Camellia

By Hunterina

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🏆 VENCEDOR DO WATTYS 2023! 🏆 O Madre Cordélia era o internato dos sonhos, mas havia se transformado em um p... More

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By Hunterina

se eu pudesse te dizer o que eu quero dizer

eu diria que quero te encantar

estar com você todas as noites

estou te apertando muito forte?

(things i'll never say)




— ... aí até o começo do ano passado eu tava trabalhando numa loja de celulares, mas me botaram pra fora porque descobriram que os alunos dos internatos compravam maconha comigo — Andrei deu de ombros e tomou um gole de café, como se não estivesse acabado de contar que vendia drogas para menores. — Aí consegui a vaga aqui na Cyber e como eu moro no apê da frente, tava sempre disponível para fazer hora extra, cobrir outros funcionários, daí logo o patrão me colocou como gerente.

— Sério? — Bianca esticou para ele o pacote de Fandangos. — Nossa, parece o trabalho dos sonhos.

Bianca e Andrei dividiam o sofá no segundo andar da lan house, jogando conversa fora e assistindo Naruto enquanto esperavam por VH. Apesar de ser sábado, o movimento ainda estava baixo porque não eram nem 10h e uma chuva torrencial caía do lado de fora.

Andrei soltou um riso.

— "Trabalho dos sonhos" não existe, pirralha. Sonho é não trabalhar. — Ergueu a caneca de café na direção dele, para pontuar a frase, depois voltou a olhar para a televisão — Porra, essa luta é massa.

— Essa me deixa puta! — Bianca assistiu Sasuke e Deidara se encarando na tela. — O Sasuke só não morreu por poder do protagonismo!

— Ah, para! Como se o Sasuke fosse perder pro Deidara!

Bianca abriu a boca, pronta para começar um debate desnecessariamente profundo e acalorado, mas foi interrompida pelo som de passos subindo a escada. No segundo seguinte, diversas vozes distintas chegaram ao seu ouvido, mas uma em particular, num tom irritantemente arrastado, fez seu coração disparar.

VH foi o primeiro a entrar em sua linha de visão, tentando disfarçar a velocidade com a qual subiu as escadas.

— Enfiou o celular no cu, Bianca? — reclamou, mantendo a voz baixa. — Olha, desculpa, eu não tive como evitar!

Rapidamente ela alcançou seu celular e desbloqueou a tela, deparando-se com diversas mensagens de Victor Hugo:

"Fodeu, Bee"

"Com essa tempestade, os moleques decidiram ir pra Cyber"

"Daniboy vai também"

"Tentei convencer eles mas não rolou"

"Bee?"

"Olha o celulaaar"

"Só não fica puta comigo depois!"

"Puta merda, Bianca!" foi a última mensagem, às 9h45.

Quis bater na própria cara. Era óbvio que com aquela chuvarada eles não poderiam ir para a pista de skate! Que merda, que desculpa ela tinha dado mesmo quando ele a convidou para jogar no sábado?

— E aí Andrei, não tem que trabalhar não? — Twister chegou pulando os últimos degraus e, logo atrás, subiam Daniel e Nathan. — Honey Bee! Achei que você não vinha hoje.

No instante em que ouviu aquele nome, Daniel virou a cabeça tão rápido que nem teve como disfarçar. Como sempre, estava com os cabelos casualmente desordenados e as eternas olheiras. Assim que suas íris azuis se encontraram com as de Bianca, os dois coraram e imediatamente desviaram o olhar.

A segundanista tentou parecer natural enquanto cumprimentava os meninos, explicando que a data de uma prova havia sido adiada, por isso resolveu vir, mas sequer conseguia disfarçar a falta de jeito. Abraçou VH, Twister e Nathan e, quando parou na frente de Daniboy, prendeu a respiração.

— E aí? — Daniel deu um sorriso e tirou a mão do bolso para mexer nos cabelos claros. Bianca percebeu que hoje ele não tinha esquecido das pulseiras. — Que bom que você pôde vir!

