Martín
Quase dois meses que estou trabalhando na Delvecchio's e acabei me adaptando a rotina. O pessoal me trata com respeito e ouso dizer que me admiram um pouco, como sócio e vice-presidente da corporação.
Por outro lado, me pergunto onde errei, eu e Julieta estamos em uma distância considerável, parece que aqueles momentos íntimos ficaram na viagem.
Não sinto que seja uma rejeição, mas as responsabilidades e a rotina corrida na empresa nos deixa assim.
Outros dois pontos, seriam que: ela precisa ter uma imagem forte a passar na empresa, acredito que sair aos beijos com a chefe, talvez fosse mal compreendido.
E por fim, os ensaios para o casamento de Celina vão começar e ela ficará cada vez mais sem tempo, e eu me pergunto se devo avançar ou ficar observando de fora.
Caminho distraído nas ruas agitadas de Milão, depois de passar na cafeteria Caffè Buongiorno e pegar dois cafés completos. Até que meu coração salta em um grande susto.
— Mas...o que?! Aquela é a Cynthia? — Aperto os olhos, forçando a visão tentando ver uma mulher que está a uns bons metros de mim.
Assim que tento olhar para ela, a mulher some pela multidão.
Você sente falta dela, Martín? Você deve estar louco!
Caminho tentando espairecer, enquanto entro no prédio da Delvecchio's. Hoje será um dia cheio, muitas reuniões com a agência de modelos e com as decorações da festa.
— Bom dia, Senhor Martín! — uma das secretárias cumprimenta com um largo sorriso e voz forçadamente açucarada.
— Olá. — Digo um tanto sério e entro na cabine do elevador.
— o que?! Mentira! Ele foi grosseiro assim? — Ouço a voz incrédula de Celina, me deixando um tanto curioso.
— Quem diria… — a estagiária que decidiu ficar na filial como assistente, concorda com as mãos da boca.
— Sim! Ele pisou nos meus pés e foi um nojento naquele ensaio! — Julieta esboça uma careta e eu sinto meu estômago revirar e um sentimento um tanto desconhecido agoniar meu peito.
— Eu daria um show. — diz Angelina rindo.
Respiro fundo, tentando manter a calma e saio do corredor, revelando minha presença.
— Uh! A fofoca está boa, hein meninas! — Tento descontrair.
— E como! — Celina sorriu se levantando e indo a sua mesa.
— Como vocês estão?— Pergunto olhando para as três mulheres em minha frente.
— Bem! — Elas dizem em unissono com um sorriso.
— Juli, a hora! — Celina avisa.
- Sim! — Julieta sorri e olha para seu relógio. Temos uma reunião! — arregala os ollhos e corre para a sua sala
— Trouxe café! — Dou risada seguindo ela.
Seguimos para a sala de reunião, com um certo ânimo, sento ao lado de Julieta e abro meu tablet observando a pauta.
Agência de modelos e possíveis projetos para as novas peças. Ok.
O pessoal começa a chegar e se sentam em seus lugares.
— Bom dia a todos! Obrigada por estarem aqui, a reunião de hoje tem como tema principal escolher agências de modelos e olharmos possíveis projetos. Fiquem à vontade! — Julieta saúda em um tom polido.
Depois de muitos projetos de peças apresentados, muitas opiniões, sugestões e decisões o assunto se encerra.
— Bom, em resumo, no desfile precisamos de modelos com o tema árabe, mas também precisamos de uma coleção especial para ir às lojas de toda a Europa, roupas de festas e do dia a dia. Se empenhem! — Julieta diz firme.
— Bom, agora acho que podemos ir para o assunto agências de modelos...sim? — Guio com cuidado a reunião.
— Isso mesmo! — Julieta confirma. — Gabrielle disse que tinha uma boa sugestão,mas estamos abertos a opiniões.
Todos instintivamente olhamos para Gabrielle, uns dos desenhistas, que sorri um tanto sem jeito.
