enrolados ⋆ namkook

By mrs_lunna

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kim namjoon, nada mais que um ladrãozinho dos suburbios do reino, se vê diante da grande chance de sua vida q... More

ato I
ato II
ato III
ato iv
ato v
ato vi
ato viii - interlúdio
ato ix
ato x
ato xi
ato xii
ato xiii
epílogo

ato vii

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By mrs_lunna

olá, pessoal, como vão?

primeiramente me desculpem pelo sumiço por uns três meses jfkghgjk, não foi intencional passar tanto tempo sem postar, mas estive ocupadíssima com faculdade e vida pessoal nos últimos meses, felizmente está tudo bem encaminhado (e em breve estarei finalizando o semestre, então terei mais tempo pra escrever!!). 

esse capítulo ficou bem maior que o esperado, mas vejam isso como uma compensação pelo tempo que tomou para postar. mais uma vez agradeço todo o suporte no capítulo passado e espero que vocês possam se divertir com esse capítulo também. 

caso queiram falar comigo, estou sempre disponível aqui e no meu twitter: @/Lunna_Mrs

tenham uma boa leitura e feliz páscoa a todos <3


⋆⁺₊⋆ ☾⋆⁺₊⋆


"seo-jin hyung," o garoto soluçou, no escuro e vazio, implorando para que sua voz pudesse ser ouvida. o nome caia dos seus lábios como veneno — era errado, não deveria ser assim, seo-jin era alguém que deveria ser lembrado de maneira honrosa. "por favor, hyung."

ele estava sufocado em meio ao seu choro, sua garganta parecendo fechar, impedindo-o de respirar. o vazio ao seu redor apenas crescia, sentia que seria engolido logo se não escapasse, fugisse, corresse — mas suas pequenas pernas estavam trêmulas demais para se levantar do chão- ou do céu? ou era do mar?

ele sentia tudo em todo lugar. a dureza das ruas de pedras, a leveza do ar, o cobertor gélido da água.

e tudo lhe sufocava.

"namjoonie." a voz era familiar, doce até, mas fazia os seus ouvidos zumbirem e doerem. o garotinho levou as mãos pequenas as orelhas e apertou com força. "me ajuda, me ajuda, me ajuda-"

a voz se misturava e se distorcia e sufocava e gritava, e namjoon afundava e implorava e chorava-

"hyung?"

namjoon se sentou na cama num sobressalto, a respiração desregulada fazia seu peito subir e descer forçadamente, o ar que ele inalava não parecia ser o suficiente para suprir a necessidade dos seus pulmões. o mais velho levou uma das mãos para a garganta, a sensação de ter algo lhe sufocando ainda presente, seus ouvidos zumbindo com vozes de fantasmas passados que deveriam estar enterrados.

suas têmporas estavam suadas, as mãos tremiam e seu coração batia como tambores no peito, era como se seu corpo se recusasse a se acalmar. namjoon passou os dedos pelos cabelos, buscando tentar desgrudar a franja da sua testa molhada e não parecer tão destruído quanto se sentia.

não conseguia lembrar da última vez que teve um pesadelo tão vívido e assombroso quanto esse. sua mente não costumava fazer isso com sem nenhum tipo de estopim sofrido durante o dia — mas nada havia acontecido, além dos roubos e do dia na cidade, quase dentro de uma rotina. por causa dos seus machucados, jungkook sequer lhe deixava fazer muita coisa, então por que?

e por que logo com o seo-jin?

namjoon ofegou, piscando várias vezes para se livrar da sensação de choro que se alojava na sua garganta e queimava os olhos. ele quis gritar.

"hyung," jungkook chamou pela segunda vez, se sentando melhor na cama e passando uma das mãos nas suas costas para tentar lhe acalmar. "você está bem?" as palavras doces ecoaram nos seus ouvidos, os tons melódicos fazendo seus tensos ombros relaxarem. namjoon não fugiu do toque, apenas se preocupou em retomar seu fôlego.

"estou, foi só..." ele parou, respirou fundo. "um pesadelo."

jungkook fez um som de compreensão e se aproximou mais dele, a lua alta no céu brilhava sem parar, os cobertores se acumularam nas suas pernas num indício da noite de sono interrompida.

tomou alguns minutos para namjoon se estabilizar de novo, seu peito subir e descer num ritmo normal e suas mãos pararem de tremer como folhas. aos poucos as memórias do pesadelo iam enfraquecendo, já não tão vívidos quanto antes, e ele sentiu que poderia respirar normalmente de novo.

"você precisa de alguma coisa?" namjoon negou a oferta com um suspiro cansado e tentou se acomodar de novo nos cobertores. não poderia se dar ao luxo de perder uma noite preciosa de sono por causa de um pesadelo aleatório.

com o tempo passando rápido, o mais velho se pegava cada vez mais ansioso. em pouco menos de uma semana para finalizar as preparações da viagem de trem, não faltava muito para finalizar o valor necessário para pagar as passagens e eles não poderiam procrastinar ou relaxar nos últimos momentos.

"você vai voltar a dormir?" jungkook perguntou curioso, se curvando para conseguir olhá-lo nos olhos.

"sim, temos muito trabalho pra fazer pela manhã." tentou sorrir e não preocupar o garoto, mas pela expressão de tristeza dele não deu certo.

namjoon se deitou novamente, suspirando pesado enquanto forçava sua mente a esquecer as cenas do pesadelo e o sentimento de incapacidade que lhe atormentava sempre que lembrava de seo-jin. mesmo depois de anos ele não conseguia se livrar da culpa, do peso, da frustração de não ter sido capaz de salvar seu único amigo. a vida nos subúrbios sempre foi ruim, mas nada impedia de ficar pior.

jungkook se acomodou ao seu lado, os grandes olhos azuis brilhavam mesmo com o quarto escuro e parecia refletir as estrelas piscando no céu. namjoon se forçou a relaxar um pouco no colchão, uma parte de si aliviado que não estava só num momento como aquele. geralmente ele gostava de se ver como alguém independente e capaz de se virar sozinho pela vida, mas nos últimos dias ele encontrava um conforto gigantesco em ter alguém do seu lado.

aquilo tanto lhe aquecia por dentro quanto lhe aterrorizava — nada era pior do que ter algo que era apegado arrancado de você.

"quer que eu cante uma canção de ninar pra você?" namjoon sorriu com a oferta, tomando como uma brincadeira para aliviar o clima, mas ao se virar e ver que jungkook estava sério e determinado a realmente fazer isso, ele parou. em poucos segundos considerou a proposta e assentiu, movido por pura curiosidade do tipo de canção de ninar que ele deveria ter no seu acervo.

"fique a vontade."

jungkook sorriu largo, imediatamente se colocando na melhor posição para que pudesse cantar. ele murmurou sob a respiração consigo mesmo, num debate sobre qual canção seria a melhor para fazê-lo dormir tranquilamente. enquanto escolhia, suas mãos se ocupavam em arrumar o cobertor de namjoon de forma que só seu pescoço e cabeça ficassem descobertos. o mais velho não protestou, pelo contrário, deixou com que jungkook fizesse o que achasse melhor enquanto se fazia ficar confortável nos travesseiros.

"essa canção a senhorita han costumava cantar pra mim. ela dizia que era uma história sobre uma garota que tinha longos cabelos com o poder de curar qualquer pessoa de qualquer coisa se cantasse essa música." ele explicou com um tom nostálgico, deitando de lado com a cabeça apoiada em uma das mãos, a outra enrolava alguns fios curtos do cabelo de namjoon nos dedos.

"seria útil você ter um poder desses." murmurou num falso tom zombeteiro, fazendo jungkook apertar os olhos e puxar uma das mechas que estava segurando com um pouco de força em vingança.

"eu tenho outros poderes úteis!" com um bico afrontado, o mais novo se defendeu e ajustou suas próprias cobertas. namjoon sorriu com sua expressão, mas não o irritou mais, apenas fechou os olhos e se aconchegou mais próximo dele, involuntariamente se banhando no calor do seu corpo.

"espero que algum deles me faça dormir de novo, então."

não demorou para jungkook começar a cantarolar baixinho, os tons cuidadosos caiam em rimas e versos delicados que contavam uma história que deveria estar esquecida, mas era revivida quanto mais ele cantava. novamente, a voz do garoto não era uma surpresa, no entanto namjoon não conseguia deixar de se pegar admirado.

ouvir jungkook cantando baixinho no quarto escuro, sem instrumentos para acompanhar, sem outra audiência além de um namjoon sonolento, era uma experiência quase retirada de uma história de fantasia. ele sentia vontade de fazer todos ouvirem ao mesmo tempo que gostaria de monopolizar aquela delicadeza apenas para si.

aos poucos, era como se todo o estresse do pesadelo e das memórias que ele trazia desaparecessem da sua mente, tão leve por dentro que sequer teve tempo de se surpreender com o quão forte o sono voltou a pesar em seus olhos e seu corpo.

namjoon dormiu não muito depois dos primeiros versos, a respiração estável e o rosto relaxado foi o que fez jungkook lentamente parar a canção, esperando que a pausa no som não o despertasse.

seus dedos tocaram a franja escura que caíam bagunçadas na sua testa da maneira mais delicada possível, o olhar preocupado não era mais escondido agora que não tinha o rapaz para empurrar para longe suas inquietações antes que pudesse expressá-las ou questionar sobre.

namjoon era um mistério para jungkook não importava o quanto ele tentasse se mostrar alguém aberto e amigável. o garoto tentou se convencer que não fazia tanto tempo que estavam juntos e, bem, não era como se ele não tivesse certas coisas que preferisse que o outro não soubesse. o problema era que nada parecia o suficiente, ele queria saber tudo sobre namjoon, entender até mesmo as pequenas expressões que ele fazia em uma situação, se havia alguma comida que ele não gostava ou como eram seus amigos em edessa, as brincadeiras que fazia quando era criança — aquilo era pedir demais? jungkook não sabia.

jungkook não sabia.

com um suspiro pesado e derrotado, ele preferiu não alimentar a frustração crescente no seu peito, o ritmo que seus pensamentos estavam espiralando não era o ideal para a hora de dormir. namjoon sempre dizia que pensar demais era a causa de todos os problemas!

com dois tapinhas nas bochechas jungkook decidiu que deixaria aquele assunto do pesadelo de namjoon para outro dia, quando não estivessem com o peso das passagens do trem nas suas costas e pudessem relaxar de volta na cidade natal de namjoon. lá, com certeza, eles poderiam viver a vida deles sem pressão ou tempo limitado.

lá com certeza a vida dos dois se estabilizaria e viveriam o "felizes para sempre" que desejava.

jungkook se deitou confortavelmente na cama, deixando seus devaneios sonhos tomarem conta dos seus pensamentos, guardando todos numa caixinha na sua mente para relembrar depois, quando estivesse os realizando ao lado de namjoon.


⋆⁺₊⋆ ☾⋆⁺₊⋆



o satisfatório tilintar das moedas era música aos ouvidos de namjoon.

ele discretamente se afastou da última vítima dos seus roubos e continuou o caminho até onde jungkook estava o esperando, ao lado de um prédio azul, olhos cheios de expectativa com o quanto teriam arrecadado daquela vez.

seus ferimentos da briga com o burguês estavam se recuperando bem, quase não doíam mais, jungkook ainda estava extra cuidadoso com eles, não deixando namjoon esquecer de passar os remédios, enfaixar os cortes e não fazer muito esforço. a única coisa que precisava sumir eram os hematomas, nas suas costas ainda estavam os tons de roxo e vermelho decorando sua pele, no rosto não era muito diferente, mas uma das moças da recepção lhe ofereceu maquiagem para cobrir o hematoma que tomaria mais alguns dias para desaparecer.

no mais, ele se sentia bem e pronto para continuar o ritmo dos seus trabalhos na cidade. não faltava muito tempo para que chegasse no dia da partida do trem. eles não estavam longe do seu objetivo, mas cada moeda que faltava era como estar um passo mais próximos de um precipício. já haviam chegado longe demais para dar tudo errado agora.

"quanto conseguimos?" jungkook abriu a bolsinha na mão do mais velho cuidadosamente, usando o dedo indicador para remexer entre as moedas de prata e bronze até encontrar as douradas. "yay! três!" ele deu alguns pulinhos, comemorando a conquista do dia.

namjoon sorriu com sua reação, colocando a sacolinha dentro do bolso da calça. era realmente um bom sinal conseguirem três moedas de ouro de uma pessoa só, estavam progressivamente melhorando em identificar os melhores alvos para os roubos. jungkook já conseguia diferenciar um burguês rico de um burguês com vida mediana com facilidade e isso o orgulhava; ele deveria conseguir se virar sozinho e não precisaria mais de namjoon por perto para sobreviver nas cidades grandes...

namjoon interrompeu seus movimentos de súbito, seus próprios pensamentos lhe assustando por um momento.

a realização de que jungkook já tinha capacidade de se manter sozinho lhe tomou de surpresa.

o garoto não precisava mais dele.

aquela era uma observação quase estrangeira para sua mente, impossível de absorver. talvez fosse por ver o garoto que tirou da torre de maneira tão inocente e vulnerável que a ideia dele conseguir levar uma vida sem namjoon ao lado para lhe ajudar ser tão inconcebível. namjoon sabia que ele era um adulto altamente adaptável — quer dizer, seu lado racional sabia, o emocional? ele já não tinha tanta certeza.

ele encarou jungkook alguns metros a frente, cumprimentando pessoas aleatórias no caminho e educadamente recusando ofertas de vendedores que ele costumava querer aceitar sem nem pensar duas vezes e sorriu consigo mesmo.

talvez devesse aceitar que não fosse mais tão necessário quanto antes.

"hyung, por que está parado aí? temos que ir logo ou vamos perder os pães doces da padaria!" jungkook correu para onde ele estava, sorriso no rosto e cabelos pretos flutuando com o vento, e o puxou pelo braço que não estava machucado.

namjoon cambaleou alguns passos a frente, sem equilíbrio ao ser puxado do nada. jungkook riu do seu estado e o estabilizou com uma das mãos, consciente de onde poderia e não poderia tocar para evitar os locais machucados, com certeza todo o mapa dos seus hematomas já deveria estar decorado na sua cabeça aquele ponto.

com um suspiro derrotado, namjoon abandonou seus próprios pensamentos com a falsa promessa de retomar aquela questão em outro momento oportuno, e voltou sua atenção para as tagarelices do garoto sobre como horário do almoço sempre parecia fazer as ruas do subúrbio de aeta serem entupidas de pessoas, a maioria esgotando os melhores pãezinhos na sua padaria favorita.

eles correram juntos até a região dos subúrbios de novo, jungkook extremamente focado em não demorar demais e perder as promoções dos seus favoritos. como sempre, os trabalhadores, livres no horário de almoço por alguns poucos minutos, aproveitavam para comprar comida ou encontrar seus parceiros que levavam a refeição para eles. namjoon nunca teve um emprego formal — ou alguém para lhe levar uma refeição quente e gostosa —, então era difícil imaginar como deveria ser viver entre horários tão apressados.

por um lado, ser ladrão tinha as suas vantagens, a flexibilidade de horários no dia a dia era um bônus muito agradável. é claro, há muito ele havia deixado de tentar roubar por uma vida mais confortável e só fazia o suficiente para não morrer de fome ou frio durante o inverno, sua determinação de viver bem diminuindo ano após anos desde que ficou sozinho — claro, ele arriscava suas mãos todos os dias quando roubava, mas nunca foi pego então isso não era uma preocupação no momento.

realisticamente falando, eles tinham bastante dinheiro no momento, mais moedas de prata e bronze do que estava acostumado a segurar. se não fosse o preço da passagem ser em ouro ele não estaria tão preocupado. se conseguissem continuar desse jeito, quando chegassem em edessa teriam moedas o suficiente para uns bons meses livres sem a necessidade de roubar. ele teria que usar uma parte para remodelar o quarto extra na sua casa para que jungkook ficasse mais à vontade, mas não deveria ser muito caro comprar alguns móveis de segunda mão do carpinteiro local.

"ah não..." jungkook murmurou desapontado, um bico indignado se formando nos seus lábios enquanto encarava a entrada da padaria.

assim como previram, o local estava cheio de pessoas ansiosas para comprarem seus almoços e se satisfazerem pelo resto da tarde. com os preços acessíveis e os bons produtos a padaria era muito famosa nos subúrbios, jungkook era um dos clientes fiéis desde que chegaram, um verdadeiro devoto aos pães doces que aquele lugar fazia, em especial os recheados com geleia de frutas — ele sentia que o garoto mataria por um daqueles.

os dois se esgueiraram por uma brecha que acharam na multidão para conseguir entrar no estabelecimento, empurrando e sendo empurrados aqui e ali. namjoon conseguiu achar um espaço na bagunça que estava a fila para ficar, suas roupas estavam todas amassadas só para conseguir chegar ali. o horário de almoço era algo aterrorizante.

ele se virou ao notar que jungkook não estava ao seu lado, ficando na ponta dos pés para tentar ver melhor e encontrá-lo, mas não o viu. ele seu sentiu seu coração errar uma batida com a situação, se arrependendo no mesmo segundo por não ter segurado a mão dele durante todo o caminho.

uma pequena comoção, no entanto, foi onde conseguiu encontrá-lo. ele não viu muito, só jungkook cambaleando alguns passos para frente e as moedas que havia lhe dado para comprar os seus pães caindo no chão com um tilintar alto. ele tinha esbarrado em um cara bruto, cheio de músculos, a perfeita encarnação do que seria um mercenário — o total oposto dos traços gentis de taehyung. namjoon pulou do seu lugar na fila e correu para lhe ajudar a recolher as moedas.

"você está bem?" perguntou apressado assim que pegou todas as dez moedas de bronze do chão, jungkook demorou longos segundos para lhe responder, uma expressão sombria e irritada pintando suas feições enquanto encarava as costas do brutamontes que esbarrou nele, semelhante à que ele tinha quando o burguês o atacou. namjoon arriscou um olhar na mesma direção, suspirando aliviado que o homem parecia ocupado demais fazendo seu pedido para notá-los. o mais velho segurou o rosto do mais novo e o guiou para que os olhos deixassem o desconhecido e ficasse fixos nele. "jungkook, tá tudo bem?" repetiu, um pouco mais baixo que antes, tentando atrair sua atenção para evitar qualquer confusão.

jungkook piscou algumas vezes, mas a sombra de irritação não desapareceu dos olhos dele.

"vamos comprar os nossos pães e voltar, tudo bem?" novamente, ele não recebeu resposta verbal, mas o viu assentir e limpar as partes empoeiradas da calça.

os dois esperaram na fila, dessa vez juntos e sem esbarrar em nenhum gigante musculoso que poderia quebrar namjoon ao meio. aos poucos foi chegando a sua vez, as pessoas saindo satisfeitas com seus pedidos em pequenas sacolinhas de papel. namjoon arriscou um olhar de relance para jungkook, esperando vê-lo menos irritado com a situação de antes. o garoto estava agarrado no seu braço não machucado, rosto encostado um pouco abaixo do seu ombro encarando os próprios sapatos, era impossível ver sua expressão naquela posição, mas torcia para que fosse mais tranquila.

lidar com pessoas ignorantes era sempre estressante, não culpava o garoto. ele parecia mais sensível desde toda a confusão com o tal burguês, talvez fosse o estresse daquele episódio que ele ainda não tinha conseguido superar. namjoon fez uma nota mental de perguntar sobre isso quando tivessem um momento tranquilo só os dois.

"próximo!" a vendedora da padaria gritou quando terminou de servir o cliente na frente de namjoon. o mais velho se apressou em se aproximar dela, dinheiro em mãos e os pedidos já decorados na mente.

"boa tarde, eu gostaria de dois sanduíches de carne e dois pães doces recheados com geléia de frutas." recitou sem pausas o seu pedido de sempre. em silêncio a moça atrás do balcão separou os sanduíches e os colocou numa sacola de papel, pegando outra para pôr os outros doces, mas parou seus movimentos ao procurar no grande balcão de madeira os itens pedidos.

"sinto muito, não temos pães doces, acabamos de vender os últimos."

"oh... tudo bem então, obrigado pelos sanduíches." namjoon murmurou, pegando a sacolinha e entregando parte das moedas à vendedora.

ao seu lado jungkook apertou seu braço. o mais velho suspirou, tão desesperado quanto o rapaz deveria se sentir. ele pensou em como seria a melhor forma de consolá-lo, não tinha muitas outras padarias no subúrbio com bons pães doces, talvez pudessem dar uma olhada na área burguesa. ele se virou para o garoto, discurso pronto na ponta da sua língua, quando sentiu ele lhe soltar e caminhar a passos pesados até próximo da porta da padaria.

namjoon arregalou os olhos ao ver jungkook ir até o grandalhão que havia esbarrado nele minutos antes e simplesmente estapear a mão dele que segurava o provável último pão doce da padaria. o lugar foi tomado por um silêncio atordoado, as pessoas pareciam em choque com a ousadia de um garoto que era metade do tamanho daquele cara — assim como namjoon, que se sentia às portas de uma parada cardíaca diante da cena absurda.

"esse era o meu pão doce, seu idiota!" jungkook cuspiu as palavras, empurrando-o com uma das mãos. o homem estava petrificado no lugar, seus olhos escuros indo do pão no chão para jungkook e para o pão de novo, estupidamente tentando entender o que tinha acabado de acontecer.

sem esperar mais um segundo o mais novo saiu padaria a fora, tão furioso quanto um gato bravo, deixando um namjoon embasbacado para trás.

o que foi aquilo? era a pergunta que ele se fazia o tempo inteiro nos longos e estranhos minutos que se sucederam. discretamente namjoon se esgueirou para fora da padaria também, tentando não chamar atenção para si e evitar receber qualquer retaliação do cara fortão e provavelmente rancoroso.

namjoon correu pelas ruas do bairro atrás do garoto, confuso e agitado pela reação tão súbita dele.