— Pois é — ela deu um sorrisinho. — Sorte a minha!

Os dois se olharam por alguns segundos e, felizmente, o resto dos garotos estava ocupado demais conversando com Andrei para reparar no quão tensa estava a situação daquele duo. Por fim, Daniel deixou um longo suspiro escapar:

— Escuta, Bee... Posso conversar com você?

— Pode, ué! — respondeu, mas não conteve a surpresa na voz, que saiu completamente aguda. Meu Deus, ela não aguentava mais o estouro de elefantes-borboletas que simplesmente falar com ele lhe causava. Isso nem era justo, ela devia odiá-lo!

— Tipo... Lá fora. Rapidinho. — Ele colocou as mãos de volta nos bolsos da jaqueta. Na verdade, parecia não saber o que fazer com elas. Então voltou a falar, num sussurro para que apenas ela ouvisse: — Eu sei que você tá brava comigo. Eu mandei mal, queria poder conversar direito... E te explicar o que houve.

Bianca quis negar. Se não fosse uma completa idiota, falaria que eles não tinham nada a resolver e mandaria ele seguir com a própria vida e deixá-la de fora daquela enroação toda. Abriu a boca para lhe dizer exatamente isso:

— Ah, claro... — Ela era uma completa idiota. — Quer dizer, não estou brava, mas podemos...

Resolveu calar a boca, calçar os tênis e se levantar do sofá. Percebeu Daniel olhando-a de cima abaixo e reconheceu que estava mais arrumada do que de costume, com delineados de gatinho, saia e meias ⅞. Ele desviou os olhos no momento em que ela o pegou no flagra e murmurou para os amigos que iria... Nem Bianca entendeu. Então apontou com a cabeça para a escada e ela o seguiu para o andar de baixo.

— Lá fora?! — perguntou, vendo-o sair pelas portas de vidro da Cyber e parar sob a marquise das lojas.

— Vou ali do lado pegar um café pra gente, os do Andrei são horríveis — Daniel explicou. No instante em que Bianca pisou fora da lan house, ele tirou a jaqueta e colocou sobre os ombros dela.

Ergueu os olhos para agradecê-lo e sentiu seu coração bater mais forte quando foi recebida pelo sorriso de canto que destacava aquela covinha desgraçada. Ele estava lindo, com as típicas roupas de playboyzinho e uma carinha de sono que era insuportavelmente meiga. Bianca meio que queria socá-lo e beijá-lo na mesma proporção.

As lembranças da noite da festa a atingiram como uma flecha; o olhar de interesse dele enquanto flertavam, e a forma como parecia não aguentar um segundo com as mãos longe dela; lembrou do calor que sentiu quando estavam na cama, e de como foi bom apenas ficar deitada ao seu lado no escuro. Mas, também como uma flecha, a lembrança do que aconteceu em seguida doía. De como ele se afastou dela, ou de como o encontrou com Zoe apenas alguns dias depois... Era difícil entender o que sentia, o que era rancor, vergonha, insegurança... E o que era aquele sentimento latente que a dominava cada vez que chegava perto dele.

Pararam sob a marquise em frente ao café. Àquela altura, a tempestade já havia se dissipado para uma chuva comum. Bianca se aninhou na jaqueta, sem realmente saber se era por causa do frio, ou porque tinha o cheiro dele.

— Você gosta de café? — Daniel perguntou.

— Não muito, na verdade — murmurou. — Mas não preci-

— Beleza, me dá só um segundo.

Antes de passar pela porta de vidro, ele deu um sorrisinho para a segundanista, que sentiu as bochechas corarem. Era perceptível que o garoto parecia nervoso, tentando evitar o assunto, apesar de ter sido ele quem a convidou, para começo de conversa.

Ela respirou fundo e tentou se acalmar um pouco naqueles minutos sozinha, mas assim que a sineta da porta tocou novamente, seu coração disparou.

