A atmosfera de Paris está tranquila. Hosana permanece imóvel por uns instantes, ouvindo o ressonar de Gerald. Está cada vez mais difícil escondê-lo da polícia brasileira. Agora até a Interpol o está caçando. Ela se sente satisfeita, contemplando aquele momento calmo e feliz. Aproveita a ocasião para agradecer por ele estar aparentemente a salvo.
Desde a noite que souberam das investigações policiais, ele está ansioso. Precisa coletar provas de sua inocência, mas nada parece dar certo.
Os advogados que trabalham em seu escritório aconselham a fuga. Depois, fazem um saque vultoso na conta corrente de Gerald. Em seguida, ela saca de sua própria conta. Todo aquele dinheiro fica com Hosana. É com o que contarão dali em diante.
Os passaportes falsos em mãos mostram figuras totalmente diversas: Gerald com cabelos pintados de castanho, usando bigode, lentes azuis e óculos. Hosana, por sua vez, com cabelos, roupas e acessórios rastafári, parece outra pessoa.
As longas avenidas rodeadas de árvores, as pontes, os candeeiros de ferro, os cafés com esplanadas aquecidas, os prédios nunca altos em demasia, a Torre Eiffel iluminada, os museus e os monumentos mais conhecidos do mundo, nada disso alegra Gerald. Ao contrário, aquilo o faz lembrar de sua liberdade, da felicidade de crescer com sua empresa.
Ao mesmo tempo em que tudo lhe parece familiar, a cidade não tem agora para ele a magia que o encantava.
— Paris tem sempre um delicado bom senso, a que se pode chamar elegância. É isso. Elegância. Nenhuma outra palavra descreve melhor a aura de Paris, sendo essa elegância que apaixona qualquer pessoa, em qualquer altura do ano — fala Hosana.
Gerald não responde, apenas suspira.
Entre quentes noites de sexo e o remanso da satisfação, resolvem fazer planos para a saída de Paris. A Interpol, Organização Internacional de Polícia Criminal, mundialmente conhecida, coopera com polícias de diferentes países, e já está no encalço de Gerald. O Brasil e a França solicitaram a ajuda da organização para capturá-lo.
Decidem seguir para a Inglaterra.
— "La Manche" para os franceses, e "English Channel" para os ingleses. Dois nomes diferentes para um mesmo lugar, conforme o lado em que se está. De certa forma, isso representa bem o significado do canal que separa os dois países e ilustra de forma divertida a eterna e notória rivalidade entre ingleses e franceses. Nos países de língua portuguesa, esta faixa de água, ligando o Oceano Atlântico ao Mar do Norte, é conhecida como Canal da Mancha e, se você vai viajar entre França e Inglaterra, tem que atravessar esse canal, seja por cima ou por baixo — comenta Gerald, absorto, olhando a embarcação deslizar com lentidão.
A primeira vez que atravessaram o canal foi em uma excursão de ônibus. Voltaram impressionados. O gigantesco navio engoliu o ônibus em que viajavam, assim como diversos outros, além de grandes caminhões de carga e dezenas de automóveis. Centenas de pessoas embarcaram também a pé ou com suas bicicletas.
Sabem que aquele é o trecho marítimo mais movimentado do mundo. É impressionante. A chegada e a saída de navios dão a impressão de nunca cessarem. Enquanto um navio parte, outro já aporta, outro se aproxima e a partida de mais um é anunciada.
Depois daquela viagem de estreia, eles atravessavam o canal por conta própria em outras ocasiões, em dias com céu azul e temperatura agradável até dias frios, com muito vento e mar agitado.
Olhando para as águas em volta, Hosana fala:
— É difícil não se lembrar de todos aqueles que se lançam nas águas do Canal da Mancha para fazer a travessia a nado. Que coragem.
