Tae...

Minha visão embaçou e eu logo senti o rosto arder. Respirar era quase sufocante. Eu queria prometer a Seokjin que voltaria, que estaria aqui para ele, assim como ele esteve para mim todos esses anos.

— P-Por que você nunca me falou sobre isso? — Perguntei já abatido, enxugando as lágrimas com a palma da mão.

— Porque eu pensei que pudesse fazer esse papel 'pra sempre, Tae. Eu pensei que eu tivesse que usar. Eu não queria que fosse você a usar isso hoje.

Me doía ver meu irmão assim, com medo de não sermos mais só nós dois. Porque sempre foi desse jeito. Eu e ele, independente de qualquer coisa.

Seokjin era um homem duro, suas palavras e humor ácidos podiam até assustar os que o conheciam. Mas não a mim. Meus olhos viam nele a pessoa que eu mais podia confiar nesse mundo inteiro, a pessoa que nunca, nunca me deixou sozinho, mesmo quando eu não merecia a compaixão de ninguém.

Mas era ele quem precisava de mim agora, das minhas palavras de conforto, ainda que elas soassem contraditórias ao que, em breve, aconteceria.

— A nossa vida é assim, Jin... Não temos como fugir disso — Falei, repetindo a mesma coisa que ele havia me dito anos atrás — Eu vou fazer de tudo 'pra voltar hoje, irmão, e se caso não acontecer — Precisei dar uma pausa quando seus olhos se encheram novamente ao que mencionei aquela possibilidade — Se eu não voltar, promete 'pra mim que vai ser feliz, promete que vai parar de negar isso 'pra si mesmo. É só o que eu peço.

Seokjin assentiu, com dor em sua expressão, fungando enquanto tentava absorver aquilo como de fato um decreto, como algo irreversível.

— Você é um egoísta... — Ele brincou, atropelando o choro com sua risada fraca — Me pedindo 'pra ser feliz sem você aqui...

Sorri de volta e nossos olhares se encontraram, jorrando pedidos, gritando para que aquilo não precisasse ser uma despedida. Senti minha nuca ser segurada por ele, com certo carinho, com certa agressão. Jin me trouxe para si, colou seus lábios em minha testa e pressionou os olhos o mais forte que podia. Eu fiz o mesmo e as lágrimas transbordaram temporariamente em segredo, pois logo perderam o controle, tornando-se audíveis. Só consegui rodeá-lo com meus braços e aproveitar aquele tempo perto dele.

Meu irmão. A única pessoa que eu tinha nessa vida. O único que sabia de tudo sobre mim, tudo. O único que eu pude contar todos esses vinte e oito anos mal vividos. O único que me deu esse mesmo beijo, embora eu estivesse com as mãos sujas do sangue alheio, embora minhas costas sustentassem a culpa de ser tão indecoroso, embora eu não fosse digno o suficiente para o amor.

Apesar de tudo isso, meu irmão me amava. Me amava e sujaria suas próprias mãos com a carne daquele que tentasse tirar de mim isso que chamo de vida.

— Você tem que ir, eu vou fazer a divisão dos galpões com o Yoongi agora.

Concordei em silêncio, porque as palavras já não faziam mais sentido quando ditas.

Yoongi e eu provavelmente não nos despediríamos, caso aquela fosse de fato uma despedida. Então a última coisa que me restava, era prometer a mim mesmo que voltaria.

Novamente, eu não sabia se ia cumprir, mas ainda assim eu queria que isso estivesse vivo. Queria ter a chance de retornar e dizer que cumpri.

Queria dizer que estava lá, vivo, para eles.

— O Hoseok... Ele já foi 'pra casa do San? — Perguntei sem mais me dar ao trabalho de tentar disfarçar a curiosidade, sem mais me importar com a forma como aquele simples questionamento me entregava.

— Já — Sua fala veio compreensiva e reticente, ainda que o silêncio permanecesse logo após. Talvez Jin pensasse que eu merecia aquela resposta, mas para minha frustração, era só isso que podia me dar.

Já que Hoseok não me procurou antes de ir, já que ele não cogitou a ideia de que a última vez em que nos falamos pudesse mesmo manter-se como a última.

Meu irmão era previsível e me conhecia muito bem, então era óbvio que me deixaria sozinho mesmo sem eu ter pedido.

Vi a porta ser fechada e voltei a pensar em Hoseok. Voltei a pensar e me dar conta como não tinham quaisquer promessas a serem feitas a ele, diferente de Yoongi. Mas meu coração batia descontroladamente, de todo modo. Fechei o punho na altura do peitoral, reunindo um pouco de pele e tecido em minha mão, na hipótese de que aquilo substituiria ou amenizaria a dor em meu peito por não ter falado tudo que gostaria para ele.

No fundo, agora não tão mais no fundo assim, eu queria voltar. Queria voltar para Hoseok e dizer que não, ele nunca foi um erro. Queria sentir seu cheiro mais algumas vezes, tocar em seus cabelos úmidos pelos nossos suores, queria poder experimentar um pouco mais a textura daquele corpo inteiramente macio, ouvir sua respiração em meu ouvido, seja ela no pico do desejo, ou simplesmente por estar próximo demais. Eu queria voltar para Hoseok e dizer que erro foi ter insistido em lutar contra algo que nem mesmo eu acreditava que poderia sentir. Embora nada fosse recebido em troca.

Hoseok era o amor sem promessas, sem expectativas, sem retribuição. Apesar disso, era tão forte quanto Yoongi, o amor abarrotado das promessas não cumpridas, das expectativas quebradas, e tão, mas tão retribuído, que não suportou sua permanência.

"Seu carro 'tá pronto, senhor, temos que desativar as escutas". A voz de Sunmi preencheu meus ouvidos, fazendo todos aqueles pensamentos quase asfixiantes se desfazerem na realidade.

Olhei uma última vez minha aparência no espelho, apagando qualquer vestígio de uma cena dramática para, enfim, fazer o que tinha de ser feito.

Foi quando meu telefone vibrou.

Hoseok: vou esperar por você, corazón

. . .

Siwon me enviou o endereço de última hora, como tinha dito que faria. Não questionei, uma vez que minha intenção era seguir as regras de seu jogo. Ou fazê-lo pensar dessa forma.

Faltando poucos minutos para chegar ao local, trocamos breves mensagens, ele avisando que estava perto, e eu também.

— Tô aqui. Não se esqueçam, erros não serão permitidos hoje. Que Jesús Malverde esteja conosco — Estacionei o carro, acionando a escuta por segundos para me comunicar uma última vez com todos.

Respirei fundo, trocando o semblante tenso por um fleumático, caminhei em direção a pequena fachada com iluminação propositalmente precária e alguns homens, que presumi serem os seguranças, dispostos com as mãos na cintura, decerto escondendo armas.

Me deixei ultrapassar as primeiras portas, grossas e pesadas, que abertas, revelavam um espaço escuro, luzes avermelhadas impedindo de reconhecer quem passasse ali, lustres pendendo sobre as mesas. Mulheres seminuas, homens bem vestidos, dando goles e mais goles nas bebidas caras, em seus anelares, o símbolo de um compromisso estável e duradouro.

Uma mão se espalmou em meu peito, me impedindo de avançar para dentro do local.

— Quem é você? — Um rapaz me perguntou, não fazendo questão de esconder o armamento de grande porte, transpassado em seu corpo.

— Convidado do Siwon. Kim Taehyung — Dei uma resposta breve. Provável que ele não tenha gostado do meu tom, mas eu não podia ligar menos.

O homem se pôs em minha frente, abrindo um sorriso cínico, direcionou o olhar para os colegas ao lado, ameaçando gargalhar. Levantei uma sobrancelha e esperei pela gracinha.

— Convidados do Sr. Choi chegam com ele, garoto... Conta outra. 'Tá muito tarde 'pra você 'tá na rua, princesa... Volta 'pra casa, volta.

Bom, eu realmente não me importei que meu nome fosse desconhecido na memória imprestável daquele estúpido, mas seria engraçado vê-lo passar vergonha, assim como estava tentando fazer comigo.

— Você deveria tomar um pouco mais de cuidado... — Deixei o aviso, me mantendo tranquilo, como se seu olhar, agora irritado, me assustasse menos que uma formiga insignificante.

— 'Tá me ameaçando, seu merda? — Ele estufou o peito para cima de mim, posicionando a mão no fuzil, enquanto os outros dois ao meu lado apontavam revólveres para minha cabeça.