— Aqui, peguei um cappuccino trufado pra você — Daniel lhe estendeu um copo para viagem. — ... Acertei?

— Na verdade, sim — Aceitou a bebida, sorrindo de leve. — Obrigada.

— É? Que bom! Você tinha dito que adorava doces uma vez — ele devolveu o sorriso e tomou um gole do seu copo.

Talvez depois daquela conversa acabasse precisando ir ao médico, porque Bianca teve certeza que seu coração havia acabado de dar uma pirueta. Havia mencionado uma única vez, na roda de amigos, que era louca por doces e... Ele ainda lembrava. Precisou reforçar a si mesma muita força que estava brava com aquele garoto insuportavelmente fofo.

Então um silêncio carregado se estendeu enquanto cada um bicava um gole da sua bebida, observando o céu, as gotas de chuva, as pessoas que passavam na rua... Tudo para evitar que seus olhos se encontrassem. Quando Bianca estava começando a ficar farta, Daniel quebrou o silêncio:

— Então... Meus pais são doidos — murmurou, tão baixo que quase foi difícil de entender por causa da chuva. — Não do tipo que cobram bastante porque te amam, mas que dizem "se eu soubesse que você seria assim, teria te abortado" ou "fiz tudo para você e mesmo assim você conseguiu virar esse fracasso".

Bianca deixou um suspiro de horror escapar e tapou a boca com a mão.

— Eles falaram isso?!

— Sim. A primeira frase foi para a Emily, quando ela estava internada depois de tentar se... — Ele não terminou a frase, mas Bianca entendeu. Seu choque aumentou ao descobrir que a colega de quarto já havia tentado suicidio. Àquela altura, as mãos de Daniel tremiam e ele pegou o vape para tragar. Assoprou a fumaça para longe e Bianca sentiu o cheiro de hortelã. — A segunda é tipo o "bom dia" que o meu pai me dá. — Deixou um riso seco escapar. — E isso é só uma parte. Meu pai sempre está viajando a trabalho e tem outra família com uma menina três anos mais velha que eu; a mãe nem esconde mais o caso com o personal dela. Eu nem sei se essa é a melhor forma de começar, mas lá em casa... é um inferno.

— Eu... Sinto muito — Bianca murmurou.

Normalmente, Daniel tinha uma postura relaxada, com sorrisos fáceis e o tom de voz calmo. Estava bem diferente agora, mal conseguindo disfarçar o nervosismo que se refletia na postura tensa e fala dura. Bianca queria poder abraçá-lo.

— Obrigado, mas não esquenta com isso. Tô contando só pra você entender... Quando eu disse que tive problemas, era meu pai me ligando e falando pra eu nem voltar mais pra casa, que eu só sirvo pra usar o dinheiro dele e não presto nem pra ser um filho decente. — Daniel respirou fundo e tomou um gole de café. — Acontece o tempo inteiro, sabe? Mas eu nunca consigo não ficar mal. Não tem absolutamente nada a ver com você, mas eu não tava com cabeça pra nada e não queria acabar descontando... Eu sei que simplesmente sumir não é muito melhor, então me desculpa.

— Não, tudo bem... Agora eu entendi o motivo. — Bianca suspirou também e observou Daniel dando mais um trago no vape. — Eu não sabia que você fumava...

— Às vezes só, quando quero me acalmar — Ele deu de ombros. — Mas tá, continuando: a Zoe é minha amiga desde a terceira série, ela conhece toda essa merda e sempre me ajuda quando eu fico mal. Aquele dia, você encontrou nós dois no quarto... De novo, eu tava com a cabeça em outro lugar. Só me toquei dias depois que você podia ter entendido errado. — Pela primeira vez, ele virou para olhar Bianca de frente. Estava com os olhos levemente úmidos, as íris claras refletindo o céu cinzento. — Nós não estávamos fazendo nada, eu e ela. Não temos absolutamente nada além de amizade... Já ficamos, você soube, mas foi uma vez no primeiro ano e só, depois mantivemos a amizade. Quando você chegou, a gente só tava conversando. Ela dormiu lá porque... Eu tava realmente mal. Mas não dormimos juntos, tipo mesma cama, nem nada.