é claro que jungkook tinha todo o direito de ficar bravo por qualquer que fosse o motivo, namjoon também sabia que ele tinha a tendência de ser impulsivo — ele lembrava da panelada na cabeça, dele pulando com namjoon da torre, correndo por uma cidade desconhecida sem namjoon e tantas outras situações — mas daquelas formas, geralmente não.

e o pior, sair da padaria sem esperá-lo!

o que era aquilo? rebeldia da puberdade atrasada? sinais de que ele queria ser independente e ficar longe de namjoon?

a última opção lhe deixou com um amargor na boca.

ele balançou a cabeça, fechando bem a sacola de papel para evitar que eles caíssem por acidente enquanto procurava por jungkook. ele não deveria ter ido longe dada a forma que saiu irritado e provavelmente já estava voltando a si, a realidade do que havia feito batendo às portas.

namjoon chamou por ele pelas ruas que passou, olhando rapidamente por todas para ter certeza que ele não estava ali. odiava a forma que fizeram aquela cidade, cheia de becos e ruelas esquisitas que pareciam pertencer a uma cena de crimes hediondos mesmo durante o dia, aquilo enchia sua cabeça de cenários estranhos e lhe dava um desconforto só de olhar. ele apertou o passo para encontrar jungkook logo e voltar para um lugar menos estranho.

em uma das ruas que dava acesso para o centro do subúrbios ele ouviu uma voz que soou parecida com a de jungkook e correu na direção, desviando de algumas pessoas que passavam e quase tropeçando nos seus próprios pés, seu coração estava acelerado no peito com a ideia de algo ter acontecido nos poucos minutos que o perdeu de vista.

a rua esquisita não estava de toda vazia, umas pessoas passavam por ela para entrar nas suas casas, mas eram bem poucas e logo sumiram dentro dos muros altos. no meio do caminho, no entanto, estava jungkook caído no chão e o mercenário que conheceram no dia do festival, taehyung, a poucos passos de distância.

namjoon arregalou os olhos com a cena, sua mente provendo inúmeros cenários que lutou pelos últimos dias para se convencer que nunca aconteceriam — taehyung aparecendo, taehyung se aproveitando de um momento de distração de namjoon, taehyung machucando jungkook para forçar namjoon a entregar a coroa, taehyung matando jungkook por pura vingança, taehyung, taehyung...

namjoon mordeu os lábios, puxando a adaga que havia roubado dele do bolso e apontando na sua direção, se colocando entre jungkook e ele sem nem pensar. o garoto levantou as mãos em surpresa, olhos escuros arregalados pulando de namjoon para jungkook quase curioso. ele não cairia por aquela atuação fajuta de novo, daquela vez ele-

"hyung, tá tudo bem, eu to bem." jungkook murmurou atrás dele, se levantando do chão sem parecer machucado e tocando no seu ombro com uma das mãos, silenciosamente o convencendo a abaixar a adaga. namjoon hesitou, olhando rapidamente para taehyung antes de conferir por si mesmo se o garoto não estava machucado visivelmente.

"taehyung, você está aí?" a voz familiar de jimin apareceu na entrada da rua e namjoon rapidamente escondeu o objeto, guardando-o no bolso de trás antes que o pintor conseguisse ver. "eu já disse para me esperar!"

"tem certeza que está bem?" a preocupação com o estado do garoto lhe fez ignorar a presença de jimin e taehyung no momento que eles não se mostraram uma ameaça imediata. seus olhos correram por todo o seu corpo, cabeça aos pés, constatando que além das palmas das suas mãos com alguns arranhões e a respiração irregular ele parecia bem. "kook-ah, você não pode fazer essas coisas! vai acabar me matando do coração!" ele o abraçou com força, mais aliviado do que poderia pôr em palavras que o encontro com taehyung não tenha resultado em nada mais grave.

"sinto muito hyung, eu perdi a cabeça por um instante. não vou fazer de novo." a culpa na voz de jungkook era tão palpável que namjoon desistiu na hora de repreendê-lo. o garoto afundou o rosto no seu ombro, lhe abraçando de volta com delicadeza para não apertar seus machucados.

"tudo bem," namjoon suspirou, afundando o rosto no topo da cabeça de jungkook e depositando um beijo delicado ali. "mais tarde podemos conversar sobre isso, que tal?" o garoto hesitou por alguns segundos, mas no fim assentiu, lhe abraçando com um pouco mais de força antes de deixar seus braços caírem ao lado do seu corpo.

jimin esperou em silêncio os dois terminarem de conversar entre si, o olhar curioso, mas feliz de tê-los reencontrado no rosto. ao lado dele, taehyung fitava o bolso que namjoon tinha guardado a adaga, provavelmente querendo ela de volta.

"namjoon, jungkook, que bom vê-los de novo!" o pintor acenou quando os dois se viraram para eles, inocente sobre a verdadeira natureza de todas as pessoas reunidas ali. namjoon se perguntava a reação dele ao descobrir que taehyung era um mercenário, jungkook era um garoto amaldiçoado preso numa torre e ele um ladrão. seria um choque com certeza.

"é sempre um prazer, jimin." o mais velho sorriu, curvando a cabeça educadamente na sua direção. "o que te traz por essas áreas? almoçar também?"

"sim, eu vim com o tae pra mostrar um restaurante legal, mas é ótimo que eu tenha encontrado com vocês, posso finalmente cumprir a promessa que fiz e pagar uma refeição pra vocês, o que acham?"

namjoon sorriu um pouco mais forçado, desviando o olhar da face resplandecente de jimin para a de taehyung. seria incômodo almoçar com o cara que tentou matá-lo alguns dias atrás e não tinha certeza se a vontade ainda estava lá. contudo, não tinha como recusar o convite sem expor a verdade toda, para todos os efeitos eles se conheceram em edessa e não estavam em maus termos aos olhos de jimin.

mentiras são uma bola de neve mesmo, viu?

ele olhou de relance para jungkook, uma questão silenciosa para a qual ele concordou, um sorriso surgindo nos seus lábios em resposta. se era verdadeiro ou não era difícil de saber, mas o mais novo gostava de jimin então provavelmente não seria tão ruim.

"claro, nós ainda não almoçamos também." com uma risada amigável para finalizar o pequeno acordo, os quatro começaram a se dirigir para o lado oposto da cidade.

jimin guiou o pequeno grupo pelas ruas com expertise, explicando sobre como encontrou o lugar. aparentemente, ele havia feito uma pintura para o dono no dia da abertura e ganhou algumas moedas e uma chance de ter uma refeição no local com alguns amigos se quisesse e aquele seria o dia que ele pegaria seu pagamento.

o exterior do lugar não era tão diferente do resto da rua, tons de marrom pintando a parede e umas janelas de madeira nas laterais bem abertas para ventilar, acima da porta tinha uma placa com o nome do lugar, calico, e um desenho de um copo de bebida que jimin comentou que havia desenhado para o dono.

o interior era maior do que imaginava, chão de madeira escura contrastava com as mesas de madeira mais claras, os bancos longos eram cobertos com tecidos acolchoados vermelhos para serem mais confortáveis, no teto haviam várias luminárias e nas paredes quadros com desenhos de comida, frases e vez ou outra uns retratos do dono e da sua família; jungkook perguntou se jimin tinha desenhado todos eles, mas ele negou, pelo jeito só o grande retrato na parede próxima do bar era sua criação.

os quatro se sentaram numa mesa livre próxima a uma janela, uma boa parte das outras já ocupadas com clientes saboreando pratos que tinham um cheiro absurdo de bom. jimin e taehyung se sentaram juntos de um lado da mesa e namjoon e jungkook juntos da outra.

uma garçonete se aproximou para tomar os pedidos, uma pequena caderneta em mãos e um sorriso discreto e educado nos lábios. os três encararam jimin, esperando que ele fizesse o pedido por todos. o pintor riu da situação e se permitiu pedir seus favoritos, deixando as sobremesas para que cada um escolhesse— jungkook pediu por pães doces com geleia, mas infelizmente eles só tinham os sem geleia. namjoon temeu que ele fosse receber a notícia com outra explosão de raiva, mas ele apenas murchou no seu assento e suspirou derrotado, tão tristonho que a mulher rapidamente prometeu pedir aos cozinheiros que fizessem um especialmente pra ele.

pelo visto ser fofo tinha as suas vantagens.

os quatro trocaram conversas superficiais sobre os seus dias uns com os outros, namjoon preferindo mais ouvir jungkook e jimin discutindo sobre arte e materiais, surpreendentemente taehyung parecia conhecer do assunto, vez ou outra se metendo na conversa para dar sua opinião. pelo que conseguiu entender taehyung costumava estudar artes de se mudar para edessa, o motivo pela mudança não foi comentado, e o mais velho mordeu os lábios para evitar perguntar. não queria parecer intrometido ou curioso demais, não era da sua conta— mas sempre torcia para o assunto voltar a tona e alguém comentasse a razão.

a garçonete voltou com uma bandeja em poucos minutos, os pratos foram distribuídos de acordo com os pedidos, do lado do prato de jungkook ela colocou um sacolinha de papel marrom e discretamente apontou com a cabeça para que ele pegasse. o mais novo piscou algumas vezes, confuso de primeira, mas os dedos cuidados abriram a sacola e tiraram de lá um-

"pão doce com geleia!" sua voz alta atraiu a atenção de alguns clientes sentados na mesa ao lado e a risada dos três que estavam com ele, até mesmo a garçonete riu baixo com a sua animação e olhos brilhantes diante do seu doce favorito. o pão era redondinho e com pedaços de frutas secas por cima, creme e uma geleia de frutas vermelhas escorrendo por um dos lados, uma verdadeira perfeição.

"aproveitem a sua refeição e se necessário, podem me chamar." com um aceno educado a mulher se virou e voltou para a cozinha, conversando com um garçom que estava prestes a servir outras pessoas no restaurante.

"olha, hyung, é quase igual ao da padaria!" jungkook ergueu o pãozinho para que ele olhasse mais de perto. namjoon fingiu tentar roubar uma mordida e o garoto tirou-o de perto dele num reflexo rápido. "ei!" o mais velho gargalhou e fez um cafuné fraco no topo da sua cabeça, pegando o garfo com a outra mão.

"estou brincando, aproveite seu pão doce, fizeram especialmente pra você." namjoon lhe empurrou fraco com o braço, sorrindo satisfeito que ele conseguiu o que queria no fim das contas; teria que lembrar de agradecer a jimin por tê-los levado àquele lugar.

ele deu a primeira garfada na sua torta de carne e arregalou os olhos, o sabor explodindo na sua língua como nunca antes. uma experiência totalmente diferente da torta de carne que costumava comprar na barraca perto da hospederia. comida de restaurante, de fato, era num outro nível comparado as de rua que estava acostumado.

antes de voltarem para edessa talvez eles pudessem voltar ali, só os dois, e aproveitar a última refeição na cidade.

o pensamento lhe encheu de expectativa, por algum motivo.

"ah, faz tanto tempo desde que eu me sentei num restaurante pra comer com você, jiminie!" taehyung comentou entre garfadas, a mão livre cobriu sua boca enquanto falava de boca cheia. namjoon encarou a ação com uma sobrancelha arqueada, aquela era uma atitude que pessoas que receberam aulas de etiqueta faziam inconscientemente. estranho.

"realmente, as coisas ficaram bem caóticas na época que você foi embora." o pintor sorriu fraco, cutucando um pedaço de carne com seu garfo, apesar de não ser muito óbvio para os outros, namjoon conseguia ver que jimin estava com o pensamento longe. sua fala era rodeada de nostalgia e parecia lhe carregar para um tempo distante.

"o que aconteceu quando ele foi embora?" jungkook perguntou curioso, inocente. namjoon quis erguê-lo e girá-lo pelo salão do restaurante em agradecimento.

estava cheio de questões sobre quem exatamente era jimin e taehyung e sua relação um com o outro, eles não pareciam ser apenas velhos conhecidos, pelo jeito que se comportavam um com o outro dava pra ver que aquela história era mais profunda. saber disso não era uma necessidade, nem faria muita diferença na sua vida a longo prazo, mas fazer o quê se a curiosidade batia na sua porta e ele quase sempre a acolhia? não era do seu feitio, no entanto, fazer perguntas indiscretas como aquela — felizmente, era do feitio de jungkook.

namjoon escondeu um sorriso vitorioso com um gole longo de suco.

jimin pareceu assustado com a pergunta, desviando o olhar de jungkook para taehyung como se ele fosse capaz de prover uma escapatória, mas o mercenário apenas lhe encarou de volta meio confuso, tombando a cabeça para o lado numa questão silenciosa do que ele queria. o pintor suspirou pesado e baixou o seu garfo no prato.

"uh, um pequeno problema entre famílias." namjoon olhou discretamente na direção de jimin, que tinha bochechas rosadas, parecia envergonhado e não elaborou muito além daquilo.

"é verdade." taehyung juntou as mãos na frente do corpo, parecendo ter lembrado exatamente do que jimin estava falando. "eu acabei estragando as coisas entre você e sua família adotiva. meus pais ficaram uma fera comigo." o mercenário balançou a cabeça, um suspiro derrotado lhe escapou dos lábios com as memórias. "sinto muito, jiminie. nunca tive a chance de me desculpar desde aquela época."

"você foi adotado?" jungkook questionou sem hesitar, a inocência na sua voz fez jimin morder os lábios, seus olhos castanhos pulando do garoto para taehyung em quase desespero. namjoon bebericou do seu suco, atento ao ritmo da conversa e pronto para intervir caso fosse necessário, apesar de curioso ele não planejava prejudicar a boa relação que tinha com jimin apenas por isso. taehyung e jungkook pareciam compartilhar a falta de bom senso para certas coisas.

"sim, o jimin foi adotado por uma família rica! eram até amigos dos meus pais!" o pintor engasgou com a fala de taehyung, cobrindo a boca com o guardanapo.

namjoon arregalou os olhos com a informação, seus olhos fixos em jimin lhe examinando uma segunda vez. nada no pintor gritava burguesia, ele morava nos subúrbios e parecia extremamente confortável na região, assim como com seus moradores, suas roupas não eram bem feitas ou elegantes e ele trabalhava em uma boutique esquecida numa das piores áreas da burguesia. nem mesmo seu comportamento, apesar de bem educado, era algo que parecia natural nele — diferente de taehyung que tinha uma postura reta e movimentos elegantes.

era estranho.

taehyung também não parecia estar mentindo, e dada a reação rígida de jimin provavelmente não estava mesmo. o mais velho ponderou por alguns segundos; se ele havia sido adotado por uma família burguesa e viveu com eles o suficiente para virar amigo de alguém como taehyung (aparentemente nascido na burguesia), mas já não estava mais debaixo da proteção daquela família...

o pintor ergueu os olhos no mesmo momento que as peças do quebra-cabeças se juntaram na cabeça de namjoon. eles se encararam por alguns segundos, silenciosamente jimin pediu por ajuda.

"ei, jungkook, você não vai comer o seu pão doce?" namjoon interrompeu a conversa entre os mais novos, sem nem se dar ao trabalho de ouvir sobre o que estavam falando. jungkook pulou no seu lugar, a súbita lembrança do doce era o suficiente para lhe fazer ignorar tudo ao seu redor. "taehyung, você conhece a cidade bem? queríamos fazer um passeio por algum lugar legal."

"conheço! você falou com a pessoa certa, eu tenho os melhores roteiros para visitantes da cidade!" ele se pôs a tagarelar sem parar sobre todos os pontos turísticos da cidade, explicando o porquê gostava ou não de certos lugares.

jungkook o ouvia com atenção, mesmo que com o cenho franzido por ser taehyung ali. vez ou outra ele cutucava o braço de namjoon quando ouvia sobre algum lugar que gostaria de visitar. o mais velho sorriu distraído, concordando com tudo que ele falava, seu foco voltado para jimin. o pintor meneou a cabeça, um sorriso pequeno e agradecido nos lábios que namjoon prontamente devolveu

os quatros passaram o restante do tempo de almoço ouvindo taehyung falar dos seus lugares favoritos do reino e as atividades mais divertidas de se fazer. jungkook parecia aos poucos mais confortável com a presença de taehyung, engajado em conversas e fazendo perguntas sobre tudo o que lhe chamava a atenção.

a mente de namjoon, no entanto, estava focada totalmente em jimin.

os quatro saíram do restaurante assim que finalizaram a refeição.

jimin pediu alguns minutos para falar com o dono do local, agradecer o bom atendimento e a refeição, enquanto eles esperavam do lado de fora. assim que ele se retirou do meio deles, o silêncio incômodo se instaurou. não dava pra evitar, nenhum deles estava realmente em muitos bons lençóis um com o outro e só agiam como bons e amigáveis conhecidos porque todos tinham segredos para guardar de jimin.

taehyung se encostou numa parede ao lado da porta de saída, encarando os sapatos como se fossem as coisas mais interessantes que já viu na sua vida, vez ou outra arriscando uma olhada para o bolso que namjoon havia colocado a sua adaga. juntando o que aconteceu na noite que ele o atacou mais o que ele tinha comentado sobre ter vindo de uma família rica, não deveria ser mentira que a lâmina era uma herança. talvez devesse devolver? — que ideia ridícula, namjoon, ele se repreendeu imediatamente, balançando a cabeça para se livrar dos pensamentos.

jungkook, não muito diferente de taehyung, havia se encostado na parede também, os dedos distraídos brincavam com a barra da blusa de namjoon, ele traçava alguns desenhos da estampa abstrata como se quisesse memorizar suas formas. não deveria ser muito confortável para ele ter que fingir ser amigável com alguém que quase tentou matar namjoon alguns dias atrás, mas o mais velho estava orgulhoso que ele estava aprendendo a se adaptar a situações difíceis de maneira natural — ele não diria fingir, era pesado demais chamar alguém como jungkook de fingido como namjoon era.

já namjoon, bem, sua mente estava um pouco mais distante do que gostaria. as teorias sobre jimin não paravam de rodar sua cabeça e ele gostaria de saber mais sobre ele, novamente, sem motivo ou algo para ganhar sobre isso, mas estava curioso se sua interpretação estava certa ou havia tomado conclusões precipitadas. namjoon não era alguém muito inteligente, mas ele sabia interpretar situações como ninguém, a experiência de viver nos subúrbios havia lhe moldado para saber como reagir a diferentes situações de maneiras rápida. essa era uma habilidade que pelo visto jimin também tinha, dada a forma que ele imediatamente seguiu a conversa dele para distrair taehyung.

ele se perguntava se o mercenário teria alguma ideia do que jimin era enquanto agia como filho adotado da família burguesa.

"voltei, desculpem a demora. o dono do restaurante é um homem que gosta muito de falar, quase não consigo escapar dele." o pintor riu da situação, passando as mãos pequenas pelos cabelos. taehyung pulou do seu lugar como um cachorrinho empolgado.

"onde vamos agora? você disse que estava de folga, certo? faz tempo que não te vejo pintando!"

"eu não sei, talvez possamos ir em algum lugar..." jimin os olhou de canto, parecia ponderar se seria educado deixar namjoon e jungkook de lado para aproveitar a folga com taehyung.

"não se preocupe conosco, jimin. estávamos pensando em conhecer um pouco mais da cidade antes de voltarmos para edessa também." ele usou uma desculpa também, para aliviar o peso no coração do pobre rapaz. ele era gentil demais para o seu próprio bem.

"vocês deviam visitar o rio dralon." taehyung interrompeu, olhando os dois lados da rua a frente, apesar de soar amigável, seu sorriso travesso deixava claro que ele estava querendo que os dois encontrassem um lugar para ir e não atrapalhasse o dia livre dele e de jimin. não que namjoon fizesse muita questão. "ele cruza o reino mais a oeste, vocês provavelmente não vão se perder, tem um belo jardim nas margens também."

"nós só vimos um rio antes, não? o da floresta." jungkook murmurou para namjoon e ele confirmou; as memórias do tempo que passaram vagando no meio do nada até encontrar aquela cidade eram distantes, quase esquecidas até. tanta coisa havia acontecido, chegava a ser estranho imaginar que não muito mais que uma semana e meia havia passado. "podemos ir, hyung?" os olhos brilhantes do mais novo não lhe deixaram muita escolha além de dizer sim.

vencido novamente.

"claro, vai ser ótimo ver mais lugares."

"então podemos acompanhar vocês por uma parte do caminho, eu preciso passar em casa pra pegar algumas coisas e moro na mesma direção." jimin sugeriu, um sorriso gentil nos seus lábios.

taehyung caminhava um pouco mais a frente, em voz alta falando sobre o quanto o rio era bonito e a história do nome que ninguém estava interessado em saber além de jungkook. namjoon sorriu com a curiosidade do garoto enquanto caminhavam, sem perceber que jimin diminuir os passos o suficiente para ficar lado a lado com ele. o pintor tocou seu braço de jeito leve, um dos dedos sobre os lábios para pedir silêncio.

"eu só... queria agradecer por me ajudar no restaurante." sua voz era baixa e suave, quase engolida pelo caos sonoro da cidade ao redor deles, mas namjoon o ouviu. ele parecia envergonhado, as bochechas rosadas e olhos fixos nas mãos brincando com a fivela do cinto.

