Uma Duquesa para Norfolk

By lemoslogoescrevemos

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Aurora Bradshaw é uma jovem nobre de uma família problemática e em falência. Ela quer casar-se para se livrar... More

✩ Era uma vez... ✩
✩ Epígrafe ✩
PRÓLOGO: um aniversário e uma invenção
CAPÍTULO 1: um mistério e uma decepção
BÔNUS: uma carta e uma resposta.
CAPÍTULO 3: um mistério e uma cortina
CAPÍTULO 4: um plano e uma surpresa
CAPÍTULO 5: um casamento e uma fuga
CAPÍTULO 6: um quarto e uma carruagem
CAPÍTULO 7: um jantar e uma briga
CAPÍTULO 8: um dia e uma noite
CAPÍTULO 9: um cavalo e uma companhia
CAPÍTULO 10: um encontro e uma carta
CAPÍTULO 11: um luar e uma tentação
CAPÍTULO 12: um conflito e uma paixão
CAPÍTULO 13: um gazebo e uma tristeza
CAPÍTULO 14: um festival e uma brincadeira
CAPÍTULO 15: um milagre e uma visita
CAPÍTULO 16: um atrito e uma folha
CAPÍTULO 17: um pesadelo e uma música
CAPÍTULO 18: uma lágrima e uma gota de sangue
CAPÍTULO 19: um tormento e uma confissão
CAPÍTULO 20: um bule de chá e uma aposta
CAPÍTULO 21: um jogo e uma surpresa
CAPÍTULO 22: um mistério e uma cabana
CAPÍTULO 23: um drama e uma tragédia
CAPÍTULO 24: um herdeiro e uma viúva
CAPÍTULO 25: um velório e uma descoberta
CAPÍTULO 26: um discurso e uma história
CAPÍTULO 27: um desejo e uma tarde de Natal
Um amor e uma arte
EPÍLOGO: uma surpresa e um final feliz

CAPÍTULO 2: um plano e uma reunião

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By lemoslogoescrevemos


A voz de Freya soava alta e clara, sua dicção perfeita não deixava dúvidas sobre qualquer uma das palavras que a mesma proferia. As mãos dela eram firmes no papel e ela recebia a atenção das três garotas, mesmo que Aurora naquele momento quisesse estar ouvindo tudo, menos as palavras que a amiga dizia. Ela sentia-se torturada a cada sentença, a cada letra, a cada nuance na voz da morena. A loira sentia-se afundar mais e mais na cadeira e naquele momento ela só desejava sumir para sempre. A sala de invenções de Persephone, parecia agora carregada de uma aura pesada e triste devido à conversa que as amigas levavam.

- E é com esse anúncio, caro leitores, que peço que vocês desejem a senhorita Bradshaw um feliz casamento, todos esperemos que não seja ela, a refeição principal do jantar nupcial. - Freya finaliza amassando levemente o jornal onde suas mãos seguravam e jogando para o lado. - Isso é um absurdo! Como ousam marcar seu casamento sem ao menos lhe dizer? Se bem que - Freya interrompe sua fala e fica pensativa - poderia ser pior, ele poderia ser feio e pobre - completa dando ênfase com um sorriso satisfeito, como se tivesse descoberto a Nova Inglaterra. - ele é somente feio, e desde que ele não a devore no jantar, que mal há?

- Por que mesmo é que deixamos você andar conosco? - Persephone olha incrédula para a amiga cujos cabelos negros seriam sua principal atração, não fosse sua excepcional altura para uma dama. - mas preciso concordar com você Freya isso é realmente um absurdo.

- Eu não... - Aurora começou e suspirou - eu realmente não sei o que eu poderia fazer. O que está feito, está feito. Vocês precisavam ver o banquete que foi dado ontem a noite e o casamento nem aconteceu. Não acho que eu gostar ou não disso vá mudar algo. Nunca mudou, nunca mudará.

Um silêncio compreensivo se apoderou entre as quatro por um instante. Apesar de agora o casamento ser uma informação conhecida entre elas, e toda Londres, nenhuma delas parecia aceitar tal realidade. Era simplesmente injusto que a mais inocente e bondosa dentre elas estivesse prestes a se casar com um homem descrito como o mal encarnado.