Ainda permaneci estático, sabendo que homens como aqueles não passavam de capangas mal pagos, capachos que se escondiam atrás de armas e de um nome mais relevante que os deles, jamais apertariam o gatilho. Covardes de merda.

— O que você 'tá fazendo, porra? — Siwon logo apareceu atrás dele, me arrancando pela primeira vez uma risada sincera.

Seus olhos se arregalaram, sua postura afrontosa e ameaçadora mudou imediatamente para uma obediente e submissa ao homem. Os outros dois abaixaram suas armas, curvando-se na frente do Choi.

Que preguiça.

— Senhor... E-esse cara 'tá querendo entrar, dizendo que é seu convidado — Aquele embuste faltava tremer ao se explicar para Siwon, que o encarava como se fosse matá-lo ali.

— Deixa ele passar, caralho! Ele não já falou que 'tá comigo? — Siwon o repreendeu pela segunda vez, falando cada vez mais alto. O homem se recompôs, reverenciando a mim e ao patrão.

— Sim, senhor. Perdão pelo inconveniente.

Enfim, eles abriram passagem, passei reto e com o queixo apontando para cima mais do que gostaria. Siwon me trouxe para perto de si pelo ombro, me guiando para dentro daquele covil.

— Me desculpe por isso, Taehyung... Esse aí é um dos novos, depois dou um jeito nele. 

— Ah — Fiz pouco caso, dando duas batidinhas em suas costas — Não se preocupa com isso não, ele só 'tava sendo precavido... Nunca se sabe — Respondi insinuado. Não o bastante para aquela mula entender, mas não tão subjacente ao ponto dele simplesmente ignorar o comentário.

— É... Que bom que entende, garoto.

Continuamos o passeio pelo local, duas ou três pessoas me cumprimentavam ao longe, assim como Siwon fazia. A cada centímetro avançado para dentro, eu fotografava em minha memória todos os pontos estratégicos que pudessem servir em algum momento.

Como eu disse, nunca se sabe.

— Vamos ficar por aqui mesmo? — Perguntei cordial, cheio de entusiasmo, fingindo ter simpatizado com o lugar.

Siwon se afastou para me encarar melhor, gargalhando exageradamente em seguida. Parecia que eu tinha contado a melhor das piadas.

— Ah, Taehyung... Você é ótimo. Fico até ofendido por achar que eu te traria aqui 'pra ficarmos no meio dessa gente toda. Nosso lugar 'tá muito bem reservado ali, ó — Ele apontou para cima, era uma espécie de camarote, suspeitei. Não consegui enxergar direito, apenas alguns corpos indecifráveis e uma sacada protegida que provavelmente fornecia a visão panorâmica daquele inferno — 'Pra você o tratamento é VIP.

Me limitei a sorrir para ele, e logo estávamos subindo as escadas com pouca luminosidade. Ele insistia em falar suas trivialidades que pouco me interessavam, enquanto eu observava todas aquelas pessoas. Umas já alcoolizadas demais, outras usando drogas, outras se prostituindo. Sempre desviando-se de suas próprias existências medíocres.

Quando minha presença foi notada, todos aqueles homens, fedendo a charuto, cigarro e whiskey, arregalaram os olhos de forma contida. Eu conhecia alguns deles.

Não fiquei surpreso com a presença deles. So Jisub e Jang Hyuk em especial, pois desde o evento diplomático, há uns meses, já desconfiava que eles haviam escolhido um lado.

— Boa noite, senhores... Como prometido, trouxe nossa companhia especial — Siwon os cumprimentou, esticando as mãos em minha direção, como se me exibisse como um troféu.

Me curvei apenas, dispensando grandes cerimônias.

— Kim Taehyung... Confesso que você era a última pessoa que eu imaginei encontrar aqui — Hyuk abriu aquela boca suja para dirigir a palavra à mim, como se não soubesse perfeitamente que eu o detestava.

— É, parece que não nos conhecemos tão bem quanto imaginávamos, Hyuk.

O homem sorriu, levantando seu copo de whiskey como um brinde.

Fiz o mesmo, só por garantia. Minha intuição dizia que algo de muito errado estava prestes a acontecer.

. . .

O tempo se arrastava. Minutos pareciam horas enquanto meus ouvidos eram contaminados pelas atrocidades que aqueles homens diziam. Se bem que essa parte eu já esperava.

Mas Siwon queria se superar. E mesmo que eu também soubesse que aquela era uma grande possibilidade, não tive estômago o suficiente para suportar meu olhar nas duas mulheres que chegavam naquele espaço reservado para nós. Seus semblantes exprimiam medo, ainda que tentassem a todo custo não revelar isso.

As duas eram jovens, seus cabelos igualmente negros, escorridos, diversos acessórios as deixando mais belas. A maquiagem pesada que compunha seus rostos quase me convenceu que estavam ali por vontade própria.

— Quem são? — Toquei levemente no ombro de Siwon, chamando sua atenção, que estava por um todo dedicada a elas. Olhando sem o mínimo de discrição para as pernas nuas, lambendo os lábios e sorrindo obsceno.

— Bom você perguntar, filho... Essas são Haeun e Sohui — Ele fez questão de anunciar em alto e bom tom — Intocadas... Especialmente 'pra você! Considere como um presente meu.

Eu não soube explicar a sensação repugnante que me tomou ao ouvir aquilo. Era nojento. Nojento. Eu só queria matá-lo, mas ainda precisava pensar.

Estiquei os lábios em um sorriso entusiasmado, fazendo Siwon crer fielmente que aquele "presente" era tudo que eu precisava. E talvez fosse.

— São lindas... — As elogiei, fazendo um gesto para que as duas viessem até mim. Fui obedecido de prontidão — Sentem aqui.

Bati em cada uma de minhas coxas, me sentindo ainda mais incomodado quando o peso de seus corpos sobrepôs o meu. Estavam magras, o brilho de seus olhares aparentavam qualquer coisa menos anseio. Pareciam mortas por dentro.

Calma, Taehyung.

— E de onde elas são? — Questionei mais uma vez, forjando interesse.

— Trabalham aqui... São ótimas garotas. Farão tudo que você quiser, 'né meninas? — Eu percebi como ele as olhou com repreensão, esperando a resposta positiva, que veio em um aceno conjunto. As moças se agarraram em meu corpo, passando a distribuir beijos em meu pescoço, afirmando naquele gesto que fariam tudo que eu quisesse.

Embora o querer não fosse delas.

Porque certamente, suponho eu, aquilo as custava a própria vida.

— E eu posso levar elas 'pra um motel? — Arrisquei pedir.

— Garoto... Por que não se diverte aqui? É ousado demais você, um homem tão influente, sugerir correr o risco de sair daqui com duas mulheres, tendo uma noiva em casa... — Porra, ele estava preparado para tudo.

— Tem razão, não sei o que deu em mim... — Disfarcei, apertando a cintura de uma e a coxa de outra com mais força. Não era como se aquilo me agradasse, mas eu tinha que manter aquela pose — Mas essas duas 'tão me deixando louco.

Siwon gargalhou tão alto que suspeitei já estar começando a ficar bêbado.

— Você é dos meus! — Ele se recompôs, suspirando em seguida — Queria que meu filho fosse assim também.

Não que não fosse previsível, mas eu sabia que ele diria algo como aquilo.

Sorri para ele, continuando a alisar a pele das  garotas, esperando o momento certo para pôr o plano em prática.
. . .

1 DA MANHÃ, HORA DO CONFRONTO

Longos minutos se passaram, bebemos mais um pouco, conversamos também. Troquei beijos com aquelas meninas, fazendo de tudo para que meu interesse nelas fosse ao máximo convincente.

— O quão indelicado eu estaria sendo se quisesse subir com elas? — Perguntei em tom de brincadeira, esperando a resposta de Siwon.

— Eu acho que já 'tava demorando até demais, garoto. Fica à vontade. Ninguém aguenta depois de uma boa rodada de whiskey. Aproveita... são minhas preferidas — A cada palavra, eu sentia mais vontade de vomitar.

— Vamos? — Falei para elas, segurando cada uma das mãos finas e trêmulas com possessividade. Vi naqueles olhos a angústia, o desespero. Mas as duas mantinham o sorriso intacto em disfarce, seus corpos já se moviam para obedecer qualquer ordem.

Me senti tão sujo.

