O Mundo Perdido (1912)

By ClassicosLP

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Obra do inglês Arthur Conan Doyle. More

1. Estamos cercados de heroísmos
3. Uma pessoa perfeitamente impossível
4. É simplesmente a maior coisa do mundo
5. Objeção!
6. Fui o flagelo de Deus
7. Amanhã desapareceremos no desconhecido
8. As fronteiras do Novo Mundo
9. Quem teria imaginado?
10. Aconteceram as coisas mais maravilhosas
11. Minha vez de ser o herói
12. A floresta era pavorosa
13. Uma visão que nunca vou esquecer
14. As verdadeiras conquistas
15. Nossos olhos viram grandes maravilhas
16. Uma procissão! Uma procissão!

2. Tente a sorte com o professor Challenger

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By ClassicosLP

Sempre gostei de McArdle, o velho editor-chefe, rabugento, recurvado e ruivo; e acho que ele até que gostava de mim. Claro, o chefe de verdade era Beaumont, mas ele vivia no ar rarefeito das alturas olímpicas de onde não perceberia nada menor que uma crise internacional ou uma dissidência no gabinete do primeiro-ministro. Às vezes o víamos passando, em sua solidão majestosa, rumo a seu santuário, com os olhos em vaga contemplação e a mente pairando sobre os Bálcãs ou o Golfo Pérsico. Ele estava além e acima de nosso alcance. Mas McArdle era seu primeiro-tenente; era ele quem conhecíamos. O velho assentiu com um meneio quando entrei na sala e levantou os óculos sobre a testa calva.

— Bem, sr. Malone, pelo que ouvi, você tem se saído muito bem – ele disse com seu sotaque escocês gentil.

Agradeci o elogio.

— A explosão na mina foi excelente. Assim como o incêndio em Southwark. Você tem mão boa para descrições. Queria me ver para falar sobre o quê?

— Para pedir um favor.

Ele pareceu alarmado e seus olhos evitaram os meus.

— Ai, ai. Qual?

— Não acha, senhor, que talvez pudesse me enviar em alguma missão pelo jornal? Eu darei meu melhor para cumpri-la e trazer uma boa matéria.

— Que tipo de missão tem em mente, sr. Malone?

— Bem, senhor, qualquer coisa com aventura e perigo. Vou dar o meu melhor, vou mesmo. Quanto mais difícil for, melhor será para mim.

— Você me parece ansioso para perder a vida.

— Para justificar minha vida, senhor.

— Credo, sr. Malone, isso me parece muito... muito exaltado. E temo que os dias desse tipo de coisa já tenham passado. Os custos desse negócio de "missão especial" dificilmente justificam o resultado e, claro, nesses casos apenas um homem experiente, com um nome que gozasse da confiança pública, receberia uma incumbência dessas. Os grandes espaços em branco do mapa estão todos sendo preenchidos, e não há mais lugar para o romance em parte alguma. Mas, espere um pouco! – acrescentou, com um súbito sorriso no rosto. — Falar nos espaços em branco dos mapas me deu uma ideia. Que tal expor uma fraude, um Münchausen moderno, e fazê-lo parecer ridículo? Você pode desmascará-lo como o mentiroso que ele é! Sim, meu caro, isso seria bom. O que lhe parece?

— Qualquer coisa, em qualquer lugar, tanto faz.

McArdle mergulhou em seus pensamentos por alguns minutos.

— Me pergunto se você conseguiria fazer amizade, ou pelo menos conversar com o sujeito – disse enfim. — Você parece ter uma espécie de talento para se relacionar com as pessoas; simpatia, suponho, magnetismo natural, vitalidade juvenil, algo assim. Até eu percebo isso.

— O senhor é muito gentil.

— Então por que não tenta a sorte com o professor Challenger, de Enmore Park?

Ouso dizer que fiquei um pouquinho preocupado.

— Challenger! – gritei. — Professor Challenger, o famoso zoologista! Não foi ele quem quebrou a cabeça de Blundell, do Telegraph?

O editor-chefe sorriu, taciturno.

— Você se incomoda? Não disse que estava atrás de uma aventura?

— Tudo em nome do trabalho, senhor – respondi.

— Exato. Não acredito que ele seja sempre tão violento assim. Acho que Blundell o pegou na hora errada, ou o abordou do modo errado. Você pode ter mais sorte, ou mais tato, ao lidar com ele. Há algo ali que combina com seu estilo, tenho certeza, e a Gazette pode tirar proveito disso.

— Eu realmente não sei nada sobre ele. Só lembro do seu nome ligado ao inquérito policial por agredir Blundell.