"não precisa agradecer." namjoon deu de ombros, respondendo no mesmo tom de voz baixo. ele olhou na direção de jungkook e taehyung para se certificar que eles não estavam prestando atenção nos dois. "dente de leite?"

jimin enrijeceu no momento que ouviu o termo, erguendo os olhos arregalados na direção de namjoon como se tivesse ouvido uma ameaça de morte. ele só não parou de andar porque o mais velho tocou suas costas e o impulsionou para frente, ajudando-o a manter o ritmo constante. pelo visto estava certo. ele sorriu consigo mesmo, amargo.

"o taehyung não sabe." foi o que respondeu ao invés de confirmar — não que ele precisasse aquele ponto. "ele acha que eu fui adotado por pura boa vontade, os pais dele tiveram um dedo na história toda então se puder não comentar..."

"não se preocupe, não vou." namjoon assegurou-o, tentando não deixá-lo mais nervoso, pelo jeito não foi um processo muito tranquilo.

ele conheceu alguns dentes de leite durante sua vida no subúrbio de edessa, todas histórias eram trágicas de uma maneira ou de outra. crianças pobres eram "adotadas" por nobres ou burgueses para algum fim temporário, seja um herdeiro doente ou ameaçado de morte, qualquer que seja o motivo, eles eram usados, treinados e recebiam uma vida de rico por alguns meses ou anos até o problema ser resolvido e depois eram jogados de volta na sarjeta quando tinham sorte — a maioria era morta para não contar o que havia ouvido durante seu tempo na mansão.

lembrava de invejar as crianças que conhecia quando eram levadas, mesmo sob as repreensões severas de sua mãe. sua ilusão só foi desfeita quando viu o corpo morto de um dos seus colegas jogado na rua, o desespero da família biológica ao saber do que havia acontecido havia chacoalhado todo o seu bairro por um bom tempo. namjoon ainda se recordava com clareza de perguntar a sua mãe o porquê dos pais daquele menino o entregarem para os ricos se ele ia ser morto.

"às vezes por dinheiro para sustentar os outros filhos, às vezes porque os ricos o ameaçaram ou o levaram a força. depende. só saiba que ninguém faz isso porque quer."

ele se perguntava o que usaram para coagir jimin e sua família e como ele havia escapado vivo da vida de dente de leite.

os dois não comentaram mais nada sobre o assunto, apertaram o passo para acompanhar jungkook e taehyung e se envolveram na conversa sobre os melhores sabores de pães doces como se nada tivesse acontecido.

o rio dralon era majestoso.

ele corria pelo meio da cidade e refletia o céu azul e a luz do sol por toda a sua extensão. de um lado, uma grande floresta se estendia até perder de vista, a grama verde e flores silvestres nascendo em arbustos colorindo a área, do outro lado, casinhas fofas e coloridas foram feitas uma ao lado da outra. era uma bela visão e facilmente poderia ser vista num quadro. os ventos carregavam o cheiro da floresta— pinheiros, reconheceu.

"que lugar lindo, hyung! eu devia ter trazido meus materiais de desenho." jungkook lamentou com um bico tristonho, seus olhos azuis eram da cor do rio e cintilavam como tal. namjoon se pegou desejando ser um pintor também para poder capturar a forma que eles eram mágicos.

"podemos ver se encontramos algum papel e tinta no mercado ali da frente," sugeriu, tentando mantê-lo em bons ânimos. era raro terem um tempo para explorar aeta daquele jeito, nada mais justo do que deixar que jungkook capturasse a beleza do local numa pintura.

a ideia agradou o garoto e antes de se deixarem relaxar no lugar correram na direção do mercado de rua que tinha ao redor da praça. era algo pequeno e simples, apesar do local estar localizado na divisa entre a área nobre e burguesa; compra e venda não parecia ser o interesse dos moradores, a maior parte dos itens vendidos eram comida, alguns tecidos aqui e ali, e itens básicos de sobrevivência. namjoon torcia para alguém vender papel e tinta, não era possível que nobres não gostassem dessas coisas, certo?

eles procuraram em quase todas as bancas e lojas que tinha na área, quase desistindo da busca até um garotinho esbarrar neles carregando uma sacolinha com, adivinha, papel e tinta. jungkook imediatamente perguntou onde ele tinha conseguido e o menino apontou para uma loja no final da rua, os olhos escuros e redondos encarando jungkook como se ele tivesse saído de um conto de fadas.

a reação das crianças a ele era sempre adorável, namjoon se perguntava se o garoto tinha noção do efeito que causava nas pessoas.

a loja que a criança indicou era bem escondida do centro da praça, não tinha ninguém ali além de uma jovem moça que cuidava e vendia os produtos. era um local simples, mas parecia ter bons produtos. jungkook animadamente apontou o que precisaria, tocando em todos os papéis disponíveis e verificando os pincéis várias vezes antes de escolher o que achava melhor. quando finalmente estava satisfeito com tudo o que escolheu, namjoon retirou a sacolinha pessoal de moedas para pagar, permitindo um luxo a jungkook para que ele pintasse algo com mais facilidade.

o garoto lhe puxou de volta para as margens do rio dralon, fazendo namjoon se sentar na grama verde e macia. ele tirou os itens de pintura e os organizou ao seu lado enquanto se preparava para desenhar. o mais velho se arrastou pela grama até ficar ao seu lado, espiando o papel onde o desenho tomaria forma.

jungkook se ocupou em falar sobre a paisagem e técnicas de pintura enquanto fazia o esboço. chamar de conversa era muito generoso, namjoon apenas ouvia e vez ou outra adiciona um ou outro comentário enquanto jungkook tagarelava tudo o que lhe vinha na cabeça.

era um momento tão tranquilo que fez namjoon suspirar.

seria pedir demais que momentos como aqueles durem mais tempo? suas preces seriam atendidas se fizesse tamanho pedido egoísta?

suas preces nunca foram atendidas, então não se sentiu culpado por desejar tal coisa.


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o dia havia amanhecido nublado.

nuvens pesadas e cinzas cobriam os céus azuis de aeta com a ameaça da iminente chuva que cairia mais cedo ou mais tarde. honestamente, namjoon gostaria de passar o dia enrolado nos lençóis quentinhos da hospedaria e não se preocupar com mais nada além de aproveitar uma manhã preguiçosa— mas trabalho é trabalho, ele supunha.

jungkook precisou arrastá-lo para fora do quarto, avisando que precisavam roubar o suficiente para o dia antes de se encontrarem com jimin como combinaram no dia anterior durante a tarde. o acordo havia sido feito pouco antes de separarem os seus caminhos, o pintor sugeriu que ele fosse visitar a loja que fingia trabalhar para cumprimentar seus colegas de trabalho. segundo o próprio jimin, todos já conheciam o motivo e estavam agradecidos agora que todos os mal entendidos haviam sido resolvidos.

a ideia não era lá uma das melhores para namjoon, mas não teve como recusar quando jimin lhe pediu com tanto jeitinho — e jungkook aceitou antes mesmo de poder negar. mas não era como se ele tivesse uma rotina muito cheia de toda forma, só iria tentar roubar mais pessoas durante o tempo que teria livre.

a rotina de roubos da manhã era sempre muito parecida, jungkook facilmente conseguindo achar os melhores alvos e bolar planos diferentes e criativos para melhorar seus trabalhos. o garoto estava cada vez melhor e, se não fosse sua aparência tão chamativa ele provavelmente já estaria pronto para roubar sozinho.

até a hora do almoço eles tinham conseguido cinco moedas de ouro e mais algumas de prata e bronze de algumas pessoas que trabalhavam na nova área que estavam explorando, era do lado oposto que costumavam ficar, mais próxima da área nobre, mas não o suficiente para se colocarem em perigo.

aquele lugar era mais rico, mas menos movimentado então foi um pouco mais difícil do que no centro da área comercial, os resultados, porém, foram melhores do que esperavam, quanto mais ricos, menos desconfiados eram dos seus arredores. provavelmente continuaria voltando lá algumas vezes nos próximos dias.

quando a tarde finalmente chegou, namjoon e jungkook aproveitaram para almoçar na praça. eles compraram alguns sanduíches e pães doce da padaria, felizmente menos movimentados do que no dia anterior — ir antes do horário oficial de almoço era um ótimo truque para garantir menos fila e acesso a todas as opções antes de acabarem.

com jungkook bem alimentado de pãezinhos e satisfeito, os dois seguiram para loja de jimin.

diferente da última vez que viu o local, a fachada agora estava mais bem arrumada, decorada com belos vasos do lado de fora e uma pintura nova de cores chamativas. mais pessoas estavam entrando e saindo do que lembrava, a maioria mulheres bem vestidas cochichando sabe céus o que entre risadinhas. namjoon sorriu para todas as que passou, cumprimentando-as num nível básico de educação que lhe era necessário, torcendo para não encontrar nenhuma que roubou.

a maioria parecia lhe conhecer mesmo que ele não fizesse ideia de quem elas eram. jungkook o encarou com um olhar questionador, mas só pôde devolver um dar de ombros com uma expressão tão confusa quanto a dele. quando jimin lhe falou que ele estava 'conhecido' pela loja, não imaginou que fosse naquele nível. seria um problema se mais pessoas começassem a lhe reconhecer daquele jeito, como roubaria alguém se todos soubessem seu nome? toda a graça de ser um ladrão era justamente não ser conhecido.

desconfortável, ele adentrou a loja com jungkook. o espaço não era muito grande, mas as prateleiras de tecidos ocupavam quase todas as paredes, um balcão de madeira com livretos apresentando os modelos fornecidos pela boutique por toda a superfície era administrado por uma garota de cabelos longos e pele clara, muito fofa se namjoon fosse ser honesto, mais no fundo da loja jimin e outro rapaz atendiam duas mulheres que procuravam tecidos.

"uau, é bem diferente do que eu imaginava." jungkook comentou ao seu lado, ajustando a mochila nas suas costas enquanto grudava ao lado de namjoon para evitar atrapalhar o vai e vem de clientes.

"sim, eu nunca tinha entrado numa boutique antes."

tentando não ficar no meio da loja, os dois se ocuparam em fingir que estavam olhando os tecidos expostos na prateleira. algumas mulheres lhe cumprimentaram com sorriso gentis e ele reconheceu pelo menos duas como amigas de heilin.

levou alguns minutos para jimin terminar de atender uma cliente e se despedir dela com seu melhor sorriso comercial. quando ela finalmente saiu, ele soltou um suspiro cansado, mas satisfeito, os olhos brilhantes de um serviço bem feito era um bom complemento ao seu rosto. ele se aproximou dos dois, estendendo a mão para cumprimentá-los.

"que bom que conseguiram vir! os meus colegas de trabalho estavam esperando por vocês!" jimin os guiou até o balcão e com um sinal discreto chamou o outro funcionário que estava organizando alguns tecidos para se juntar ao pequeno grupo. "namjoon, jungkook, essa é haejung, ela organiza toda a parte financeira da boutique, é uma das fundadoras da loja." ele apresentou a garota fofa de antes, ela o cumprimentou com um sorriso doce e um aceno. "esse é jinsang, também ajudou a fundar essa loja e sabe muito sobre tecidos." o rapaz que estava organizando os tecidos anteriormente também o cumprimentou de modo educado. "eu trabalho criando a maior parte das roupas junto com jinsang."

os três pareciam bem próximos para serem apenas colegas de trabalho, namjoon se perguntava se eles haviam se conhecido na época que jimin era um dente de leite.

"é um prazer conhecer todos vocês, eu sou namjoon e ele é jungkook. mais uma vez sinto muito por usar o nome da loja de vocês sem permissão." se desculpou apenas por achar que seria o certo a fazer, eles pareciam bem o suficiente com a situação então não teria porque se sentir culpado.

"não precisa se desculpar, apesar da surpresa está sendo ótimo ter nossos negócios reconhecidos." jinsang comentou divertido, arrumando os óculos no rosto. ele se vestia muito bem, notou, e tinha um porte físico que deixava óbvio que ele se exercitava. não seria uma boa ideia ficar no lado mal daquele cara.

"realmente! até pensamos em procurar por você e te contratar de fato," haejung brincou, os olhos dela corriam pelo seu corpo algumas vezes antes de voltar ao seus rosto com pouca discrição. ele não se incomodou tanto, qualquer coisa que fizesse aquele grupinho de burgueses menos suspeitos dele serviria no momento. "é uma pena que estejam aqui só de passagem."

"ah, realmente, seria uma oportunidade difícil de recusar." namjoon respondeu com uma risada fraca e falsa. ele já havia perdido o sonho de ter um trabalho decente há muito tempo, não sabia ter uma boa ética e provavelmente causaria confusão, mas foi estranhamente reconfortante ouvir que alguém gostaria de contratá-lo mesmo que em tom de brincadeira.

"jiminie, eu trouxe biscoitos- ah, vocês." taehyung apareceu do nada, abrindo a porta com mais força do que necessário e assustando todos dentro da loja. os dois colegas de trabalho de jimin riram alto com as travessuras de taehyung, aparentemente habituados com a presença dele, e jimin se restringiu a simplesmente suspirar e balançar a cabeça negativamente.

namjoon rolou os olhos, chocado como desde que encontrou aquele mercenário ele parecia lhe perseguir onde quer que fosse. jungkook não parecia menos insatisfeito do que ele, apertando seu braço com um pouco mais de força. namjoon discretamente passou a mão pelo seu ombros e fez um carinho simples para aliviar um pouco seu incômodo.

nas mãos de taehyung ele tinha uma sacola de papel com vários biscoitos em formatos engraçadinhos que supostamente comprou num dos seus lugares favoritos. ele dividiu alguns com todos os colegas de trabalho de jimin com um sorriso, quem sabe já eram conhecidos de outras épocas? na vez de dividir alguns com namjoon e jungkook ele hesitou, murmurando debaixo da sua respiração algo ininteligível e entregando dois para cada. pareciam biscoitos de baunilha — ele mordiscou um e realmente eram.

"obrigada, tae." jimin agradeceu em nome de todos. "achei que fosse passar o dia dormindo."

"não duvide do quanto posso ser produtivo! eu vi que era horário de almoço e decidi que todos precisavam de um doce para se animarem!" ele desviou o olhar para jungkook e namjoon e deu de ombros. "não contava com dois a mais, mas tudo bem, posso trazer mais depois."

namjoon soltou uma risada sarcástica com o quanto ele soava incomodado com o fato dos dois estarem próximos de jimin, era tão óbvio que até alguém desconhecido como ele podia notar. do jeito que ele agia parecia que eles queriam roubá-lo dele.

"não se preocupe com isso, deve ter algo pra comer nos fundos da loja também, podemos dividir mais tarde." jimin tentou aliviar a situação ao mesmo tempo que não queria que namjoon ou jungkook se sentissem culpados por algo.

ah, jimin era mesmo precioso. namjoon queria apertar suas bochechas.

o sininho acima da loja tilintou de súbito quando alguém abriu a porta e haejung imediatamente escondeu os biscoitos que estavam em cima do balcão e limpou os farelos com as mangas do vestido, uma fachada profissional muito bem feita no pouco tempo que teve. jimin e jinsang também viraram para o lado oposto da porta e engoliram o biscoito mais rápido do que namjoon achou que seria possível ou saudável.

o homem que havia entrado era alto e carrancudo, cabelos escuros bem penteados e um terno azul marinho. um pouco acima do bolso da frente do terno tinha um broche dourado redondo, no centro estava esculpido o brasão de um faisão sobre uma pedra muito familiar-

espera!

suas mãos imediatamente tatearam o bolso que estava a adaga de taehyung, o brasão dourado no cabo era exatamente igual ao broche do homem.

espera!

ele conhecia aquele homem!

"hyung, ele não é uma das pessoas que pedimos informações sobre o trem?" jungkook sussurrou no seu ouvido, tentando ser o mais discreto possível e namjoon estupidamente assentiu, encarando o homem como se tivesse visto um fantasma.

diferente da última vez que o viu, ele não usava um uniforme sujo ou parecia cansado, pelo contrário, sua aparência estava muito mais rejuvenescida e sua pele limpa, como se a aparência que havia visto fosse uma miragem. estava quase irreconhecível. agora que não parecia, por falta de palavras melhor, pobre ele lhe lembrava alguém...

"pai?!" a voz de taehyung quebrou o silêncio com um arquejo chocado, as palavras soando altas e ao mesmo tempo minúsculas. do outro lado da loja jimin parecia igualmente surpreso, quase assustado com a presença do homem ali.

"o taehyung não sabe. ele acha que eu fui adotado por pura boa vontade, os pais dele tiveram um dedo na história toda então se puder não comentar..." a fala do pintor rodeava sua mente com uma velocidade que lhe deixava zonzo. então ele estava envolvido em toda a situação do jimin como um dente de leite? como ele ousava ainda ter a vergonha na cara de entrar na loja dele e agir como se não fosse nada? ricos eram mesmo a pior praga da humanidade.

"taehyung? o que está fazendo aqui, achei que estivesse-" o rosto do homem se contorceu em um misto de feições de surpresa e raiva que namjoon não achava ter visto antes. o mesmo arrepio de antes lhe tomou o corpo, ele imediatamente deu alguns passos para trás e colocou jungkook escondido atrás de si, tentando protegê-lo do que quer que pudesse acontecer ali.

"por que você está aqui? você deveria ter chegado em edessa há dois anos." a voz de taehyung soava embargada, parecia que cairia no choro a qualquer momento. namjoon encarou a porta, ainda ocupada pelo corpo do homem que o impedia de sair por hora.

"ah, taehyung... isso é coisa do passado, por favor. não sei porque voltou, mas podemos conversar isso em outro momento."

"outro momento?" taehyung repetiu como se não pudesse acreditar no que ouvia. namjoon também não, ele nem sabia a história toda, mas estava chocado com a frieza do homem. sabia que ele era estranho desde o início, a intuição de namjoon nunca falhava pra essas coisas. "você sabe o quanto eu estava desesperado por notícias suas e da mamãe?"

"tae..." o tom do homem tinha uma certa ameaça incluída, parecia alertar para ele pensar duas vezes antes de continuar.

"senhor kim, é essa a loja que planeja comprar as coisas para o aniversário da senhora sunhi?" um homem gordinho de meia idade apareceu na porta, a pergunta inocente foi quase devorada pela atmosfera tensa da loja.

"sunhi? quem infernos é sunhi?" taehyung parecia mais irritado do que aparentava, os olhos escuros carregavam uma sombra quase sanguinária naquele momento, sua atenção pulando do seu pai para o estranho que havia acabado de chegar.

namjoon trouxe jungkook um pouco mais para atrás dele, uma mão segurando firme sua cintura para caso as coisas saíssem de controle.

"e-ela é a esposa do senhor kim e única herdeira da família gan, m-mostre um pouco de respeito!" a voz trêmula do servo foi o que fez a última linha de sanidade de taehyung rasgar, aparentemente.

o garoto empurrou o pai com as duas mãos, com força o suficiente para fazê-lo cambalear para fora da loja. o mercenário parecia, agora, honrar sua profissão. se aquele taehyung tivesse aparecido no dia do festival para matá-lo, namjoon provavelmente estaria morto aquela altura.

"esposa?! você tá de brincadeira comigo? e a mamãe?" ele gritou a plenos pulmões, sem sequer perceber as pessoas que passavam e encaravam a situação. namjoon se aproximou mais da porta, jungkook ao seu lado, os dois encarando a cena do lado de fora como se fosse um espetáculo. "foi pra isso que me mandou pra edessa? pra poder casar com uma vadia rica sem que ela soubesse o lixo que você é?"

namjoon levou as mãos a boca, trocando olhares chocados com jungkook. aquilo estava ficando interessante ao mesmo que tempo que poderia trazer muitos problemas. mais ao fundo da loja, jimin estava tremendo no seu lugar, seus colegas de trabalho imediatamente correndo para lhe acalmar. provavelmente não era fácil encarar alguém que esteve tão diretamente ligado ao seu passado daquele jeito.

"o que você acha que está falando, seu filho ingrato?" o pai de taehyung tinha agora uma expressão tão assassina quanto a do filho, a semelhança entre eles ainda mais acentuada. "como ousa falar assim com seu pai? meça suas palavras!"

"medir minhas palavras?" ele riu alto, sarcástico. "você destruiu a nossa família, estragou a minha vida e a vida da minha mãe, nossos negócios, me mandou para outro reino dizendo que logo viria com a mamãe para 'reconstruirmos' a nossa vida!" ele gritou para que todos ouvissem, totalmente desequilibrado. "me deixou sozinho lá por anos, sem dinheiro e sem família, morrendo de preocupação achando que tinha acontecido com vocês, mas esse tempo todo você tinha arranjado uma mulher idiota pra bancar um parasita como você?"

uau, aquilo era uma história.

cada palavra que saia da boca de taehyung atraia mais pessoas. o rosto do homem estava tão vermelho que parecia prestes a explodir de raiva, as veias pulsavam no seu pescoço e o servo inutilmente tentava fazer com que os curiosos saíssem do lugar e lhes permitissem pelo menos um pouco de privacidade.

antes que taehyung continuasse a falar o som estalado de uma tapa soou pelo lugar.

"tae!" jimin pulou de onde estava, as pernas trêmulas correndo para fora da loja antes mesmo que alguém pudesse impedir. ele segurou o corpo cambaleante do mais novo nos seus braços para que ele não caísse no chão.

"ah, você. por que sempre que algo de errado acontece você está envolvido, moleque?" o pai de taehyung tinha um tom de desgosto tão explícito por jimin que fez namjoon se encolher no lugar. as coisas pareciam ter ficado mais complicadas com a adição de jimin no meio.