Abri a porta de um dos quartos, dando passagem para as moças, conferi se no corredor alguém nos observava, para então, trancar o cômodo.

Assim que me virei, as duas já se despiam aos poucos, me encarando com desejo fingido, se movimentando lentamente ao retirar cada peça.

— Esperem um pouco.

Elas me olharam confusas, mas provavelmente se agarraram à ideia de que eu estava apenas adiando o processo. Seus semblantes libidinosos permaneceram e voltaram a se sentar na cama, exibindo-se ainda mais.

Sempre em sincronia, como se tivessem sido ensinadas a fazer tudo aquilo.

Fui em direção a janela, sorrateiro, olhando para a rua pouco movimentada. Um caminhão de carga em frente ao bar, os três seguranças posicionados no mesmo local, o carro de Siwon estacionado logo atrás do grande veículo, e o meu em frente.

As garotas, ainda sem entender, trocaram olhares cúmplices e uma delas levantou-se, indo à adega em busca de champagne.

Lógico que Siwon não era nenhum idiota, muito pelo contrário. Por esse motivo, retirei um papel e uma caneta do bolso interno do paletó, e escrevi para elas.

"Quero ajudar vocês". Coloquei à vista, pondo o indicador em minha própria boca, pedindo para que ficassem em silêncio.

Seus olhos dobraram de tamanho, e quase imediatamente se encheram com lágrimas, como se não conseguissem acreditar.

Mais uma troca de olhares cúmplice entre elas antes de me encararem com as cabeças balançando em negação. Me dizendo para não fazer aquilo.

Elas precisavam fazer aquele papel. Pois caso fosse um teste, teriam de mostrar lealdade.

"Colocaram escuta em vocês?". Balbuciei em silêncio, esperando que conseguissem ler meus lábios.

As duas olharam para os lados, suas respirações se desregulando cada vez mais, passos eram dados para longe de mim e o medo gritava naqueles olhos.

Mas dessa vez, uma resposta positiva. Acenaram em confirmação.

Coloquei as duas mãos na cintura, pensando no que fazer. Eu precisava ser cuidadoso, porque agora eu tinha dois problemas.

"Apenas sigam meu jogo, vou tirar vocês daqui, ok?". Sibilei novamente, e elas concordaram, talvez começando a acreditar, talvez começando a ter esperanças de recuperarem as próprias vidas.

— Quero que vocês me surpreendam, princesas... — Cheguei mais perto delas, usando do tom mais malicioso possível, encenando um momento íntimo.

Elas estranharam, de início, mas quando apontei o queixo, incitando-as a darem continuidade no teatro, elas pareceram ter compreendido.

— P-podemos fazer o que você quiser... Tudinho — Uma delas começou, meio incerta e temerosa, mas eu assenti, levantando  o polegar para elas, indicando que estavam indo bem.

Voltei a olhar para fora, atento a qualquer mínima movimentação nova. Agora um homem havia descido do caminhão, e estava conversando com um dos seguranças, tendo uma prancheta e uma caneta em mãos.

Nosso combinado era: um sinal por um sinal.

— Tirem essa roupa toda, quero ver vocês sem nada... — Soltei mais uma, e àquele ponto, já estavam curiosas para saber o que eu tanto olhava lá embaixo.

Mesmo sem entenderem por completo o que eu planejava, elas seguiram com o roteiro, começando a gemer minutos depois. Com muita naturalidade, afinal, provavelmente faziam aquilo todos os dias. Fingiam todos os dias.

Siwon havia me dito que elas eram intocadas, mas estava claro que era mentira. Bastava olhar para as coxas e pescoços daquelas duas. A maquiagem não escondia totalmente as marcas.

Quando o segurança pegou a caneta da mão do homem, para assinar algo na tal prancheta, me apressei, indo até a primeira gaveta da cômoda que havia ali. Com certo desespero, mas cuidado, arranquei o fundo falso, retirando meu revólver com um silenciador de lá.

As garotas imediatamente se desesperaram, e eu as estimulei, em um maneio, a continuarem gemendo.

Destravei a pistola e curvei o corpo ao andar de volta para a janela, me escondendo ao máximo.

Meus olhares encontraram meu alvo. Já era hora.

Respirei fundo, destravei o revólver.

Mirei na cabeça do segurança, atirei.

E dali em diante, não tinha mais volta.

A confusão estava formada. Os dois rapazes, também seguranças, começaram a mirar seus próprios fuzis para todos os lados, procurando quem havia sido o autor do disparo. O homem disfarçado de entregador retirou uma granada do bolso, jogando-a para debaixo do meu carro sem que ninguém visse, passando a correr e gritar como se não soubesse o que estava acontecendo. Assim como combinado.

Era um comandante da família.

O estrondo veio segundos depois, completando o caos. Meu carro já não existia mais, provavelmente.

Corri ao encontro das garotas, as duas com a expressão alarmada, um aviso de que deveriam continuar seguindo meus comandos. Estavam trêmulas, agarradas uma na outra, de certa forma mostrando em seus gestos que confiavam em mim, que no meio daquele caos depositavam suas últimas esperanças no que quer que eu estivesse planejando.

Balbuciei em silêncio para se livrarem das roupas, enquanto eu já fazia o mesmo. Elas obedeceram. Em segundos, nós três estávamos semi nus, elas apenas com peças íntimas, e eu ainda de calça. Voltei para junto daquelas moças, me colocando no meio e abraçando os dois corpos para esperar o que certamente viria a seguir. 

Não demorou para um dos homens de Siwon invadir o quarto, e nós fingirmos que estávamos assustados pelo barulho alto.

Ele chegou com uma arma em mãos, apontando em nossa direção, mas logo abaixou a guarda quando percebeu que estávamos tão confusos quanto. Ele virou de costas, ameaçando sair do quarto, e foi o timing perfeito. Esperei ele cruzar a porta para o corredor e quando olhou mais uma vez para mim, o acertei em cheio na altura do pescoço.

Me levantei rápido, chutando o corpo sem vida para o meio do corredor, dando a impressão de que ele tinha sido acertado naquele espaço. Era arriscado, mas saí do quarto por segundos, abrindo a porta de um outro ao lado, correndo ao abrir as cortinas e janelas, bagunçar a cama e também abrir as gavetas desse, retirando um fundo falso e deixando ali, sem tampar, dessa vez.

Uma cena montada.

Não me preocupei com as câmeras. Nós pagamos bem o homem que ficava responsável por olhá-las.

Retornei ao encontro das meninas, desviando daquele capanga morto. Fechei a porta e a tranquei novamente.

Sequer precisei esperar por muito tempo, a porta começou a ser esmurrada, gritos eram ouvidos do lado de fora. As meninas se escondendo em meu corpo.

Levantei devagar, arma na parte de trás na calça, passos cuidadosos.

— Siwon, que porra 'tá acontecendo? — Abri a porta, falando alto, fazendo desentendimento.

Seus olhos foram de mim às garotas, passaram por todo o cômodo, caminhando para dentro ao verificar o banheiro, armários, pois ainda que não quisesse, precisava desconfiar de mim.

Ele foi até a janela, olhando para baixo, para os lados, parecia atordoado, parecia buscar por respostas.

Suas mãos foram para a cintura, ele respirou fundo, caminhando à esmo pelo quarto, pensando.

Seu olhar sempre no chão, como se aos poucos, aceitasse que perdeu de vista o culpado por todo o caos.

Eu via como a raiva tomava conta de si, frustrado, buscando por respostas que não viriam.

Até que uma falha minha foi capaz de revelar tudo.

Não compreendi de primeira, mas de repente, Siwon passou a sorrir para o chão, balançando a cabeça de um lado para o outro, as mãos ainda apoiadas na cintura.

— Você cometeu um erro grave, Taehyung — Ele disse baixo, ameaçador.

Meus olhos foram em direção ao ponto que ele encarava. E ali havia breves rastros de sangue. Provavelmente pisei na poça que escorria daquele capanga minutos antes.

Eu tinha que pensar rápido, porque ele já vinha em minha direção.

Antes que conseguisse me encostar, acertei um soco em seu rosto, e meus joelhos foram de encontro ao meio de suas pernas, o que o fez cair no chão de uma vez, se contorcendo e gritando de dor.

Fui para cima dele, sentindo o ódio correr junto ao sangue em minhas veias.

