TEM ALGUÉM BATENDO NA MINHA CABEÇA. E com um martelo daqueles bem grande e de ferro. Sinto que minha cabeça está a um dedo de explodir. A dor é tão forte que me obriga a fechar os olhos assim que eu os abro.
Ai, Jesus. Que ressaca do cacete.
Forço meus olhos a se abrirem de novo e assim que ganham foco percebo que estou num lugar totalmente diferente e desconhecido.
Era um quarto enorme e bonito pra caralho. Muito branco e bem decorado. A pessoa que dorme aqui tem muito dinheiro.
Pessoa que dorme aqui?
Puta que pariu, quem dorme aqui?
E é então que começo a raciocinar.
Puta merda de quem é esse quarto? Onde é que eu estou?
Tenho um déjà-vu bizarro pra caralho que imediatamente me obriga a sentar sobre a cama a fim de processar o que está acontecendo e onde estou. E assim que faço tal movimento, sinto uma pontada tão forte na minha cabeça que minha visão escurece e eu solto um gemido de dor.
— Ei, 'cê 'tá bem? — pergunta alguém, que eu reconheço muito bem a voz, saindo não sei da onde e ficando ao meu lado.
Suas mãos tocam em meus braços com delicadeza.
Abro os olhos torturantemente devagar e vejo a expressão preocupada no rosto do Gabriel. Suspiro já sabendo que eu fiz uma grandíssima merda.
— Não me fala que a gente transou de novo?
Isso não pode ter acontecido outra vez. O álcool não pode me sabotar sempre. Ele tem que ser meu amigo.
Graças a Deus. Gabriel nega com a cabeça, mantendo sua expressão séria e as mãos em meus braços.
— Você está bem? — ele repete a pergunta, não fazendo brincadeirinhas e nem nada do tipo. Mesmo que eu tenha usado uma frase que contenha sexo. Gabriel está realmente sério.
O que claramente me faz estranhar. Eu conheço Gabriel Barbosa bem o suficiente para saber que ele não está normal. Tudo que ele menos é no mundo é sério. Principalmente quando pode me zoar com frases cheias de segunda intenção.
E é então que me lembro do que aconteceu na noite de ontem. Não como eu suspeitava em princípio. Mas algo pior. Algo pelo qual explica o motivo dele estar sério e um tanto bravo.
Porra, eu beijei o Matheuzinho ontem e depois...
Nossa, eu não me lembro o que aconteceu depois. Há um grande vazio na minha mente como se eu tivesse dormido durante esse tempo.
— 'Tô com dor — digo, tirando a mão da cabeça e melhorando careta. — Mas 'tô bem.
— Fica deitada — ele pede, me ajudando a fazer tal coisa. — Vou pegar um remédio pra você.
Fecho os olhos por um momento e quando os abro de novo, Gabriel está com uma cartela de comprimidos numa mão e um copo de água na outra. Me ajeito no travesseiro e tomo o remédio.
— Como... — limpo a garganta devolvendo o copo e a cartela pra ele que rapidamente coloca em cima da cômoda ao lado e se senta ao meu lado na cama. — Como eu vim parar na sua casa?
— Você deu PT ontem, Luanna.
Puta que pariu. Era só o que me faltava.
— Desmaiou no braço do Matheuzinho, depois acordou falando bosta e eu tive que te socorrer — ele completa, me deixando muito desconfortável e envergonhada.
Porra, eu não devia ter bebido demais.
— Que tipo de bosta eu falei?
— Coisa de bêbado — ele responde dando de ombros pra minha pergunta. — Nada que deva se preocupar. Mas Matheuzinho vai ter que comprar uma camisa nova.
— Eu vomitei nele? — pergunto chocada demais.
Alguém me dá um tiro? Não acredito que passei essa vergonha.
— Você deu muito trabalho, Luanna. — Gabriel me olha e seu olhar é tão intenso e preocupado que faz meu coração se apertar. — Por que bebeu tanto? Sua amiga me disse que foram mais de dez copos de gin. Ficou maluca?
— Eu queria espairecer — minha defesa não parece boa o suficiente para convencer alguém. Muito menos o Gabriel. — E como você conseguiu falar com a Yasmin?
— Fui atrás dela.
— Por que?
— Porque eu precisava saber quem tinha te levado pra uma boate e te largado lá. E eu precisava saber em que estado você estava antes de chegar. Vai saber se você usou alguma droga.
— Porra! — Bufo. Nem me importo mais com o fato de ter passado vergonha. Gabriel acaba de foder com tudo. — Você contou a Yasmin sobre a gente?
— Eu tive que contar.
— Teve? — arregalo os olhos ao perguntar e o esforço me faz sentir uma dor que eu rapidamente ignoro.
Foda-se ressaca agora.
— Luanna, eu precisava saber o que você tinha usado.
— Gabriel, você não podia contar a Yasmin sobre a gente. Ela não sabia!