"não ouse falar dele!" taehyung voltou a falar, um filete de sangue escapava dos seus lábios, cortados por um dos anéis no dedo do homem, e sua bochecha estava vermelha.

"é por isso que me livrei de um filho inútil como você, não me trazia nada além de dor de cabeça e gastos inúteis. você nunca serviu pra nada além de agir mimado, taehyung." sibilou entre dentes, tão furioso que parecia querer desferir outro tapa. aquele homem era nojento. "achei que tivesse morrido em outro reino, mas pelo jeito não."

"como ousa fazer isso, eu confiei em você! deixei tudo pra trás por sua causa! você sequer sabe o que eu passei por sua causa!" apenas jimin impedia taehyung de avançar em cima do homem, seus braços segurando com força o corpo agitado dele. "eu vou matar você!"

não importa o quão ruim taehyung fosse como mercenário, não mudava o fato de que ele tinha suas mãos manchadas de sangue e pouca coisa o impedia de manchá-las com um pouco mais — ninguém sobrevive na vida de mercenário com as morais intactas, muito menos nos subúrbios obscuros de edessa.

o pai dele não deveria saber o quanto aquela ameaça era real.

"devemos ajudá-los, hyung?" jungkook perguntou em uma voz minúscula, assustada, mas namjoon negou de imediato, mantendo uma das mãos na sua cintura, dessa vez para impedir que jungkook corresse para se meter naquele problema. a natureza do pai de taehyung era incerta, não sabia se ele poderia ser ainda pior que o próprio mercenário. dado o histórico não parecia muito longe da realidade.

"myung dae, vamos embora. não quero mais comprar nada aqui." com uma expressão ainda irritada ele deu meia volta e levou o servo junto, deixando todos os espectadores e envolvidos embasbacados e sem reação.

"volte aqui, ainda não terminei com você!" taehyung se agitou nos braços de jimin, sua voz ainda mais alta do que antes. "pai! volta aqui!" o homem lhe ignorou e entrou numa carruagem elegante que estava parada a alguns metros de distância da entrada da loja.

"tae, por favor..." jimin implorou, sua voz chorosa assustou o mais novo o suficiente para que ele não tentasse mais correr atrás do pai.

imediatamente taehyung segurou o rosto de jimin e enxugou as suas lágrimas da melhor forma que podia, murmurando coisas como 'está tudo bem' e 'eu não estou muito machucado, sinto muito te assustar' enquanto ele mesmo chorava no abraço. ele realmente não tinha noção do que o pai havia realmente feito para arrancar uma reação tão forte de jimin. namjoon suspirou pesado, talvez devesse aconselhá-lo a contar toda a verdade para taehyung — mas ao mesmo tinha medo do que ele faria se soubesse tudo o que tinha acontecido.

jungkook encarava a cena com olhos penosos, parecendo querer ajudar de alguma forma, mas incapaz de fazê-lo.

mas ninguém além dos dois eram capazes de oferecer conforto da maneira que o outro precisava no momento. todos pareciam entender aquilo só de olhar, então ninguém os atrapalharam.

apesar de tudo, namjoon só podia torcer para que tudo se resolvesse entre eles.

"jungkook, precisamos conversar."

eles estavam de volta ao quarto da hospedaria depois de umas boas horas ajudando tudo a ser reorganizado na loja de jimin. alguns papéis e tecidos haviam sido bagunçados na comoção e um dos vasos do lado de fora quebrados com a quantidade de pessoas que estavam espiando a briga, jungkook também não quis sair até ter certeza que jimin estava bem.

os colegas de trabalho dele o liberaram pelo dia e taehyung voltou com ele pra casa, tudo parecia estar voltando pros seus lugares aos poucos. namjoon decidiu que não seria mais necessário fazer nenhum roubo pelo resto do dia, o pôr do sol já havia pintado os céus de laranja então descanso e um bom jantar seria a melhor opção.

depois de um banho, roupas trocadas e refeição terminada, namjoon suspirou. com tudo o que havia acontecido durante o dia provavelmente não seria bom deixar jungkook no escuro sobre a situação de jimin, ele não sabia os detalhes de tudo o que aconteceu, mas ainda conseguiria falar superficialmente o que era necessário. por mais que não gostasse da ideia de expor o quão horrível era a realidade para alguém tão inocente quanto jungkook e com toda certeza destruir sua positividade, julgou que se ele fosse viver nos subúrbios por boa parte da sua vida com namjoon ele precisava conhecer certas coisas — e essa era uma delas.

"algum problema, hyung?" ele deixou as roupas que dobrava sobre a escrivaninha do quarto e se sentou na frente de namjoon na cama, os olhos azuis curiosos já correndo pelo seu corpo numa checagem automática sobre seus ferimentos. não importava o quanto ele repetisse que estava bem levaria um tempo até o garoto acreditar.

"o que eu vou te contar agora é bem sério," começou, procurando as palavras corretas entre seu vocabulário limitado. "e não é algo que podemos sair falando, principalmente nos subúrbios, nem aqui e nem em edessa quando chegarmos, tudo bem?"

"tudo bem..." jungkook assentiu, soando incerto de suas palavras. não era a intenção de namjoon chocá-lo, mas não teria outro jeito. "é sobre o jimin?"

ah, ele era mais esperto do que namjoon gostaria.

"também." ele entregou-lhe um dos travesseiros para colocar no colo e se fazer mais confortável, a conversa provavelmente seria longa. "você sabe algo sobre dentes de leite?"

"uh, os dentes que caem quando somos crianças?" ele tocou no próprio dente avantajado da frente e namjoon riu com sua inocência, por pouco não desistiu de contar e lhe deixou na bela ignorância.

mas não era justo.

então namjoon contou.

ele falou tudo o que sabia e já havia ouvido falar sobre as crianças dente de leite e o que acontecia com elas. explicou tudo em detalhes, evitando amaciar a realidade para que jungkook não entendesse errado — não entendesse como uma caridade, um ato de boa vontade, algo nobre. não era e não devia ser entendido como tal.

namjoon pôde ver o exato momento que as feições de jungkook saíram de confusão para horror, como ele levava as mãos a boca e arquejava em choque com o que ouvia. não demorou para que ele começasse a chorar, as lágrimas encharcando seu rosto sem controle.

no entanto, ele não pediu para namjoon parar.

quando o mais velho achava que estava demais e que talvez fosse melhor contar o resto uma outra hora, o garoto apenas negou com a cabeça, fazendo sinal para que ele continuasse a falar. jungkook tinha aquele olhar determinado que sempre conseguia deixar namjoon sem muita ação além de fazer o que ele pedia.

"isso é algo terrível de se fazer com criancinhas... e pensar que o jimin passou por algo assim..." ele fungou, enxugando o rosto com as mangas da blusa mesmo que poucos segundos depois novas lágrimas aparecessem.

namjoon concordou com um som fraco, abrindo os braços para que jungkook pudesse pular em cima dele num abraço apertado. o mais novo enfiou o rosto no tecido da sua blusa, os tremores que chacoalharam o seu corpo eram abafados pelos braços de namjoon. o rapaz apoiou sua cabeça sobre o topo da dele, os fios escuros fazendo cócegas no rosto.

ele não soube dizer quanto tempo os dois ficaram naquela posição, poderiam ter sido horas ou minutos, namjoon só percebeu que jungkook havia pegado no sono quando sua cabeça pendeu para o lado e ele não a levantou de novo. o mais velho sorriu com a visão e o arrumou na cama, cobrindo-o com os cobertores e tirando os cabelos longos de debaixo dele para evitar que puxasse durante o sono. depois de se certificar que ele estava confortável, deitou também, torcendo para o dia de amanhã ser mais fácil.


⋆⁺₊⋆ ☾⋆⁺₊⋆


acordar cedo estava começando a virar parte da sua rotina — tudo era contra a sua vontade, é claro.

mesmo com os acontecimentos do dia anterior jungkook não parecia menos motivado em fazer do dia o mais produtivo possível. namjoon sempre se perguntava como o garoto conseguia ter tanta energia daquele jeito, era como se ele conseguisse se resetar todos os dias, uma habilidade admirável que o mais velho preferiria que ele mantivesse só para si e não o arrastasse junto.

toda a rotina foi seguida como de costume, eles se arrumaram para sair, prepararam uma bolsa com alguns suprimentos e o caderno e lápis de jungkook, alguns doces que compraram na hora do jantar para beliscar durante o dia, conferiram as moedas — quase todas para o trem separadas e bem escondidas —, checaram se a tiara estava bem guardada no quarto também e, finalmente, saíram para tomar café da manhã e seguir sua rotina de roubos pela cidade.

a primeira parte do dia havia sido tranquila, namjoon havia conseguido roubar dois jovens ricos com a ajuda de jungkook fingindo que estava doente e precisava de ajuda para ser carregado até o banco mais próximo — convenientemente do outro lado da praça, dando tempo o suficiente para namjoon retirar a sacolinha de moedas pesada enquanto o garoto exagerava na atuação de uma pessoa com dor. precisava admitir que ele era muito bom ator.

no total eles conseguiram quatro moedas de ouro, um ótimo valor para tão poucas pessoas. jovens ricos eram sempre mais descuidados que os mais velhos, ótimas presas. os dois decidiram dar uma pausa um pouco mais distante da praça principal, para evitar muitos roubos consecutivos acabarem alarmando a guarda da cidade.

jungkook decidiu passar a sua pausa desenhando a rua que estavam vendo enquanto namjoon apenas se acomodava no banco e lutava contra o sono. o mais novo tirou uma das folhas do caderno e com o lápis começou o esboço, linhas pretas lentamente davam forma ao papel em branco, contornos e sombras aos poucos se juntando as formas que ele havia feito anteriormente. namjoon espiava todo o processo com um quê de admiração e orgulho, havia se tornado um dos seus passatempos favoritos assistir jungkook desenhar o que quer que aparecesse na sua mente ou atraísse sua atenção.

era um pouco embaraçoso quando o desenho acabava sendo sobre namjoon, no entanto. geralmente ele só olhava para o outro lado e ignorava até o desenho estar pronto, não sabendo lidar com a forma que ele se concentrava mais do que deveria em fazer um bom trabalho para mostrá-lo depois, fazia as suas bochechas queimarem e seu coração bater mais forte. estranho, mas não de todo ruim.

como daquela vez jungkook parecia focado em desenhar a vista da cidade namjoon se deu ao luxo de apoiar um braço no topo do banco e sustentar a sua cabeça com a mão numa posição privilegiada para ver todo o processo de criação. o garoto soltou uma risada baixinha e fofa quando notou-o ali do seu lado antes de continuar a fazer a sombra de um prédio no chão de pedras.

o garoto murmurou baixinho irritado por ter errado uma linha da janela que estava fazendo, no seu minuto de desatenção para procurar a borracha na mochila uma brisa forte soprou e a folha voou. jungkook arregalou os olhos no momento que o papel saiu do seu colo e começou a flutuar pelo meio da praça. namjoon ainda tentou alcançá-la antes que se perdesse, mas não foi o suficiente para pegar.

jungkook pulou do lugar, seu cabelo balançando na trança já bagunçada atrás dele. namjoon se apressou em juntar tudo na bolsa para não perder mais nada e correu na sua direção. o garoto corria por entre as pessoas, totalmente ignorante a qualquer coisa além da folha rabiscada sendo arrastada para lá e pra cá pelo vento.

um rapaz vestido em roupas simples foi acertado em cheio pela folha no rosto, ele xingou alto sua má sorte e amassou o papel sem hesitar, jogando-o na fonte próxima. jungkook congelou no seu lugar por longos três segundos antes de segurá-lo pelo braço. o homem se virou, claramente incomodado pela ação do garoto, mas não parecia tão agressivo — namjoon agradeceu aos céus por ser alguém menor que o brutamontes da padaria. ele já estava a poucos metros de distância e com o discurso pronto para tanto repreender o desconhecido quanto para acalentar os nervos de jungkook, quando, sem nenhum alerta o próprio jungkook o empurrou na fonte.

um arquejo coletivo tomou conta da rua — namjoon incluso.

"o que diabos você pensa que está fazendo?!" o homem gritou, chocado e irritado em medidas iguais.

jungkook caminhou mais perto dele e, quando ele tentou se levantar, o chutou de volta para dentro da fonte. ele se abaixou e pegou a folha encharcada e desamassou como podia sem rasgar, mas o desenho não podia mais ser salvo, a água já havia borrado todo o trabalho delicado do lápis. bravo, o garoto jogou a folha de volta no rosto do homem.

"você destruiu o meu desenho, babaca. espero que esteja arrependido." a voz de jungkook estava alguns tons mais grave, fez arrepios cruzarem pelo seu corpo só de ouvir. namjoon cuidadosamente se aproximou dele, resistindo a tentação de puxar seu braço e sair correndo antes que alguma coisa mais acontecesse. "eu deveria fazer pior com você."

"j-jungkook... acho melhor irmos." namjoon se aproximou com cuidado, evitando chamar muita atenção no meio da comoção. ele finalmente levantou os olhos do desconhecido e namjoon finalmente entendeu o porquê do homem estar petrificado no lugar. ele parecia pronto para matar alguém.

seus olhos brilharam em preto — namjoon cambaleou para trás, piscando algumas vezes para ter certeza que estava vendo certo, mas no segundo seguinte eles eram azuis de novo, apesar de irritados a um nível que ele nunca pensou que veria.

mesmo incerto do que fazer, jungkook não protestou quando ele o segurou pelo braço e aos poucos lhe tirou de perto do homem. a multidão foi se dispersando quanto mais eles se afastavam do centro da confusão, assim que namjoon notou uma melhora no humor dele, correu até uma ruela isolada distante da praça.

namjoon ofegou quando finalmente pararam, ninguém havia dado atenção aos dois ali e os ignoravam quando os viam. ótimo, suspirou aliviado. ele se virou para jungkook, interrogações circulando sua face numa silenciosa pergunta do que raios ele tinha feito. não era do feitio do garoto perder a paciência assim, já era a segunda vez que aquele comportamento anormal acontecia e ele precisava de resposta dessa vez.

"eu sinto muito..." jungkook começou, a voz trêmula precedia o choro, namjoon já o conhecia bastante para saber disso. não era a intenção dele fazê-lo chorar no meio da rua principalmente se ele estivesse tão arrependido quanto parecia.

namjoon suspirou pesado, passando as mãos nos cabelos curtos para tentar recuperar o ritmo dos seus pensamentos e não acabar piorando o estado do garoto.

"tudo bem, jungkook eu só... veja, eu entendo ficar bravo, o seu desenho estava ficando lindo, mas precisa ter cuidado. ele poderia chamar os guardas ou fazer um escândalo e te colocar em problemas entende?" fez o possível para manter seu tom com o mínimo de julgamento possível, tentando mostrar o quão preocupado ele estava.

jungkook apenas balançou a cabeça positivamente, os olhos fixos nos próprios sapatos, brincando com seus dedos de maneira ansiosa. ele odiava ver jungkook daquela forma, mas ele precisava também entender que certas coisas não eram tão fáceis de resolver.

"eu me preocupo com você, kook-ah." namjoon suspirou, se apoiando na parede oposta a que ele estava. "não sou dessa cidade então não consigo fazer muito se algo acontecer com você. em pouco tempo vamos estar em edessa e aí podemos ficar um pouco mais confortáveis, tudo bem?"

novamente, jungkook não respondeu, mas assentiu fraco. ele soltou uma risada aérea, a distância entre os dois tão pouca que apenas esticar seus dedos era o suficiente para tocar nele, namjoon o puxou para um abraço meio desajeitado, mas torcia para que fosse o suficiente para aliviá-lo do que quer que estivesse sentindo.

"eu vou estar sempre pronto pra ouvir caso queira me contar algo." não forçaria ele a falar nada, talvez nem mesmo ele soubesse o que estava acontecendo com suas emoções no momento. no fim, ele estava vivendo em sociedade depois de mais de vinte anos isolado numa torre no meio da floresta. era irrealista e cruel exigir que jungkook só sentisse coisas boas e emoções felizes.

no fim, jungkook era humano assim como todos os outros e tinha o direito de se sentir bravo e perder a cabeça de vez em quando — por mais assustador que a visão fosse.

ele só torcia para que o garoto não lhe escondesse nada, não poderia ajudar se não soubesse o que estava acontecendo.

jungkook apertou-o com um pouco mais de força no abraço, enfiando o rosto no seu peito e respirando fundo algumas vezes para se acalmar. namjoon se ocupou em brincar com os fios escuros do seu cabelo, o olhar de preocupação nunca saindo de fato do seu rosto não importa o quanto tentasse.

ele esperava que fosse só um momento de irritação passageiro — mas o peso no seu peito não parecia aliviar.

sua mãe costumava chamar de mal presságio.

quando o fim de tarde finalmente chegou, jungkook pediu para visitarem a loja de artigos de arte mais uma vez.

com toda a agitação da manhã já jogada para o fundo da sua mente, namjoon não protestou. o garoto argumentou que precisava de mais folhas e algumas tintas, ele queria extras para a viagem de trem também já que passariam por belas paisagens e era necessário registrar todas elas durante o percurso. eles estavam com moedas extras então não seria um problema comprar alguns itens. ele também estava curioso para ver que tipo de paisagens iria ver durante a viagem, seria bom se conseguisse decorar a casa com as pinturas dos locais que passaram para manter de recordação.

aquela casa velha e triste precisava de um pouco de cor.

com um humor renovado, jungkook pulou de prateleira em prateleira, usando os braços de namjoon como cesta para segurar tudo o que julgou essencial para levar no trem. uma coisa importante seria as malas que teriam que refazer, não sabia se teria espaço nas mochilas para o resto das coisas que compraram em aeta, não que fosse muitas, mas eles não tinham muito espaço — fez uma nota mental de conversar sobre isso com jungkook quando voltassem para casa e ver se seria necessário comprar uma mochila maior.

como sempre, o valor de todas as tintas e papéis e pincéis de jungkook foi bem menor do que namjoon esperava. sentiria muita falta daquela loja quando voltassem para casa, jungkook com certeza mais do que ele — torcia para ter alguma igualmente acessível no seu subúrbio quanto havia naquele.

honestamente, morar em aeta era extremamente tentador.

já fazia algumas noites que pensava sobre o assunto, muito mais vezes do que gostaria de admitir. o lugar era bem mais confortável do que edessa, em todos os sentidos, talvez lá ele conseguisse arranjar um emprego que não os envolvesse em tantos perigos, jungkook estava bem adaptado ao reino e talvez trabalhar com arte não fosse tão difícil, heilin poderia introduzi-lo a algumas amigas nobres e eles poderiam fazer um bom dinheiro também. de maneira geral, aeta era mais segura e talvez um ambiente melhor para se estabilizar com jungkook.

ele ainda precisaria trazer o assunto ao mais novo, não tomaria uma decisão que o envolvesse sem ele. a melhor opção por agora seria voltar a edessa, entregar a tiara e conseguir o dinheiro da recompensa e depois pensar sobre o assunto.

nada além da sua casa e da recompensa lhe prendiam ao seu reino natal, se conseguisse se livrar dos dois... bem, talvez reconstruir uma vida decente ao lado de jungkook não fosse tão ruim assim-

namjoon travou no seu lugar — suas mãos entregando as moedas ao vendedor da loja por puro reflexo do corpo — era um pensamento absurdo ao namjoon de algum tempo atrás, ele sequer acreditava no que havia decidido de maneira involuntária dentro de uma loja de tintas.

o mais velho chacoalhou a cabeça, deixando aquele pensamento no fundo da sua mente para resolver depois.

com tudo pago e bem guardado na mochila que trouxeram, os dois saíram da loja, objetivos do dia completos e discussões sobre o que seria o jantar tomando toda a atenção deles — jungkook queria torta de carne de novo e namjoon achava melhor variar com sopa. aparentemente, para o mais novo, sopa não era o suficiente para mantê-los saciados até o outro dia e eles precisavam de comidas mais fortes; os argumentos de 'se dormir mais cedo não sentimos fome' não era convincente o bastante para ele.

"hyung, você não pode fazer isso é prejudicial para o seu corpo." jungkook rolou os olhos pelo que parecia a terceira vez em quinze minutos de discussão sobre o jantar. era um absurdo que ele não deixaria namjoon só tomar sopa para jantar por isso.

"e eu já disse que não é, você se preocupa demais com coisa boba."

"sua saúde não é bobagem- ei, aquele é o jimin?" ele se interrompeu quando a visão de cabelos alinhados e escuros entraram no seu campo de visão.

os dois se aproximaram de onde ele estava sentado num bar de rua, um copo grande do que parecia cerveja na mesa já pela metade. ele tinha uma expressão exausta no rosto, as bochechas redondas estavam vermelhas e seu olhar distante. era como se seu corpo estivesse ali, mas sua mente longe demais para sequer reconhecer que eles estavam se aproximando.

"jimin?" namjoon balançou uma das mãos na frente do seu rosto, o movimento próximo fez o pintor piscar rápido várias vezes, parecendo finalmente voltar do mundo dos pensamentos. ele forçou um sorriso e meneou a cabeça em um cumprimento silencioso.

"você está bem?" jungkook se sentou na cadeira ao seu lado, o tom preocupado explícito em suas palavras. jimin suspirou pesado, mas não confirmou. pelo jeito a situação parecia ter piorado. "foi algo com o taehyung ou o pai dele...?" o garoto ergueu o olhar para namjoon, quase implorando para alguma confirmação de que não tinha falado mais do que deveria. ele parecia bem mais sensível no que falava para jimin depois do que conversaram na noite anterior. aquilo era um bom sinal.

