Dolorosamente Natural

By Vicanjo

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LIVRO 2 Três meses se passaram após a luta com Zeus e a morte de Mateus. Desde então, o luto e a culpa se ma... More

PREFÁCIO
EPÍGRAFE
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 5

Capítulo 4

6 1 0
By Vicanjo

CEDO DEMAIS PARA UM ADEUS

Tobias

A sensação de estar sendo observado não some conforme os dias se passam. Ela me acompanha desde a morte de meu irmão. Não conto a ninguém, porque todos já me acham estranho o suficiente, dizer isso seria só mais munição. Ainda não consigo dormir à noite, porque parece que há olhos escondidos nas sombras do quarto, me observando, analisando, é desesperador.

Só consigo dormir quando o sol começa a sair, lá para as cinco e meia, e, levando em consideração que preciso estar de pé às oito, durmo menos de três horas por dia. Tento ao máximo não deixar isso transparente, pois minha mãe não precisa de mais uma preocupação. Já basta ser viúva, sem um filho e com um cunhado alcoólico.

Ela chega até mim no corredor de casa, carregando duas caixas de papelão e sacos de lixo preto. Hesito por um instante e ficamos nos encaramos, sem saber qual o próximo passo. Ela está cansada, mas é tão boa quanto eu para mostrar o contrário. O cabelo vive permanentemente preso, frisado, e o rosto murcho, não por conta das expressões faciais, e sim de tristeza. Faz tempo que não vejo um sorriso verdadeiro em sua face.

Ela pisca para mim, em um ato de cumplicidade e esboça um sorriso que não alcança os olhos. Não posso devolver o gesto, então respiro fundo e abro a porta do quarto que Mateus estava ocupando.

O interior do cômodo muda minha mãe, faz todas as suas ações serem lentas e comedidas e seus olhos brilham, cheios de lágrimas. Ela coloca as caixas e as sacolas no chão e abre o armário, se demorando mais do que o necessário em cada peça de roupa que pega, silenciosa.

Sento na cama e observo a fileira de remédios dele juntando poeira. É tão injusto. Quando resolveu se dar uma segunda chance… Ele morreu. Matt entra no quarto, mas antes disso  fica um tempo na entrada, avaliando se pode ou não entrar, por fim ele entra e vai até minha mãe, se deitando aos pés dela, as orelhas em pé.

Queria estar na Central, na sala provisória, lendo e relendo relatórios arquivados, invadindo o email do meu tio e descobrindo o que acontece nas demais agências do país, bisbilhotando. Queria estar em meu quarto, com meu aparelho de VR jogando Wins, um jogo de realidade virtual onde construi uma vila subterrânea e me tornei rei de uma pequena civilização de NPC's. Queria estar em qualquer outro lugar que não fosse o quarto do meu irmão, fazendo qualquer coisa que não fosse se livrar de suas coisas.

— Tobias, me dê uma sacola. — Minha mãe pede, sem olhar para mim.

Levanto e lhe entrego uma, na qual ela começa a pôr roupas bem dobradas. Serão doadas, os objetos pessoais vendidos e o dinheiro terá o mesmo destino das roupas. Dinheiro. Jorge havia transferido toda a poupança do meu irmão para mim e isso é algo que me incomoda. Mateus tinha planos para aquele dinheiro, e o melhor que posso fazer com ele é comprar apetrechos para meu personagem em Wins.

Matt me encara, como se dissesse vai ajudar ou não? Pego uma caixa e vou para a cômoda. Retiro alguns livros de ficção e os arrumo na caixa, depois encontro cartas de baralho que me fazem sorrir. Lembro de ter ficado até tarde no alojamento dele, junto de Alana e Luís, jogando pôquer e apostando a sobremesa. Eu sempre ganhava.

Sua expressão nunca muda, por isso sempre ganha — argumentava Mateus, decepcionado por ter que dar sua sobremesa por um mês.

Fui para a agência aos quinze anos, quando contei a Jorge que queria fazer informática na faculdade. Ele ficou empolgado e disse que poderia dar um jeito e me fazer chefe de uma área na Central, o que não precisou ser feito, consegui o cargo sem ajuda de terceiros e estou lá desde então.

Juntos as cartas e as ponho dentro de um livro, já que não encontro nenhum elástico para prendê-las juntas.

Isso mesmo, enterre suas memórias em uma caixa.