— Não consigo imaginar isso — acrescenta Gerald. — O canal tem aproximadamente 560 quilômetros de comprimento, sendo que seu trecho mais estreito tem 33 quilômetros de largura, situado entre as cidades de Dover, na Inglaterra, e Calais, na França.
— Olha! Os rochedos brancos... Estamos chegando a Dover, Gerald.
Gerald, taciturno, assevera:
— As primeiras travessias eram uma temeridade. Os portos eram rasos, pequenos e sem proteção contra tempestades. Os navios esperavam as marés altas para aportar. Em 1850, quase todos os navios eram à vela e com poucos recursos de segurança. Os passageiros do Canal da Mancha faziam travessias demoradas, perigosas e sujeitas a muito enjoo. Em meados do século 19, as cidades francesas de Boulogne e Calais começaram uma competição entre si para ver qual seria a mais bem-sucedida no estabelecimento de uma rota marítima com a Inglaterra.
Hosana percebe o estado de espírito dele e, para tirá-lo daquilo, pergunta:
— E qual a razão dessa disputa?
— O interesse se justificava pelo desenvolvimento e lucros que o movimento trazia às cidades. Boulogne saiu na frente, mas Calais depois levou a melhor. Na Inglaterra era a mesma coisa, com Folkstone e Dover competindo entre si.
— Lembra-se daquela vez que estávamos com um carro de aluguel e precisávamos devolvê-lo em Calais? — pergunta Hosana, animada, e continua a falar sobre aquela viagem: — Ao fazer a reserva, escolhemos devolver o carro no próprio terminal dos ferries, o que nos facilitou muito as coisas. Depois de entregar o carro, compramos os bilhetes no balcão da P&O, embarcamos no ônibus gratuito, oferecido pela P&O, até a estação de trens de Dover, onde compramos passagens de trem para Londres. A moça do guichê, meio constrangida, ainda nos disse, pedindo desculpas, que o nosso trem para Londres estava atrasado. Cinco minutos. Ao chegar a Londres, desembarcamos na Saint Pancras Station, situada no centro e conectada à rede de metrô. Foi tudo fácil.
— É o que faremos outra vez. Talvez assim evitemos...
— Melhor não falarmos sobre isso agora — diz Hosana.
— Tem razão.
Ao descerem, seguem direto ao balcão da P&O e compram seus bilhetes. Fazem o mesmo percurso de ônibus gratuito até a estação de trem de Dover. Ali compram as passagens para Londres.
— Saint Pancras Station... — suspira Gerald, ao chegar à estação.
***
Quando decidiram ir para Londres, sabiam do enfrentamento de gastos e da saga de Gerald. Ele fica sem dinheiro. Os advogados o abandonaram à própria sorte. É Hosana quem banca tudo. Ela havia feito um saque em reais, antes de saírem do Brasil, agora faz o câmbio para o franco. Na França, faz o câmbio para libras esterlinas, a moeda do Reino Unido. Tentam não deixar pistas.
Eles têm consciência de que tudo é caro em Londres, especialmente a acomodação. Isso considerando o momento classe média dos dois. Seguem para um hotel razoável na cidade. Não fazem reservas, para não serem encontrados.
— Com um pouquinho de pesquisa, dá para achar algum hotel barato. Agora, ao trabalho — comenta Gerald.
Entram numa lan house e ele se pôs à pesquisa: insere o pen drive com o livro digital London London.
— Uau, achei! Ficaremos no South Kensington, localizado a uma curta distância, a quinze minutos dos museus e galerias de Kensington e Knightsbridge. O Museu de História Natural, virando a esquina em Cromwell Road. À direita do hotel há lojas e boutiques de High Street Kensington, que podem ser vistas andando a pé. É uma área com várias atrações, desde os tradicionais pubs ingleses a alguns dos melhores restaurantes de Londres, com ampla variedade de cozinhas étnicas. Atravessando a Cromwell Road, estaremos em Earls Court. Ali, uma variedade de cafés, pequenos restaurantes e pubs. As estações de metrô em Gloucester Road e Earls Court dão acesso ao West End e a seus teatros e bares.