- Não vamos deixar esse casamento acontecer. - Persephone se levanta bruscamente, chamando a atenção das demais - Deve ter algo que possamos fazer, não podemos deixar você fazer isso, Rora.

- Persephone tem razão, devemos fazer algo. Apesar de ele ser rico, ter um castelo enorme no interior e outro aqui em Londres, um título de duque e centenas de serviçais, você não precisa disso. - Freya é a segunda a se manifestar. - O que seus pais pedem de você já é demais. É sim. Você... você pode fugir. - Nem Freya acreditava em suas próprias palavras. - Você não precisa de um homem rico com título de duque, ter um castelo enorme no interior e outro aqui em Londres e centenas de serviçais... - Sua frase que enfatizava o quão rico o duque era acaba se perdendo no ar na medida que ela se distrai com seus próprios pensamentos enquanto balança a cabeça levemente em positivo com os lábios curvados em um sorriso.

- Talvez não fugir. Mas vamos pensar em algo. Você não pode se casar com ele. - Selene é a próxima. - Deve-se casar com alguém que ama, com alguém que escolheu. - Entre as três, ela havia sido a única que já foi casada e apesar do desfecho trágico, ela não havia se arrependido.

- Talvez possamos pedir ajuda ao seu cunhado. - Persephone sugere sendo apoiada por Selene. Ela olha para Freya ainda distraída com seus pensamentos e cutuca a amiga, a acordando para o problema atual.

- Sim, deve mesmo - afirma Freya olhando feio para Persephone que a cutucou.

- Por favor, parem. - A loira fala dando um sorriso que em nada refletia o que sentia. - Eu sei que desejam ajudar, com a melhor intenção meninas, mas a verdade é que não há nada que possamos fazer. Se eu fugir, meu pai irá atrás de mim e eu sou propriedade dele perante a lei. E o que o sr. Carter poderá fazer? Se ele me abrigar, poderá arranjar muitos problemas e minha família já lhe causou o suficiente.

Por alguns instantes todas apenas se entreolharam. Aurora pousou seu olhar na janela que permitia que os raios de sol da manhã inundasse o ambiente. O tempo não refletia em nada o que se passava no coração de Aurora, mesmo que no fundo, sabia que talvez ir morar com um monstro fosse melhor que continuar a sofrer em sua casa. Mas, então percebeu que ficaria longe de Selene e isso a entristeceu.

- Você não pode desistir tão rápido Aurora. - Selene continua alheia à divagação da loira. - E seríamos péssimas amigas se nem ao menos tentarmos ajudar você.

- Você é a pessoa mais gentil e doce que conheço, Aurora - Freya fala sincera, como sempre, se levantando e caminhando até a loira, em seguida sentando ao lado dela e segurando suas mãos. - E queremos que tenha a felicidade que merece.

- Tive uma ideia! - Persephone fala de supetão, atraindo a atenção das outras garotas que apesar dos anos de amizade, não haviam ainda se acostumado o suficiente para não serem pegas de surpresa.

Elas rapidamente formaram uma pequena roda ao redor da ruiva, esperando as palavras que viriam a seguir. Repentinamente, Aurora se permitiu um pouco de esperança, afinal, Persephone era genial e se havia alguém que podia a tirar de tal situação sinistra era ela.

- Então, nós faremos o seguinte. - A ruiva tem um sorriso traquina no rosto.

~

Devon costumava acordar cedo e naquele dia não havia sido diferente. Estava no escritório desde cedo, onde havia também tomado seu café e agora estava revisando alguns contratos que o sr. Wood havia lhe deixado. A manhã passou rapidamente e quando percebeu o relógio marcava onze e meia. Era hora de fazer uma pausa. Naquela semana havia negligenciado tanto sua mãe quanto sua irmã mais nova Julie, mas ainda não estava preparado para discutir suas motivações matrimoniais.