— É com isso que você 'tá tão preocupada? — ele eleva o tom de voz, franzido o cenho. — Você deu PT, caralho. Queria que eu fizesse o que?
— Que você não explanasse o que a gente tinha pra alguém que você não conhece.
— Minha única preocupação era em te ajudar.
— Eu não pedi a sua ajuda — digo sem pensar. — Que me deixasse lá! Seria melhor.
— Puta merda. Você é muito ingrata, Luanna — ele balança a cabeça inconformado e se coloca de pé para se afastar de mim.
— Ingrata? Você sumiu por quase uma semana, Gabriel! — O lembro, mantendo minha voz firme e me sentando na cama. Estou nervosa demais para ficar deitada. — Depois aparece na porra de uma boate e acha que tem o direito de contar pra Yasmin, que você não conhece, o nosso rolo.
— Eu não sumi, Luanna. Só estava chateado.
— Pela merda de um post de fofoca mentiroso? — pergunto indignada que minha teoria sobre seu sumiço tenha sido verdadeira. — Você acreditou na porra de um perfil de fofoca!? Você viu que eles desmentiram o post? Eles apagaram aquele porra!
— Não foi o que eles disseram no post que me deixaram chateado.
— Foi o que então?
Gabriel enfia as mãos dentro dos bolsos de sua bermuda e olha com seriedade e certa decepção para mim.
— Você conversou com o Veiga mesmo depois de ter prometido para mim que não faria isso.
Respiro fundo e fecho os olhos só para conter a nova onda de dor em minha cabeça.
— Ele veio atrás de mim — digo, tentando manter minha voz calma. — E eu odeio ficar mal resolvida com as pessoas.
— Por isso que você o abraçou então?
— Foi espontâneo, não pensei, só segui.
Gabriel ri do que eu digo olhando para o chão e esfregando a testa.
— Por causa disso que você pegou aquela garota?
Ele olha para mim, surpreso por eu trazer essa assunto do nada. Já que é pra esclarecer as verdades, que eu jogue todas na mesa então.
— Eu não peguei ninguém.
— E como você vai desmentir aquela foto? Vai falar pra mim que não ficaram grudadinhos a festa toda? — Dou uma risada enfurecida. — Não tem como dar uma desculpa pra isso, Gabriel.
— É — ele ri com desdém e impaciência. — Muito menos para o que você fez ontem.
— Se você pode ficar com quem quiser, eu tenho o mesmo direito, não? Não pode ficar bravo por eu fazer a mesma coisa que você.
Gabriel dá um passo em minha direção.
— Você beijou um dos meus melhores amigos, caralho! É claro que eu 'tô bravo!
— Eu também estou brava, porra! — bufo com a voz elevada, me colocando de pé.
Assim que piso em naquele chão firme, minhas pernas ficam bambas demais para que eu consiga ficar em pé e se não fosse pela proximidade de Gabriel e suas mãos rápidas eu teria caído no chão.
— Você precisa descansar — ele me ajuda a me sentar e eu inclino meu corpo pra frente assim que meu estômago embrulha.
Porra, eu não estou bem.
— O que foi? — ele pergunta, notando minha reação.
— Estou enjoada.
— O que você comeu ontem?
— A pergunta devia ser o que eu não comi — engulo o bile que se acumula em minha garganta e respiro bem para não vomitar. — Não comi nada ontem. Só umas bolachinhas e bebi mais do que eu devia.
— Luanna — ele me repreende, mas posso ver sua cara de assustado e sei que ele está ainda mais preocupado comigo. — Vou te levar no médico, porra.
— Não precisa — o impeço antes que ele me levante dessa cama. — Um dramin já ajuda.
— Não sei se eu tenho.
— Como você é alcoólatra e não tem remédio pra enjoo?
— Vou procurar com a Dhiovanna, já volto.
— Sua irmã 'tá aí? — pergunto sentindo meu peito se apertar de medo ao imaginar quem mais estaria na casa do jogador e que eu, consequentemente, teria que encarar.
— Sim. Ela 'tá lá embaixo.
— Ela sabe da gente?
Gabriel assente.
— Fica de boa — ele diz talvez ao perceber minha cara. — Ela não é surtada que nem o seu irmão. Minha irmã me apoia na maioria das vezes.
— Quem mais 'tá aí?
Gabriel hesita, mas me responde:
— Meu empresário e o Matheuzinho.
— Ah, não acredito — sinto a vergonha aflorar meus nervos de novo. — Não vou conseguir olhar pra cara dele depois de saber que vomitei nele.
— Relaxa — ele pede com calma. — Depois de ontem, a gente te trouxe pra casa e ele ficou por aí mesmo.
— Você explicou pra ele o que... — hesito sem saber como dizer, mas Gabriel me entende.
— Quando ele soube que você é a tal palmeirense, ele surtou.
— Merda.
— Pois é, Luanna — ele se coloca em pé. — Bota merda nisso. Ainda bem que eu sou de boa com o Matheuzinho porque se fosse qualquer outro cara do time metendo a boca na sua, eu...