— Eu cometo muitos erros graves... Mas no final sempre dá tudo certo — Falei antes de voltar com o punho para seu rosto. Uma, duas, três, quatro, cinco vezes. Até me sentir levemente satisfeito, até seu sangue manchar nossas roupas e os nós de meus dedos doerem.

Ele tentava se defender, mas a onda de raiva em mim impedia que eu raciocinasse.

Puxei a arma e apontei para sua testa, pressionando o cano na pele ensanguentada.

— Acabou, Siwon — Falei, com meus dígitos prensando forte a carne de seu pescoço, o deixando pouco a pouco, sem ar. Sua sorte é que eu ainda precisava dele vivo.

O que eu não compreendi foi a reação que veio após minha fala. Siwon começou a rir, em meio a uma tosse devido a falta de oxigênio, mas ainda assim, sorria, querendo gargalhar, se pudesse.

— E-eu te admiro, T-taehyung... — Ele tentou dizer, com dificuldade, mostrando pouco ou quase nada de medo. Aquilo me tirava do sério — Mas... E-esp-perava mais d-de você e d-do seu irmã-ão...

Intensifiquei o aperto, não me retirando de cima dele, ainda com a pistola cravada em sua testa.

— Do que você 'tá falando, seu merda? — Praticamente rosnei, com ódio corroendo minhas veias.

Ele sorriu mais.

— T-talvez e-eu... Não s-seja seu m-mai-ior proble-ema h-hoje, filho... — Sua boca perdia a coloração aos poucos, seus olhos fechando, fechando, e ele ainda tinha algo a dizer — Yoongi... É Y-yoongi o no-ome d-dele, 'né?

Naquele instante, era como se de repente nada passasse pela minha mente, e ao mesmo tempo, era como se tudo passasse. Um clarão, uma grande infinidade branca à minha frente enquanto aquelas palavras martelavam em minha cabeça, repetidamente, fazendo questão de que eu não conseguisse mais processar nada além

delas.

Além dele.

Yoongi.

Sequer tive noção de meus movimentos, sequer percebi que minhas mãos perdiam a força, sequer conseguia enxergar além de imagens distorcidas, as vozes ao fundo completamente abafadas, e antes mesmo de eu me dar conta, Siwon se libertava dos meus braços, trocando de posição ao vir para cima de mim.

Não tive tempo para pensar em reagir, muito menos fazer, meu rosto já estava sendo prensado contra o chão, seu joelho se afundando em minhas costas, o revólver gelado encostado em minha nuca. Não tinha mais saída, havia perdido minha única chance.

— O que você pensou, Kim Taehyung? Que eu não conhecia seu passado? Acha mesmo que eu não ia me prevenir ao trazer você 'pra perto de mim? — Eu tentava compreender o que ele dizia, assim como tentava encontrar maneiras de sair daquela situação, mas era impossível.

Não pude bolar qualquer resposta àquelas prováveis ameaças, não fui rápido o bastante para impedi-lo. Não sabia onde Yoongi estava, não sabia se algo havia acontecido com ele. Aquilo estava me deixando maluco, incapaz de raciocinar. Poderia ser um blefe, mas poderia não ser.

Pelo menos minha consciência estava limpa. Não existia culpa. Eu nunca prometi a eles que voltaria.

Fechei os olhos, prensando as pálpebras quando seu joelho e a arma fizeram ainda mais pressão em mim. Acabou.

Mas a sorte provou, pela primeira vez naquela noite, que estava do meu lado.

Sem que eu percebesse, uma das garotas gritou, se apressando em pegar um jarro de vidro com flores artificiais, acertando Siwon na nuca com toda a força que tinha.

Eu precisava dele vivo, mas entendi que talvez aquele ato fosse por ela, e não por mim. Aquela mulher descontava os anos que precisou de submeter às maiores atrocidades, à oferta de seu corpo. Seu grito ao acertá-lo chegou a doer em mim, e eu sabia que tinham lágrimas em seus olhos e alívio em seu coração, tanto que ao finalmente me levantar e olhar para elas e também para o corpo estirado no chão, vi as duas se abraçando, e deixando que um choro traumático as unisse.

Fiquei em silêncio por alguns segundos, dando tempo a elas, sem coragem de perguntar se estavam bem, sem coragem de interromper aquilo.

Mesmo que Siwon estivesse morto, aquelas duas mulheres já estavam há muito tempo, e talvez não conseguissem voltar à vida... Mas eu faria o possível para ajudá-las.

Caminhei até o homem que sangrava no chão, me aproximando cuidadosamente e pressionando meu indicador e médio juntos em seu pescoço.

Havia pulsação, para o azar dele. Porque eu me certificaria em lhe dar a morte mais lenta e torturante possível.

"Taehyung!!! Porra, caralho, não faz isso comigo. Responde essa merda... Responde irmão, responde, por favor". Assim que dei os dois toques na nuca, reativando a escuta, imediatamente a voz de Seokjin preencheu meus ouvidos, entonação quase chorosa apesar da agressividade, o desespero nítido. Aquilo doeu tanto.

— Irmão, eu 'tô aqui... Eu 'tô aqui — Respondi baixo, me controlando para não perder o foco novamente, ainda que um furacão habitasse meus pensamentos. Ouvi seu suspiro abafar, soando como o fim de uma angústia — Cadê o Yoongi, Jin? Eu preciso que você mande umas cabeças 'pra cá, o Siwon falou o nome do Yoongi, eu tenho que ir até ele porque...

" Tae...". Não gostei nada da inclinação de seu tom. "Invadiram o GL, o Yoon... Ele 'tá lá, junto com o Jimin e JK, você não pode ir 'pra lá agora, eles 'tão tentando controlar e se esconder até chegar os comandantes".

Meu corpo inteiro gelou ao ouvir aquilo. Como isso aconteceu? Quem invadiu?

Eu estava pouco me fodendo se não tinha preparo o suficiente para entrar em um combate de linha de frente, estava pouco me fodendo se morreria indo até lá. Yoongi não podia ficar sozinho, eu não podia deixá-lo sozinho.

— Não posso ir 'pra lá é o caralho, Jin! Manda a porra do pessoal 'pra cá, agora!

"Se eu 'tô falando que você não vai, é porque você não vai, Taehyung!!!". Não adiantaria Seokjin gritar comigo agora, porque se eu tivesse que passar por cima do meu irmão, eu passaria.

— Beleza. Só espero que saiba que seria mais inteligente me ajudar do que tentar impedir, porque não vai adiantar porra nenhuma. Tchau.

Desativei a escuta novamente, procurando por meu telefone.

Disquei o número da pessoa que eu queria que pensasse igual a mim. A pessoa que eu sabia que largaria tudo para ir atrás de Yoongi comigo.

Chamava, chamava, chamava e ninguém atendia. Ninguém.

Independentemente de Hoseok estar ou não com aquele moleque insuportável, ele nunca ignorava uma chamada. Principalmente em um dia como aquele.

Mas por algum motivo, ignorou.

E eu teria que resolver aquilo sozinho.

. . .

X X X

Eles não esperavam que aquilo fosse acontecer. Melhor dizendo, esperavam, é claro que esperavam por um confronto, mas não ali, naquele galpão. Tinham tantas perguntas, tantas dúvidas, mas nenhuma delas poderia ser sanada naquele momento.

O ataque chegou diretamente ao GL, onde somente Yoongi, Jimin, Jungkook e alguns comandantes estavam. Ainda que não comprassem a ideia de haver um confronto naquela área, os três se posicionaram em pontos estratégicos distintos.

A primeira bomba atingiu a área interna do pátio, onde Jungkook estava. O som estrídulo e a cortina de fumaça o impediu até mesmo de compreender o que acontecia. A energia liberada durante a explosão empurrou o hacker para longe, mas tanto o colete a prova de balas, quanto o chão nutrido por grama, amorteceram levemente a queda. Suas costas e braços doíam um pouco, seus ouvidos estavam tampados e um filete de sangue escorria por seu nariz, nada além disso.

— P-porra... — Jeon gemeu de dor, se levantando com dificuldade. Torcia para a escuta não ter sido atingida, precisava falar com os outros — Caralho, caralho! — Na hora, se deu conta de que Jimin e Yoongi também estavam lá — Jimin!!! Yoon!!! — Ele já corria, mancando mesmo, atento a qualquer agitação ao seu lado, gritando pelos amigos.