"um pouco dos dois." suas palavras carregavam mais cansaço do que gostaria, namjoon suspirou baixinho. ele poderia ser alguém com morais duvidosas, mas não era um monstro. sabia ser empático com quem queria e a situação de jimin era era uma que ele conseguia entender até certo ponto. "eu... tive que contar tudo pro taehyung." o pintor lançou um olhar questionador para namjoon, como se perguntasse se jungkook já sabia do assunto e ele confirmou.

"contou? mas por que? achei que não quisesse que ele soubesse."

"taehyung foi discutir com o pai de novo." jimin suspirou exasperado, levando o copo à boca e bebendo um gole grande de cerveja, uma tentativa desesperada de afogar seu desespero no álcool. "pelo jeito o pai dele falou mais do que devia e expôs minha história toda pra ele. quando ele veio até mim eu só pude confirmar e terminar de contar a história. ele saiu de casa tão bravo, eu não faço ideia do que aquele maluco possa ter aprontado naquele estado."

"oh não." jungkook arquejou, os olhos arregalados na direção de namjoon como se tivesse a solução daquele problema em mãos.

"não se preocupe, jimin, eu tenho certeza que ele não deve ter feito nada demais." as suas palavras soavam falsas até para os seus próprios ouvidos. apesar de duvidar muito das capacidades de mercenário de taehyung, ele ainda era um perigo enquanto estivesse andando com raiva daquele jeito.

"jimin! graças aos céus eu te encontrei!" um senhor baixinho e parecendo ter entre seus cinquentas anos correu desengonçado até eles, as roupas apertadas demais no seu corpo para que se movesse mais confortavelmente. ele só parou quando chegou próximo o suficiente para se apoiar nos ombros de jimin e ofegar forte, exausto da corrida.

"senhor han? algum problema?" o rapaz o ajudou a sentar em uma das cadeiras para recuperar o seu fôlego. o velho passou as mãos gordinhas pelo rosto, arrumando as sobrancelhas e o bigode mal feito ao ver que tinha mais pessoas na mesa além de jimin.

"eu preciso de você hoje, o meu cantor desistiu de última hora e eu não tenho ninguém para a apresentação desta noite!"

"ah, senhor, eu sinto muito, mas hoje não posso." jimin suspirou, verdadeiramente triste por negar ajuda. "preciso terminar alguns modelos para a loja ainda essa noite, eles devem ser entregues amanhã de manhã."

"ah não... mas eu não conheço mais ninguém com uma voz tão bela quanto a sua, jimin!" o homem insistiu mais uma vez, desespero claro nos seus olhos castanhos. "o que vai ser da noite do meu bar sem um cantor!"

namjoon encarou a cena com uma sobrancelha arqueada, julgando o homem por sua incompetência de não ter sequer um cantor substituto para emergências como aquela. depender de alguém com um emprego estabelecido e pouco tempo livre era muita coragem; ele não tinha nenhum senso de negócios, dava pra ver porque ninguém queria trabalhar com ele-

"uh, eu posso ajudar... se quiser." jungkook interrompeu a conversa, fazendo namjoon e os outros dois ao seu lado se virarem estupefatos.

o que ele estava fazendo?!

"você sabe cantar, jovem?" o senhor han ignorou jimin para dar toda a sua atenção a jungkook, que corou diante do olhar quase vibrante do homem.

"eu não sei sua definição de 'saber cantar', mas eu gosto bastante!" o sorriso inocente e empolgado do garoto fez com que o péssimo homem de negócios a sua frente se acomodasse melhor na cadeira.

"você pode cantar algo pra mim?"

jungkook assentiu de imediato, tomando alguns minutos para escolher algo do seu acervo de músicas limitado e na maior parte autoral, sobre coisas aleatórias que ele decidia transformar em rimas. namjoon rolou os olhos discretamente, torcendo para que aquele velho não fosse irritante demais na hora de se livrar dele.

enfim, o garoto escolheu uma canção que ele geralmente murmurava enquanto arrumava algo no quarto ou penteava o cabelo. era algo sobre o dia e a noite, estrelas e coisas fofas, namjoon nunca se prendia a letra, ele apenas se deixava levar pelo tom melodioso da voz dele. antes mesmo que jungkook finalizasse a música o tal senhor han já estava aplaudindo no seu lugar, olhos brilhando como se ele fosse um achado precioso.

"fantástico! sua voz é muito melhor do que eu imaginava, rapaz!"

"realmente, jungkook, você canta muito bem!" jimin concordou do seu lugar, parecendo um pouco menos abatido.

"eu adoraria que você se apresentasse no meu bar hoje a noite, o que acha? eu posso pagar!"

oh, pagar?

"eu vou amar ajudar, não precisa pag-"

"o que ele quer dizer," namjoon interrompeu com uma tosse falsa, se colocando entre o garoto e o ótimo-homem-de-negócios na sua frente. "é qual será o pagamento?"

"quem é você?" senhor han perguntou, uma das sobrancelhas arqueadas com sua interrupção repentina.

"namjoon, é um prazer." cumprimentou com o seu melhor sorriso comercial. "pode me considerar um... agente dele."

o velho lhe encarou de cima a baixo, ponderando por longos segundos se o que ele falava era verdade. jimin engolia uma risada a duras penas atrás do homem com a situação.

"certo, agente... o preço é negociável. uma moeda de ouro pela noite seria o bastante?"

"se você adicionar bebida à vontade e refeição para dois junto da moeda de ouro, aceitamos."

"bebida à vontade? mas..."

"é pegar ou largar. em breve deve dar a hora do seu bar abrir, não?" apontou para o céu que aos poucos escurecia mais enquanto estavam conversando, apressando-o o suficiente para que ele não parasse para pensar demais no assunto e visse o óbvio golpe que ele estava tentando dar.

"eu... ugh, tudo bem, bebida e refeição a vontade junto com o pagamento, mas a música deve ser ainda melhor do que me mostrou aqui, ouviu?" o velho passou a mão pela cabeça calva com um suspiro exasperado. ele se levantou da cadeira e bateu as roupas de uma poeira inexistente. "o jimin pode mostrar o caminho do bar para os dois, não pode?"

"claro, não se preocupe. vou levar os dois lá em segurança e na hora correta." com um sorriso educado, ele concordou.

os três se despediram do velho e esperaram o momento que ele desapareceu entre as ruelas escuras de aeta para olharem uns para os outros e darem risada da situação. jimin se levantou do lugar, deixando algumas moedas na mesa para que um funcionário do bar recolhesse e apontou com a cabeça na direção da rua.

"a minha casa é próxima, eu posso emprestar algumas roupas para a sua apresentação." como o anjo que era, jimin sugeriu e ninguém pensou em recusar.

juntos, eles seguiram um caminho pouco familiar até um prédio, segundo jimin era uma nova forma de morar na cidade. dentro de uma única construção várias famílias poderiam se estabelecer em 'mini-casas', como uma hospedaria, mas permanente. o pintor morava sozinho ali já fazia alguns poucos anos depois que sua antiga casa foi destruída pelas chuvas de inverno. as mini casas eram menores, mas mais baratas que casas normais, tinham três por andares e no total eram nove famílias. jimin morava no último andar e precisava subir três longos lances de escadas.

namjoon ofegou enquanto xingava a péssima escolha de local; quando algum bruxo inventaria algo que pudesse eliminar escadas?

quando finalmente chegaram na sua mini-casa, ele se desculpou pela bagunça e chutou algumas roupas para debaixo da cama, alegando que taehyung estava morando com ele durante aqueles dias e ele era muito bagunceiro.

o local, diferente do quarto da hospedaria, era maior, tinha um pouco de tudo dentro, de um lado era o quarto com uma cama de casal e uma cabeceira pequena ao lado com um abajur, do outro era uma pequena cozinha com armários e um fogão a lenha, atrás da porta nos fundos deveria ser o banheiro. era algo até confortável de se viver, tudo tinha seu lugar — apesar da recente bagunça.

jimin tirou uma blusa preta com mangas longas, feitas num tecido leve que caia pelos braços e balançava com o mínimo dos movimentos, toda a peça podia se ver discretos desenhos feitos a mão com uma tinta escura. a calça ele acabou usando a que já estava vestindo, as de jimin muito pequenas para jungkook. o pintor também se ofereceu para fazer um penteado nos longos fios pretos, admitindo de maneira envergonhada que desde que o conheceu tinha vontade de tocá-los.

jungkook não protestou, apenas se sentou na cama grande de jimin e ficou paradinho enquanto ele trabalhava. o rapaz pediu para namjoon desfazer as tranças enquanto ele pegava sua maletinha com maquiagem, afirmando que nenhum cantor do bar poderia aparecer 'de cara limpa', um artista era um artista afinal. jungkook sorriu animado com a ideia de ser maquiado pela primeira vez, fechando os olhos e deixando que o outro tivesse total acesso ao seu rosto.

o tempo passou rápido dentro da mini-casa de jimin, os três se ocupando em finalizar todas as preparações a tempo para não se atrasarem para a hora marcada para a apresentação. jimin fez um penteado simples, mas delicado nos fios escuros de jungkook, a metade superior presa em um pequeno coque na parte de trás da cabeça e a outra metade solta, caindo por suas costas livre e longa. na lateral do cabelo ele usou um acessório de flores num tom de rosa tão pálido que chegava a parecer branco. no rosto, além de um pó que tirava a oleosidade do rosto, pintou as pálpebras de jungkook com linhas azuis delicadas que combinavam com a cor dos seus olhos.

no fim, jungkook estava... esplêndido.

namjoon gostaria de ter um vocabulário maior e mais rebuscado para conseguir expressar de fato o que estava diante dos seus olhos. não era como se não reconhecesse a beleza de jungkook no seu dia a dia, muito longe disso, ele parecia não ter sequer um ângulo ruim ou momento que sua aparência fosse menos do que invejável, chegava a ser irritante nos seus piores dias — mas era uma experiência totalmente diferente vê-lo arrumado de maneira intencional.

o coração de namjoon apertou dentro do peito, como se estivesse diante da verdadeira natureza de jungkook, uma natureza nobre, real se pudesse ser ousado, algo distante demais para alcançar — puro demais para alguém como namjoon estar próximo, estar sujando com a imundícia de quem era. apesar de ter certeza que jungkook era de origem nobre, era fácil de esquecer aquele detalhe quando via seu sorriso fácil ou ouvia seus planos mirabolantes para roubos. porém, não importa o quanto alguém tente se cegar ou ignorar a realidade, ela sempre consegue arranjar uma maneira de se esgueirar de volta.

"o que achou, hyung?" a pergunta foi feita com tanta expectativa e brilho nos olhos que namjoon não viu outra opção além de engolir seus sentimentos conturbados e sorrir.

"você está incrível." ele esperava que sua resposta soasse tão genuína quanto ele se sentia.

jungkook sorriu largo e pulou para o lado de jimin para finalizar as últimas preparações. ele colocou um brinco de pedrinhas azuis que o pintor tinha guardado numa caixinha e ajustou as roupas no corpo. ele estava lindo, provavelmente chamaria bastante atenção no momento que saíssem dali — sua última esperança era que o bar fosse perto o bastante para evitar locais muito aglomerados.

depois de tudo organizado e conferido, jimin levou os dois para o local combinado. o bar era a algumas ruas de distância, sua entrada era discreta, mas estava cheio de pessoas indo de um lado para o outro, entrando e saindo com copos de cerveja na mão. eles se despediram na entrada, o pintor mostrou aos dois para onde deveriam ir para falarem com o dono e resolverem tudo o que precisava ser finalizado.

por dentro, o lugar era ainda mais agitado que por fora. longas mesas de madeira meio sujas e mal cuidadas se estendiam pelo espaço no centro do bar, cadeiras espalhadas, decorações de máscaras de metal, caveira e animais empalhados, copos esborrando de bebida por todo lado. como se a situação não pudesse piorar, todos os frequentadores da noite eram homens gigantes que pareciam ter saído direto dos campos de batalha — não os tipos legais da guarda real, mas os tipos de mercenários que mais ninguém conseguiu matar e só eles sobreviveram.

namjoon se arrependeu de ter deixado jungkook aceitar aquele acordo no momento que pisou ali.

ele seria massacrado naquele lugar, seus membros arrancados e seu belo rosto desfigurado — não teria outra escolha, teria que puxar jungkook consigo e correr pela porta, talvez se tivesse alguma saída pelos fundos e eles fossem silenciosos-

"olá! meu nome é jungkook!" como se disposto a terminar de matar namjoon, o garoto pulou no palco improvisado e acenou para todos. escondido atrás de uma coluna de madeira aparentemente instável, namjoon fez um sinal para que ele parasse de falar e saísse daquele palco. porém, ele provavelmente deveria ter ensinado jungkook a interpretar seus sinais de 'isso é uma péssima ideia, você está maluco?!' antes. "eu vou me apresentar com vocês hoje!" ele disse ao invés de pular dali. namjoon bateu na própria testa, frustrado e aterrorizado.

aquele era um detalhe que jimin deveria ter avisado antes de deixá-los aceitar algo maluco como aquilo.

se as pessoas não gostassem de jungkook poderiam matá-lo, com toda a certeza. ele conhecia aquela raça de mercenários como ninguém, não era difícil para eles encontrarem motivos para ficarem enfurecidos e lançarem aqueles machados pesados que estavam ao seu lado no pescoço de algum deles — namjoon tocou seu próprio pescoço com a ponta dos dedos.

"cadê o jimin? achei que ele viria hoje." um dos homens sentado no meio do bar gritou a pergunta, a mão calejada batendo na mesa. namjoon se encolheu no seu lugar atrás da coluna, querendo entrar dentro daquele pedaço de madeira e sumir daquele lugar.

não o leve a mal, ele amava um bom bar com uma cerveja forte o suficiente para fazê-lo esquecer até do seu endereço — o problema era beber com alguém que podia facilmente quebrar sua coluna em duas.

"ele está ocupado com o trabalho e eu disse que podia vir no seu lugar. somos amigos!" anunciou a todos com um orgulho quase palpável do título de amigo de jimin. namjoon olhou de canto para a 'plateia' e a expressão desgostosa de todos fez arrepios correrem pelo seu corpo diante da visão.

oh céus, ele implorou a qualquer tipo de divindade, pelo menos nos deixe sair vivos daqui.

"e você sabe cantar bem mesmo?" outro brutamontes, mais no canto da parede, perguntou em seguida.

pobre jungkook, tão jovem já tendo que passar por uma situação tão trágica...

"claro que sei!" afirmou com segurança, uma das mãos na cintura e a outra colocando uma parte do cabelo atrás da orelha. "apesar de eu nunca ter cantando para muito mais pessoas além do namjoon hyung... oh, diga oi a eles, hyung!" jungkook lhe encontrou onde estava escondido e apontou todos os olhares do bar se voltaram para ele, alguns vazios outros desinteressados.

namjoon se forçou a sorrir e acenar de maneira discreta — a situação já estava ruim o suficiente para chamar atenção.

uma nota para si mesmo era nunca mais aceitar fazer nada em bares antes de saber se os clientes são potenciais assassinos ou não.

"ah é? então vamos lá, toque bardo, eu quero ouvir o garotinho!" um outro homem, tão grande quanto os outros se não maior, jogou um machado na direção do pobre homem que quase cochilava no banquinho perto da parede. ele tinha um sorriso maléfico no rosto e parecia querer que jungkook se intimidasse de propósito.

infelizmente namjoon não poderia ajudá-lo no momento — suas pernas estavam congeladas no chão de pavor — então só pôde desejar que tudo desse certo para o garoto. caso não, esperava que ele não o culpasse muito por ter terminado naquela situação; em sua defesa, ele decidiu sozinho que iria ajudar aquele velho trambiqueiro, namjoon só fez o máximo da situação para conseguir lucrar algo, era o mais inocente da história!

"eu quero cantar sobre sonhos!" jungkook deu um passo para frente, o som da sanfona do bardo ecoou pelo espaço fechado do bar, tomando alguns distraídos de surpresa. "eu tenho um sonho!"

a música que começou a cantar, primeiro como um desabafo pessoal sobre suas vontades durante o tempo que vivia trancado na torre, algo poético e com certeza não ensaiado porque namjoon nunca havia ouvido algo como aquilo antes. o ritmo acelerava aos poucos e suas rimas acompanhando, seus pés giravam pelo pequeno palco e um a um os mercenários se levantavam para dançarem juntos e rirem grotescamente.

era uma cena estranha e com certeza iria persegui-lo por dias, homens grosseiros e musculosos se levantando com um sorriso para dançar com jungkook, no meio do bar, cada um acompanhando-o como podiam nas músicas, às vezes inclusive colocando suas próprias frustrações e sonhos.

o puro terror que corria nas suas veias foi substituído por uma dose de bizarrice que nunca achou que pudesse viver na sua vida.

aos poucos cada vez mais homens se juntavam à roda de dança e canto como se esquecidos de quem eram ou do que faziam — ele tinha quase certeza que viu sangue em alguns. suas pernas fraquejaram tamanho o choque que lhe tomou e ele precisou sentar por alguns minutos. felizmente o bar estava aberto e o dono que fizeram o acordo mais cedo estava olhando toda a situação com contentamento enquanto preparava pedidas.

namjoon se sentou ali, de frente para o local onde jungkook dançava e cantava livremente com sua platéia... pelo menos ele não iria morrer nem tão cedo dado o jeito que eles pareciam satisfeitos com a música. o mais velho pediu uma bebida por conta da casa assim como acordado, 'a mais forte, por favor', pediu com um suspiro exausto.

o velho han murmurou algo sob a respiração, mas rapidamente colocou o copo grande na sua frente. como um homem sedento, namjoon tomou um gole generoso de uma vez, o álcool passando pelo seu corpo com um ardor muito bem-vindo.

"um copo desse pra mim também." uma voz familiar apareceu de súbito do seu lado, namjoon só teve tempo de ver o perfil bonito de taehyung antes de engasgar. ele tossiu forte, tentando fazer com que as gotas de cerveja que estavam lhe sufocando voltassem para o lugar correto. mesmo com todo o barulho e namjoon quase morrendo ao seu lado ele apenas suspirou pesado e arriscou alguns lances de olhares incomodados.

namjoon quis perguntar o que ele estava fazendo ali e o que pretendia, mas não estavam em um lugar apropriado para tal, teria que esperar uma oportunidade melhor. também seria difícil focar quando quase sua atenção inteira em jungkook dançando alegremente no meio de mercenários que podiam arrancar todo aquele cabelo dele com as mãos.

taehyung não falou muito enquanto bebia, só suspirava alto e se apoiava de forma precária no balcão de madeira atrás deles. namjoon lembrou da conversa que teve mais cedo com jimin, do quanto ele estava preocupado com o amigo e como ele tinha descoberto toda a verdade sobre a natureza do pai e seu envolvimento na história de dentes de leite. ele não era nenhum bom samaritano, mas não custava repassar os sentimentos de alguém tão legal quanto jimin quando ele estava na sua frente.

"ei, taehyung." chamou com um tom indiferente, evitando estar olhando na sua direção. o garoto virou o rosto para ele, os fios escuros caindo livre sobre os seus olhos mais que de costume. só agora namjoon havia notado o quanto ele estava bagunçado. "eu soube que você descobriu tudo sobre a história do jimin como um dente de leite. ele está preocupado com você."

o rapaz apertou os olhos, a sombra de lembranças ruins passando pelo seu rosto. ele levou o copo à boca e bebeu todo o conteúdo de uma vez. namjoon ainda pensou em avisá-lo para pegar mais leve e não se embebedar daquele jeito, mas desistiu, não era da sua conta mesmo. ele havia feito o que prometeu a jimin e aquilo era o suficiente.

"o jimin sempre foi bom demais pra esse mundo." taehyung começou com um suspiro pesado, fazendo sinal para o dono do bar lhe trazer outro copo de bebida. do outro lado do salão, jungkook continuava sua apresentação como se nada fora do normal estivesse acontecendo. "você não faz ideia do que eu senti quando descobri o que aconteceu."

"yep, não faço a menor ideia." namjoon concordou desinteressado. "e não tenho muito interesse-"

"eu me senti horrível." o rapaz continuou, voz trêmula e dedos apertando o copo de bebida como se fosse seu inimigo pessoal.

"não perguntei, mas..."

ele ignorou namjoon.

"eu fui na casa do meu pai depois de toda a confusão na frente da loja do jimin. sabe o que eu descobri? que ele está morando na casa da nova esposa dele no bairro nobre." taehyung fungou, bebendo mais da sua cerveja. o mais velho rolou os olhos, pelo visto serviria de balde para ele despejar todas as suas frustrações contra a sua vontade. "ele me perguntou por que eu estava defendendo tanto o jimin, acredita? chamou ele de tanta coisa que não ouso nem repetir, disse que ele deveria ter só cumprido seu papel de 'dente de leite' e desaparecido e ainda me culpou por ter estragado tudo entre ele e os monstros que achei que eram pais adotivos de jimin!"

"não me diga..." comentou casualmente, entre bebericadas de cerveja, mantendo os olhos em jungkook a sua frente.

