Se a gente se casar domingo?

By thalytamartiins

4.3K 1.3K 1.2K

Para Danilo Torres não há ninguém no mundo mais adequado do que ele mesmo para assumir a presidência da empre... More

Oi :)
Se a gente se casar domingo?
Capítulo 01 - Danilo
Capítulo 02 - Leila
Capítulo 03 - Danilo
Capítulo 04 - Leila
Capítulo 05 - Danilo
Capítulo 06 - Leila
Capítulo 07 - Danilo
Capítulo 08 - Leila
Capítulo 09 - Danilo
Capítulo 10 - Leila
Capítulo 11 - Danilo
Capítulo 12 - Leila
Capítulo 13 - Danilo
Capítulo 14 - Leila
Capítulo 15 - Danilo
Capítulo 16 - Leila
Capítulo 17 - Danilo
Capítulo 18 - Leila
Capítulo 19 - Danilo
Capítulo 20 - Leila
Capítulo 21 - Danilo
Capítulo 22 - Leila
Capítulo 23 - Danilo
Capítulo 24 - Leila
Capítulo 25 - Danilo
Capítulo 26 - Leila
Capítulo 27 - Danilo
Capítulo 28 - Leila
Capítulo 29 - Danilo
Capítulo 30 - Leila
Capítulo 32 - Leila
Capítulo 33 - Danilo
Capítulo 34 - Leila
Capítulo 35 - Danilo
Capítulo 36 - Leila
Capítulo 37 - Danilo
Capítulo 38 - Leila
Capítulo 39 - Danilo
Capítulo 40 - Leila
Capítulo 41 - Danilo
Capítulo 42 - Leila
Capítulo 43 - Danilo
Capítulo 44 - Leila
Capítulo 45 - Danilo
Capítulo 46 - Leila
Capítulo 47 - Danilo
Capítulo 48 - Leila
Epílogo
Agradecimentos :')

Capítulo 31 - Danilo

64 23 20
By thalytamartiins

Não sei o que é mais surpreendente, se é minha mãe e Leila estarem amiguinhas ou se é Leila ter achado que estava tudo bem deixar minha mãe passar uns dias na minha casa. De qualquer forma, estou com a cabeça ardendo com a segunda opção.

Evito minha mãe e Marcos o máximo que posso e eu deveria ter adivinhado que tinha sido uma ideia ruim ligar para o meu irmão no caminho para o trabalho, para saber o que ele faria se Valéria estivesse brava por algum motivo que ele não conseguisse entender. Em algum momento da nossa conversa, acabei contando sobre o ocorrido com Leila e ele não deve ter esperado nem um segundo após termos finalizado a ligação para contar à nossa mãe. Andressa me avisou que a tinha encontrado no caminho e que as duas estavam indo para a minha casa, mas nem nos meus mais remotos pesadelos eu iria cogitar que uma visita da minha mãe terminaria assim.

Sendo sincero, faz muito tempo que eu não a via tão empolgada. Ela escolheu as melhores frutas, legumes e verduras para levar para casa, comprou carne de porco, que eu detesto, mas que, segundo ela, Leila adora, e disse que vai preparar comida decente para nós dois. O mais incrível disso tudo é que minha mãe agora sabe mais sobre minha esposa do que eu mesmo e eu acho impressionante como Leila se recusa a ter uma conversa adequada comigo, mas já se abriu como um livro para minha mãe, que até ontem a detestava.

Depois que saímos do mercado, minha mãe ainda me faz ir até a casa dela para pegar uma pequena mala de roupas para os próximos dias. Ela faz a mesma coisa com Marcos e Valéria de vez em quando e meu maior medo era que fizesse comigo também. Pelo que escuto meu irmão e minha cunhada reclamarem, minha mãe é muito espaçosa e costuma dar palpite em absolutamente tudo, duas coisas que eu particularmente odeio que as pessoas façam comigo.

No entanto, apesar de toda essa situação, nada está me preocupando mais do que minha mãe abrindo a porta do quarto de hóspedes aterrado com a bagunça de Leila. Não tenho outro quarto em casa e isso é um problema gigantesco, pois significa que Leila vai ter que dormir comigo. Me questiono se minha digníssima esposa e agora melhor nora do mundo sabia o que significava dona Roberta dormindo debaixo do mesmo teto que nós dois e se conseguiu sumir com toda a bagunça que ela fez no quarto durante as horas que ficamos fora.