Ele pressionava o ouvido, tentando entrar em contato com os dois. Respostas demoravam a vir e seu desespero só aumentava. Jungkook conseguia ver ao longe mais homens entrando sem problema algum, se perguntando onde estavam seus comandantes, onde estava todo mundo.

Tiros ainda não eram escutados, felizmente, porém, quanto mais avançava para o outro lado do galpão, mais sons de coisas se quebrando e demolindo preenchiam seus ouvidos.

Que nenhum deles estivesse debaixo de nada.

"Jungkook!!!". Jimin lhe assustou com os gritos, sendo o primeiro a responder. Seu coração encheu de alívio.

— Jimin, caralho!!! Onde você 'tá? — Jungkook não controlava o tom de voz, correndo pelas galerias do galpão, um fuzil frente ao corpo — Porra... Fudeu — Resmungou baixo quando dois homens desconhecidos apareceram em sua frente. Sabia que estava fodido. Os dois armados, apontando para si.

— Larga o brinquedo, meu irmão, agora! — Um deles mandou, e Jeon mesmo relutante, mesmo com ódio, pôs o armamento no chão, voltando a posição com as duas mãos estendidas para cima — Agora chuta 'pro lado!

Antes mesmo que pudesse pensar em fazer mais alguma coisa, Jimin apareceu, acertando um tiro em um deles pelas costas.

O outro, pelo susto, disparou o fuzil na direção de Jungkook, que porventura, se jogou no chão antes de ser atingido. Em segundos, Park já abatia o outro da mesma forma, o vendo cair no chão em seguida.

— Você 'tá bem?! — Park foi apressado até ele, passando por cima dos corpos agora sem vida. Estava tão nervoso que não raciocinava muito bem seus atos, tanto que só percebeu estar ultrapassando uma linha quando suas mãos tocaram o rosto e braços de Jeon — Anda! Eu acho que 'tá dando merda 'pro Yoongi! — Desviou o foco com o que realmente era importante ali.

Os dois corriam juntos, todo cuidado era tomado, Jimin na frente e Jungkook atrás como escolta, mirando suas armas para todos os lados.

— A gente precisa chegar no escritório, o Yoongi 'tava lá! — A voz de Jungkook saiu baixa, seus olhos passeavam por cada pedaço, seu coração batia descontrolado.

— Porra! 'Pra passar 'pro outro lado a gente vai ter que atravessar o pátio. Fudeu, Jungkook, fudeu! — O pátio era justamente onde outros homens estavam.

— Não, olha só... A gente vai por trás, e passa entre os carros, é o jeito, o Yoongi não pode ficar sozinho lá.

Eles se ajoelharam e assentiram em conjunto, afinal, não havia outra maneira de chegar até Yoongi.

E que morressem tentando.

Eles escondiam-se atrás de um muro alto, observando os homens no pátio, não compreendendo porque pareciam esperar por algo.

— Por que eles ficam parados ali? Que porra de ataque é esse, caralho? — De qualquer forma, não tinham muito o que pensar, precisavam agir.

Assim que uma brecha foi conseguida, Jimin e Jungkook caminharam completamente curvados para trás do primeiro carro. Recuperando o fôlego, aliviados por não terem sido pegos. Cada mínimo passo era um risco de serem vistos.

Eles evitavam dizer qualquer coisa, apenas trocavam olhares a cada metro mais perto do objetivo. A tensão os fazia suar o tempo inteiro, as mãos tremiam, os corações cada vez mais acelerados.

Faltava apenas um carro e eles conseguiriam passar.

Os dois estavam agachados, armas em mãos, se olhavam em silêncio, intensamente, esperando o momento que poderiam voltar a se mover.

Havia uma tensão palpável entre eles. E Jimin achou que fosse só o medo e a ansiedade daquela situação que permeavam aquele olhar trocado.

Para Jungkook, contudo, era muito mais.

— Merda — Jungkook chiou baixinho, como se repreendesse a si mesmo por algo, e olhou em Jimin, que só olhou para trás, apressado e ansioso.

— O que foi? Anda logo! — Jimin chiou, sem entender, o apressando.

— Tomara que eu não me arrependa dessa merda.

Jeon encarou profundamente os olhos intrigados Jimin, e não perdeu nenhum segundo mais antes de segurar seu rosto e colar os lábios nos dele.

Não tinha língua, não tinha explicações. Ele só precisava fazer aquilo. Jimin manteve os olhos arregalados, mas não se afastou, nem por um segundo.

Jungkook soltou seus lábios.

— Eu ia ficar muito puto se morresse e não fizesse isso, Jimin — Confessou, não dando espaço para perguntas, pois logo estava avançando novamente, e Park, ainda que atordoado e sentindo algo estranho em seu coração, obviamente teve de segui-lo.

Não havia tempo para sentimentos mal resolvidos. A opção era avançar ou ficar para morrer.

Respiraram fundo ao entrarem para área onde dava o escritório de Yoongi. Conseguiam ver dois seguranças na porta, parados, também esperando por algo.

Era estranho demais na opinião dos dois. Não havia tiros, não havia homens correndo para cima e para baixo, os comandantes todos sumidos.

— Merda, Jungkook! Eles tem um alvo, eles querem o Yoongi, porra! — Jimin sussurrou para o mais novo, que logo pareceu também entender o que aquilo significava.

Tinham de ser rápidos.

— A gente vai precisar acertar aqueles dois e invadir a sala do Yoongi! Não podemos errar, Jimin — Jungkook avisou, sério, e recebeu um aceno de confirmação do outro.

Miraram suas armas, um para cada segurança, escondidos ainda ao longe. Tinham sorte dos fuzis possuírem mira telescópica, porque suas mentes estavam em turbilhão.

Seus dedos estavam a um milímetro de pressionarem o gatilho, mas um tiro foi ouvido, de dentro do escritório.

Todos paralisaram.

Seus corpos travaram, como se parassem de respirar. Jimin e Jungkook se olharam, sentindo um aperto, uma dor que quase podiam compartilhar.

"Atira". Jimin balbuciou, não sabendo porque já havia lágrimas em seus olhos.

Os dois seguranças foram executados na hora, Jimin e Jungkook não esperaram para correr em direção ao escritório, derrubando a porta de uma vez.

Foi difícil compreender o que acontecia ali, mas sabiam que eram seus comandantes que estavam amarrados no chão, com as bocas tapadas por fitas, alguns mais machucados que os outros.

E então havia Yoongi.

Yoongi atirado no chão, tentando recuperar a vida. A lateral do abdômen sangrava abundantemente, seu rosto ficando cada vez mais pálido, sem forças para gritar, para pedir socorro. Uma tosse seca, quebrada. Um rosto franzido em dor.

Jimin sentiu a pontada daquela cena em seu coração, seus olhos marejaram. Quando ousou mudar a direção do seu olhar, lá estava ele.

Kim Heechul. Com uma arma em mãos.

Seu sangue ferveu de ódio.

— O que você fez, seu merda?!?! — Jimin gritou, apontando o fuzil para ele, mas logo outro homem que acompanhava Heechul apontou o seu para os comandantes. Eles não negociavam vidas.

Heechul abriu um sorriso para os dois garotos, apoiando o peso do corpo na mesa de Yoongi.

— Jimin... Quanto tempo. Sentiu minha falta? — Ele disse, cheio de desdém e ironia.

Park gostaria de entrar em seu jogo, mas não dava, não ali. Seus olhos marejavam por raiva, dor, tristeza.

— Eu vou te matar — Falou com toda firmeza que pôde reunir em sua entonação, mas recebeu uma gargalhada como resposta.

— Já é a terceira vez que me promete isso... 'Tô começando a desacreditar.

Jungkook, por enquanto, era ignorado por todos. Jungkook era instável, uma bomba relógio. Ele não ouvia o que Jimin e Heechul falavam, seus olhos estavam vidrados no corpo de Yoongi no chão, suas mãos se fechavam, cravando as unhas na palma. A um passo de se descontrolar.

Yoongi era um exemplo para si. Pouco foi falado sobre isso, mas não havia ninguém que ele admirasse mais que seu hyung.

Ninguém sabia, mas foi Yoongi a dormir abraçado com ele no dia em que recebeu a notícia que seu pai havia falecido. Foi para Yoongi que ele confidenciou seu passado. Só ele soube a dor que sentiu quando pensou que Yoongi iria embora para a Tailândia.

— Não vai me apresentar ele? — Heechul voltou a provocar Jimin, apontando para Jungkook, que parecia aéreo. Mas só parecia.