"eu fui até jimin depois disso e ele me confirmou tudo. quando eu ouvi aquilo eu quis matá-lo, mais do que quis antes em toda a minha vida. e sabe, namjoon, eu tentei. eu voltei, bati nele e puxei um pedaço de metal, pensei em enfiar no peito dele e finalizar tudo por ali. o que eu tinha a perder?" ele se interrompeu para beber o resto da cerveja no copo e pediu mais outra. o dono do bar murmurou baixinho que era melhor que ele tivesse dinheiro pra pagar aquilo tudo. "minha mãe? fugiu de casa pra se casar com um nobre de outro reino pouco antes do meu pai me mandar pra edessa. meu pai é um lixo, eu não quero mais ter nada com ele depois de me enviar pra morte em outro lugar, eu não tinha mais nada sabe? tudo desmoronou diante dos meus olhos."

namjoon fez um som de compreensão e taehyung aparentemente interpretou como um sinal para continuar seu desabafo.

ricos eram sempre dramáticos daquela forma? uma situação como aquela acontecia quase toda semana nos subúrbios, pessoas fugindo com outros e abandonando filhos e parceiros, traições, decepções. imaginava que a vida dos burgueses e nobres deveria ser bem desinteressante para algo assim chocá-lo tanto.

"ele estava lá, todo ensanguentado e eu podia matá-lo tão fácil... mas a nova esposa dele estava assistindo tudo da porta e ela... ah, ela tinha os mesmos olhos inocentes de jimin. eu não consegui. no final, ela não sabia quem meu pai realmente era e provavelmente ela e sua família foi enganada também. eu não quis estragar minha vida aqui muito menos preocupar jimin caso acabasse preso."

taehyung enxugou as lágrimas que caiam silenciosamente pelo seu rosto com as costas da mão. namjoon lhe olhou de relance, suspirando pesado com a situação. estava feliz que ele pelo menos agiu com a cabeça no lugar.

"quando eu perguntei a jimin sobre toda a história de dentes de leite e ele contou... foi tão triste de ouvir, namjoon-ah!" ele chorou com mais força, o nome de jimin provavelmente fazendo-o mais emotivo — ou seria o quarto copo de cerveja? "e-ele teve que aceitar se passar pelo filho mais velho da família que vivia sofrendo ameaças de morte enquanto o original se recuperava, ele disse que era porque sua mãe estava doente e os remédios eram muito caros. o nobre usou a situação para forçá-lo a se colocar em perigo todos os dias e pior, meu pai foi quem recomendou o jimin pra eles! como ele pôde?! eu apresentei jimin como meu melhor amigo e ele usou isso pra jogá-lo naquele covil de leões!"

"então você conheceu ele enquanto ele morava nos subúrbios?" namjoon perguntou, virando-se pela primeira vez para olhar a bagunça de lágrimas no seu rosto, as bochechas e nariz vermelhos tanto de álcool quanto de choro fazia ele parecer pior ainda. será que deveria impedi-lo de beber mais?

"sim. eu vi ele pintando e pedir pra ele me ensinar. o jimin sempre foi muito bom com arte." fungou a resposta, um pequeno sorriso aparecendo no seu rosto com a memória. "depois que eu apresentei ele ao meu pai, passei meses sem encontrar ele de novo. quando eu o vi foi numa festa dada pelo nobre que adotou ele, ninguém tinha me contado do acordo e eu só corri pra abraçar ele, sem querer eu acabei destruindo toda a farsa que eles haviam criado e o nobre ficou muito bravo com o meu pai. o motivo da empresa ter falido foi o nobre ter feito tudo para acabar com nossos negócios."

"isso é o que eu chamo de vingança."

"meu pai trabalhou sozinho na própria empresa para manter os negócios aos olhos de todos, ele sempre foi orgulhoso demais, não quis admitir falência. depois disso, ele me mandou para edessa dizendo que reconstruiria sua vida lá e eu deveria ir primeiro. como fui estúpido! devia ter adivinhado que ele não faria isso, mas mesmo assim eu fui. esperei por anos como um idiota que ele voltasse e nada!" taehyung balançou a cabeça, tom ríspido de novo enquanto lembrava das ações do pai.

aquilo explicava o porquê de ter visto aquele homem com uniforme sujo e expressão cansada quando o encontrou no caminho para a estação de trem. ele não parecia alguém do subúrbio porque não era. quanta confusão.

"meu maior arrependimento é ter envolvido jimin nessa história toda... se eu não tivesse apresentado ele ao meu pai naquele dia talvez ele não precisasse carregar tanta tristeza com ele." soluçou de novo e passou as mãos nos olhos molhados, em vão tentando secá-los.

olhando sua aparência penosa daquele jeito se perguntava como teve medo de alguém como ele antes.

"hm, provavelmente." concordou enquanto bebia. não se apresenta como 'amigo' alguém dos subúrbios pra burguesia, é como colocá-los num alvo gigante e chamativo e esperar uma flecha acertá-lo. sempre dá problema, por isso sua mãe lhe instruiu a ficar longe de ricos como ladrões ficam longe de guardas. taehyung era muito inocente sobre a vida, quem sabe as lições que passou entraram na sua cabeça daquela vez? "você devia conversar com o jimin.

"não... eu me sinto muito culpado para olhá-lo nos olhos." como uma criança, ele rejeitou a ideia que namjoon, tão generosamente, ofereceu.

"eu só to falando isso porque ele me pediu mais cedo. mas faça como quiser-"

"ele falou com você sobre mim?! jura?" num pulo, taehyung se colocou na sua frente, encarando-o com tanta expectativa que namjoon curvou a coluna para se afastar um pouco dele.

"falou, agora me solta." puxou suas mãos da dele e se arrumou na cadeira do bar. "ele me disse que estava preocupado com você e o que você faria."

"ele se preocupa comigo..." ele soava... tímido, até demais para alguém que acabou de admitir quase ter matado o pai algumas horas antes.

mercenários são imprevisíveis, de fato. namjoon gostaria de manter distância dele.

namjoon ergueu os olhos para onde jungkook estava quando a música mudou de novo, um ritmo mais rápido que não era acompanhado pela voz doce do garoto. ele estava sentado numa mesa grande, outras mesas foram colocadas juntas para mais pessoas se sentarem próximas. tentando

o mais velho apertou os olhos em questionamento do porque estavam todos ali juntos, suspeita borbulhando dentro da sua mente enquanto ignorava o monólogo de taehyung ao fundo sobre o jimin, quase se confundindo com o som dos instrumentos.

"hyung, vem!" jungkook gritou e acenou assim que os seus olhos se cruzaram, ele murmurou algo baixinho para o brutamontes da sua direita e riu divertido, parecendo extremamente satisfeito consigo mesmo. ele deveria ter uma conversa sobre o quão perigoso era se aliar com pessoas daquele... ramo de trabalho. "eu fiz novos amigos!"

com um sorriso forçado, namjoon se levantou. taehyung ao lado dele saiu da cadeira também, como se alguém tivesse o convidado, e o empurrou para que fossem logo para a grande mesa. se não fosse o fato dele ser um mercenário também, provavelmente teria o jogado pra longe — talvez ele soubesse como se comunicar e livrar namjoon de qualquer potencial morte ao interagir com os homens dali.

quem sabe? mercenários com mercenários se entendem, não?

namjoon se sentou ao lado de jungkook, seu assento havia sido reservado por ele no momento que organizaram os lugares. do outro lado do mais novo taehyung empurrou para o lado um dos homens e se sentou ali. jungkook rolou os olhos, uma expressão que gritava 'o que ele está fazendo aqui?' estampada no seu rosto.

"heya, han! nos traga suas melhores bebidas e petiscos a vontade, meu novo amigo jungkook aqui precisa ter a melhor noite de bar da sua vida!" um homem apareceu atrás do garoto e passou os braços gigantes pelo seu pescoço e ombros num abraço apertado e meio desengonçado, o gancho no lugar da mão perigosamente próximo da pele do garoto. namjoon arregalou os olhos com a cena, mãos agitadas em busca de como ajudar, mas com aqueles músculos, que mais pareciam pedras, o que alguém como namjoon poderia fazer?

"beom seok hyung, você vai me sufocar!" jungkook gargalhou, o tom divertido fez o homem gigante rir junto e bagunçar o seu cabelo carinhosamente. "ele gosta muito de brincadeiras assim." ele comentou com namjoon assim que o homem voltou para o seu lugar, na cadeira oposta a dele.

"ah... é claro." ele engoliu qualquer comentário e arriscou um olhar de relance para o tal beom seok — mais especificamente seus braços — e se perguntou em quantos minutos ele conseguiria quebrá-lo por inteiro? não deveria tomar mais de cinco, isso com certeza.

o dono do bar olhou o grande grupo reunido com estranheza, mas serviu as bebidas e os petiscos como pedido. os homens imediatamente empurraram os pratos na direção de jungkook e o incentivaram a comer um pouco de tudo alegando que ele estava "muito magrinho e quem quer que cuidasse dele deveria fazer um trabalho melhor" o que, com licença, namjoon fazia muito bem!

não que ele fosse discutir aquilo pessoalmente com eles, mas o sentimento ainda estava lá.

com as bochechas coradas, jungkook aceitou de bom grado a maior parte dos petiscos que lhe empurraram, alguns que ele gostou mais entregou para namjoon para que ele provasse também. o tempo inteiro o garoto tinha um sorriso brilhante no rosto e aquilo fez namjoon relaxar um pouco mais no seu lugar, incapaz de fazer algo que atrapalhasse seu momento de felicidade — mesmo que a presença de tantos mercenários num lugar só lhe deixasse, por falta de palavra melhor, intimidado.

era uma pequena rixa da área suburbana das cidades, coisa antiga e meio boba, mas muito presente. ladrões consideravam mercenários cães de guerra baratos enquanto para os mercenários os ladrões não eram nada mais que ratos traiçoeiros.

ele já tinha visto o suficiente de brigas em bares sobre essas questões, estranhamente filosóficas e profundas, para saber que nada era bom quando juntava as duas piores raças que rondavam as profundezas dos reinos. e lá estava ele, colocando seu pescoço na reta apenas para não estragar o mais próximo que jungkook chegaria de uma noite fora com amigos para beber. ah, o que ele havia se tornado, era a questão que rondava sua mente enquanto mordiscava um bolinho de carne distraidamente.

"aqui, jungkook, prove essa cerveja, é a melhor do bar!" beom seok entregou nas suas mãos um copo grande de bebida e jungkook arregalou os olhos com o ato inesperado, ele sorriu meio nervoso e olhou para namjoon antes de virar para o mercenário.

"eu... ah, eu nunca bebi antes..." sua explicação foi mais um gaguejo que aos poucos desapareceu no ar. ele encarou namjoon como se pedisse permissão. o mais velho riu com o quanto ele podia ser inocente as vezes.

"pode beber se quiser. vai ser meio ruim no começo, mas você se acostuma." ele deu de ombros, bebendo um gole da sua bebida como exemplo. "não se preocupe, se ficar bêbado eu te levo pra casa." brincou com um tom de riso, arrancando uma risada do garoto também.

ele hesitou por um segundo, encarando o copo com um olhar pensativo, até finalmente criar coragem e tomar um gole. jungkook fez careta e engoliu, passando as costas da mão na boca para secá-la da bebida. os homens na mesa comemoraram com gritos e assovios, outros bateram na mesa e outros brindaram entre si. jungkook ergueu os olhos com expectativa e rosto corado, namjoon sorriu, brindando com ele e tomando outro gole da sua bebida.

as rodadas de petiscos e cervejas passaram pela mesa sem parar, namjoon já deveria estar no seu quinto ou sexto copo, jungkook ainda no primeiro, tomando-o com com cuidado e delicadeza, as duas mãos segurando o copo como se estivesse tomando um chocolate quente, taehyung estava no seu sétimo e os homens ao seu redor... ele honestamente perdeu as contas, era impressionante a tolerância deles ao álcool, namjoon considerava a sua bem alta, mas já sentia sua cabeça um pouco menos lúcida que antes.

"jungkook cantar sobre sonhos me lembrou dos meus." beom seok trouxe o assunto do nada, jogando um bolinho dentro da boca enquanto suspirava. outros mercenários concordaram nos seus lugares. namjoon ergueu uma sobrancelha, já receoso de onde aquilo acabaria. "apesar da minha cara maldosa e ser muito bom como mercenário, meu sonho sempre foi ser pianista. ah eu poderia tocar as maiores composições do mundo se não fosse esse gancho!" ele ergueu o braço onde, no lugar de uma mão tinha um gancho de metal envelhecido.

"não desista, beom seok hyung, eu tenho certeza que você ainda pode tocar coisas maravilhosas!" jungkook exclamou com mais determinação do que era necessário, mas o homem pareceu inspirado por algum motivo a não desistir do seu tal sonho.

"eu também tenho um sonho!" outro mercenário, dessa vez no canto da mesa, um tal de daeshim levantou as mãos. "apesar da minha aparência não ser muito boa, de ter mais dedos nas mãos e um pescoço inchado, eu sonho em ter uma linda esposa!" ele tirou do bolso uma pequena margarida e pulou na mesa para conseguir entregá-la a jungkook, que sorriu, tocado. "imagine nós dois passeando de barco num dia ensolarado, sussurrando poemas de um amor um ao outro! apesar de desordeiro, sou um amante e não guerreiro!"

namjoon estava começando a ficar assustado com aqueles mercenários, mas pelos motivos errados.

qual era o problema deles...?

"eu também tenho um sonho! eu quero ir embora daqui e ser florista, fazer os melhores arranjos que o continente já viu!"

"o chul é um bom decorador!" um outro mercenário apontou para um homem sentado no final da mesa, ele estava organizando os petiscos nos pratos quando alguém mencionou seu nome.

"os doces do kangdae são um primor!"

"o chul ama tricotar!

"e o bong bordar!"

"o hyunki tem coleção de romances e sonha em escrever um livro ele mesmo!"

namjoon assistia toda aquela cena bizarra com o rosto franzido, implorando por dentro que toda aquela conversa fosse interrompida por algo e rápido. era quase absurdo ver aqueles homens tão agitados e emocionados enquanto falavam de sonhos. chegava a ser irônico que eles eram mercenários, talvez estivesse errado e eles só fossem musculosos com uma aparência intimidadora e no final não fizessem muito. ele riu sarcástico com seus próprios pensamentos; tanto medo pra nada.

"e você," beom seok apontou com o gancho para namjoon, tomando-o de surpresa com a menção súbita. "qual é o seu sonho?"

"uh... você tá falando comigo?" ele sabia que sim, só queria um jeito de escapar daquele melodrama todo de sonhos e essas baboseiras. namjoon não sonhava, aquilo era estupidez.

"sim. você sonha com o quê?" daeshim repetiu a pergunta e namjoon rolou os olhos, já cansado da conversa.

"não, não, olha desculpa ai pessoal, mas eu não tenho sonhos." cruzou os braços na frente do corpo, satisfeito com sua própria resposta.

no segundo seguinte, inúmeras espadas estavam apontadas na sua direção.

"ha! mas é claro que eu tenho sonhos!" ele forçou uma risada, afastando com cuidado as pontas das lâminas que estavam perigosamente perto do seu pescoço. "eles são simples, nada muito emocionais, eles são em um lugar ensolarado, numa ilha no verão, bronzeado e solteirão... ah, e com pilhas de dinheiro ao meu lado!"

os mercenários comemoraram, um conjunto de eeey! que ressoou pelo ambiente; ao seu lado, o mais novo riu e bateu palmas, animado com o sonho que namjoon havia acabado de inventar — apesar de que o termo correto seria uma 'reciclagem' dos planos que faria com o dinheiro da recompensa da tiara.

"eu também tenho um sonho!" jungkook anunciou, se levantando do seu lugar em pura empolgação. os homens comemoraram a participação dele na conversa num coletivo uivo de alegria. "eu sonho em ver as luzes flutuantes que vem do leste! quanto mais se passam os dias, mais eu fico feliz por ter saído da minha torre! como todos vocês, eu também tenho um sonho!" ele girava no seu lugar, seu cabelo enorme batendo em alguns pratos vazios na mesa e bagunçando as coisas, mas ninguém ligou e apenas continuaram a comemoração. o suporte era estranhamente acolhedor.

namjoon queria voltar para casa.

"eu também tenho um sonho!" taehyung gritou, completamente fora de si. ele levantou de súbito com suas pernas bambas e caminhou até namjoon, se jogando contra as suas costas assim que se aproximou o bastante. o peso dele fez o mais velho se curvar para frente, quase sem ar com o impacto. "eu sonho que o jimin não fique bravo comigo, namjoon hyung!" ele choramingou alto perto do seu ouvido.

"ah, pelos céus." namjoon bufou sob a respiração com o quão patético taehyung ficava bêbado — e desde quando ele havia virado seu hyung?

"ei, namjoon não é o seu hyung, é o meu!" jungkook o puxou para longe de namjoon e o guiou até sua cadeira de novo, forçando-o a se sentar ali e não sair.

"ha ha! vimos que não somos tão ruins?" beom seok riu alto com a própria conclusão, uma que namjoon não sabia se concordava diga-se de passagem. "podemos ser brutos..."

"maus!"

"golpistas!"

"grotescos otimistas!"

"isso," beom seok concordou com os complementos dos amigos, parecendo satisfeito com os adjetivos. "mas lá no fundo, nós temos muitos sonhos!" ele ergueu seu copo cheio de cerveja ao alto, uma proposta silenciosa de brinde.

"temos muitos sonhos!" daeshim concordou em uníssono com outros mercenários, erguendo seus copos também.

"temos muitos sonhos!" jungkook repetiu, erguendo o mesmo copo que estava bebendo desde o começo, ainda meio cheio e se juntou ao brinde coletivo.

"yay!"

todos gritaram e gargalharam juntos.

namjoon podia contar nos dedos as vezes que teve uma experiência tão bizarra quanto aquela — e de todas, essa era a primeira da lista.

depois de horas naquela tortura psicológica, que ele estava sóbrio demais para passar, dentro de um limbo infinito entre ouvir jungkook cantando sobre sonhos e aspirações, aqueles mercenários dando corda para suas melodias, questionando se o seu cabelo era real mesmo ou não enquanto tentavam puxar aqui e ali, e taehyung chorando como criança enquanto falava o quanto se sentia mal pelo que jimin teve que passar sua causa e essencialmente repetindo que namjoon já havia ouvido antes, poder ir para casa era a maior benção possível.

jimin apareceu na porta do bar um pouco antes dele deixar o lugar, parecendo não ter conseguido descansar do trabalho antes de ir lá. ele perguntou sobre o paradeiro de taehyung para o dono do bar e o senhor han entregou-o o rapaz tão bêbado que não conseguia parar de chorar ao vê-lo ali. educado como sempre, jimin se desculpou pelo inconveniente e prometeu voltar para pagar o que ele tinha consumido no outro dia.

jungkook não estava tão diferente de taehyung.

ele havia bebido mais um copo de cerveja depois do seu primeiro e, como previa o garoto não aguentou o álcool e estava cochilando na mesa do bar, cabelos jogados sobre seu rosto para proteger os olhos da luz incômoda. namjoon teve que lidar com todas as questões do pagamento dele e agradeceu mais uma vez ao dono do lugar pelo serviço e dinheiro enquanto ele agradecia pela apresentação de jungkook, apesar de todo o trabalho, teve um ótimo lucro na noite.

"ei, kook-ah." namjoon se abaixou ao lado dele, tirando o cabelo da frente dos seus olhos e chacoalhando-o com cuidado. não poderiam ficar por muito mais tempo ali, ele provavelmente acordaria com uma péssima ressaca. "kook, precisamos ir embora."

"uhm, eu não quero..." ele murmurou com a voz manhosa, virando o rosto na direção oposta a de namjoon para voltar a dormir.

com um suspiro pesado ele enrolou o cabelo de jungkook no seu braço direito e com cuidado guiou o corpo molenga do garoto até que ele ficasse bem apoiado nas suas costas. ele passou as mãos por debaixo da sua perna e se levantou. quase se desequilibrou algumas vezes com jungkook balançando de um lado para o outro sem firmeza no torso, mas se recuperou. o dono do bar ajudou a estabilizar jungkook o suficiente até que saíssem.

já deveria estar bem tarde, a noite estava fria e as ruas vazias. um vento gélido bateu contra eles e jungkook se aninhou mais perto para se proteger da sensação, os braços apertando o seu pescoço, mas não o suficiente para acordar de fato. namjoon riu do estado dele, tomando nota de tudo para provocá-lo no dia seguinte.

com passos lentos e cuidadosos ele seguiu na direção da hospedaria. felizmente o caminho estava mais fácil com o passar do tempo, ele já se guiava muito mais fácil do que antes mesmo com tudo escuro. jungkook era leve, o que era uma surpresa dado o tanto de doces que ele comia diariamente imaginava que ele tivesse pegado mais peso. será que deveria fazê-lo comer mais nas refeições?

namjoon suspirou consigo mesmo, provavelmente era o efeito da bebida lhe fazendo pensar em coisas demais.

a caminhada tranquila sob a luz fraca da lua que quase desaprecia no céu, apenas uma pequena linha prateada no céu negro. olhando-a com cuidado era fácil lembrar do dia que roubou a tiara para o nobre. fazia tanto tempo e ao mesmo tão pouco, era assustador pensar o quanto sua vida havia dado um giro completo em poucas semanas que estava com jungkook e com a tiara.

talvez fosse muito cedo para decidir o quanto aquela mudança estava sendo boa para ele — poderia se arrepender, quem sabe o que aconteceria daqui um dia ou dois? não imaginava que estaria carregando alguém como jungkook por um reino estranho depois de passar a noite num bar ouvindo mercenários falarem dos seus sonhos.

namjoon riu sozinho da sua situação.

era de fato absurdo — absurdo como ele se sentia melhor no meio daquele caos do que na inércia que viveu seus últimos anos de vida.

apertou o passo quando jungkook murmurou algo sobre desconforto, ou frio, ou sono, seja lá o que for, ele deveria chegar na hospedaria logo e colocá-lo pra dormir na cama, talvez fosse diminuir os efeitos da ressaca pela manhã.

no caminho até lá poucas pessoas bêbadas passavam cambaleantes ao seu lado, a maioria olhava estranheza para o cabelo de jungkook enrolado em todo lugar e quase arrastando no chão enquanto andavam, mas não faziam nada além de murmurar algo para si mesmas ou para alguém próximo.

era melhor evitar chamar atenção, daqui a poucos dias eles estariam fora de aeta e nada poderia ser um atraso, perder o trem seria desperdiçar todo o esforço que fizeram até aquele momento. em toda honestidade, namjoon estava um tanto feliz por poder voltar para a cidade natal quanto estava apavorado; sua vida em edessa parecia como um monstro preste a engoli-lo de novo ao mesmo tempo que o conforto da familiaridade gritava seu nome.

por mais que aeta fosse um ótimo reino de se viver, não era a sua casa.

mesmo que diariamente ele ofendesse seu lugar de origem, ainda era o lugar que nasceu e cresceu, era o berço e depósitos de todas as suas memórias e experiências, ficar tanto tempo longe era estranho e mesmo com quase duas semanas ali não era um sentimento fácil de ignorar ou parar de sentir.

o prédio da hospedaria apareceu no seu campo de visão antes que pudesse notar, a rua escura e meio molhada como sempre, mas estava vazia o suficiente para ninguém incomodá-lo na hora de entrar. namjoon empurrou a porta e passou com cuidado para não bater jungkook em nada no processo.

ele subiu as escadas e checou o corredor antes de passar por ele até o quarto. precisou colocar o garoto no chão para pegar as chaves do quarto e o fez a muita reclamação por parte dele, que acabou despertando. jungkook estava meio instável e a parede sustentava todo seu peso, mas ele não caiu e isso foi uma vitória aos olhos de namjoon.

assim que destrancou a porta empurrou jungkook pra dentro e verificou se todo o seu cabelo estava dentro também para não correr o risco de fechar com uma parte pra fora. de novo.