Nossa rotina inteira vai mudar nos próximos dias, vamos ter que tomar cuidado com todas as palavras que saírem das nossas bocas e as nossas demonstrações de carinho vão ter que se tornar mais recorrentes ou minha mãe vai ter certeza de que estava certa ao ser contra o casamento desde o início. Só de pensar nessas complicações eu fico todo tenso, mais ainda só de imaginar o quanto tudo será desconfortável dentro daquela casa.

— Tem notícias do netinho de Carmen, filho? — Minha mãe pergunta durante nossa subida lenta de elevador.

— Eu liguei ontem para Vitor, ele me disse que Andrezinho está se recuperando bem da primeira cirurgia.

— Graças a Deus. — Minha mãe suspira, aliviada. — Vamos combinar uma visita quando ele tiver alta do hospital.

— Vamos? — Questiono, arqueando as sobrancelhas em desconfiança.

— Claro que vamos! Você, eu e Leila. — Ela responde tão radiante que eu conseguiria ver seu sorriso até de costas.

Mudo algumas sacolas de compras de mão e respiro fundo. Cada segundo com minha mãe está fazendo esse pesadelo se tornar mais e mais real.

— A senhora e Leila se deram bem mesmo, hein?

— Ah, ela é uma gracinha, Danilo!

Engraçado que, nas palavras da minha mãe, Leila até ontem era uma fingida que eu arrumei para convencer meu avô de que sou um homem mudado.

— E o que vocês conversaram hoje o dia todo?

— A maior parte da nossa conversa envolvia você, óbvio.

Minha mãe sai pela porta do elevador assim que chegamos ao nosso andar, caminhando depressa para chegar ao apartamento o quanto antes e começar a cozinhar só Deus sabe o quê. Ela sempre gostou da cozinha, a maioria das minhas memórias de infância com minha mãe só reforçam isso, apesar de eu também me lembrar bem dela chegando em casa exausta do trabalho e se jogando no sofá com os pés sobre as pernas do meu pai, rindo.

— O que a senhora disse para ela?

Ela me olha por cima do ombro e pisca um olho.

— É segredo!

— Mãe! — Reclamo, alarmado. Entretanto, já é tarde demais, pois chegamos ao apartamento e não podemos mais ter essa conversa sem que Leila nos ouça.

Sinto calafrios só de imaginar a quantidade de histórias vergonhosas que minha mãe contou a Leila sobre mim. Eu fui uma criança inquieta e um adolescente que deu algum trabalho, principalmente ao meu avô, e eu preferia que Leila não soubesse nada dessas coisas.

Minha mãe entra em casa chamando por Leila, que sai de dentro do meu quarto enxugando o cabelo com uma toalha. Semicerro meus olhos para ela, me perguntando se ela usou meu banheiro particular. Nunca encarei aquilo como um problema, porque obviamente eu tinha em mente que nunca a veria usando os poucos espaços da casa que ainda são só meus. Tudo bem que eu disse que ela poderia dormir na minha cama mais cedo, mas conheço Leila, sei que ela sequer considerou entrar no meu quarto, só que agora eu já não tenho mais certeza disso, até porque não temos escolha que não seja entrar cada vez mais um no espaço do outro durante a permanência da minha mãe aqui.

— Danilo, leve as compras para a cozinha, por favor. — Minha mãe pede, voltando a conversar alguma coisa com Leila em seguida, as duas fingindo que eu nem estou em casa ouvindo aquela interminável fofoca de mulheres.

Com a paz reinando nessa casa, até meu cachorro parece mais tranquilo para circular pelos cômodos. Como vim mais cedo para casa, deixei algum serviço para trás, então enquanto minha mãe e Leila gargalham na cozinha, aproveito para terminar algumas coisas que comecei. Fabrício não deu sinal de vida e nem o pai dele, o que está me preocupando demais. Eram contratos notórios e que fariam diferença para a Eco Habitação, coisa que eu não devia ter deixado passar nem de brincadeira.

Reviso alguns projetos que Alexandra me enviou há alguns dias e que não dei retorno. Se semanas atrás eu estava fazendo meus funcionários se desdobrarem para darem conta do trabalho, hoje sou eu que tenho que suar para acompanhar as coisas na empresa. Não vejo a hora da assembleia do Grupo chegar e eu finalmente poder me sentar na cadeira da presidência. Pensar que no fim todo meu esforço terá valido a pena, me faz ficar firme e aguentar o excesso de trabalho como posso.