Bianca ouviu a explicação, relembrando o dia em que os encontrou. Só lembrar do que sentiu naquele momento já a fazia sentir zonza. Eles realmente não estavam se tocando nem nada, mas a forma como ele se assustou ao ver Bianca... E Zoe estava usando a camiseta dele.

Quase como se pudesse ler seus pensamentos, Daniel continuou:

— E ela tava usando a minha camiseta porque... — Ele desviou o olhar e Bianca percebeu suas bochechas ficando coradas. Falou, vários tons mais baixo: — ... eu vomitei nela.

— Quê?!

Daniboy respirou fundo e passou as mãos no cabelo, sem conter um sorriso constrangido:

— Na noite anterior... Eu enchi a cara. — Ele mordeu o lábio inferior, sem conseguir sustentar o olhar de Bianca. — Tava me sentindo um merda por causa do meu pai, então me tranquei no quarto e bebi o resto do Whisky que o VH guarda no armário. Foi uma ideia maravilhosa, eu sei. Fiquei três vezes pior e também caindo de bêbado, passei a madrugada inteira desabafando com a Zoe as mesmas coisas que ela já ouviu outras quinhentas vezes. No dia seguinte, acordei com uma ressaca fodida, então ela ficou lá me ajudando... E eu vomitei nela. Aí ela precisou tomar um banho e pegou uma camiseta minha.

Bianca tentou, tentou mesmo conter o riso, não dar o braço o torcer e continuar com a cara de brava, mas não aguentou:

— Que. Nojo!

— Acredite, essa era a última coisa no mundo inteiro que eu queria contar para a menina que eu gosto. — Ele mexeu no cabelo, o rosto tão vermelho que era impossível disfarçar. — Só que, bom, melhor do que você entender errado.

Bianca não conteve as risadas, que logo escalaram para um gargalhada. Cada vez que percebia como Daniel estava sem jeito, acabava rindo mais e eventualmente nem ele conseguiu resistir. Os dois riram juntos, até Bianca parar tão subitamente que quase derrubou café em si mesma ao perceber uma coisa.

para a menina que eu gosto.

— Calma, o que você falou?

— ... que eu vomitei na minha amiga? — Ele ergueu uma sobrancelha.

— Não, antes! Que eu era a última coisa que você queria contar para...

— ... a menina que eu gosto. — Dessa vez, o sorrisinho de canto realmente quase matou Bianca. Talvez ela precisasse mesmo ver um médico de coração.

— Mas... Como assim? Você tinha dito que...

Daniel parou. Suspirou. Deu mais um trago naquele vape idiota. Abriu a boca para falar alguma coisa. Desistiu. Disfarçou tomando um gole de café. Só depois do que pareceram anos tentando criar coragem, falou:

— Desculpa, eu não acertei uma naquele dia. — Ele suspirou. — Olha, Bianca, as coisas que eu falei... Nada daquilo foi porque eu não gostei de ter ficado com você, porque me arrependi ou coisa assim. É bem ao contrário, na verdade, eu meio que não paro de pensar em como eu queria fazer tudo de novo desde então. — Daniel parou e desviou o olhar, como quem tivesse deixado escapar demais. — Enfim, o que eu quero dizer é que eu gosto muito de você. De jogar com você, quando passamos tempo juntos, porra, queria que você estudasse no meu colégio só pra gente poder se ver todos os dias. Só que...

Ele parou para escolher com calma as palavras. Bianca estava com os olhos fixos no rosto dele, sentindo o retumbar do próprio coração.