"hy-ung!" jungkook balbuciou girando no meio do quarto, parecia mais desperto do que antes. "hoje foi um dia incrível! eu fiz, uh, novos amigos, ganhei dinheiro cantando, e, hm, também... o que mais eu fiz?" ele se enrolava nas próprias palavras e ria de si mesmo quando esquecia o que ia falar, uma cena adorável, se namjoon fosse sincero.

"você bebeu até cair?" sugeriu divertido, fazendo o garoto sentar na cama para tirar os sapatos e adornos dele.

"ah, é verdade." ele balançou a cabeça de um lado para o outro.

namjoon sorriu da situação e tirou os enfeites de flores do cabelo dele e desfez os penteados que jimin fez mais cedo deixando os fios longos caírem pelo seu rosto e ombros. o mais velho trabalhou em silêncio, retirando tudo o que iria incomodá-lo na hora de dormir, pela manhã ele poderia tomar um banho e tirar a pintura do rosto. ele estava tirando os seus sapatos quando sentiu um par de mãos geladas segurarem as laterais do seu rosto.

"ei, hyung." jungkook levantou seu rosto para que olhasse em seus olhos. ele estava sério, mais do que julgou necessário para a situação que estavam. "você já quis me abandonar?"

namjoon arregalou os olhos com a pergunta, imediatamente envergonhado do quão rápido quis mentir e dizer não — nunca imaginou que jungkook fosse capaz de notar algo assim; ou era fruto do álcool mexendo com a sua cabeça? de toda forma, não achou justo mentir quando até duas semanas atrás planejou deixá-lo naquela cidade sem pensar duas vezes. namjoon não era nenhum santo, mas até ele tinha suas próprias morais.

"jungkook eu... não mais." optou pela escolha de palavras que doeria menos — se era nele ou no garoto era difícil dizer.

ele não respondeu por longos segundos, seu cabelo cobria parte do rosto de um jeito que não deixava namjoon saber se havia piorado ou melhorado a situação. era desconfortável ser confrontado daquele jeito, apesar de saber que era um pensamento justificado — quer dizer, era só lembrar de todo o histórico dos dois!

"não faz isso, hyung." fungou e soltou o rosto de namjoon para poder secar o rosto das lágrimas que começavam a cair. "eu preciso de você, por favor não faz isso!"

"ei, ei. você não precisa mais tanto de mim," ele rapidamente se sentou ao lado dele na cama e tirou o cabelo do seu rosto para ajudá-lo a se recompor. "você já consegue até roubar sozinho! está sabendo se virar muito bem!" geralmente namjoon nunca ficou ao lado de nenhum colega depois que bebiam nos bares sujos de edessa, ele simplesmente ia por seu caminho e quando se dava conta estava em casa. essa situação não era comum pra ele, não fazia ideia do que estava fazendo ou falando.

"não... eu não quero dizer isso!" jungkook balançou a cabeça com força, quase batendo contra a de namjoon por acidente. "eu não preciso de você pra sobreviver nos lugares! eu preciso de você porque eu quero você do meu lado! é errado isso?!"

oh.

oh.

aquilo era...

jungkook tinha um talento incrível para lhe deixar sem palavras; namjoon suspirou pesado e desviou o olhar para o outro lado do quarto. não tinha como se sentir uma boa pessoa perto dele, que parecia a encarnação da bondade. jungkook era honesto demais com seus sentimentos, era difícil até culpar tudo no álcool. o problema era que namjoon não era acostumado a coisas daquele jeito — crescer ao lado da sua mãe, uma mulher apática, e nos subúrbios havia lhe deixado igualmente dormente emocionalmente. namjoon estava vivendo mais emoções em quase um mês com jungkook do que em mais de vinte anos.

era estranho.

era desconfortável.

ele não sabia o que fazer com o que sentia e não queria também ofender jungkook por culpa da sua própria incapacidade.

"por que não deixamos pra falar sobre isso amanhã? você vai estar melhor e-" namjoon foi interrompido quando o garoto se jogou contra ele com força, o impacto levou os dois ao chão com um baque alto. o cabelo dele estava por toda a parte e enroscava nos seus pés, braços e na cama.

"me promete!" jungkook se apoiou em um braço, a expressão brava era tão ameaçadora quanto a de um coelho adestrado. "anda, promete que não vai me deixar sozinho!"

"kook-ah... você não tem que se preocupar..."

"promete, hyung... por favor." ele parecia prestes a chorar e namjoon mordeu os lábios, preocupado se ele choraria mesmo ou não. ele não podia prometer muito do futuro a ninguém, o seu era tão incerto quanto o clima, mas...

"tudo bem, eu prometo." cedeu, incapaz de dizer não por muito mais tempo quando ele o olhava com aqueles olhos gigantes pidões.

"obrigado, hyung." jungkook sorriu e se deitou ao seu lado, lhe dando um abraço meio desengonçado enquanto enfiava o rosto nas suas roupas e descansando a cabeça no seu peito. namjoon cuspiu alguns fios de cabelo que foram jogados contra seu rosto e se ajeitou no chão, sem mais forças para se levantar dali. pela manhã além da ressaca teriam uma bela dor nas costas.

se namjoon soubesse o que o futuro aguardava, naquele momento teria feito jungkook prometer o mesmo — oh, se apenas ele soubesse...


⋆⁺₊⋆ ☾⋆⁺₊⋆


no dia seguinte, foi um pouco menos confortável reencontrar jimin e taehyung do que esperava.

namjoon e jungkook haviam acabado de terminar uma manhã de roubos de sucesso, praticamente todas as moedas de ouro para pagar a passagem de trem estavam nas suas mãos e o dia de voltar para edessa estava se aproximando. o mais velho estava igualmente nervoso e animado para viajar de trem agora que tudo estava às portas, não gostava de admitir, mas parecia ser muito bom.

quer dizer, os nobres não gastariam tanto em algo que não fosse confortável e interessante, certo?

já era fim de tarde quando os quatro se reencontraram na praça, em frente a loja de jimin. diferente do que imaginou, o clima entre os dois parecia estranho e pesado. era estranho porque jimin e taehyung adoravam um ao outro pelo pouco que conhecia deles, com certeza teria que estar acontecendo algo muito sério para eles estarem tão... desconfortáveis.

"jimin, como vai?" jungkook se aproximou com um sorriso, não parecendo notar atmosfera do lugar.

o pintor forçou um pequeno sorriso e lhe abraçou em um cumprimento amigável, acenando ao mesmo tempo para namjoon que estava uns poucos passos atrás. taehyung tinha as mãos nos bolsos da calça e encarava os sapatos pretos com uma expressão esquisita. parecia triste com algo, de novo, e namjoon não sabia se tinha mais ouvidos para ouvi-lo reclamar por horas mais uma vez.

"eu vou bem, kook-ah, e você?" gentil como sempre, jimin perguntou com genuína curiosidade. namjoon com certeza sentiria falta de alguém como ele durante seus dias em edessa.

"tirando a dor de cabeça horrível que eu acordei hoje de manhã, eu vou bem. pensarei duas vezes antes de beber de novo." o garoto reclamou com um bico, arrancando uma risada dos dois ao seu lado. ele retirou da mochila que carregava uma sacola de papel e empurrou nas mãos do pintor com um sorriso agradecido. "obrigado pelas roupas e pela maquiagem de ontem foi tudo muito divertido pra mim."

"não precisa agradecer, jungkook, fico feliz que foi uma boa experiência pra você."

depois daquilo um silêncio pesado caiu sobre os quatro. desconfortável, gritante e contínuo. os olhos de namjoon pularam da expressão sem graça de jimin para a de culpa de taehyung, que permaneceu calado o tempo inteiro. jungkook lhe cutucou com o cotovelo assim que notou, seu olhar dizia para que ele interferisse e ajudasse e ele quis responder um belo 'eu não tenho nada a ver com isso' e seguir sua vida, mas outra cotovelada do mais novo lhe fez suspirar pesado e rolar os olhos. pelo visto não era uma pergunta e sim uma ordem.

"uh... está tudo bem com vocês?" arriscou finalmente, seu olhar pulando de um para o outro. "não quero me meter nem nada, mas parecem meio incomodados com algo."

jungkook bateu na própria testa em decepção com a forma indiscreta que ele abordou a situação — como se ele tivesse um plano melhor! — imediatamente jimin enrijeceu a postura e passou as mãos pelo cabelo num clássico sinal de estresse. taehyung se encolheu no lugar e... é, obviamente ele tinha feito algo de errado.

"não é nada, só..." o pintor ofereceu um outro sorriso forçado sem olhar ninguém nos olhos e apontou com a cabeça discretamente para o mercenário ao lado. "o tae vai embora."

oh, agora tudo tudo estava explicado.

aquela era uma decisão inesperada, honestamente namjoon achava que agora que ele tinha encontrado alguém para lhe ajudar a se reerguer na vida depois de viver dias provavelmente horríveis como mercenário em edessa ele aproveitaria a chance. pelo visto taehyung era mais burro do que ele imaginava.

"jiminie, eu já falei que não posso mais viver como um parasita na sua casa." ele suspirou cansado, como se já tivesse vivido aquela conversa mais vezes do que podia contar.

"parasita... não sabia que a minha ajuda, minha amizade, te fazia sentir assim."

namjoon e jungkook trocaram olhares chocados com a discussão, ambos incapazes de pensar em algo para ajudar. os dois pareciam prestes a se atacarem ao mesmo tempo que pareciam querer chorar juntos. namjoon entendia o ponto de taehyung, ele odiava depender de pessoas para sobreviver e viver por anos dentro dos subúrbios depois de uma boa vida como um burguês provavelmente não deveria ter sido uma adaptação fácil. a independência proveniente de um ambiente hostil vem com a consequência da incapacidade de entender que ajuda é bem-vinda — de se deixar depender de outros que querem ajudá-lo.

"não é isso! eu só... só não tenho mais nada aqui, querendo ou não eu estive refazendo a minha vida em edessa e se voltasse aqui o que eu faria? meus pais e meu título são o mesmo que nada agora." taehyung explicou, mas não soou tão convincente quanto queria dada a forma que a face de jimin se contorceu em insatisfação.

jungkook abriu a boca, pronto para intervir e tentar amenizar a discussão que estava prestes a explodir entre os dois, mas namjoon colocou uma mão no seu ombro e negou com a cabeça. por mais que ele quisesse ajudar — não era tanto assim —, aquele assunto não os convinha. só podiam esperar que se resolvessem de uma maneira que não deixasse arrependimentos para trás. se taehyung voltasse para edessa, dificilmente voltaria ali novamente.

a vida de mercenários não é longa e aquela poderia ser a única chance que ele teria de largar a vida que entrou.

namjoon estava curioso se ele iria se agarrar a ela ou não.

"você tem a mim!" jimin bateu no peito, já irritado demais para tentar manter a compostura na rua, e se aproximou dele em passos pesados. "o que mais você precisa? eu posso te dar tudo o que eu tenho, taehyung, e nunca vai me incomodar!"

uau, aquilo era uma cena.

as pessoas ao redor encaravam com curiosidade os dois e namjoon sorriu a todos garantindo que a situação estava bem e sob controle — mesmo que nem ele mesmo tivesse essa garantia.

"jiminie..."

"você sabe o tanto que eu sofri quando você desapareceu de aeta? você tem sequer noção do quão sozinho eu estive todos esses anos? e quando eu finalmente me sinto bem que você está aqui e está bem, você quer desaparecer por nada?!"

"eu só vou te trazer problemas, é só lembrar do que aconteceu com o meu pai."

"isso não teve nada a ver com você, eu nunca te culpei por aquilo! eu também tive meus ganhos em toda aquela situação, por mais horrível que tenha sido." jimin suspirou pesado, passando as mãos pelos fios em frustração. ele provavelmente estava falando da mãe doente dele, lembrava de terem dito que o tratamento dela foi a moeda de troca entre ele e o nobre. "eu preciso de você aqui comigo, por que não quer ficar?!"

namjoon arregalou os olhos, as lembranças da noite anterior com jungkook falando quase aquelas mesmas palavras voltaram com força, quase arrancando o ar dos seus pulmões. ainda se surpreendia em pensar que havia caído em tamanha armadilha dos olhos pidões de jungkook.

"jimin eu- eu não aguentaria ser um peso pra você!"

"o único peso que você me daria é o da preocupação de estar longe! passar dias e noites sem saber o que você está fazendo ou se está bem-" jimin fungou, a voz embargada entregando seu choro antes que as lágrimas pudessem.

o momento que taehyung finalmente entendeu toda a situação foi o momento que ele se desprendeu de tudo e correu para abraçar jimin, envolvendo-o em seus braços com força. a decisão dele era óbvia; e namjoon estava feliz por ele, de verdade, mas...

"aw, que momento! quantas emoções, eu to tão feliz porque eles não vão se separar!" jungkook juntou as mãos no peito, encarando a cena com olhos lacrimejantes e nada mais que genuina comoção.

namjoon rolou os olhos — era realmente necessário agir como uma cena de conto de fadas bem na sua frente? ele conseguia até ver o brilho do sol e pétalas girando ao redor deles. aqueles dois se merecem, de verdade.

ele torcia para que os dois tivessem um bom futuro em aeta.

"ah não, eu esqueci de comprar algumas bebidas junto com o jantar." namjoon bateu na própria testa, frustrado com sua própria incapacidade de lembrar algo tão simples. como podia esquecer de comprar o seu suco favorito de frutas vermelhas?

depois de toda a situação com taehyung e jimin mais cedo, eles estavam prontos para finalizar o dia depois de ótimos resultados nos roubos. assim que se separaram da dupla eles aproveitaram o bom humor para roubar mais algumas pessoas e conseguiram a maior quantia de moedas de ouro que já tinham visto de uma vez. com aquilo, não só daria para completar o valor da passagem, mas sobrar o suficiente até para comprarem uma boa casa numa área melhor dos subúrbios!

as coisas estavam indo tão bem que namjoon estava até desconfiado.

"sério? você quer que eu vá com você?"

"não precisa," o mais velho suspirou, tirando do bolso a sacolinha que guardava algumas moedas e as chaves do quarto e entregou a jungkook. "eu vou bem rápido e volto logo, pode ir organizando as coisas e me esperar no quarto."

"tudo bem, hyung, tome cuidado no caminho." com um olhar recheado de preocupação, ele guardou a sacolinha com as chaves no próprio bolso e continuou o caminho até a hospedaria sem muita dificuldade.

o mais velho suspirou e refez o caminho até a barraca onde haviam comprado o jantar. não era muito distante, mas era incômodo andar tudo aquilo por puro descuido seu. felizmente as ruas não estavam muito movimentadas e seria rápido comprar as garrafas de suco.

assim que apareceu a senhora que cuidava da barraca de comida gargalhou, explicando que tentou chamá-los de volta assim que viu que faltava os sucos junto do jantar. namjoon se desculpou pelo inconveniente e pagou pelas garrafas, incluindo até uns docinhos juntos para agirem como compensação do ocorrido. jungkook também gostaria deles então era melhor ainda, nunca viu alguém tão apaixonado por doces de rua quanto ele.

satisfeito com o quão rápido tudo se resolveu, namjoon pegou a sacola de papel e seguiu a rua mal iluminada até a hospedaria.

o som de passos atrás dele foi o que fez ele parar no caminho.

olhou por todo lado, cada ruela, cada beco e não conseguiu ver nada. seu coração acelerou no peito, suor gelado descendo por suas têmporas. aquela sensação era estranha e assustadora, fazia um bom tempo desde a última vez que sentiu tanto terror assim. já havia passado por aquele mesmo caminho inúmeras vezes naquele horário, mas nada parecido havia acontecido antes. seria algo da sua cabeça? talvez por causa dos pesadelos que quase toda noite estavam lhe atormentando?

não, aquilo era real demais para ser um fruto da sua imaginação.

namjoon discretamente tirou a adaga de taehyung do bolso e a colocou discretamente atrás da sacola que segurava, torcendo para não ser necessário usá-la. apressou o passo para uma direção paralela a da hospedaria, a última coisa que gostaria era de levar ele direto para onde estava vivendo com jungkook. seu coração só parecia bater mais forte e sua respiração irregular, ele não conseguia ver nem a sombra de ninguém por perto quem dirá a pessoa por trás daquilo.

seus pés lhe levaram a uma rua que não era familiar, mas tinha muitas saídas e entradas que davam para o centro do suburbio, se conseguisse despistar quem quer que estivesse o seguindo. sua mente não parava de lhe fazer pensar se jungkook estava bem. ele tinha voltado sozinho para a hospedaria, se o alvo fosse ele e não namjoon então...

oh não.

jogando toda racionalidade pro lado ele girou nos calcanhares para fazer o caminho até a hospedaria, quando uma mão apareceu do nada e lhe segurou pelos cabelos.

ele grunhiu de dor e cambaleou, a mão que estava livre tentando aliviar a pressão no seu couro cabeludo, mas era impossível, a pessoa era forte o suficiente para quase lhe arrastar pelos cabelos e aquilo era aterrorizante.

"e-ei, o que você quer!" contra a sua vontade, manteve a voz baixa, conhecia aquelas situações como a palma da sua mão. "me solta, eu te dou o que você quer, tudo bem? só-" ele se interrompeu quando sentiu a ponta gelada de uma faca nas suas costas.

certo, aquilo não era um bom sinal.

"você mexeu com a pessoa errada." foi tudo o que saiu do homem atrás dele, uma voz rouca e grossa, mas apática, como se estivesse lendo um bilhete. namjoon franziu o cenho ao notar, confuso.

ele não fez perguntas ou esperou ser esfaqueado, puxou a adaga de taehyung de onde estava escondida na sacola e girou o braço, acertando em qualquer lugar que fosse possível.

o desconhecido pulou pra trás com um grito de dor, ele empurrou namjoon no chão e com força, fazendo a sacolinha de dinheiro que havia roubado mais cedo caísse do seu bolso. o homem pegou as moedas e correu para fora da rua tão rápido que namjoon sequer conseguiu impedi-lo. um pedaço de tecido com um brasão dourado bordado foi a única coisa que conseguiu ver.

"mas que merda foi essa?!" namjoon estava sem palavras com toda a situação. aquilo não parecia um assalto, ele já foi assaltado antes — toda a história de ladrão roubando ladrão que sua mãe vivia lhe relembrando — e definitivamente nenhum ameaçava daquele jeito antes de levar seu dinheiro, muito menos parecia pago pra isso.

ele era experiente nesses assuntos, sabia distinguir um furto, de um assalto e de uma intimidação.

alguém deveria estar tentando assustá-lo — bom, conseguiu, ele estava aterrorizado — e tinha algum motivo pessoal para aquilo. sua mente estava uma bagunça no momento, nada fazia sentido e não conseguia sequer pensar de fato, ele só queria voltar para a hospedaria, jantar e dormir.

"o dinheiro!" a realização de ter pedido praticamente tudo que arrecadou no dia lhe acertou em cheio e ele suspirou pesado, irritado. jungkook provavelmente ficaria frustrado em saber. eles ainda deveriam ter o que conseguiram na manhã então torcia para ser o suficiente para a passagem.

por segurança, ele tomou o caminho mais longo até a hospedaria, esperando que o homem tivesse sumido e não estivesse seguindo ele até o quarto. esperava que jungkook não fosse ficar muito decepcionado e preocupado com a situação, ele parecia estressado nos últimos dias e a última coisa que queria era adicionar mais peso aos seus ombros.

ele estava tão atordoado com os acontecimentos que sequer notou quando havia chegado até a hospedaria e subido as escadas até o andar do seu quarto até estar de frente a porta. namjoon piscou algumas vezes para se despertar do estupor e parecer menos abalado do que se sentia.