O cheiro de comida enche a casa, despertando meu estômago esfomeado. Faz muito tempo desde que alguém preparou comida de verdade nessa casa e só o aroma me deixa inebriado. Luto algum tempo contra minha fome, mas é impossível resistir a comida da minha mãe e ela usa esse feitiço muito bem contra todo mundo. Encosto o notebook e sigo para a cozinha, com Sansão no meu encalço.

Minha mãe se vira para mim com uma vasilha de salada nas mãos assim que me aproximo do balcão que divide a sala da cozinha planejada.

— Bem na hora. Lave as mãos para comer!

Me sinto como uma criança quando ela fala essas coisas. Depois de tudo que aconteceu com a nossa família no passado, às vezes é até difícil para mim ver minha mãe como minha mãe. As memórias que tenho da minha infância, após meu pai ter falecido, em sua maioria são de Carmen ou de vó Iêda fazendo o papel de mãe, já que a minha mãe de verdade sempre estava indisponível quando eu precisava.

Não gosto de ficar remoendo essas coisas, por isso lavo minhas mãos e me sento à mesa. Leila se senta ao meu lado, como no jantar que tivemos na casa da tia dela há umas semanas atrás. Minha mãe se senta na cadeira vaga do meu outro lado e começa a servir a comida no meu prato diligentemente, evitando a carne de porco que eu detesto. Algum resquício do Danilo criança fica feliz por ela ainda se lembrar das coisas que não gosto.

— Espero que você goste, filho. — Minha mãe diz ao colocar o prato cheio na minha frente.

Confesso que já estou comendo tudo isso com os olhos, mas provar o tempero de dona Roberta é mil vezes melhor. A comida dela me lembra os domingos em casa, a risada do meu pai e uma vida que perdemos muito precocemente. Entretanto, ao invés de doer como a maioria das lembranças que tenho do passado, estar sentado nesta mesa com Leila e minha mãe me dá a estranha sensação de que está tudo bem... Ao menos por hora.

Me inclino sobre a mesa para me servir de mais macarrão, que especialmente está muito bom, quando Leila pergunta:

— Gostou do macarrão?

— Claro! Está muito, muito bom mesmo!

Ela abre um sorriso largo e eu entendo tarde demais que ela ficou feliz porque esse é o famoso macarrão ao molho branco que os amigos dela vivem dizendo que é excelente; o mesmo macarrão que ela fez no nosso primeiro dia morando juntos e que eu não comi.

Penso que ainda está em tempo de remendar algumas coisas do início da nossa vida de casados, por isso eu como com ainda mais gosto, para que ela veja que eu me arrependo bastante de ter deixado de provar a comida dela antes.

Quando terminamos o jantar, minha mãe não deixa que Leila e eu a ajudemos a arrumar a cozinha. Ela nos incentiva inocentemente a irmos para o quarto, com a desculpa de que já está tarde e que ela prefere organizar tudo sem ninguém por perto. O porém de toda situação é que tanto Leila, quanto eu estamos evitando como podemos o momento em que teremos que dividir a mesma cama. Todavia, diante do inevitável e sem poder enrolar mais no sofá da sala, nós damos boa noite à minha mãe e nos dirigimos para o meu quarto sob um silêncio tenso.

A primeira coisa que vejo ao abrir a porta é que Leila jogou as coisas dela por todo canto, provavelmente desesperada para que minha mãe não encontrasse nenhum vestígio no quarto de hóspedes. Agora é meu quarto que está uma bagunça e eu nem posso reclamar, porque ela teve que fazer isso às pressas enquanto eu levava minha mãe ao supermercado.

— Prometo que vou dar um jeito nisso o quanto antes. — Ela rapidamente se explica, se abaixando diante das malas com roupas saindo pelas beiradas e tentando ajeitar a bagunça inutilmente.

— Está tudo bem. — Digo, mesmo sabendo que não está tudo bem.

Não suporto coisas reviradas, nunca encontro nada e ainda fico irritado por ter que perder tempo procurando. Passo longe de ser um maníaco por limpeza, mas acho que toda bagunça tem limite e Leila não coloca limite na dela, infelizmente.

— Eu usei seu banheiro, porque fiquei com receio de vocês chegarem e eu ter que me explicar sobre o banheiro comum.