— Não encosta nele, não olha 'pra ele, seu merda! — Seu fuzil ainda estava apontado para o homem, e ao se movimentar bruscamente, o segurança ameaçou atirar em seus comandantes, o que o fez recuar.

— Hm... Já entendi — Heechul piscou com um dos olhos, insinuando que entendia qual tipo de relação Jungkook e Jimin possuíam — Baixa essa arma, Jimin, você 'tá me devendo uma conversa civilizada há anos.

Jimin não baixou, do contrário, manteve a postura rígida, olhando de Heechul para Jungkook, de Jungkook para os comandantes, dos comandantes para o capanga.

— Baixa a arma, Jimin — Jungkook pediu, seu próprio fuzil jogado para o lado, ainda em suas mãos, os olhos vermelhos e lágrimas descendo o tempo todo.

E então, Jimin fez, descendo as mãos lentamente, enquanto o capanga de Heechul fazia o mesmo.

— Ótimo, melhor assim... Seu garoto é esperto — O homem sorriu tranquilo, passando as mãos nos cabelos como se não houvesse nada a temer — Então quer dizer que você 'tá por trás da organização mais procurada da Coréia? Que orgulho!

— Como você veio parar aqui?

— Hoseok não foi tão cuidadoso ao se envolver com o filho do Siwon, uma hora as peças se encaixariam — Jimin bufou. Ele foi o único a não concordar com esse plano. Desde o início, foi o único a pedir para que Hoseok não se envolvesse com aquele garoto — Mas até que foi uma boa jogada, só é uma pena que vocês tenham cavado a própria cova. Porque esse aí — Apontou para Yoongi com o queixo, como se fosse um bicho qualquer — Já era alvo há muito tempo... Nós só demos sorte de vocês serem uma turminha unida.

E foi com aquela fala e aquele gesto, que a bomba-relógio presente na sala, explodiu.

O grito de Jungkook assustou todos. Deixou cada um deles atordoado e sem saber o que estava acontecendo. Logo, o barulho do fuzil preencheu os ouvidos dos que estavam ali. O capanga foi o primeiro atingido, porque Jungkook não estava nem aí se poderia levar um tiro de volta.

Jimin tratou de se esconder o mais rápido que podia, já que Jeon apontava o fuzil para cima, atirando para todos os lados enquanto gritava sem controle algum.

Heechul corria para trás da mesa, tentando desviar dos disparos sem rumo. Jungkook viu quando ele tentava fugir, e mirou diretamente nas pernas do homem, acertando em cheio em cada uma delas.

Toda a tensão pareceu durar horas, mas a verdade é que desde que puseram os pés ali, não haviam se passado nem quinze minutos.

Heechul gritava de dor, jogado no chão, com os movimentos das pernas impedidos. Jungkook chegou perto dele, frio, com nojo, chutando sua arma para o mais longe possível.

— Eu deveria matar você agora, mas tenho coisa melhor 'pra fazer.

Jimin soltava os comandantes com avidez, ordenando que eles pegassem o homem dali e o levassem para o GS.

E então, só estavam Jungkook, Jimin, um capanga morto no chão, e Yoongi, também morto.

Eles não conseguiram chorar, pois mais tiros foram ouvidos do lado de fora. Muitos tiros. E em segundos, Taehyung invadia aquele local, o sangue borbulhando em seus olhos, dois fuzis presos ao seu corpo, um semblante que era até mesmo difícil de reconhecer.

— Sai!! Sai daqui os dois!!! — Taehyung berrava ao empurrar Jungkook e Jimin para o lado, afastando-os de Yoongi. Estava em completo descontrole.

Ao ver o corpo no chão, ele se jogou em cima, continuando a gritar para que o deixassem sozinho.

— Saiam! Saiam agora!!

Jungkook e Jimin não sabiam o que poderia acontecer caso não fizessem, então, se distanciaram com relutância, finalmente as lágrimas começando a descer.

🐿 🐿 🐿

Por um momento pensei que algo pudesse nascer dali. Sempre foi tão fácil estar com San. Ele me ouvia, me fazia rir com suas tagarelices, sorrisos estes que não eram encenados como os primeiros. Eu gostava de sentir o cheiro bom de seus cabelos, e gostava de transar com ele, gostava muito.

Mas não foi preciso muito para que eu entendesse que amores não são fáceis. Amar, para um homem como eu, não era bonito, encantador, mesmo que eu ainda ache isso uma completa injustiça.

Eu tentava a todo custo me concentrar em San, no que dizia, em sua clara felicidade por estarmos juntos após um bom tempo, na forma como distribuiu beijos em meu pescoço, em meu abdômen. Na sua boca em volta de meu pau, sugando, lambendo, suspirando audível pelo prazer. Tentava me prender no jeito com o qual San se empenhava ao estar comigo, desde o cumprimento exagerado e cheio de carícias ternas, até quando pediu minha comida favorita ao notar que possivelmente eu não estava em um de meus melhores dias.

San era incrível. Incrível.

Mas minha cabeça não saía do que poderia estar acontecendo naquele bordel, na mansão, nos galpões.

Eu me perguntava se Taehyung estava bem, se havia conseguido algo, como estava o andamento do plano. Ninguém tinha notícias, sua escuta desligada me deixava cada vez mais ansioso, mais alheio a tudo em minha volta.

E San percebeu.

O combinado era eu ficar com o garoto, porque se o cerco se fechasse por completo, ele viraria um refém.

— Ei... 'Tá tudo bem? — Ele perguntou, chegando por trás de mim — 'Tô te sentindo meio estranho.

Eu continuava preso na vista sem graça daquela janela. Prédios, carros, uma noite bem iluminada, pessoas caminhando, barulhos que se abafavam em meus ouvidos,

Um toque singelo em meu ombro, que naquele momento, eu quis repelir.

— 'Tá tudo bem sim, mi dulce... — Me virei para ele, rodeando meus braços pelo corpo magro, afagando seus cabelos — Só 'tô um pouco cansado hoje.

— Tem certeza? Você nem quis comer — Ele pontuou, se referindo ao delivery que havíamos pedido.

— Tenho sim, pode ficar tranquilo — Segurei seu rosto em minhas mãos, o fazendo me encarar — E me desculpa, faz tanto tempo que a gente não se vê e eu 'tô agindo assim...

Encenei aquele drama para ver se o garoto me dava um desconto. Eu não estava mesmo conseguindo pensar em mais nada que não fosse Taehyung naquele acervo podre de Siwon. Inúmeros cenários se passavam em minha mente, onde tudo daria errado. Em nenhum deles Taehyung voltava para casa.

Eu ainda estava com raiva dele, mas abdicaria dela se, em troca, ele permanecesse vivo.

— Não precisa se desculpar... Você já disse que teve problemas no trabalho. Eu só fico preocupado mesmo — Beijei sua testa com um sorriso mínimo, fingindo comoção por sua sensibilidade.

— Eu tive, pequeno... Mas só de estar aqui com você eu já me sinto melhor — Menti mais uma vez.

— Eu te amo.

Coincidentemente, meu telefone corporativo tocou quase no mesmo instante em que ele cuspiu aquelas palavras. Eu não consegui disfarçar, não consegui evitar sair correndo de onde estava para atender.

Eu podia ter acabado com tudo ali, mas algo me dizia que nada importaria mais após aquela ligação.

— Alô, fala — Falei com as mãos trêmulas, o corpo completamente gelado.

"Senhor". Era Jackson. Não. Isso era brincadeira. Porque Jackson me ligaria? "Senhor, um dos galpões foi atacado, fomos pegos de surpresa. 'Tá rolando um confronto e tivemos uma baixa na família".

Não. Não. Não.

Não podia ser. Não.

Baixa? Não. Não mesmo.

Como assim atacaram um dos galpões? Ninguém previu isso? Baixa na família? O que havia acontecido?

— Quem foi? — Perguntei quase sem voz, vacilando pelo medo.

" O Yoongi, senhor..."

Não acreditei naquilo. Não, ainda não. Não deixei desespero ou medo me consumirem. Desliguei na cara de Jackson, tendo todos os meus sentidos misturados. A presença de San já não era importante, eu só precisava sair dali.

— Ei, o que foi?! — Ele perguntou preocupado, e eu não podia dizer nada além do óbvio.

— Preciso ir embora, d-depois eu te explico e...

— Hoseok, o que houve?