— Só que a verdade é que eu não quero te arrastar para a merda que é a minha vida. Com tudo o que estava acontecendo com meu pai, o jeito como essas coisas me afetam... Você não merece lidar com nada disso. Por isso falei tudo aquilo. — Ele deixou um suspiro pesado escapar. — Quando eu mencionei que estávamos bêbados, foi porque eu sinto que eu deveria ter parado, sabe? Você falou que era virgem e eu não queria que se sentisse pressionada a fazer algo que, sei lá, você preferisse fazer com alguém especial.

— Fui eu que te pedi pra continuar — Bianca murmurou. — Você não me pressionou a nada, eu quis fazer... Aquilo.

— Tudo bem... Mas o ponto ainda é o mesmo, Bee. Eu só achei que deveria, sei lá, ser sincero com você sobre o que estava acontecendo. — Daniel falou e Bianca percebeu como ele não parava de mexer nos cabelos. — Porque eu gosto pra caralho de você. Não sei se eu só estou sendo um emocionado e você estava de boa, mas... Eu não queria que você criasse expectativas que eu não posso corresponder.

Bianca não achava que era saudável a reação do seu corpo ao ouvir "eu gosto pra caralho de você". Queria gritar, mandá-lo calar a boca... Ou calar ela mesma com um beijo, como faziam nos filmes. Simplesmente, mal conseguia ordenar seus sentimentos, a alegria de saber que ele também sentia algo por ela, que toda a sua insegurança dos dias anteriores era infundada...

— Porque a real é que eu queria. Muito. Só que meu último relacionamento foi tão complicado... Que eu não quero começar nada que possa prejudicar outra pessoa. Quero te manter o mais longe possível da minha família. — Daniel encostou as costas no vidro da loja e ergueu os olhos para o céu nublado, soltando um suspiro. — O que aconteceu naquela semana, dos meus pais me deixarem péssimo e eu simplesmente sumir... Acontece o tempo todo. Eu fico mal e só quero ficar sozinho, encho a cara e volto a fumar. Sei que é uma merda e que ninguém merece ter que lidar com os meus problemas, por isso tentei... Enfim, ser sincero com você antes de fazer merda, mas acho que acabei fazendo do mesmo jeito. Desculpa se fui um babaca, infelizmente eu sou bom pra caralho nisso.

Só quando os olhos azuis voltaram a encará-la, Bianca percebeu que ficou vários segundos em silêncio, sem saber o que dizer. Estava em choque diante de tudo aquilo... Em descobrir que não somente Daniel também gostava dela, mas que até queria algo a mais. Só que ao mesmo tempo que isso a deixava radiante, quase lhe sufocava, porque... Como assim ele tentou afastá-la porque não queria que ela se envolvesse com "a merda que era sua vida"? Talvez Bianca não se importasse com aquele comportamento agora que, bom, entendia a origem dele! Só que não sabia se era o certo a se falar. Estava com tanto medo de estragar tudo...

— Desculpa, eu... Só não sei o que dizer. Eu também gosto muito de você. — Arriscou, mas calou a boca em seguida, sentindo as bochechas esquentarem. Definitivamente ela começou mal.

Daniel abriu o sorrisinho de canto e Bianca pensou que aquela covinha fazia todas as dificuldades parecerem insignificantes.

— Mas eu não consigo entender — continuou. — Você não quer nada sério porque não quer me magoar se sumir de novo, mas agora eu entendo o que aconteceu! Se você também gosta de mim, poderíamos só tentar...

— É que não é só sobre eu te magoar, Bianca. Essa é a última coisa que eu quero, claro, mas tem mais coisa envolvida. — Mais uma vez, Daniel tirou o vape do bolso para tragar e Bianca percebeu que ele o fazia sempre que o assunto dificultava. — Eu não quero que você conheça meus pais de jeito nenhum. Desculpa se for merda tocar no assunto, mas... A Vanessa sempre ouvia muita bosta da minha mãe, até racista ela já foi. E eu evito que a Zoe vá lá em casa, porque é a mesma coisa. Meu pai não aguenta cinco minutos sem colocar defeito em qualquer pessoa que respire na frente dele... Desculpa, Bianca. Eu só não quero correr o risco de estragar tudo entre a gente.