Olho para a porta aberta do meu banheiro, pedindo a Deus que esteja menos bagunçado que meu quarto no momento.

— Você pode ficar à vontade aqui. — Faço um gesto indicando o quarto. — Tem lençóis e cobertores na parte de cima do guarda-roupa, você pode pegar o que precisar.

— Tudo bem. Obrigada. — Ela responde visivelmente sem graça.

— Vou tomar um banho agora. — Me afasto em direção ao banheiro, mas volto no meio do caminho ao me lembrar de pegar uma toalha e pelo menos um shorts, porque não vou poder passear pelado pelo quarto com Leila aqui.

Ela me olha andar todo confuso de um lado para o outro e eu sinto que há alguma coisa ainda não dita entre nós.

— Me desculpe por ter concordado com sua mãe ficar aqui. É que ela passou a tarde toda falando sobre você e o quanto você ainda é o bebê dela... — Leila puxa o ar com força e me encara, séria. — Ela sente muito a sua falta, Danilo, mais do que você imagina.

Não sei nem como responder ao que Leila diz, então prefiro o silêncio. Há coisas demais entre minha família e eu, e eu passei mais da metade da minha vida sem dedicar muito tempo pensando nos meus problemas ou falando sobre eles para começar a fazer isso agora.

Leila entende meu silêncio como um ponto final na nossa conversa e volta a tentar colocar as roupas espalhadas pelo chão nas malas. Me enfio dentro do banheiro, trancando a porta para ter a mínima sensação de que posso ficar sozinho com meus pensamentos. Gosto de deixar a água escorrer pelo corpo da cabeça aos pés para abafar o turbilhão de coisas que me ocorrem, e pelo menos hoje vou me permitir não me sentir culpado por estar desperdiçando a água do planeta.

Acho uma boa ideia lavar meu cabelo, mas meu vidro de shampoo está seco depois que Leila acabou com ele. Às vezes, quando eu a vejo saindo do banho, consigo sentir meu cheiro nela e isso me deixa meio confuso. É estranho sentir seu próprio cheiro em alguém, é como se aquilo não te pertencesse mais e desde que Leila veio morar aqui sinto que poucas coisas me pertencem, a começar pelo meu cachorro.

Quando saio do banheiro, eu a vejo sentada na beirada da cama correndo os olhos por alguns papéis. Leila está de costas para mim, balançando os pés distraidamente enquanto vira uma folha, depois outra e mais outra. Me lembro da médica que a atendeu no pronto atendimento dizendo que Leila precisava relaxar e descansar, e só por causa disso eu me aproximo na ponta dos pés e puxo os papéis das suas mãos.

Leila dá um pulo na cama, franzindo as sobrancelhas escondidas pelos óculos. Ela cruza os braços, se preparando para me repreender.

— O que você acha que está fazendo?

— Cuidando para que você não fique doente de novo.

Me acomodo no lado que está implícito ser o meu na cama e folheio os papéis. Meu humor azeda ao ver o nome e o carimbo de Heitor nas páginas. É inacreditável o poder desse infeliz de estragar meus momentos. Jogo os papéis sobre minha mesinha de cabeceira, perdendo o interesse no que quer que seja aquilo.

— Sabia que eu preciso conferir isso direitinho antes de reenviar para Heitor?

— Heitor pode esperar, tenho certeza que ele entende.

Leila revira os olhos para a minha ironia. Ela engatinha pela cama e estende as mãos sobre mim para pegar os documentos. Eu a afasto com um braço, deixando-a a uma distância considerável de qualquer coisa que remeta ao trabalho e Heitor — principalmente Heitor.

— Danilo! — Ela reclama, impaciente.

— Hoje, não. — É minha resposta final, mas Leila não parece satisfeita.

Ela segura meu braço com força, tentando se livrar da barreira humana que eu me tornei entre ela e a mesinha de cabeceira. Quase fico compadecido com o esforço de Leila para pegar aquela porcaria, mas a possibilidade de implicar com ela fala mais alto e eu a deixo continuar usando toda sua força contra mim antes de abaixar o braço repentinamente, fazendo-a tombar em minha direção.

Leila só não cai com o rosto no meu peito, porque usa as duas mãos para se apoiar nos meus ombros. Ela aperta minha pele com força pelo susto e eu não consigo segurar o riso ao vê-la toda assustada se agarrando a mim desse jeito.

