Os dois dias que se seguiram dentro daquela caverna, foram de tranquilidade, calmaria e de união, o que causava um certo medo em Kaine. Por experiências passadas ele sabia que quando as coisas estavam calmas demais e tudo dando certo para ele, era indício que logo algo de muito ruim iria acontecer, principalmente com pessoas que ele gostava.
Ele tentava manter um sorriso e um ar despreocupado quando estava perto das outras pessoas, mas quando ia dormir ficava remoendo seus sentimentos e mal conseguia pregar os olhos a noite, acabava ficando perdido em pensamentos e criando estratégias para as aulas das duas bruxas e como seria dali por diante.
De dia as aulas aconteciam de uma maneira descontraída, mas Kaine sempre acabava criando mais desafios, se aprofundando no assunto e pegando mais pesado com Bea, já que estavam em uma caverna trancados com uma cortina de água caindo de forma torrencial bloqueando a entrada e saída, ele usava isso a favor para que a bruxa conseguisse praticar cada vez mais o seu elemento.
Lyanna estava mais concentrada em suas meditações, certa vez Kaine conseguiu sentir uma certa presença dentro da caverna, e quando olhou ao redor pegou a sua amada ruivinha meditando e algumas pequenas pedrinhas se movimentando e vibrando ao seu redor, o que imediatamente trouxe um sorriso ao rosto do homem.
Finalmente Lyanna estava conseguindo acessar seu poder e encontrar seu lugar no mundo.
Zola ficava brincando e tentando impedir Max de correr e irritar demais os familiares das bruxas, ou simplesmente desistia e deixava o menino loiro apertar e brincar com eles até que se irritassem e acabassem correndo para longe do pestinha, e a noite ela ficava encantada como a sua namorada contava sobre as aulas que estava tendo e como estava evoluindo.
O relacionamento de Kaine e Lyanna também estava evoluindo, à noite o casal ficava até tarde conversando sobre seus passados, sonhos, seus desejos, suas perspectivas do que seria a guerra que estava por vir. E durante esses dois dias que se passaram a bruxa foi tendo mais certeza que fizera o certo ao realizar o pacto de sangue com o homem.
Assim que amanheceu o quarto dia deles trancados ali, encontraram Kaine de frente para a boca da caverna vendo a água cair, seu rosto estava concentrado e demonstrava que algo o estava preocupando. Quando percebeu que o resto do grupo tinha acordado, ele se virou e foi caminhando em direção de Lyanna, deu um selinho nela e falou para o grupo já ir arrumando as suas coisas, depois da hora do almoço a chuva iria parar e já seria hora deles prosseguirem a sua jornada.
- Meu irmão? - Zola perguntou preocupada.
- Ele vai chegar a tempo, consigo sentir seu cheiro - Kaine respondeu já se dirigindo para Max e fazendo uma sequência de movimentos com as mãos e logo depois indo para a mochila arrumar as coisas.
Zola e Bea olharam uma para a outra e dando de ombros foram desmontar as barracas e arrumar as mochilas.
Lyanna sentiu que alguma coisa estava errada, Kaine estava muito quieto e distante e ela não gostou de ver isso nele, eles estavam em um relacionamento agora, eles tiveram compartilhando tantas coisas nos últimos dois dias que ver o homem sendo frio com ela a deixava muito incomodada.
- Está acontecendo alguma coisa? - a bruxa perguntou baixinho se aproximando dele.
- Eu não estou gostando da energia que eu estou sentindo, alguma coisa vai acontecer, alguma coisa ruim vai acontecer - Kaine respondeu ainda arrumando a mochila e sem olhar para a ruiva atrás dele.
- O que você acha que vai acontecer?
- Não vai ser só os vampiros.
- O que? - Lyanna ficou surpresa com a resposta dele e foi para perto dele, se abaixando e segurando sua mão, o obrigando a olhar para o rosto dela - Não vai ser só os vampiros em que?
- Essa guerra, não vai ser só contra eles, alguma coisa está acontecendo e que está deixando o mundo espiritual e a natureza louca.
- Você está com medo - Lyanna afirmou depois de alguns segundos olhando para o rosto de Kaine.
- Não por mim.
- Então..?
Kaine não respondeu de imediato, simplesmente puxou a bruxa para perto dele e a pôs sentada em seu colo, uma perna de cada lado do seu corpo e a abraçou forte enterrando o seu rosto no pescoço da amada e inspirando seu cheiro.
- Se algo acontecer com todos vocês eu nunca me perdoaria, principalmente se algo acontecer com você, eu simplesmente morreria, eu te seguiria para o outro lado sem nem pensar. Eu não posso viver sem você, eu não posso perder vocês, eu não posso passar por isso novamente.