A estudante do Madre Cordélia mordeu o lábio inferior e nem soube explicar direito porque sentiu tanta vontade de chorar. Queria dizer que não se importava com nada daquilo, que nunca gostou de outra pessoa como gostava dele e estava disposta a correr o risco de se magoar (porque, né, mesmo se eles tentassem... não quer dizer que estarem namorando no dia seguinte!). Só que Daniel parecia tão certo em suas palavras, tão irremediável a respeito de tentar qualquer coisa.

— Olha, eu espero não soar babaca... — Ele continuou e Bianca percebeu que ficou em silêncio por tempo demais de novo. — Eu gostei de ficar com você naquele dia. Pra caralho. Eu vou entender se você não quiser, óbvio, mas... Não tenho oposições em fazer de novo. Tipo, sempre que você quiser. — Daniel passou a mão pelo cabelo de novo e virou o rosto, claramente sem jeito. — Desde que você saiba que vamos continuar como amigos... E, se não quiser, tudo bem pra mim também. Fico feliz só de passar o tempo com você.

Bianca sentiu um ímpeto de dizer "que tal agora?", até ouvir a última parte. Ela sabia que chegaria a isso, mas ainda assim doía ouvir que eles iriam continuar apenas "amigos". Queria protestar, mas também não parecia justo ignorar os motivos dele. Nossa, será que ele a achava uma babaca por ficar em silêncio por tanto tempo? Era só que... Era tão difícil encontrar as palavras!

Porque o que realmente gostaria de dizer é que, por ele, valeria a pena enfrentar aquelas dificuldades. Que não somente não se importava se sofresse por causa dele, ou dos seus pais... Mas que queria fazer alguma coisa a respeito! Fazer ele entender como era uma pessoa incrível e como todos os absurdos que ouvia não tinham fundamento...

Todos os dias em que se obrigou a ficar distante, remoendo suas inseguranças e achando que seus sentimentos nunca seriam correspondidos foram uma tortura, mas agora estava tão aliviada em saber que eles poderiam voltar ao que eram. Ao mesmo tempo, queria que fossem muito mais. Também queria poder passar todos os dias do seu dia com ele, e fazer muito mais do que fizeram naquela noite da festa...

— Tá, desculpa. Fui idiota em sugerir isso, não quero que você ache que eu só tenho segundas intenções com você e...

— Calma, não! — As palavras saíram como se Bianca finalmente tivesse conseguido desentalá-las da garganta. — Não, não foi idiota, eu... Só não quero falar nada de errado. Eu sinto muito por tudo, pela sua família ser assim! Eu quero muito continuar sendo sua amiga e... — Bianca sentiu o rosto corar. — Eu também não tenho nada contra a... Ficarmos de novo. Enfim! Desculpa por te evitar todos esses dias, eu só achei que você não queria mais nada comigo.

— Nossa, não! De jeito nenhum, Bianca! Eu quero qualquer coisa que você quiser... E não quero perder sua amizade. Desculpa se eu quase estraguei tudo.

Bianca sentiu o ar travar na garganta. Queria beijá-lo. Queria que ele entendesse o alívio que dominava todo o seu corpo ao mesmo tempo que uma agonia pungente apertava seu coração. Queria falar tantas coisas e, ao mesmo tempo, não sabia como dizer absolutamente nada.

Por que sempre sentia tanta dificuldade para se expressar de verdade? Quando estava triste, magoada... E agora, mesmo quando queria dizer algo bom. Que ele era incrível, que fez seu coração bater mais forte desde a primeira troca de olhares e que ela era a garota mais sortuda do mundo por ele se interessar nela.