— Você vai precisar comer mais para conseguir me vencer numa queda de braço.

Ela olha primeiro para as mãos ainda nos meus ombros e depois para mim, bem dentro dos meus olhos, por cima dos óculos que estão quase caindo do seu rosto. Um calafrio percorre minha espinha sem nenhum motivo aparente, e mesmo que eu esteja pensando em mais algum comentário engraçadinho para fazer, nada sai da minha boca.

Leila se afasta subitamente de mim e se senta sobre os calcanhares. Ela aperta os lábios e começa a entrelaçar e desentrelaçar os dedos das mãos, como se não soubesse direito o que fazer com eles. Apesar dos segundos se arrastarem, eu ainda consigo sentir a pressão das mãos dela na minha pele, espalhando lentamente um calor até então desconhecido por todo o meu corpo.

— Eu... eu... — Leila começa a dizer, o tom baixo demais, abafado demais, e a esta altura eu já a conheço o bastante para saber que ela está nervosa. — Eu... Eu vou deixar para ler isso amanhã.

— Isso, amanhã você vê isso. Agora é melhor dormir. — Tento sorrir para ela, mas está na cara que não consigo ser convincente.

Jogo minhas pernas para fora da cama e fico de pé, sentindo a mesma necessidade de me afastar dela que eu já senti outras vezes. Entretanto, agora essa necessidade é mais urgente, tão urgente que eu não consigo confiar em mim mesmo no momento.

— Vou beber um pouco d'água e ver como Sansão está dormindo.

Leila concorda com a cabeça, sem conseguir me encarar direito. Não sei o que está acontecendo com a gente essa noite, mas definitivamente não estou sentindo isso sozinho, o que é pior ainda.

Saio do quarto totalmente desorientado. Minha mãe já terminou tudo na cozinha e deve estar passando produtos de beleza no rosto no quarto de hóspedes. Se ela não estivesse aqui, juro que eu já teria trocado de roupa e saído pela porta do apartamento para não voltar tão cedo, mas não posso fazer isso hoje. Droga, eu não tenho nem como fugir!

Passo pela porta da varanda e me apoio no beiral, tomando fôlego. Me recuso a dar razão à Tales, mas não posso ignorar que bastou um segundo, um segundo de nada para que eu ficasse nesse estado. Agora eu só preciso entender como não ficar assim, ou melhor, como convencer meu corpo inteiro do perigo que nós dois estamos correndo.

Nunca dormi tão mal em toda minha vida. Passei metade da noite em claro, ciente demais de Leila dormindo comigo na mesma cama, e a outra metade eu tentei me equilibrar no pequeno pedaço de colchão que me restou depois dela ter se espalhado pela cama inteira. Leila se mexe demais, puxa o cobertor e não adianta de nada fazê-la voltar para o seu canto, porque no minuto seguinte ela está quase em cima de mim de novo.

A última vez que conferi o relógio do meu celular, já passavam das 4h30min e eu ainda estava olhando para o teto sem conseguir dormir. Acho que cochilei depois disso e acordei numa situação muito pior do que a que eu estava quando acordado.

Me deparei com a cabeça de Leila no meu travesseiro e nossos narizes a um milímetro de distância. Por longos minutos eu não soube o que fazer, então apenas fiquei ali, em silêncio, assistindo-a dormir. Eu já havia reparado no quanto ela parece frágil de olhos fechados, mas ainda assim eu sempre me surpreendo, porque a Leila com quem convivo todos os dias é bem diferente. Dormindo e sem levantar a armadura de sempre, eu quase consigo sentir que posso me aproximar dela e desde ontem essa ideia não para de passar pela minha cabeça.

Fui obrigado a deixar o transe em que entrei ao observar Leila dormir por causa do meu cachorro arranhando a porta do quarto. Ele anda bem carente de atenção ultimamente e eu acho uma boa ideia aproveitar que acordei cedo para levá-lo para dar uma volta pelo condomínio, o que vai ser bom para mim também, afinal depois de ontem eu preciso de um tempo para colocar minha cabeça no lugar.

Tento fazer o mínimo de barulho possível para não acordá-la, enquanto me preparo para sair, mas ela acaba despertando mesmo assim. Leila pisca os olhos sonolentos e se espreguiça no meu lado da cama.

— Dormiu bem? — Pergunto, tentando colocar a coleira em Sansão, que agora não quer parar quieto já que Leila acordou.