Seu escritório era um lugar que refletia quem ele era. Soturno, mas não sombrio, bastante masculino, em cores sóbrias. Salvo algum item ou outro, presente de suas irmãs ou mãe. Passou o olhar pela mesa e então avistou no canto o jornal que havia sido deixado ali pela manhã. Com ele em mãos, passou pelas colunas políticas e econômicas, com os assuntos referentes ao parlamento, suas decisões e demais assuntos solenes, a parte econômica trazia a notícia que a Companhia Carter havia recentemente adquirido mais propriedades no norte que possuíam potencial para extração de minério. Seu dono era um visionário americano, como quem Devon simpatizava, pois era um homem de coragem e bons olhos para os negócios.

Porém, nenhuma notícia ou informação pareceu relevante, após ele ler a nota de anúncio de seu noivado com Lady Aurora Bradshaw. Seus olhos passaram pelas palavras genéricas que demonstraram a forma como tudo ocorreu: a nota era tão trivial quanto a realidade. O que a senhorita estaria pensando? Se ela levasse em conta tudo que haviam dito sobre ele, certamente estaria embarcando na próxima embarcação para o continente. O que o fez sorrir de maneira autodepreciativa. Entretanto, como seu fiel amigo Elijah dissera, ela era filha de um homem desesperado por dinheiro, certamente não estava alheia a sua situação, assim, ele poderia ser o próprio diabo que ela o receberia de bom grado se pudesse ter acesso a sua fortuna.

Sua linha de pensamento foi interrompida por uma batida leve na porta, chamando sua atenção de volta à realidade. Ele sabia quem era então só esperou que os olhos sempre curiosos da irmã caçula, tão cinzas quanto os seus, se fizeram notar pela fresta da porta. Seu sorriso fácil da mocidade fazia de Julie sempre uma companhia agradável. Ele jamais admitiria, mas ela era sua irmã favorita.

Quando voltou da guerra, Julie tinha apenas 6 anos, ela não tinha nenhuma lembrança do homem que ele era antes do acidente. Ela se lembrava apenas do que sobrou dele quando voltou para casa. Devon havia perdido muito mais que uma batalha ao sofrer aquela emboscada, sua beleza ao ter metade do rosto desfigurado pela explosão e sua juventude. Mas era difícil explicar isso a quem só conheceu as alegrias da vida. E ele jamais roubaria a inocência de sua pequena flor.

De quase todas as pessoas, Devon recebia olhares que tinham em mente quem ele era antes e projetavam nele agora tudo que poderia ter, mas Julie, ela só de fato se lembrava dele assim. Era a única que o olhava como ele era: apenas seu irmão mais velho. E desde que o pai de ambos morreu, era também, quando necessário, um pai. E era esse o principal motivo de querer tanto zelar pelo título que seu pai deixou. Ele tinha as irmãs para cuidar. E se casar garantiria que elas nunca precisassem depender da boa vontade do próximo duque para terem suas vidas seguras. Ele estaria lá para elas.

- Bom dia, Dev - Julie falou animada.

- Bom dia, Julie - o mais velho respondeu lhe abrindo um sorriso - por que não entra?

- Ah eu não posso - ela respondeu sem jeito - mamãe disse que não vai permitir que você almoce sozinho outra vez e se eu entrar você vai me distrair e mamãe vai ficar furiosa com nós dois.

- Diga a ela, minha pequena, que sou plenamente capaz de escolher o que fazer.

- Acho que você terá que dizer a ela pessoalmente, além do mais - o olhar da mais jovem, que possuía os mesmos cabelos escuros que Devon, ganhou um ar dramático - sentimos sua falta conosco - um leve biquinho, um olhar digno de uma jovem muito sofredora e negligenciada pela família emergia sempre que Julie queria muito algo.

Devon queria poder dizer que era capaz de negar algo a ela, mas definitivamente não o era. Havia dado poder demais a garota, mas agora não tinha jeito. Assim, colocando de lado o jornal e seus papéis, ele deixou o escritório logo atrás de sua irmã.

- Mamãe está furiosa - ela comenta com sinceridade.