— Na verdade...— Ele inicia um tanto tímido com tanta atenção. — Ela é uma grande amiga, está em férias mas procurando projetos, acredito que conheçam...Cynthia Williams, ela administra sua própria agência de modelos de renome em Nova York, além é claro, de ser uma estilista muito famosa.
Sinto meu corpo gelar. Meus olhos não me enganaram! Férias? Será mesmo?
— Que maravilhoso, Gabrielle! — Antonella, uma das estilistas, sorri empolgada.
— Sim, é perfeito! — O homem toma certa confiança e sorri. — Inclusive, ela estava pela região, se todos concordarem, poderia apresentá-la. O que acha, senhorita Delvecchio?
— Bem...— Julieta olha ao redor e eu acompanho, notando como todos esperam sua aprovação. — Precisamos encontrar uma boa agência, alguém tem outra sugestão? — muitas cabeças balançam em negação. — Então, acho que podemos conhecê-la e explicar o projeto, temos algumas especificidades.
— Obrigada, senhorita! Vou contatá-la. — Gabrielle se levanta em um salto.
— Faremos uma pausa de vinte minutos! — Julieta sentencia e as pessoas se levantam devagar.
Cynthia está totalmente confortável, apresentando portfólios e books mostrando suas modelos.
Ela deixou o nosso passado em silêncio e agradeço mentalmente esse lado profissional dela, mas sei que ela conversa com os olhos fixos em mim e sinto que as pessoas podem perceber algo.
Ela é ótima profissional, mas não sei se quero que saibam disso, não tenho muito orgulho, ela me fazia ser outro e eu não gosto disso.
— Achei muito interessante o conceito e o projeto da empresa — Cynthia inicia observando a pasta que está se formando com todos os dados da festa. — Posso convocar minhas meninas, mas não quero ser xereta, mas acredito que os looks mais... Tendenciosos poderiam ser apresentados por elas e os do dia a dia por modelos daqui.
— Ahn...Sinto que isso não vai ser possível. — Julieta a interrompe com certa delicadeza mas Cynthia não percebe porque seus olhos estão fixos em mim. — Valorizamos a cultura local, pode convocar suas modelos, entretanto nossas modelos e elas usariam tanto peças do dia a dia como os tendenciosos que você citou.
— Mas...Elas tem experiência com roupas mais modernas, vivem em Nova York, acredito que seria uma boa experiência...— Cynthia insiste.
— Senhorita Williams, estamos em Milão, berço da moda, temos muita experiência. E estamos completando oitenta e cinco anos de história, por isso será do modo que eu indiquei.
— Entendo...— Cynthia não tira seus olhos de mim e acredito que todos já notaram, o que acaba me deixando extremamente nervoso. — Mas sei que o senhor Palaviccini concorda comigo, estou certa? — Seus olhos faíscam e todos olhares se voltam para mim.
Engulo em seco, sem saber o que fazer, ela foi muito indiscreta, mas antes que eu possa responder, meu telefone que está sobre a mesa, dispara em um toque barulhento e o nome Mamma aparece no ecrã.
— Eu preciso atender! — Digo um tanto nervoso e aceitando a ligação. — Mamma?
— Martín! Venha depressa! — Ela grita para meu socorro e desespero.
— Estou a caminho! — Grito enquanto saio correndo pelos corredores da empresa, ignorando todos.
Entro no carro, com o coração sobressaltado, que todos estejam bem! Repito como um mantra enquanto dirijo para casa.
Quinze minutos depois, estaciono de qualquer jeito e abro a porta principal em total desespero.
— Mamma? — Grito pela casa.
— Aqui! — Ouço sua voz no jardim e sigo em sua direção.
— O que aconteceu?! Me aproximo.
— Seu irmão está pendurado no limoeiro parece que quebrou o pé! Me ajude! — Mamma diz dramática enquanto eu corro ao fim do jardim em direção a árvore.
— Martín! — Meu irmão grita com ar choroso. — Me ajuda!
Suspiro tranquilo, olhando ele de cabeça para baixo, com o pé preso sobre um galho. Ele vai ficar bem!
— Estou indo! — Digo caminhando até ele.