Mas absolutamente nada saía da sua garganta. O nervosismo mais uma vez travava sua voz e o suor que escorria pela palma das mãos era o único que atestava o que realmente sentia.

Quando o silêncio sufocante a obrigou a se mover, envolveu a cintura dele com os braços, esperando que quando tivesse encostado seu peito nele, Daniel não conseguisse sentir as batidas fortes do seu coração. Ouviu a exclamação de surpresa, mas mesmo o calor de ser igualmente envolvida em um abraço não derreteu aquele pedaço de gelo que prendia as palavras na sua garganta.

Apreciou a forma como ele era vários centímetros mais alto, como se sentia protegida nos braços dele. Como o cheiro cítrico com hortelã do perfume dele se misturava com o petricor.

— Você não estragou nada. Eu também quero... — Tudo. Um pouco mais. A eternidade. — ... qualquer coisa que você quiser. — Se forçou a deixar um riso escapar, a pelo menos tentar demonstrar que não escondia o coração na manga. — Eu estou tão aliviada de saber que não preciso mais ficar braba com você.

Bianca sentiu o peito dele subir quando Daniel soltou um riso, e apertou com mais força a camiseta branca. Desejou com toda a sua força que o tempo parasse para eles. Que só restasse, para sempre, as batidas de seu coração, o som da chuva e aquele calor que quase a fazia acreditar que existiam finais felizes.

— Prometo que não vou mais te dar motivos para ficar brava comigo, tudo bem? — Daniboy disse, com a voz próxima a um sussurro. Então passou as mãos pelos cabelos de Bianca e deu um beijo na testa dela, e a estudante pensou que morreria naquele instante. — Você já terminou seu café, Abelha? Acho melhor voltarmos para a lan antes que eles achem que eu te sequestrei.

Apesar de ser ele quem fez o convite, nem Daniel parecia ansioso para ir embora. Quase como se, assim como Bianca, também tivesse mais milhares de coisas que quisesse falar. A estudante riu de leve, brincou que VH iria lhe matar, mas não o soltou até o último segundo, e nem ele tirou as mãos da sua cintura até ser absolutamente necessário.

Como se aqueles atos pudessem expressar o que não conseguiam botar em palavras.




Nota da autora: 

Se eu ganhasse um centavo por toda a vez que alguém desse a entender que a Bianca enfiou o celular no cu, eu teria dois centavos. O que não é muito, mas é curioso que tenha acontecido duas vezes 🤔

Meu Deus esse capítulo é meu novo xodózinho sabe 😭😭 Eu acho ele tão fofo, eu me derreto toda com o Daniel, eu simplesmente amo como a Bianca queria dizer mais coisas aaa

E eu amo de coração a música da quote. É Things I'll never Say da Avril Lavigne, por favor ouçam e me digam se não é a cara desse capítulo mano 🥺 "Se eu pudesse dizer o que eu quero ver / Eu queria ver você se abaixar sobre um joelho / "Case comigo hoje"" jfjsdafhafuiyasjksd 💜💜

"Marina, atualização tão cedo assim?" SIM EU MAL POSSO ESPERAR PARA VER O QUE VOCÊS VÃO DIZER DESSE CAPÍTULO ESTÁ ÓBVIO???

Eu: *faço meus personagens fazerem coisas duvidosas porém sei a razão por trás disso* / Vocês: *naturalmente, xingam o personagem porque ainda não sabem o que aconteceu* / Eu: MEU DEUS PAREM MEU BEBÊ PODE EXPLICAR 😭😭😭

Mentira, gente 🙏 Não tem ninguém certo ou errado, é mais sobre mostrar todos os lados de uma histórias. Podem continuar xingando e saibam que nem tudo tem justificativa por trás. 

Por favor, não deixem de dar estrelinha e comentar se estiverem gostando da história! Às vezes eu demoro um pouquinho, mas tento responder (e leio!) todos os comentários.

Um beijo enorme a todos, espero que tenham gostado do capítulo 💜

Até segunda-feira! 

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