Lyanna nada falou, ficou ali abraçando e passando as mãos pelos cabelos de Kaine enquanto sentia ele a abraçar cada vez mais forte e aspirar seu cheiro, ela sentia que ele precisava desse momento, precisava desse acolhimento.
Nesses dois dias trancados na caverna Kaine falou um pouco sobre seus pais, e como foi difícil a perda do pai, como foi ver sua mãe enlouquecer e ter menos momentos de lucidez a cada dia que passava, como ela se transformou em apenas uma sombra da mulher que um dia foi.
A bruxa não sabia muito bem como que o pai dele tinha morrido, mas sabia que a culpa era dos vampiros, provavelmente invadiram a aldeia em que eles moravam e como sempre aterrorizaram os cidadãos e mataram alguns para garantir que todos ali iriam os temer e os obedecer.
Após se sentir mais recomposto, Kaine tirou o rosto do pescoço da namorada, a olhou e deu um sorriso apertado sendo seguido por um beijo e pediu para terminar de arrumar as coisas, Lyanna saiu de seu colo e foi ajudar a desmontar as barracas.
Ninguém ali conseguiu comer muito, comeram somente alguns pedaços de carne seca e defumada que Kaine tinha feito naqueles dias, mas não quiseram nenhuma grande refeição, o clima estava bem tenso dentro da caverna, e sentiam que de um jeito ou de outro a jornada deles iria acabar.
Só esperavam que o final terminasse a favor deles.
Um pouco depois que o meio do dia chegou, a chuva foi diminuindo a sua força e em poucos minutos parara de cair de vez, o pequeno grupo colocou suas mochilas nas costas e foram seguindo em direção ao abrigo que estavam os cavalos.
Kaine estava terminando de selar o último cavalo quando virou a cabeça com tudo para o meio da mata e ficou olhando para lá, chamando a atenção dos outros que começaram a prestar atenção para onde ele estava olhando, logo saiu um lobo de pelagem castanho escura quase do tamanho de um cavalo, ele estava completamente molhado e olhava para o grupo como se estivesse envergonhado.
- Deixamos sua mochila lá dentro da caverna, você pode levar o tempo que precisar, estaremos aqui te esperando - Kaine disse.
O lobo deu um aceno de cabeça e foi andando devagar para a caverna, quando passou em frente de Zola, a lobisomem pulou em cima dele o abraçando e sussurrando que estava com saudades do seu gêmeo.
Quando Indras saiu da caverna já devidamente seco e vestido, o resto do grupo o esperavam já montados nos cavalos.
- Vamos nessa lobinho, depois você conta suas aventuras - Kaine disse sorrindo e atiçando o cavalo para andar.
Dando um sorriso, Indras montou o cavalo em que Max estava e foi seguindo os outros.
Zola e Bea iam cavalgando conversando sobre os mais diversos assuntos, Lyanna estava na frente de Kaine no cavalo, fazendo assim o homem tirar uma casquinha, já que ia a viagem toda sussurrando, beijando o pescoço dela e a apertando, o que causava divertimento na bruxa, Indras e Max faziam a viagem silenciosa, cada um perdido em seus pensamentos.
A viagem fora tranquila, e quando começou a cair a noite, decidiram acampar por ali. Assim que desceu do cavalo, Bea foi fazendo o círculo de proteção para passar a noite, os demais foram descendo as coisas dos cavalos e já montando as barracas ou fazendo a fogueira.
- Então, podemos saber o motivo de você ter corrido e fugido de nós durante a tempestade - Zola perguntou assim que todos estavam sentados em volta da fogueira comendo algum ensopado.
- Não iria suportar ficar preso por dias em uma caverna cheia de casais e com a única pessoa que talvez poderia me fazer companhia não sabendo falar - o lobisomem deu de ombros.
- E porque não? - a irmã voltou a insistir.
- Sente muita falta dela? - Kaine perguntou sem olhar para ele e mexendo em sua tigela.
- Ela quem? - Indras parou de comer e olhou fixamente para o homem que estava sentado quase de frente para ele.
- Da sua companheira.
Um silêncio caiu sobre o grupo, Indras largou imediatamente a tigela com sua comida, abaixou a cabeça e começou a passar as mãos pelos cabelos de modo frenético, as três mulheres ficaram chocadas com o que Kaine falou e ficaram olhando para o lobisomem que se mantinha ainda de cabeça baixa, e Max nem aí para a situação, só pegou sua comida e foi se sentar perto dos familiares sem interesse na conversa.
- Eu deveria ter tirado ela de lá - Indras começou a falar com a voz embargada e que demonstrava toda sua dor.
- Oh meu irmão - Zola se levantou e foi para junto do lobisomem o abraçando.