- Eu não faço ideia do porquê - Devon respondeu.

- Nem eu, pois como você bem sabe, ninguém me fala nada nessa casa - o aborrecimento dela era tão genuíno que Devon sorriu.

- Não tenha pressa em crescer, minha menina - eles estavam se aproximando da sala de jantar. Se ele bem conhecia a mãe, seria uma longa refeição.

A duquesa de Norfolk, era uma viúva elegante, cheia de vida, e que a idade nada havia prejudicado sua beleza. Ela e o falecido duque haviam se casado em uma bela manhã de primavera, apaixonados como poucos em sua posição social. Era normal que ela desejasse o mesmo para todos os seus filhos, sem exceção. Para Devon, sua mãe não havia mudado em nada desde que ele era um menino agitado até aquele meio-dia em que ela o aguardava na entrada da sala de jantar. Sua mãe lhe recebeu com um sorriso, e apesar dele conhecer aquele olhar, onde havia uma promessa de uma conversa futura, preferiu ignorá-lo deliberadamente.

- Achei que era mãe de apenas uma criança nos últimos dias - a mais velha disse se aproximando para abraçar maternalmente seu primogênito. Ele poderia ser um idoso, se ela estivesse viva ainda o veria como seu garotinho. - que bom que vai se juntar a nós, Vossa Graça.

- Sempre admirei sua inteligência mãe. Sabe que eu jamais poderia dizer não para Julie, por isso a mandou, não é mesmo? - ele respondeu retribuindo o abraço carinhosamente.

O almoço se iniciou naturalmente com Julie contando animada falando sobre o que havia aprendido de novo em suas aulas de Francês e como ela estava chateada por não ter ido passar a semana na casa de uma amiga junto a sua irmã.

- Catherine estava tão animada, mas mamãe disse que sou muito nova para sair por tanto tempo, mas sei me comportar, irmão.

Devon olhou para a mãe, que apesar de estar quieta, tinha certeza de que desejava falar algo. Ela sorriu com carinho para a mais nova.

- Você terá tempo para passear o quanto quiser quando for mais velha, Julie, além do mais, você ia mesmo me deixar sozinha?

- Não mamãe, você sabe que não.

- Eu a amo muito, minha querida e queria que todos os meus filhos escutassem meus conselhos como você.

Devon sentiu a indireta que a mãe lhe oferecera. Sabia que ela não estava satisfeita, mas havia conversado com ela sobre como tudo transcorreu. Lhe mostrara a carta e lhe falara sobre sua decisão. Mas Sophie, como boa mãe que era, desejava que ele experimentasse o que ela vivera e não que se visse vítima de uma dívida que nem era sua. Ele não a culpava por isso, mas havia mais em jogo do que apenas a sua felicidade e ele jamais permitiria que a pureza e sonhos de Catherine ou de Julie fossem roubados delas como foram dele. Lauren, sua irmã mais próxima em idade, havia se casado há cerca de 3 anos. Ela havia encontrado um homem que a adorava, e que havia ganhado o respeito de Devon é claro. Observar a alegria dela, de certa forma, se tornou também a sua própria.

Por muito tempo ele acreditara que poderia viver uma história como a de seus pais. Não era romântico nem tolo, mas acreditava que poderia encontrar alguém, com quem pudesse ter algo a mais em comum do que apenas filhos e um sobrenome. Porém, o espelho todas as manhã lhe lembrava, que finais felizes não eram para todos.

- Mãe... - Devon disse - não vamos discutir isso na frente de Julie.

- A sua irmã não é mais uma criança, e assim como eu, ela deseja a sua felicidade. Não deveria ter aceitado tal acordo, meu filho. Deveria estar se casando por amor, não por dever ou qualquer promessa tola de seu pai.

- Você vai se casar? - Julie exclamou surpresa, arregalando os olhos.

- Sim, Julie, daqui a três semanas - ele disse com toda naturalidade que conseguiu.

- Mas, por quê? - ela perguntou confusa.