Travei no lugar. Eu... havia ouvido direito?

Ele havia me chamado pelo meu nome verdadeiro?

— O que você disse? — Me virei para ele.

— Eu perguntei o que aconteceu, Hoseok.

Certo, não tinha sido alucinação. Eu não sabia o que estava acontecendo, mas precisava pensar rápido.

Corri o mais rápido que pude para a cômoda disposta em meu quarto, onde eu guardava um revólver embaixo das roupas. Segurei e apontei para o garoto, minhas mãos balançavam sem que eu tivesse controle delas, a mira completamente instável, meus olhos se enchendo de lágrimas não só pela raiva daquele em minha frente, mas pela notícia que eu havia acabado de receber e ainda me recusava a acreditar.

— Hoseok, calma... — San ergueu as mãos, tentando me pedir para não fazer nenhuma besteira, mas àquela altura eu era capaz de matar uma civilização inteira que se pusesse à minha frente.

— Como você sabe?! — Perguntei, as lágrimas já rolavam por minha pele, e eu fungava na esperança de disfarçá-las.

— Eu preciso que você me escute... Eu... — Foda-se. Se ele tivesse algo para dizer, que dissesse em outro momento. Fui em sua direção também com rapidez, tampando sua boca e segurando o revólver em sua cabeça, fazendo pressão.

— Escuta aqui — Chiei perto de seu rosto — Você vai ficar caladinho, e fazer tudo que eu mandar, o que tiver 'pra dizer, vai ser em outro lugar e não aqui.

Ele, com os olhos esbugalhados para mim, assentiu, com medo daquele gatilho ser pressionado.

Ainda com seu corpo imobilizado contra meu aperto, passei uma escuta rápida para os seguranças após ativá-la, já não havia mais motivos para escondê-la.

— Peguem o garoto aqui dentro, levem ele 'pra um galpão qualquer e me esperem chegar lá.

Em segundos os três homens apareceram naquele quarto, minha mente girando, com foco apenas em Yoongi.

— Hoseok... — San ainda me chamou quando eu estava prestes a sair por aquela porta, seus olhos captaram os meus e eu consegui, ainda, ver algo suplicante neles.

Mas não importava. Não agora.

Já dentro do carro, senti as lágrimas ardidas caírem verdadeiramente. Não podia ser verdade. Yoongi não está morto, ele não pode estar. Meu Yoongi não.

Fiquei tão desesperado que esqueci de perguntar a Jackson onde encontraria ele.

— Jackson — Atendeu rapidamente.

"Sim, senhor?".

— Onde ele 'tá', onde foi isso?

"No GS, o primeiro lugar de ataque foi a sala dele, senhor".

— Como, porra?! Aquilo vive rodeado de seguranças, como atacaram assim sem mais, nem menos?! — Todo meu controle havia se perdido, eu gritava, esmurrando o volante, dirigindo o mais rápido possível.

"Não sabemos ainda, foi um ataque rápido. Mas o Senhor Park conseguiu arrastar o confronto para a ala E do galpão, então não tem perigo de ir até lá agora".

— Ok — Foi a última coisa que consegui dizer antes de desligar de vez a chamada.

Impossível de acreditar. Eu repetia incontáveis "nãos" em voz alta, sentindo uma dor absurda se alastrar por toda minha pele, em meu coração. Como se uma saudade estranha apertasse meu peito, uma saudade cruel, por saber que eu não poderia ir mais atrás, por saber que eu não poderia matá-la.

Lembrei de tudo que vivemos juntos, de seus sorrisos que sempre começavam nos olhos, de seus beijos, em princípio, agressivos, mas que logo tornavam-se entregues quando eu o tocava. Lembrei de sua voz, do seu cheiro. Lembrei do quanto nunca fui bom em demonstrar sentimentos, mas por ele, por eles, eu arriscava tentar. Também me lembrava das palavras duras, que foram as últimas que pude ouvir, tendo a sensação de que não significavam mais nada, que a ruína em que eu me encontrava naquele momento podia ser jogada para escanteio, porque eu nunca quis tanto voltar no tempo.

Se eu soubesse...

Se eu soubesse que não teria a chance de me despedir, teria feito diferente.

Pensando melhor, eu nunca saberia me despedir de Yoongi.

Nunca.

X X X

Taehyung não conseguia atingir o foco em sua visão. Ele segurava o corpo desacordado em seus braços, movimentando-o junto aos seus gritos estridentes, enganando-se ao pensar que aquela insistência primitiva o faria voltar para si. Sua camisa social, antes branca e perfeitamente alinhada, ensopava-se com o líquido vermelho e espesso, ainda quente, mas que permanecia vazando da lateral de Yoongi, o deixando, gradativamente, sem vida.

Taehyung sentia que os segundos passavam-se tal como horas, temia que os outros não chegassem a tempo, embora soubesse, embora sua experiência na medicina gritasse por aceitação, para entender que não, não importa o quanto gritasse, o quão rápido chegassem. Não havia como salvá-lo.

Em contrapartida, era seu amor ali, seu primeiro amor, machucado, ensanguentado, morto. E ele não pôde fazer nada para impedir, ele não pôde sequer dizer uma última vez o quanto o amava.

Aquele local, completamente destruído e irreconhecível, ecoava os sons agressivos e assustadores do choro de Taehyung. Ele berrava por Yoongi, quase fincando suas unhas nos pedaços de pele não maltratados, se questionando o porquê daquela vida tão merda. Por que teve de escolher o caminho mais difícil? Por que não optou por ser alguém normal quando teve oportunidade? Agora não adiantava mais. Restava para si admitir que Min Yoongi havia se tornado um capítulo encerrado de sua história.

Talvez um capítulo confuso, carregado de alvoroços, de parágrafos incompletos, de reticências que nunca obtiveram continuação. Mas era o capítulo que mais amava, um capítulo que o lembrava de sorrisos que somente ele foi capaz de arrancar, o lembrava de olhos pequenos, mas cheios de profundidade, que o faziam perder qualquer luta, o lembrava uma voz rouca, que o transmitia calmaria quando precisava. O lembrava amor, somente amor.

Mais gritos, mais tempo se passava, mais Taehyung se via incapaz de suportar aquela perda. Ele não podia aceitar que seria assim, que para que pudessem se amar plenamente, a eternidade da morte era a condição.

Não. Não. Não.

— Eu te amo... Yoongi... Eu te amo, fica comigo, não vai assim, não me deixa, por favor... — Ele sussurrava tão, tão rente aos ouvidos manchados de sangue do outro, também caindo na ilusão de que pudesse estar sendo escutado.

No entanto, foram seus ouvidos que captaram novos sons. Passos atrás de si, chegando cada vez mais perto, em lentidão.

Se fosse o socorro, já estariam em cima de Yoongi, em desespero.

Mas o perfume que podia reconhecer a quilômetros de distância não deixava dúvidas de que era o inferno personificado em um homem que estava se aproximando.

Hoseok, sempre Hoseok. Aquele filho da puta.

Não um capítulo, mas um personagem que fazia questão de estar presente em todos eles. Que lhe pegava de surpresa quando pensava estar no ápice, que lhe surpreendia igualmente com alento, com toques e um sorriso cafajeste quando pensava estar na ruína. Contudo, o que Taehyung por muito tempo falhou em perceber foi que era exatamente ele sua ruína, era ele seu ápice. Hoseok tinha gosto de entropia, e dava a Taehyung a sensação de poder e impotência na mesma medida.

Mas tudo bem. Ele também tinha gosto de amor. Um amor ambíguo, caótico, doloroso, mas que era tão amor quanto aquele outro, agora morto em seus braços. Talvez Taehyung só tivesse percebido aquilo tarde demais.

Taehyung só pôde afastar os pensamentos tempestuosos quando sacou uma arma da cintura, apontando para Hoseok, sem hesitação desta vez, sem tremer, protegendo o corpo à sua frente.

— Abaixa essa arma, Taehyung — Hoseok estava inteiro, sem nenhum arranhão, isso por fora, uma vez que seu coração parecia despedaçar-se como se não fosse um órgão vital, seu sangue fervia pelo medo, pela dor, pelo desespero. Ele usou de um tom mandão, porque assim como Taehyung, passaria por cima de qualquer um para ver Yoongi, mas suas mãos estavam rendidas.