- Eles vão matá-la, eles vão tirar ela de mim e eu não vou poder fazer nada porque estou longe, eu tinha que ter trazido ela.
- Quem é ela? - Zola perguntou baixinho ainda amparando o irmão.
- Celine.
Zola ficou em choque com o que o irmão acabara de falar.
Então a princesa vampira, filha do maior vampiro desgraçado e cruel que existia, aquele que “castrou” seu pai e mandou matar a sua mãe, a princesa que fora ensinada a odiar qualquer outra raça e a tratar os outros como lixo, ela era a companheira de seu irmão.
- Você só pode estar de brincadeira - Zola disse soltando o irmão e o olhando incrédula.
- Nós nos apaixonamos, somos companheiros - Indras disse olhando para a irmã.
Zola ficou um tempo parada olhando para a fogueira enquanto tentava puxar na memória se tinha algum indício que o irmão e a princesa vampira demonstravam que estavam juntos. Realmente depois que Celine voltou da casa de seu tio para assumir sua posição como princesa ao lado do pai e do irmão, Indras que fora seu guarda-costas pessoal.
Depois que Indras virou o guarda-costas de Celine os dois não se desgrudaram mais, o irmão no início parecia meio contrariado e estava bem estressado por ficar ao lado da princesinha, mas com o tempo os dois foram se aproximando e a mudança de comportamento de Indras era notável.
- Como eu nunca percebi isso - Zola falou baixinho.
- Não queríamos que ninguém soubesse, imagine o que iria acontecer se descobrissem que nós éramos companheiros, iriam matar nosso pai, você, ela e eu.
- Tem razão, seríamos todos queimados.
- Quem é essa Celine? - Bea perguntou.
- A filha de Nikolai, a princesa vampira - a lobisomem respondeu por seu irmão.
- Puta merda - Bea disse olhando para Indras - Agora entendo o seu desespero.
- Eu tinha que ter tirado ela de lá, Lauden já estava desconfiado de nós dois, mas Celine dizia que seu pai estava escondendo algo que prometia que o traria poder absoluto, e tinha descoberto que ele estava capturando bruxas para alguma coisa e ela queria descobrir do que se tratava, não consegui convencer ela a fugir.
Indras parecia cada vez mais angustiado, não conseguia mais se manter sentado e começou a andar em círculos passando as mãos pelos cabelos curtos.
- Eu senti a alguns dias que alguma coisa estava errada com ela, mas eu não sei o que pode ser, e ver todos vocês ali juntos só fazia o meu coração se apertar e a minha preocupação com ela aumentar.
- Nós te entendemos, e no que puder fazer para trazer ela em segurança para você… - Lyanna disse e todos concordaram com ela.
Todos ali se tornaram uma família, cada um se importava com os outros e fariam o que estivesse ao alcance para que cada um ali fosse feliz e estivesse bem.
- Lembra que sua tia mandou aquele corvo até nós nos avisando que ela libertou a cidade e que todos foram para os acampamentos da resistência para se preparar para a guerra? - Indras disse olhando para a bruxa ruiva e a viu balançando a cabeça em confirmação - Eu pedi para que ele a vigiasse para mim, você acha que ele fez isso? Você acha que ele está cuidando dela para mim?
- Edmund era o familiar da minha mãe e agora de minha madrinha, é um guerreiro leal e fiel, tenho certeza que está a protegendo.
Indras se sentiu um pouco mais confortado com o que a amiga falara para ele, mas mesmo assim tudo o que ele queria era a mulher que amava junto de si.
Depois de toda essa revelação, Kaine achou melhor que todos fossem dormir para continuar com a viagem assim que amanhecesse, e como tinham terminado de comer, o grupo achou melhor aceitar a sugestão do homem.
Bea e Zola abraçaram Indras e disseram que o amavam muito e que estaria com ele para tudo antes de se recolherem na barraca, Max foi arrastando os familiares para dormirem com ele em outra barraca, Lyanna até tentou convencer Kaine a dormir com ela naquela noite.
- Alguém tem que fazer companhia a ele - Kaine disse apontando com a cabeça para Indras que estava arrumando algumas cobertas perto da fogueira - Deixa para outro dia, minha ruivinha.
Lyanna beijou profundamente o homem e depois foi até Indras dando um abraço no amigo e um beijo em sua bochecha, ela ficou feliz que todos estavam do lado dele e o apoiaram.
Kaine e Indras improvisaram suas camas ao lado da fogueira e ficaram ambos olhando as estrelas por um tempo. Antes do lobisomem cair em um sono profundo ouviu o homem ao seu lado falar:
- Ela está mais perto do que você imagina, meu amigo.
E Indras esperava desesperadamente que Kaine estivesse certo.