Leila se senta na cama e sorri, sonolenta.

— Dormi como uma pedra.

Pelo menos alguém aqui dormiu, penso comigo mesmo.

— Vai levar Sansão para passear?

— Sim. Depois vou deixá-lo no pet shop.

Leila desliza para fora da cama e pega meu cachorro de mim, erguendo-o diante dos olhos.

— Você vai ter um dia de príncipe, Sansão? Você vai? — Ela afina a voz algumas oitavas para falar com o cachorro como se fosse um bebê.

Balanço a cabeça, indignado com aquilo. Leila vai estragar meu cachorro o mimando desta forma. Pego meu celular e meus fones de ouvido da mesinha de cabeceira e saio do quarto, Leila vindo logo atrás.

Minha mãe aparece pela porta do quarto de hóspedes, toda sorridente e animada para um sábado de manhã. Eu espero que o sorriso dela seja porque achou péssimo ficar aqui e quer ir para casa o quanto antes. Juro que até adio meu passeio com Sansão para levá-la embora, se necessário.

— Que bom que vocês já acordaram! O que querem comer no café da manhã?

Minhas esperanças murcham como um balão quando ela diz aquilo.

— Eu não tomo café, mãe.

— Leila toma. O que você vai querer, Leila?

— Não precisa se incomodar, dona Roberta.

— Por que não? Por acaso vocês estão indo sair? — Ela passa os olhos pelas minhas roupas esportivas e então olha para Leila vestida com uma calça de moletom amarrotada e uma blusa grande demais para ela.

— Vou levar Sansão para passear.

— Ah, que ótimo! — Minha mãe bate palminhas animadas. — Vá junto, Leila. Vai te fazer bem tomar um pouco de vitamina D.

E pronto, aquelas palavras de dona Roberta são o suficiente para arruinar toda a minha ideia de passar um tempo sozinho.

Não sei que poder de persuasão é esse que minha mãe exerce sobre Leila, mas ela consegue convencê-la a vir caminhar comigo pelo condomínio, mesmo sendo uma das pessoas mais sedentárias que eu conheço. Não estamos andando nem há quinze minutos e Leila já está reclamando de dores nas pernas e do sol, dizendo para nos sentarmos em alguma sombra para descansar um pouco.

Coloco meus fones de ouvido para não escutá-la reclamar e continuo andando. Sansão está ziguezagueando a nossa frente, fazendo xixi em praticamente toda planta que encontra pelo caminho. Tadinho, devia estar para morder alguém com tanta gente em casa de uma hora para outra.

Leila para de acompanhar meus passos em dada altura, e eu preciso parar e olhar para trás para vê-la mancando. Os tênis que ela está usando não são adequados para exercício físico e as roupas menos ainda, mas era o que ela tinha para usar hoje, porque até então ela só corria para pegar ônibus, ou pelo menos é o que ela me disse.

— Porcaria de vitamina D! Eu só queria continuar dormindo. — Leila resmunga ao se aproximar de mim.

— Arranje roupas confortáveis depois. Vou te fazer correr comigo todo dia de manhã a partir de agora.

— Nem se você me pagasse, Danilo.

— Você não quer que eu ligue para a sua tia e conte do seu desmaio, quer?

Leila me olha atravessado, fechando a cara para o meu comentário. Escondo minha vontade de rir, para que ela pense que eu estou falando sério.

— Não acredito que você está me chantageando, Danilo. Por acaso você me odeia para fazer isso comigo?

Desta vez gargalho alto, mal acreditando que ela está se fazendo de vítima na minha frente.

— Eu nem comecei minhas maldades com você ainda, Leila Dias de Souza Torres.

Ela bem que tenta se controlar, mas acaba sorrindo também. Leila manca mais alguns passos até mim e pega um dos meus fones, colocando-o na orelha e recomeçando a andar.

— Que música ruim.

— É Drake, Leila! — Digo, indignado com o péssimo gosto musical dela.

— Tanto faz, continua sendo ruim. Não tem como trocar?

— E o que a princesa de ouvidos sensíveis quer ouvir?

— A princesa de ouvidos sensíveis quer ouvir música brasileira. — Ela responde, rindo do apelido que acabei de lhe dar.

Tiro o celular do bolso para procurar música brasileira no meio da minha playlist no momento em que meu aparelho vibra com uma ligação de Fabrício. Deslizo o dedo pela tela, preparando meu repertório de xingamentos por aquele irresponsável ter sumido e não me dado nenhuma notícia do contrato.