— Desculpe Gerald, mas preciso cortar seu entusiasmo. Não podemos nos expor, nem temos dinheiro para gastar nesses locais.
— Tem razão. Me entusiasmei. Mas o importante é que esses lugares não são frequentados por brasileiros. Ficaremos aqui por algum tempo até decidirmos para onde ir.
***
Gerald agora está à solta nas ruas de Londres. Até quando ele e Hosana ficarão escondidos? É uma pergunta que assombra a mente dele. Não quero fazê-la sofrer e pagar por crimes que não cometeu.
A Interpol continua a caçá-lo, dizendo coisas bizarras sobre seu caráter e sua personalidade.
Na verdade, ele tem mesmo uma missão perigosa pela frente.
Pela tradição da Inglaterra, os policiais não andam armados. E não se espera que eles usem armas de fogo para tentar render alguém, muito menos ele. Infelizmente, no último ano, foi taxado de criminoso e os policiais se tornaram cada vez mais tenazes no seu encalço.
— Precisamos de ajuda — fala Hosana.
Também ela já está cansada daquela vida sem perspectivas. Aquilo não sai da cabeça de Gerald.
—Nosso problema é a ausência de pistas — diz Gerald. — Se pudéssemos acessar alguém no Brasil que nos auxiliasse sem cobrar nada... Mas a minha vida sempre foi um eterno pagar, para que as pessoas me prestassem qualquer serviço. Agora estou de mãos atadas. Não tenho a quem recorrer.
Hosana levanta-se, começa a andar de um lado para o outro.
— Você deve saber alguma coisa sobre quem o denunciou. Isto é, como isso tudo começou?
— Sei tanto quanto você — fala desconsolado.
— Neste caso, precisamos confiar em alguém. Ou pelo menos tentar confiar. Pensei em Carla...
***
Sem replicar, Gerald toma todo o café. Inclina a cabeça para trás e fecha os olhos, ficando assim por vários minutos, deixando a bebida agir em seu organismo.
Hosana se lembrara do gosto dele por café preto, puro e bem forte. Levanta-se, abre o armário, encontra a vasilha comprada numa feira de utensílios e coloca o rabo quente para ferver a água. Pega o pote de pó de café. Despeja a quantidade necessária e arruma um espaço no criado-mudo, colocando a caneca. Quando volta seu olhar para Gerald, ele a fita com uma expressão mais tranquila. Parece um garoto, com os cabelos revoltos pela noite de amor vivida por eles.
— Está se sentindo melhor? — pergunta, sorrindo.
— Muito melhor. Faz café muito bem, Hosana.
— A fome nos desperta para coisas simples e tudo fica mais gostoso.
Gerald sorri.
— Quer comer alguma coisa?
— Depende do que você vai me servir...
— Cuidado para não magoar a cozinheira. Ela pode trocar o pó de café por qualquer outro recipiente que se encontra no banheiro.
— Essa não é sua especialidade...
— Falando sério, Gerald, o que gostaria de comer?
— Você — ele diz, olhando-a com aquele jeito guloso de quem quer mais.
Ele sente o desejo lhe percorrer as veias. Quer puxá-la para a cama, enterrar as mãos na cabeleira castanha, possuí-la. Quer que ela o acaricie, quer se afundar dentro de seu corpo e ouvir seus gemidos de prazer.
Num salto, levanta-se e a enlaça pela cintura, puxando-a para a cama.
Ela dá uma risada cristalina, mas já está pegando fogo, despertada pelo desejo que vê nos olhos dele.
Ele a despe. O olhar guloso de sempre. Mansamente vai beijando o corpo dela. O arrepio o excita mais ainda. Lambe os seios eriçados e ela dá um gemido de prazer.
Passam aquela manhã na cama.
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