Antes que Devon pudesse responder, a conversa se viu interrompida pelo mordomo que trazia em uma bandeja um ornamentado convite. O duque parou o que fazia para tomá-lo em mãos e ao abrí-lo vendo seu conteúdo, uma sombra passou por seu olhar.

- O duque de Wyvern nos convida para sua cabine no teatro essa noite. Acredito que July nunca tenha visto Sonhos de Uma Noite de Verão - ele externa para as damas o teor do convite.

- É sério que eu posso ir? - comenta a mais jovem incrédula.

Qualquer aparição pública era um sacrifício para Devon. Evitava-as o quanto podia. As pessoas não eram nem gentis, nem discretas. E ainda dias simplesmente que ele não se sentia seguro em conviver com outros. Momentos em que barulhos muito altos o incomodavam, a audição em seu lado esquerdo era muito ruim, ele se assustava com buzinas ou relinchar de cavalos, seu corpo congelava e parecia reviver aquele fatídico dia. Entrava em estado de alerta e isso não era bom. Poderia realmente machucar alguém. Assim, ficar em casa havia se tornado a solução.

Mas agora viver assim já não era um grande sacrifício. Havia um galpão perto dos limites da propriedade, onde ele realizava alguns trabalhos de marcenaria, um hobby que havia adquirido havia uns 6 anos, saia para cavalgar, se exercitava, lia, ensinava as irmãs a dançar. Não podia dizer ter uma vida ruim. Apenas incompleta.

- Acredito que eu possa confirmar a presença. - às vezes, o olhar de sua mãe lhe falava mais que palavras como naquele momento, ele podia ver a pouca confiança dela em suas palavras. E com razão. - Julie merece ver a peça, já que não pôde ir passear com Catherine. Foi um prazer estar com miladies, mas peço que me deem licença, preciso terminar algumas coisas antes de passear a noite. As verei mais tarde - afirma, enquanto, no caminho, parou apenas para depositar um carinhoso beijo no topo da cabeça da irmã e na mão da mãe, por fim saindo da sala.

Encontraria uma desculpa para não ir à véspera. Até lá, precisava se ater a sua rotina, antes que tudo mudasse.

~

No clube de cavalheiros White, Henry Bradshaw bebia, cantava e dançava, irritando a todos mais do que o habitual. Era sabido que até o dia anterior ele não era mais tão bem-vindo ao clube e que seria provavelmente expulso a qualquer momento, tendo sua situação de sócio revogado. Mas a partir de agora ele havia finalmente visto seus bolsos encherem, afinal, em breve seria sogro de um duque e todos os seus problemas iriam desaparecer, junto a suas dívidas.

Henry estava pensando enquanto bebia mais uma dose, em como se sentia um tolo de ter esquecido tal promessa de sangue feita a tantos anos. Tudo aconteceu quando ao voltar de Kent, o marquês salvou Hugo Beaufort da morte certa. Ainda que as coisas não tenham acontecido da forma heroica como o velho duque se lembrava, Henry jamais o contestaria, algum dia poderia lhe servir, como de fato ocorreu. Sentiu orgulho de sua perspicácia, já que agora colhia os frutos de suas boas escolhas.

Como forma de pagamento por aquela dívida de vida, tão alta, Hugo ofereceu um acordo de casamento entre um de seus filhos e uma das filhas do marquês, unindo assim as duas famílias. Era uma tarde nublada quando Henry foi até o porão procurar algum item de valor que pudesse ser vendido para pagar uma dívida de jogo quando abriu um velho baú e encontrou dentro uma caixa que continha uma carta e um anel com a promessa feita a tantos anos. Mesmo incerto se o atual duque honraria tal acordo, o marquês estava com a vida por um fio. Precisaria arriscar.

Porém, o que Henry não imaginava era que o destino estava a seu favor. O atual duque, único filho homem de Hugo em nome de quem fora feita a promessa, foi tolo o suficiente para arcar com o acordo do pai morto. Se bem que, para um homem arruinado como ele, seria uma troca justa. Afinal, quem seria capaz de entregar sua preciosa filha para um homem deformado? Um monstro?