— Achei que você tinha morrido!

— Pô, Danilo, me desculpa aí. Eu fiquei ontem quase o dia todo vomitando minha alma por causa da ressaca.

— Não quero saber, quero saber do meu contrato, Fabrício.

Ah, meu pai assinou. Deu muito trabalho convencê-lo que os papéis estavam comigo e tal, mas assinou.

— Graças a Deus! — Exclamo mais aliviado. — Agora você me deve só mais umas duzentas!

O filho da mãe ainda tem coragem de soltar uma risadinha esganiçada do outro lado da linha.

É, parece que era importante mesmo, você até foi na minha balada levar aquilo. Não arrumou problema com a sua esposa por causa disso, né?

Me dou conta de que Leila está com um dos fones no ouvido e está escutando toda essa história. Fabrício fala muita merda, mas conseguiu com aquela asneira me dar a oportunidade perfeita de fazer Leila acreditar em mim sobre toda aquela situação da festa e da bebida na minha roupa enquanto ela passava mal no pronto atendimento.

— Ela sabe o que eu fui fazer naquela sua festa, que eu nem sequer tinha sido convidado, inclusive.

Você está mudado mesmo, hein! Todo sério e homem de família. Sua esposa deve ser mesmo a mulher da sua vida para ter te colocado na linha assim.

Leila engole em seco e desvia o rosto para não me encarar. Agora ela já sabe o que aconteceu e não tenho motivos para continuar essa ligação, no entanto as últimas palavras de Fabrício começam a martelar na minha cabeça, fazendo a sensação sufocante de ter Leila perto demais de mim ontem à noite voltar com força.

Não quero pensar nisso, porque é um erro estúpido da minha parte, mas está se tornando inevitável. Estar cada vez mais atraído por ela está se tornando impossível, e eu não faço ideia do que fazer com relação a isso.

Danilo?

A voz de Fabrício me faz sair dos devaneios. Preciso pôr os pés no chão antes de a situação fique ainda mais complicada para o meu lado.

— Obrigado por me ajudar com o seu pai, Fabrício. Vamos marcar de beber qualquer hora.

Vamos marcar, sim! Você avisa Tales, faz tempo que não o vejo. Aproveito a oportunidade e conheço sua esposa.

— Tudo bem, ela vai estar comigo, se ela quiser, claro. A gente vai se falando, agora vou ter que desligar.

Tchau, Danilo. Vê se não some!

Encerro a ligação, voltando a procurar na playlist alguma música para Leila. Ela, no entanto, abandona o fone e corre para pegar Sansão, que se distanciou demais de nós dois. Eu devo estar perturbado mesmo para não ter percebido meu cachorro, daquele tamaninho, desaparecendo de vista.

Observo o cuidado com que Leila pega Sansão no colo, cuidando dele com tanto carinho que parece tê-lo visto crescer. Ela sorri, falando com ele com a voz fininha de bebê de mais cedo, sem o menor constrangimento diante das pessoas que estão passando. Gosto de assistir esses raros momentos em que ela deixa de ser tão dura consigo mesma e se permite sorrir, porque é nesses momentos que consigo ver o que há de verdade debaixo de tanta desconfiança.

Leila olha para mim, ainda sorrindo daquele jeito adorável que faz seus olhos se fecharem um pouquinho.

— Anda logo, a gente ainda tem que levar Sansão no pet shop!

Eu concordo com a cabeça e adianto alguns passos para alcançá-la. Contudo, enquanto caminho, não consigo parar de pensar no quanto eu estou ferrado e só tem um mês que moro com essa mulher.

Continue Reading

You'll Also Like

22.9K 1.4K 5
Algumas das perguntas Idiotas que pessoas fazem pra gente no nosso dia a dia
1.5K 107 41
Se quiser saber onde seu coração está, repare para onde sua mente vai quando vagueia. "Mesmo ao fim da noite mais sombria, o sol nascerá novamente."
71.4K 8.6K 28
Coraline é uma garota delicada. Apaixonada por livros e histórias românticas cuja maioria fora escrita por seu pai, que era um famosos escritor e sua...
1.9K 101 27
Duas pessoas podem verdadeiramente se amar? Elisa acredita que não, e acha impossível algo ou alguém mudar seu pensamento. Até que ela conhece Lucas...