Ele hesita. E eu entendo claramente sua frase mesmo sem ele ter dito por inteira.
— Consegui te deixar com ciúmes?
Ele pressiona os lábios e balança a cabeça em negação.
— Vai se foder — é o que consegue me dizer.
Logo ele se afasta. Demorando um tempo até enfim voltar com mais uma cartela de remédio. Dessa vez com o famoso dramin.
— Sofri pra achar esse troço. 'Tava no fundo da caixa.
— Não 'tá vencido não, né? — pergunto ao pegar o remédio e me sentar.
— Cala boca e engole logo! — ele praticamente enfia os comprimidos na minha boca. — Pronto?
Assinto, voltando a me deitar.
Dramin ajuda com o enjoo, o problema é que dá muito sono.
— Vou ter que preparar um café da manhã pra você também. 'Cê não pode ficar com a barriga vazia.
— Já sobrevivi a coisa pior — informo, me acomodando ao travesseiro e me sentindo leve e confortável finalmente. Nem a dor na minha cabeça parece dolorosa demais.
— Eu 'tô falando sério, Luanna. Você 'tá branca e seus olhos estão fundos pra caralho.
— Daqui a pouco passa.
— Pelo amor de Deus! — ele exclama já se irritando de novo. Que maravilha. Bora pra outra briga. — Eu já disse o quanto é difícil lidar com você?
— Deve ter dito em algum momento, não sei dizer — informo, dando de ombros para seu tom.
— Puta merda.
— Você sabe que nada disso teria acontecido se você tivesse me mandado uma mensagem, né? Um simples "vamos conversar" já ajudava muito.
Ele ri do que eu digo.
— Queria que eu mandasse o que? "Oi, gata. Odiei o abraço com o Veiga, 'tá? Sou corno" — ele imita a minha voz e é tão ridículo que acabo rindo.
— Já seria um bom começo.
— Não fode, Luanna — ele bufa, impaciente outra vez. — Eu estava puto. A última coisa que eu queria era sua desculpinhas.
— Vai a merda então. Se a verdade não basta pra você não tem nada que eu possa fazer pra te ajudar.
— A verdade é que você falou com o Veiga. Ponto. Isso me deixou bravo no momento, mas você já se explicou e eu entendi seu lado... Não estou mais chateado.
— Mas continua bravo?
— Sim. Por que você pegou o meu melhor amigo?
— E você pegou a Nathalia — rebato.
— Ela não é sua melhor amiga. O peso fica ainda maior quando é alguém que você considera, porra.
— Eu estava bêbada e nervosa demais para pensar nas consequências. Só queria te irritar.
— Pegando o meu melhor amigo!? — ele eleva o tom de voz.
— Era o jeito mais fácil de conseguir te atingir. E... isso não importa porque eu sou uma mulher solteira e posso pegar quem eu quiser.
Me sento sobre a cama de novo ignorando a onda de tontura que me obriga a me apoiar no colchão.
— Eu também sou um homem solteiro — ele informa, usando a mesma desculpa que a minha. — Mas tenho semancol, porra. Nunca vou pegar alguém próximo de você. Muito menos pra provocar!
— Se você não quer que eu pegue as pessoas, coloque uma aliança no meu dedo, caralho! — Gabriel arregala os olhos diante da minha fala impulsiva.
Talvez eu tenha passado dos limites.
Ele está pronto para dizer alguma coisa quando a porta do quarto se abre e um homem barbudo aparece. Não o reconheço, mas Gabriel o conhece muito bem o que me faz pensar que talvez seja seu empresário.
— Licença aí — o homem pede meio sem jeito, olhando de mim para Gabriel em pé na minha frente. Pela feição dá para notar que ele tem consciência da discussão que estávamos tendo aqui há poucos segundos.
— Entra aí, Fabinho — pede Gabriel e o tal Fabinho se coloca ao seu lado. — O que aconteceu?
— Os caras estão me ligando querendo saber como que vai funcionar hoje.
— Porra, tenho que resolver isso.
Gabriel olha para mim, desviando o olhar de Fabinho como se precisasse me avisar sobre algo antes de fazer o que o homem lhe pede.
— Eu não fiquei com a Nathalia — ele diz de repente, finalmente abaixando o tom de voz. — Não consegui.
— Não?
Ele nega com a cabeça e não posso mais desfrutar de sua presença porque ela pega o celular do bolso, disca alguma coisa na tela e sai do quarto com o telefone no ouvido. Fabinho logo o segue, falando alguma coisa que não consigo ouvir.
Gabriel não pegou a Nathalia. Por que?
Será que tem alguma coisa a ver comigo?
Até pensaria mais no assunto se não fosse o efeito do dramin dando as caras e me enchendo de sono.
Aí aí. Não tenho nada para dizer.
O próximo capítulo vai ser narrado pelo Gabriel e vai continuar do momento que esse capítulo aqui termina. Será uma continuação. Então teremos Luanna na casa do Gabriel no próximo capítulo também.