— Tenho algumas anotações para orientá-lo, sr. Malone. Estou de olho no professor há um tempinho já – ele pegou um papel da gaveta. — Aqui está um sumário do registro dele. Vou resumir: "Challenger, George Edward. Nascido em: Largs, Escócia, 1863. Educação: Colégio Largs, Universidade de Edimburgo. Assistente no Museu Britânico, 1892. Conservador do Departamento de Antropologia Comparada, 1893. Pediu demissão após desavenças com colegas. Recebeu a Medalha Crayston por Pesquisas Zoológicas. Membro da...", bem, de um monte de coisas, a maioria pequenas, "Sociedade Belga, Academia Americana de Ciências, La Plata etc. etc. Ex-presidente da Sociedade Paleontológica. Seção H da Associação Britânica", e por aí vai. "Publicações: Algumas observações sobre uma série de crânios calmuques, Esboços sobre a evolução de vertebrados, e inúmeros artigos, incluindo "A inegável falácia do Weissmanismo", que causou uma discussão acalorada no Congresso de Zoologia de Viena. Passatempos: caminhada, alpinismo. Endereço: Enmore Park, Kensington, W.". Aqui, leve isto. Por hoje, é o que tenho para você.

Guardei o papel no bolso.

— Um momento, senhor – eu disse, quando percebi que ele baixara a cabeça e eu encarava uma careca rosada. — Não está claro para mim por que vou entrevistar este cavalheiro. O que ele fez?

Ergueu o rosto outra vez.

— Foi para a América do Sul numa expedição solitária dois anos atrás. Voltou ano passado. Esteve na América do Sul, sem dúvida, mas se recusou a dizer exatamente onde. Começou a falar de suas aventuras de forma vaga, mas alguém se pôs a escarafunchar e ele se fechou feito ostra. Ou alguma coisa maravilhosa aconteceu, ou o homem é o rei da mentira, o que é a suposição mais plausível. Ele tinha algumas fotografias danificadas, que dizem serem falsas. Ficou tão irascível que ataca qualquer um que o questione, e joga repórteres escada abaixo. Na minha opinião, ele é apenas um megalomaníaco homicida com certa inclinação para a ciência. Este é o seu homem, sr. Malone. Agora, apresse-se e veja o que consegue fazer com isso. Você já é grandinho o bastante para se cuidar. De todo modo, estará seguro. A Lei de Responsabilidade do Empregador, você sabe.

Um rosto vermelho e sorridente deu lugar outra vez à careca rosada, circundada por uma borda ruiva; a reunião estava encerrada.

Caminhei em direção ao clube Savage mas, em vez de entrar, me inclinei sobre o parapeito do Terraço Adelphi e, por um bom tempo, olhei pensativo para o rio marrom e oleoso. Quase sempre consigo pensar com mais clareza e sanidade a céu aberto. Puxei a lista dos feitos do professor Challenger e a li sob a luz da lâmpada elétrica. Então tive o que só posso considerar uma inspiração. Pelo que me foi dito, eu tinha certeza de que nunca poderia esperar entrar em contato com esse professor rabugento se me apresentasse como jornalista. Mas aquelas recriminações, mencionadas duas vezes no seu esboço de biografia, só podiam significar que ele era fanático pela ciência. Não haveria ali uma margem pela qual ele poderia se tornar acessível? Resolvi tentar.

Entrei no clube. Passava um pouco das onze horas, e o salão estava consideravelmente cheio, embora a agitação de fato ainda não houvesse começado. Notei um homem alto, magro e anguloso sentado numa poltrona perto da lareira. Ele se virou quando puxei minha cadeira para perto dele. De todos, era justamente o homem certo para escolher – Tarp Henry, da equipe da Nature, uma criatura curtida, delgada e seca e, para quem o conhecesse, cheio de generosa humanidade. Fui direto ao assunto.

— O que você sabe sobre o professor Challenger?

— Challenger? – ele franziu as sobrancelhas em desaprovação científica. — Challenger é o homem que veio da América do Sul com uma história para boi dormir.

— Que história?

— Ah, uma bobagem completa sobre uns animais estranhos que ele teria descoberto. Creio que se retratou, depois. De qualquer modo, ele abafou o caso. Deu uma entrevista para a Reuters e causou tal comoção que ele viu que não poderia ir em frente. Era um negócio vergonhoso. Um ou dois sujeitos estavam inclinados a levá-lo a sério, mas ele logo os despachou.

— Como?

— Bem, com sua grosseria insuportável e seu comportamento impossível. Houve o caso do pobre velho Wadley, do Instituto Zoológico. Wadley mandou uma mensagem: "O presidente do Instituto Zoológico apresenta seus cumprimentos ao professor Challenger e consideraria um favor pessoal se concedesse a honra de comparecer a nossa próxima reunião". A resposta foi impublicável.

— Você não me contaria?

— Bem, uma versão amenizada seria algo como: "O professor Challenger apresenta seus cumprimentos ao presidente do Instituto Zoológico e consideraria um favor pessoal se ele fosse para o diabo que o carregue".

— Meu Deus!

— Sim, creio que foi o que o velho Wadley disse. Lembro dele se lamentando no encontro, dizendo: "Em cinquenta anos de experiência em relações científicas...". Deixou o velho sujeito bem arrasado.

— Mais alguma coisa sobre Challenger?