— Sai daqui agora ou eu atiro em você — Taehyung tentava conter as lágrimas, enroscava os cabelos longos de Yoongi em seus dedos, sustentando o peso de sua cabeça, para que não fosse ao chão. Seu olhar penetrava Hoseok, queimando-o por inteiro, fazendo explícita a raiva.

— Eu quero ver ele, 'abaixa' essa arma agora! — E Hoseok tentou mais uma vez, destruído, mas não intimidado.

— Ver ele?! Pra quê?! Agora não adianta mais, seu filho da puta! — Claro que os gritos voltaram sem precisar de muito. Taehyung balançava a arma na direção de Hoseok, ameaçando acabar com tudo de uma vez por todas.

Seu coração pertencia a ele, assim como a Yoongi, mas a bagunça de sentimentos que o atravessavam como vigas enferrujadas só davam espaço para o ódio, para cuspir as palavras mais duras e pesadas.

— N-não adianta mais o quê, Taehyung? Que porra... — Ele não queria acreditar, é claro que não. Hoseok não sabia lidar com perdas. Suas pernas tremiam, sua voz e expressão falhavam em conjunto, seu rosto acumulava o rubor e ardência.

— Yoongi 'tá morto, Hoseok!! Morto!!! E onde você 'tava quando ele precisou?!?! Fodendo com aquele moleque?!?! Hein? Onde você 'tava, caralho?! — Taehyung não tinha mais condições de guardar nada para si, mesmo que estivesse sendo injusto.

Ele sabia que era parte do plano Hoseok ficar de olho em San, mas será que... Será que no momento em que o confronto começou, não tinha como dar outro jeito? Yoongi estava sozinho, e Hoseok poderia ter evitado tudo isso.

Estava morto agora, de qualquer jeito. Então foda-se, falaria o que quisesse, doesse a quem doer.

Taehyung notou claramente quando Hoseok cerrou seus punhos contra a palma das mãos, concentrando-se para absorver do que foi acusado, tentando não chorar e falhando, forçando-se a pensar que aquilo era um pesadelo.

— I-isso não é verdade... — Ele se aproximou lentamente, vendo que quanto mais perto dos dois, mais seus sentidos desviavam-se da órbita.

— Eu falei 'pra se afastar!!! Não chega perto de mim!!! Não chega perto dele, porra!!! — Taehyung não conseguia entender direito o porquê de estar recusando a proximidade de Hoseok, já que quase todas as vezes seu corpo gritava para sentir o calor daquele homem, e sabia que o de Yoongi também.

Talvez estivesse tentando proteger a si mesmo, sua própria fraqueza e vulnerabilidade. Não queria que Hoseok chegasse perto porque no fundo, sentia que era exatamente dele que precisava.

Todavia, Hoseok a essa altura pouco temia a morte. Andou em passos rápidos até estar de frente para Taehyung, ajoelhado, assim como ele. Agarrou a mão do mais novo com força e fincou a arma em seu próprio peito.

— Atira! — Desafiou. Chorava, soluçava, sentia a textura das mãos de Taehyung nas suas, como se fosse certo morrer pelas mãos dele. — Pode atirar.

— Seus jogos não funcionam mais comigo... — Taehyung até tentou, mas não conseguia mais disfarçar. Naquele momento, sim, suas mãos passaram a tremer.

Covardia.

— Me mata de uma vez! Não é isso que você quer? Então vai, Taehyung! Eu tô de saco cheio dessa vida de merda mesmo... — Ele botou mais pressão no cano do revólver, apertando mais contra si, parecendo mais certo daquilo.

O som da arma sendo destravada provocou calafrios nos dois. E, ali, o tempo parou. Balas que estivessem atravessando o ar em qualquer lugar pausaram.

Taehyung cerrou o olhar, não tinha coragem de ver aquela cena. Iria atirar, todos os seus sentidos apontavam para isso. Hoseok respirou fundo, lábios trêmulos, olhando da arma em seu peito para Hoseok. Ofegando forte.

Segundos longos, excruciantes. Hoseok sentia em seu peito o tremor naquela arma, ao mesmo tempo que o som do destrave ainda ecoava em seus ouvidos. Martelando dolorosamente ao ser lembrado de que o homem que amava seria capaz daquilo. Seria capaz de acabar com a sua história tão covardemente.

Como já dito, amor, para Jung Hoseok, nunca tinha sido fácil. E ali não seria diferente.

Aquele era o final que merecia.

Hoseok fechou os olhos, conformado unicamente na possibilidade de que, ao menos, se juntaria a Yoongi onde quer que estivesse. Esperou o som do gatilho. O impacto em seu coração.

E, em microssegundos depois, um impacto, de fato, atingiu seu coração.

Mas não foi um tiro, e sim o som de uma arma caindo no chão.

Mesmo lutando contra todos os seus sentimentos, Kim não foi capaz de pressionar o gatilho, travou novamente o revólver, deixando escorregar por suas mãos. Derrotado.

Jung não conseguiu mais segurar a sensação arrebatadora, deixando que o choro e todo aquele peso esvaísse por seu rosto, estranhamente aliviado por não ter sido seu último dia, e ainda enfurecido por não conseguir agir, destruído por ter perdido Yoongi.

Mais uma vez, permitia que as pessoas que amava fossem embora.

Taehyung puxou sua camisa, equiparando os rostos, permaneceu o encarando pelo máximo de tempo que podia até não aguentar mais e grudar seus lábios.

Hoseok respondeu com uma mão forte em sua nuca, eles choravam e se beijavam com força, como se compartilhassem a culpa da morte de Yoongi naquele beijo. A forma como se tocavam era bruta, apressada. Sentiram tanta saudade um do outro, e, ao mesmo tempo, era horrível estar tão perto e não ter coragem de avançar.

Hoseok segurava-o pelo pescoço, descontando um ódio que nem mesmo ele sabia que existia, e Taehyung respondia puxando com força os fios castanhos.

— Eu te odeio, Hoseok... — Pendeu o corpo para o lado, abrindo passagem para o outro poder observar o rosto ainda corado do Min. Ele era tão lindo que, mesmo sem vida, parecia presente...

Hoseok respondeu a Taehyung que o amava, não em ditos, mas permanecendo com suas mãos entrelaçadas na dele, se arrastando para mais perto de Yoongi, instável, sentindo os ouvidos taparem ao ter aquela visão.

Hoseok chegou perto de Yoongi, com medo, com medo de quebrá-lo ainda mais, também se iludindo ao pensar que aquele ser humano teria um conserto. Sua testa se apoiou na dele, e então permitiu que suas lágrimas lavassem insignificantemente aquele sangue.

Chorava como um bebê que não sabia como pedir por seus desejos, então chorava, chorava e chorava, esperando ser ouvido e entendido. Esperando que alguém adivinhasse do que estava precisando. Tal como fazemos quando somos crianças.

E Taehyung adivinhou.

Hoseok sentiu os braços de Taehyung o rodearem por inteiro, como se fizesse uma cápsula protetora para seu sofrimento. Dizendo que ali ele podia sofrer, ali podia chorar, já que seria a última vez em que o teriam tão próximo.

Eram apenas os três, envolvidos um no outro daquela maneira suja, desordenada, tal como a pintura de tudo que construíram até aquele dia.

Juntos, em meio a destruição, mas juntos.

Hoseok só parou de chorar por uns instantes, quando quis ter a imagem do rosto de Yoongi por uma última vez em sua memória. Que fosse aquela, acabada, sem vida, mas era a imagem dele.

Passou suas mãos naquele rosto, com cuidado, sorrindo, como se conversasse com ele sem qualquer palavra, arrastava seus dedos pela mandíbula um tanto arredondada, admirado em como ele ainda conseguia ser tão lindo, tocava o pescoço com muita calma, tirando inutilmente o sangue que sujou aquele local.

Espera.

Jung cerrou o olhar quando percebeu a garganta de Yoongi pulsando em leves frequências, quase de forma invisível.

Rapidamente aproximou-se, colando o ouvido no peitoral do rapaz.

— Taehyung!!! Ele 'tá vivo! Yoongi 'tá vivo, caralho!

💣 💣 💣

bom, acho que dessa vez eu deveria ficar muda pq se eu disser qualquer coisa é capaz de vocês me matarem kkkkk AMO VOCÊS! deixem muitos comentários, votinhos, quero ver a reação de vocês nesse cap INTENSO e ENORME. estamos pertinho do fim e to tentando ser o mais ágil possível <3 até a próxima primas!

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