Solto o livro ao escutar a frase, e ele desliza pelo chão até parar no centro do quarto. Era a voz de Mateus, com aquele tom de ironia que tanto ouvi quando ele falava com Caio, até posso visualizar seu sorrisinho de canto.

— Tobias! — Mamãe repreende apanhando o livro e devolvendo a caixa. Ela vê meu olhar e seja lá o que enxerga nos meus olhos faz sua expressão mudar para preocupação. — Sei que é difícil, mas li na internet que essa é uma das fases do luto, superar. Precisamos nos desapegar…

Paro de lhe dar ouvidos quando a voz se manifesta mais uma vez.

Ela me superou tão rápido.

O tom de ironia dá lugar à melancolia e o vejo, como um espectro instável, no canto do quarto, sentado no chão abraçando os joelhos dobrados e encarando nossa mãe, que continua a falar. Uma lágrima cai.

— ...vai nos ajudar. Tobias! — Ela se aproxima e toca minha bochecha. Fecho os olhos e, quando volto a abrir, o espectro sumiu. — O que foi?

Cogito lhe contar o que acabara de acontecer, mas ela me acharia um louco, ou apenas um garoto de vinte anos abatido pela perda do irmão.

— Achei ter visto uma caranguejeira — minto. Ela acredita.

— Ah, se  ver de novo pode matar, tenho pavor desses bichos. — Ela faz uma cara de nojo e volta as roupas.

Olho novamente para o canto, mas ele continua vazio. Deslizo até sentar no chão e tento me concentrar na simples tarefa de esvaziar as gavetas e encher as caixas. Consigo encontrar um ritmo e a sensação de estar sendo observado aparece e cresce gradativamente. Olho para a porta ainda aberta, não há nada lá; a janela, apenas uma chuva fina; para Matt, embolado e dormindo; debaixo da cama, escuro e empoeirado.

Na última gaveta, encontro um caderno familiar, de capa de couro preto. Pego. Folheio, encontrando desenhos nada maus de monstros e informações sobre eles. Encontro uma página dedicada a Pantera, com perguntas ao lado: cientista do AN? Tinha um filho? Por que temos essa conexão? A última pontuada com cinco interrogações. Passo para a página seguinte e o primeiro nome que vejo me faz fechar o caderno com força e o separar das outras coisas na cama. Pode ser algo que Ágata queira ler.

Ao ver seu nome na caligrafia de meu irmão, lembro que ela deve estar com Jorge e, só por precaução, ou melhor, uma desculpa para abandonar o trabalho, pego o plib para mandar uma mensagem, lembrando um segundo depois que ela não tem um. Frustrado, desisto.

Pego a caixa cheia e levo para fora do quarto, enquanto minha mãe se prepara para ir para a próxima sacola.

— Deixe na sala — instrui.

Pouso a caixa no sofá e Matt vem atrás, abanando o rabo achando que vamos passear. Passo a mão em sua cabeça e sinto um arrepio percorrer todo o meu corpo. O cachorro me encara confuso, como se também tivesse sentido.

Vão se livrar das minhas coisas? Tão cedo?

Viro devagar, assustado, e vejo o espectro de novo, agora em pé, observando a caixa. Mateus. Ele tem uma forma disforme, como um bug de um jogo, quase posso ver os pixels que o formam. Ele se vira ao sentir meu olhar e me encara. Dou um passo para trás.

— Mãe! — grito.

Matt late para mim, o espectro some, simplesmente deixa de existir, como se fosse um holograma e alguém tivesse desligado. Mamãe aparece correndo e se aproxima.

— O quê?

Quero gritar, chorar, correr para longe… Não é real, não é real.

— Não. ..não podemos...fazer isso — balbucio.

— Isso o quê? — indaga, me abraçando de lado.

— Nos livrar das coisas dele. — Não sei de onde isso veio, mas é plausível, é crível, melhor do que acho que vi o fantasma do meu irmão.

— Querido! — sussurra e beija minha bochecha. — Desculpe, não deve ser fácil para você.

Deixo ela me abraçar por completo e deito a cabeça em seu ombro, enquanto ela passa as mãos por minhas costas. Meus olhos ardem e continuo encarando o ponto onde vi o espectro pela última vez, e Matt alterna um olhar penetrante entre o lugar e eu. Você viu? Quero perguntar, mas acho que falar com o cachorro vai ser o que faltava para chegar ao diagnóstico de ei, Tobias, você não está bem.



Sim, teremos alguns capítulos especiais narrados por outros personagens!

A pergunta que não quer calar é:Tobias está ficando louco?

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