O atual duque certamente não tinha esperanças para obter um casamento com uma jovem de sangue azul, ou ao menos uma com as faculdades mentais em dia, mesmo tendo uma vasta fortuna e um título que era um dos mais antigos da Inglaterra, pensava Henry. Todos temiam ver o que havia restado dele quando retornou da guerra. Os poucos que olharam, assim diziam, haviam ficado horrorizados.

Dessa forma, o homem deveria ser grato a ele por oferecer a beldade que era sua filha mais jovem, cujo sangue era nobre e que seria uma preciosa aquisição para as posses do ducado. O marquês até sentiria pena de Aurora, se não a visse apenas como uma bonequinha de luxo que agora serviria ao seu propósito: se casar bem e garantir que os Bradshaw não afundassem de vez na pobreza.

~

Aurora havia procurado Selene por toda a extensão da residência, incluindo a parte externa da casa. Quando decidiu ir para o último e também mais improvável local: o próprio quarto da criada. Sabia que fora o seu horário de dormir, a amiga raramente ia ali, não havia tempo para descanso e qualquer demonstração do contrário era punido por sua mãe como mais alguns serviços, às vezes, até de outras senhoras amigas. Isso, muitas vezes, acabava privando Selene ainda mais do tempo que podia passar com Lily, sua pequena filha.

A loira deu uma batida na porta um pouco apressada. Sua mãe não gostava que Aurora frequentasse os ambientes da casa que eram destinados aos criados ou que passasse tempo demais com eles. Segundo ela, isso não era bem-visto e dificultaria ainda mais encontrar um bom partido para a jovem. Ela dá mais uma batida, olhando para os lados, com medo que alguém estivesse vindo. Quando estava prestes a desistir, ouviu as vozes do que parecia pertencer ao mordomo e a outra não identificada, se aproximando. Sem pensar, Aurora gira a maçaneta do quarto, entrando no quarto da amiga.

Aurora encosta o ouvido na porta, escutando a voz de Smith, o mordomo dando ordens a umas das empregadas mais jovens, filha de outra senhora que trabalhava na casa enquanto passavam, aos poucos indo para longe dela. Quando não é mais possível escutar nada, Aurora se permite respirar profundamente e se vira, ficando de costas para a porta. Tardiamente constata então que Selene não estava no quarto, levando-a a concluir que a amiga devia ter saído em alguma missão da sua mãe ou qualquer outra coisa.

Prestes a sair dali a fim de evitar problemas para ela e para Selene, algo na pequena escrivaninha chama a sua atenção. Um envelope com um brasão familiar, mas que a confundiu. O que uma carta de Weston Carter, seu cunhado, fazia no quarto de Selene?

A jovem não fazia o tipo curiosa ou que mexia nas coisas que não lhe pertencia, mas de algum modo, se sentia atraída pelo envelope e pela carta, que agora estando mais perto, parecia lhe chamar a tomá-lo e ler o que estava lá. Pela forma como fora aberto, o envelope estava sendo esperado, havia sido lido a pouco e provavelmente abandonado com certa pressa. A mão de Aurora esticou sobre a carta e parou sobre o papel, demorando alguns segundos. Então, ela a recolheu e se afastou indo em direção a porta. Independente do que fosse, não tinha o direito de invadir a privacidade de Selene.

Aurora ainda trazia uma expressão confusa e sua mente tinha um turbilhão de pensamentos quando girou a maçaneta abrindo a porta distraída e dando de cara com ninguém menos que sua amiga. As duas se surpreendem com a presença uma da outra. A loira imediatamente abre espaço para a outra passar, com uma sonolenta Lily no colo.

- Está tudo bem, Aurora? Aconteceu alguma coisa? - Selene pergunta em um tom confuso, caminhando até sua cama de solteiro e depositando a filha nela.

- Não, eu apenas estava procurando por você e o sr. Smith passou no exato momento. Sabe como a marquesa age quando me vê por aqui, então fiz a primeira coisa que pensei foi entrar e me esconder - explica a loira de maneira rápida.