— Bem, você sabe, eu sou bacteriologista. Vivo dentro da lente de um microscópio. Mal posso dizer que de fato percebo qualquer coisa que veja a olho nu. Sou um pioneiro nas fronteiras do conhecido e me sinto um tanto deslocado quando saio de meu estúdio e entro em contato com vocês, criaturas grandes, brutas e corpulentas. Sou desligado demais para dar bola para escândalos e, ainda assim, em conversas científicas, tenho ouvido coisas sobre Challenger, pois ele é um desses homens que ninguém consegue ignorar. Ele é tão esperto quanto o pintam, uma bateria carregada de força e vitalidade, mas também caprichoso, ranzinza e brigão, além de inescrupuloso. Ele se deu ao trabalho de falsificar fotografias, no negócio da América do Sul.

— Você disse que ele é caprichoso. Qual é sua mania particular?

— Ele tem centenas, mas a mais recente se relaciona a Weissmann e à evolução. Ele provocou uma discussão acalorada em Viena, creio eu.

— Sabe dizer qual era o ponto de vista dele?

— No momento não, mas temos uma tradução da conferência. Ela está arquivada na redação. Você gostaria de aparecer por lá?

— É justamente o que quero. Tenho que entrevistar o sujeito e preciso de uma pista sobre ele. É incrivelmente gentil da sua parte me ajudar. Vou com você agora, se não for muito tarde.

Meia hora depois, eu estava sentado na redação do periódico com um imenso livro à minha frente, aberto no artigo "Weissmann versus Darwin", com o subtítulo "Protesto acalorado em Viena. Vívidos debates". Como minha educação científica foi um tanto negligente, não fui capaz de acompanhar a argumentação inteira, mas era evidente que o professor inglês lidou com seu tema de modo bastante agressivo, irritando seus colegas continentais. "Protestos", "gritaria" e "apelos gerais ao presidente da mesa" foram três das primeiras citações que me chamaram a atenção. Em meu cérebro, para todos os efeitos, a maior parte do assunto bem poderia ter sido escrita em chinês.

— Gostaria que você traduzisse para mim – disse, patético, a meu colega.

— Mas já está traduzido.

— Então é melhor tentar minha sorte com o texto original.

— Certamente é aprofundado demais para um leigo.

— Se eu pudesse ao menos achar uma única frase que fosse boa, suculenta, que convergisse para alguma forma concreta de ideia humana, já me serviria. Ah, sim, essa aqui serve. Quase consigo compreendê-la vagamente. Vou copiar. Vai ser minha conexão com esse professor terrível.

— Algo mais que eu possa fazer?

— Bem, sim. Estou me propondo a escrever para ele. E se eu puder remeter a carta daqui, usando seu endereço, ela teria a aparência certa.

— E teríamos o sujeito vindo aqui, fazendo uma cena e quebrando a mobília.

— Não, não. Você vai ver a carta, nada controverso, garanto.

— Bem, aqui estão minha cadeira e minha mesa. Você encontra papel aqui. Eu gostaria de revisá-la antes que a envie.

Deu algum trabalho mas, modéstia à parte, quando terminada não ficou nada má. Eu a li em voz alta, para a crítica do bacteriologista, com certo orgulho de minha habilidade.

— "Caro professor Challenger" – dizia a minha carta –, "como humilde leitor da Nature, sempre tive o mais profundo interesse por suas especulações sobre as diferenças entre Darwin e Weissmann. Recentemente, tive a oportunidade de refrescar minha memória relendo..."

— Seu grande mentiroso – murmurou Tarp Henry.

— "... relendo sua palestra magistral em Viena. São declarações lúcidas e admiráveis, que parecem ser a palavra final sobre o assunto. Há uma frase nela, porém – esta, para ser preciso: 'Protesto com veemência contra a asserção, insuportável e inteiramente dogmática, de que cada id seja um microcosmo possuidor de uma arquitetura histórica lentamente elaborada ao longo de uma série de gerações'. Considerando as pesquisas recentes, o senhor não teria nenhum desejo de modificar essa declaração? Não crê que seja taxativa demais? Com sua permissão, eu solicitaria o favor de uma entrevista, já que o assunto me interessa e tenho algumas sugestões que gostaria de elaborar numa conversa privada. Com seu consentimento, confio que terei a honra de ser recebido no dia depois de amanhã (quarta-feira) às onze da manhã. Permaneço, senhor, com garantias do mais profundo respeito, ao seu dispor. Edward D. Malone" – e perguntei, triunfante: — Que tal?

— Bem, se sua consciência não lhe pesa...

— Ela nunca me faltou até hoje.

— Mas o que você pretende fazer?

— Entrar lá. Uma vez que eu estiver na sala dele, posso dar um jeito. Talvez até mesmo chegue a confessar tudo. Se ele tiver espírito esportivo, vai se sentir instigado.

— Instigado, pois sim! É mais provável que seja ele a instigar. Uma cota de malha ou um uniforme de futebol americano, isso é o que você vai precisar. Bem, até logo. Terei uma resposta para você aqui na quarta-feira pela manhã, se ele se dignar a responder. É um sujeito rabugento, violento e perigoso, detestado por todo mundo que cruza seu caminho, e motivo de chacota para seus alunos, até onde ousam tomar alguma liberdade com ele. Talvez tivesse sido melhor para você se nunca tivesse ouvido falar nesse sujeito, afinal.

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