- Oh, fizeste bem. Eu estive a manhã toda ocupada, havia tanto a ser feito que precisei pedir que a filha de Nora cuidasse de Lily para mim. - Selene passa a mão pelo tecido grosso do vestido e Aurora nota sua expressão cansada. - Quase passei do horário combinado de ir buscá-la.

O olhar de Aurora vacila rapidamente da amiga em direção a mesa, depois voltando novamente para Selene. A loira era um completo livro aberto, não conseguia esconder nada de ninguém. Talvez de seus pais, mas porque esse nunca de fato olhavam para ela.

- Você está cansada e com problemas importantes, me desculpe. Queria poder ajudar você, Selene. - O tom de Aurora é de lamento pela amiga.

- Aurora, você não tem culpa alguma pelas demissões ou pelo acúmulo de funções. Além do mais, não diga bobagens, você sempre me ajuda quando preciso e quando pode. - Fazendo uma volta em seus pés, os olhos de Selene se dirigem à mesa e consequentemente ao brasão na carta.

Aurora acompanha o olhar da amiga, encarando o brasão e sabia que agora seria estranho fingir que não havia visto.

- Ponderei perguntar sobre a carta, mas não queria invadir sua privacidade - a loira comenta se justificando. Selene pega a carta e dá um meio sorriso dando de ombros. Ela vira-se para Aurora com um olhar envergonhado, mas que em seguida se torna acolhedor.

- Não se preocupe com isso - Selene suspira dando uma pausa. - Na verdade, queria lhe contar sobre ela, mas quando recebi a resposta senti que não havia mais sentido. - Selene se aproxima de Aurora com a carta nas mãos, olhando para ela com tristeza. - Há alguns dias, tomei a liberdade de enviar uma carta ao seu cunhado, perguntando se de algum modo ele poderia interceder por você. - apesar de a expressão da amiga ser grave, Aurora se permitiu ter um pouco de esperança. - Hoje recebi a resposta. Acabei enviando com seu nome no envelope, pois pensei que se fosse por mim, ele nunca leria ou daria uma resposta. Ainda assim, não tinha certeza se ele responderia. Mas respondeu. - Selene suspirou - sinto muito, mas achei que poderia ajudar assim. Me desculpe Aurora.

Aurora sabia dessa possibilidade, mas ainda assim ficou um pouco decepcionada. Sentiu-se tola, por mesmo que não admitindo, ter nutrido esperança. Mas, sua desilusão logo foi substituída pelo sentimento de se sentir amada genuinamente por alguém. Selene havia se empenhado tanto em tentar lhe ajudar e em dar a ela esperança, uma chance de fugir desse casamento de sofrimento, havia feito muito mais que sua família se sangue.

- Não precisa se desculpar, querida. - Aurora se aproxima de Selene segurando suas mãos e lhe oferecendo um sorriso sincero, por fim a abraçando. Selene, que ainda segura a carta na mão, sem hesitar retribui o abraço. - Obrigada por se importar tanto comigo.

- Você é minha amiga. Não há nada que eu não faria por você - responde Selene.

Elas permaneceram assim, por alguns instantes, mas logo Aurora se despediu e foi saindo antes que as duas ficassem encrencadas. Lily, permanecia dormindo tranquila na cama alheia a tudo que lhe rodeava, mas Selene, apesar de cansada, não tinha sono. Assim, foi até a janela que dava para os fundos da propriedade e aproveitou os últimos raios de sol para reler a resposta do sr. Carter. Ao menos ela havia tentado.

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Nota das Autoras:

Olá estrelinhas! Mais uma peça do nosso quebra cabeça está sendo apresentada para vocês.

Seus comentários ajudam demais a nossa história ser conhecida, e adoramos ler como cada uma é tocada por ela.

Temos um presentinho para vocês, um booktrailer!! Vou deixar o link aqui: https://www.instagram.com/reel/ClM9AYUp482/?utm_source=ig_web_copy_link

Nos contem, o que esperam para a Aurora e para o Devon? As amigas vão conseguir ajudar?

Fiquem de olho que temos mais uma surpresa essa semana! Vemos vocês nos comentários!

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