"hyung, que demora! tinha fila?" jungkook apareceu assim que ele abriu a porta, toda a comida já organizada nos potes e pratos específicos e a pequena 'mesa' deles, que era só uma cadeira ao lado da cama, arrumada.

"não." suspirou em frustração e colocou a sacola com o suco na escrivaninha junto com a adaga suja nas pontas de sangue do tal assaltante comprado. "eu fui assaltado."

"o que?"

"um cara todo de preto apareceu de repente enquanto estava voltando, apontou uma faca pra mim e me disse umas coisas estranhas, depois levou a sacola com as moedas de ouro."

recontou com o mínimo de detalhes possível para evitar que ele se preocupasse, mas jungkook apenas ficou em silêncio. namjoon se preparou mentalmente para o que viria enquanto retirava a jaqueta e a jogava num gancho do banheiro.

"e você deixou ele levar?" o mais velho arregalou os olhos com a questão — mais uma acusação que tudo — e se virou bruscamente para encará-lo.

"o que você-"

"você deixou ele levar tudo o que conseguimos? era um dinheiro importante!" jungkook parecia muito bravo e por um longo segundo namjoon não conseguiu responder, não conseguiu sequer entender o que estava acontecendo ali.

"o que infernos você queria que eu fizesse?! corresse pra pegar de volta?" ele ironizou, chocado que eles estavam tendo aquela discussão; com certeza não era a cena que havia imaginado o caminho inteiro até ali.

"que fosse mais cuidadoso então, eu não sei, mas você não podia ter deixado levarem! era para a passagem do trem!" ele gritou irritado, se aproximando com o rosto contorcido de raiva. rapidamente a mesma irritação borbulhou em namjoon. "imaginei que alguém como você fosse entender o quanto dinheiro é importante."

namjoon exalou, uma risada silenciosa e sarcástica lhe escapando com aquela péssima indireta. ele parecia estar disposto a acabar com o resto de bom senso que sobrou dele depois daquele dia.

"yah, o que você pensa que está falando, jungkook?" a seriedade de suas palavras não pareceram mudar o quão bravo ele estava, mas era impossível manter o tom leve quando ele estava agindo daquele jeito. ele não sabia se as razões para tudo aquilo, mas não sabia se importaria o suficiente ali para evitar uma discussão maior. "não faço ideia de qual é o seu problema, mas-"

jungkook lhe empurrou com as mãos até que ele caísse na cama, o ato tão imprevisível lhe chocou ao ponto de as palavras escaparem seus lábios.

"o meu problema é lidar com um babaca incompetente como você." os olhos azuis dele estavam tão escuros que beiravam o preto. um momento pesado de silêncio se seguiu no quarto, namjoon, em choque, encarava atônito o garoto. jungkook, como se tivesse voltado a si, levou as mãos a boca e o olhou com desespero, uma pessoa completamente oposta a de poucos segundos atrás — esse era o seu jungkook. "h-hyung... e-eu sinto muito, eu.. eu não quis-"

namjoon suspirou, deixando seu corpo cair deitado na cama, mais uma vez perdido no que fazer naquele momento. o ambiente tinha ficado estranho e ele ainda precisava saber o porquê de jungkook estar tão irritadiço recentemente. era como se ele não tivesse controle de si mesmo e qualquer coisa agisse como um estopim para uma explosão. era estranho porque haviam passado por situações muito mais estressantes que a atual antes e ele nunca havia agido daquele jeito. mas não tinha mais cabeça para pensar sobre assuntos complicados, ele se sentia faminto e exausto e só queria descansar.

"hyung, por favor..." jungkook choramingou enquanto se aproximava dele na cama, suas mãos hesitando em tocá-lo. "eu sinto muito, eu não quis falar aquilo, quando eu me dei conta eu..."

"tudo bem, kook-ah." ele sorriu, mesmo que não fosse a versão mais genuína de um sorriso deveria ser o suficiente por agora. "você não é menos humano que eu, tem todo direito de ficar frustrado, foi muito dinheiro, eu entendo."

"não, eu-"

"está tudo bem, de verdade." com um suspiro pesado, ele se levantou da cama e tocou seu ombro num sinal de paz e seguiu até a escrivaninha para tirar os sucos e os doces que havia comprado. "vamos comer e descansar. amanhã é nosso último dia em aeta, vamos precisar finalizar um monte de coisa para podermos completar o dinheiro das passagens do trem."

jungkook abriu a boca e fechou algumas vezes, desistindo de, provavelmente, se desculpar pela enésima vez. talvez namjoon estivesse muito acostumado a um jungkook sempre doce e tivesse esquecido que ele era uma pessoa como qualquer outra, mesmo que um pouco estranho na maior parte das vezes. não era justo cobrar que ele fosse o tempo inteiro perfeito. claro, não foi na melhor situação de todas, mas ninguém consegue prever o que vai ser a última gota d'água, certo? era o que ele queria acreditar enquanto começava a montar o seu prato com o jantar.

mesmo ainda um pouco pra baixo, jungkook fez o mesmo.

os dois jantaram sem muitas conversas além de um resumo do dia padrão e uma última contagem do quanto tinham e do quanto precisavam arrecadar no dia seguinte. só faltavam duas moedas. era fácil e nas primeiras horas da manhã deveriam ter tudo em mãos para poder sair daquele lugar.

quando namjoon finalmente deitou, o peso do dia foi o suficiente para lhe fazer adormecer quase imediatamente.

jungkook encarou a face adormecida de namjoon com olhos molhados enquanto se encolhia do outro lado da cama. a culpa lhe pesava de uma forma tão absurda que ele sequer conseguiu ficar no quarto, num impulso pegou o primeiro casaco que viu, calçou os sapatos e saiu do quarto silenciosamente.

os corredores da hospedaria estavam vazios, nem mesmo a moça da recepção estava no seu lugar, ele aproveitou a falta de pessoas e passou pela porta. assim como imaginava, a rua estava vazia, apenas os ventos frios chacoalhavam as folhas e placas das lojas próximas num som ensurdecedor. ele quis se perder numa caminhada por toda a cidade, mas no seu estado atual provavelmente era uma péssima ideia, então se contentou com caminhar até o final da rua que dava para o centro do subúrbio e se sentou no primeiro banco que achou, seu corpo caindo como um saco de batatas.

suas mãos não paravam de tremer desde que voltou a si no meio daquela briga estúpida com namjoon.

jungkook colocou os pés sobre o assento do banco e abraçou as pernas, o silêncio do lugar sendo a última gota para desabar a represa de lágrimas nos seus olhos.

"eu odeio isso." fungou, nem se incomodando de secar o rosto porque sabia que seria inútil, apenas viria mais.

seria estupidez de jungkook não perceber o que estava acontecendo desde o primeiro momento que perdeu o controle na padaria. era a sua maldição. ela sempre dava seus sinais alguns dias antes da manifestação, irritação e perda de controle eram os sintomas mais óbvios e preocupantes que sentia. as memórias de destruir inúmeros pratos e móveis na torre sempre que cada pequena coisa lhe aborreciam eram vívidas. ele não tinha ninguém em quem pudesse descontar aquilo então sua mobília e roupas eram as principais vítimas.

convivendo com tantas pessoas como agora, elas haviam se tornado os sofredores da vez. pouca coisa da sua maldição era tão ruim quanto a manifestação, mas aquela sensação de descontrole mesmo estando completamente consciente era. ele conseguia culpar, na manifestação, seu cabelo por causar tantos problemas, mas antes? era tudo culpa sua por não saber como se refrear.

ninguém conhecia melhor os efeitos da maldição do que ele ao passo de que ninguém era tão incapaz de fazer algo a respeito quanto ele.

a sensação de não poder se impedir de falar ou fazer coisas horrendas para quem estava ao seu redor era agonizante. jungkook queria morrer sempre que isso acontecia, desejava todos os meses que a maldição o levasse ao invés de tirar a vida de guardas inocentes, animais que voavam nas horas erradas, pessoas que estavam apenas passando por ele — e namjoon.

racionalmente, ele sabia que precisava contar tudo a namjoon, era a melhor rota, a melhor decisão, mas não conseguia. ele não aguentaria vê-lo lhe olhar com os mesmos olhos aterrorizados que viu no dia que ele apareceu na torre no meio da manifestação. ele não aguentaria ser visto como um monstro por namjoon também. tudo menos aquilo.

ele encarou os céus escuros, a lua quase não aparecia mais nos céus e em breve a meia lua voltaria. ele tinha poucos dias, no máximo até chegarem a edessa. planejava fugir na noite da maldição para algum lugar isolado e esperar até o sol surgir e repetir essa mesma rotina todos os meses. o mínimo que namjoon o visse naquele estado seria melhor.

era óbvio que ele tinha medo do cabelo, céus, até mesmo jungkook tinha. se ele pudesse arrancar tudo aquilo e jogar em qualquer lugar havia feito a muito tempo. seu corpo ainda carregava as marcas de todas as tentativas de cortá-lo, não haviam terminado bem para ninguém que tentou, nem mesmo ele. depois que conheceu namjoon e viveu as experiências mais incríveis da sua vida, um dos seus maiores objetivos foi colecionar as melhores memórias que conseguisse com ele. mas um dos maiores impedimentos era a maldição que sempre lhe prendia, ele não conseguia fazer nada.

era inútil contra si mesmo.

jungkook soluçou baixinho, enfiando o rosto contra o joelho e chorando tudo aquilo que reteve durante os últimos dias enquanto fingia ignorância sobre o que estava acontecendo. ele implorava aos céus que namjoon não o abandonasse por aquilo. se tivesse algo que pudesse fazer, qualquer coisa, para mantê-lo ao seu lado ele faria.

aquele sentimento de desespero lhe consumia por inteiro e ele não sabia mais o que fazer além de chorar e implorar.

implorar que aquela não fosse a sua última chance — implorar que ele pudesse ser feliz, ser livre.


⋆⁺₊⋆ ☾⋆⁺₊⋆


tudo começou com uma sensação ruim, facilmente atribuída ao pesadelo turvo e sem forma que lhe atormentava.

não conseguia lembrar o que era ou que estava acontecendo no interior da sua mente, apenas imagens de pessoas que significavam algo para ele gritando, chorando, em total desespero. cenas que lhe causavam pavor apareciam e desapareciam como por mágica, uma atrás da outra. ele não tinha pausa, ele não respirava, ele não se sentia vivo o suficiente nem morto o bastante — num eterno limbo do qual era impossível sair.

as sensação de estar de volta no seu corpo só veio quando algo leve encostou no seu rosto. era tão insignificante, no início, que sequer se deu ao trabalho de despertar de fato. porém, pouco a pouco, passou de um leve toque para dois, três, quatro... todo o seu corpo parecia exposto aquilo.

colocando mais esforço do que achou natural, ele piscou os olhos até se abrirem, pesados. o quarto ainda estava escuro demais para ser manhã, mas não era mais noite; aquela foi a primeira coisa que notou.

a segunda foi a massa negra flutuando acima da cama.

namjoon arregalou os olhos, seu corpo paralisado na cama incapaz de mover um músculo sequer. aquilo, o cabelo, girava e se contorcia sobre ele, algumas partes se arrastavam como cobras subindo por seus braços, pernas e rosto. estava por toda a parte. não tinha como fugir.

"j-jung-" gaguejou, as palavras entaladas na garganta ao ponto de não passarem de sussurros inaudíveis. ao seu lado, o garoto sequer se moveu, dormia como pedra. "j-jungkook..."

ele encarou com horror o cabelo, como um ser vivo bizarro e apavorante, se enroscar entre seus dedos paralisados e tocar nas laterais do seu rosto, quase numa carícia. como um soco, as memórias do que tinha acontecido na torre voltaram do local que ele tinha as jogado, no fundo da sua mente, e como um complô contra ele se juntaram para aterrorizá-lo. namjoon queria correr dali, até pular da janela parecia uma decisão mais razoável do que passar por aquilo.

"...kook." ele tentou de novo, mas sua voz não fazia muito além de ser levada pra longe pelo ar. seu coração errava todas as batidas e o sangue não parecia ser o suficiente, sua cabeça girava e ele sentia que desmaiaria, nem seus pulmões funcionavam direito naquela situação.

os fios lentamente desceram do seu rosto para o seu pescoço e apertaram, assim como naquela noite, não demorou muito para seus olhos lacrimejarem e o ar lhe faltar. o cabelo não parecia querer lhe matar ali — ou não tinha forças, era difícil julgar as intenções de um cabelo assassino —, mas o pouco de força que tinha foi o suficiente para fazê-lo apertar os olhos fechados e reaver os movimentos do corpo.

"jungkook!" ele gritou desesperado e, ao seu lado, o garoto pulou de susto. no mesmo instante que o primeiro raio de sol entrou pela janela, o cabelo o soltou e voltou a sua forma inerte.

namjoon arquejou, se sentando na cama de sobressalto, tentando inalar todo o ar que conseguia. naquele momento sua mente começou a ser clareada, os vestígios de sono e dos pesadelos não pesavam tanto mais na sua mente, como uma névoa que aos poucos se dissipava, mas a sensação de ser enforcado pelo cabelo ainda estavam lá. seus dedos tentativamente tocaram o local, mas não tinha muitos sinais de que aquilo havia sido real. seu corpo reagiu tão fortemente que era difícil duvidar, mas seu cérebro lhe lembrou dos últimos sonhos realistas que teve e lhe deixaram de maneira parecida: ofegante, trêmulo e assustado.

aquilo sequer era possível? ele não sabia se era, não lembrava de jungkook ter falado nada sobre o seu cabelo tentar matá-lo aleatoriamente na madrugada.

"hyung, você está bem? foi outro pesadelo com aquele seu amigo?" jungkook apareceu ao seu lado, hesitando um pouco antes de tocar com cuidado seu ombro. ele parecia exausto, os olhos vermelhos e inchados denunciavam que ele provavelmente chorou na noite anterior.

ah, a briga.

ele já tinha esquecido.

não imaginou que aquilo tivesse afetado tanto jungkook, mas era compreensível, era a primeira vez que eles discutiam de fato, ele deveria estar se sentindo culpado. aquilo colocava namjoon num dilema, contar que o cabelo dele provavelmente o atacou não deveria ser a melhor das ideias no momento.

"uh, sim, quase isso." balançou a cabeça numa vã tentativa de se livrar daquela sensação horrível. queria ir no banheiro jogar uma água gelada no rosto para tentar forçar seu corpo a despertar, mas não confiava nas suas pernas com o quanto elas tremiam.

"você precisa que eu pegue algo?" ele parecia verdadeiramente preocupado e toda e qualquer ideia de contar foram de ralo abaixo. tentou se convencer que tudo aquilo não passou de um sonho muito realista e não um péssimo indício de que algo estava prestes a dar muito errado.

"não, eu... eu estou bem." hesitou, as histórias de poucos minutos antes quase lhe escapando sem querer. talvez a melhor ideia fosse tentar entender se a situação foi de fato real ou apenas sua mente fazendo uma piada de muito mau gosto.

com um suspiro pesado ele se jogou de volta na cama, desistindo da ideia de levantar. seu corpo não conseguiria se sustentar no momento nem que quisesse. jungkook permaneceu sentado, encarando o mais velho cobrir as pernas novamente com olhos azuis marejados, um misto de culpa e preocupação. namjoon sorriu com o quanto ele era inocente e se deixava estressar tanto por tanta coisa boba, ergueu uma das mãos até tocar sua bochecha um sinal silencioso de que tudo estava bem, o garoto exalou, fechando os olhos e se deixou relaxar no toque.

ah, o que ele faria com jungkook?

se continuasse nesse ritmo ele provavelmente não se incomodaria nem se ele tentasse lhe matar — era uma área perigosa, estranha e viciante.

sua mãe dizia que vícios eram caros demais para pessoas como eles, inúteis e só trariam problemas, ele concordava, porém, para a decepção de sua mãe morta, namjoon não sabia se ele estava disposto a cortar jungkook da sua vida.


⋆⁺₊⋆ ☾⋆⁺₊⋆


a entrada da estação de trem estava gloriosa como da última vez que lembrava.

as grandes paredes bege eram tão intimidantes quanto antes, o relógio no topo marcava oito horas da manhã em ponto, eles estavam uma hora adiantados do horário de saída do trem que estava no papel que haviam recebido duas semanas atrás, nove da manhã.

os últimos dias haviam sido extremamente cansativos. para recuperar o valor que perderam naquele assalto estranho, os dois passaram a manhã do dia anterior roubando o que precisavam para completar as moedas necessárias. depois disso, eles usaram a tarde para arrumar as malas.

era estranho estar se despedindo do lugar que os abrigou durante tantos dias e viu seus melhores e piores dias. jungkook chorava enquanto dobrava as roupas, recontando todas as memórias que elas traziam e o quanto ele gostou de usá-las. ele parecia bem melhor de toda a discussão do dia anterior, quase como se nada tivesse acontecido. namjoon se ocupou em tentar confortá-lo em meio a contagem das moedas. ele separava as de ouro que seriam usadas para o trem, as de prata que os sustentariam pelos próximos meses e também serviriam na reforma da sua casa, e as de bronze que eram o suficiente para comida e outros poucos itens necessários quando voltassem.

eles tinham muitas moedas, não precisariam roubar de novo em edessa por um bom tempo e aquilo era um alívio para namjoon, ele teria que acostumar o garoto em uma nova cidade, ensiná-lo a como lidar com as pessoas daquele lugar, era todo um processo que tomaria algum tempo e ele gostaria de deixar ele aproveitar a cidade antes de jogá-lo no mundo cinza que vivia.

durante a tarde eles decidiram ir até os subúrbios, comer uma última vez os pães doces da sua padaria favorita, compraram algumas roupas melhores para usar no trem e não parecerem tão pobres quanto eram, estariam cercados de nobres então era melhor ser cuidadoso durante a viagem. jungkook também adaptou as roupas tradicionais de aeta para algo menos antigo e mais bonito. ele pintou padrões de flores e folhas, tudo o que lembrava o reino que passaram os últimos dias. era uma recordação que ele gostaria de manter.

enquanto organizavam as malas os dois decidiram que seria melhor mentir a identidade deles, não seria a melhor opção sair por ai que eram dois pobretões que de algum jeito 'mágico' conseguiram o dinheiro para duas passagens. era como apontar uma gigante seta brilhante na cabeça deles sobre a origem das moedas. inventaram que jungkook era um nobre de uma terra distante e que desejava viajar em segredo para outra cidade, algo clássico e sem falhas.

eles não seriam minuciosos ao ponto de pedirem alguma comprovação, certo?

os dois se despediram do quarto com um jantar delicioso que compraram no restaurante que o jimin havia os levado alguns dias atrás, uma conversa leve sobre tudo o que haviam vivido até o momento e os poucos planos pro futuro que tinham. era difícil dizer o que exatamente aconteceria nos dias que viriam, mas namjoon se pegou bem menos nervoso pro futuro do que imaginava.

na manhã do dia seguinte, eles entregaram as chaves do quarto para a recepcionista, agradecendo pelo local. era a moça mais gentil que estava ali e ela pareceu triste de vê-los partir, ótima nos negócios pelo visto, e os desejou uma viagem de volta segura e tranquila.

e naquele momento, eles estavam na frente da entrada da estação, depois de longos e cansativos quinze dias, namjoon podia dizer que estava voltando para casa. era uma sensação revigorante voltar para o lugar que veio.

passaram pelos guardas com facilidade como sempre, jungkook inclusive desejando um bom dia aos dois. no balcão da recepção o mesmo atendente estava lá, organizando inúmeros papéis para a viagem dos nobres. o lugar estava mais cheios, os bancos ao redor ocupados com pessoas de todas as idades bem vestidas e com muitas joias expostas. era louco que ele estava prestes a viajar com pessoas como aquelas. namjoon sorriu consigo mesmo com a loucura que estava fazendo.

ele se aproximou do recepcionista e empurrou o mesmo pedaço de papel branco e dourado que havia recebido duas semanas atrás junto com a sacolinha cheia de moedas de ouro. o homem arregalou os olhos ao reconhecê-los, o choque estampado na sua face a cada segundo.

"b-bom dia..."

"namjoon e jungkook." apontou para si e para o garoto que sorria como se o próprio sol tivesse se instalado no seu sorriso, se balançando nos calcanhares. era muito bom vê-lo contar as moedas que ele tão orgulhosamente achou que namjoon não conseguiria a tempo. aquilo era a tão famosa vingança? se sim, era fantástica.

"ah... claro, eu vou formalizar o pagamento. está tudo certo." murmurou, soando mais incomodado do que deveria. namjoon colocou o braço sobre o balcão de madeira nobre e apoiou a cabeça nas mãos, olhando-o mexer em todos os papeizinhos que não fazia ideia do que significavam com satisfação. "posso saber seus nomes completos?"

"nomes completos?" jungkook repetiu confuso, olhando o mais velho com uma expressão que gritava 'o que fazemos?', nobres se conheciam mais por sobrenomes do que pôr quem eram. aquele foi um detalhe que esqueceu, mas era fácil suprir algo falso. quem investigaria no momento?

"kim namjoon," falou devagar, observando a estação em busca de algo inspirador e discreto o suficiente para usar no de jungkook. precisava ser algo que não causasse mal entendidos futuros e soasse estrangeiro o suficiente para ninguém sentir interesse em saber mais sobre ele. o símbolo dourado na mala de uma mulher e um pouco de criatividade foi tudo o que precisou. "deon jungkook."

"que... peculiar." o recepcionista, cujo o nome ele não sabia nem fazia questão de saber, os olhou com suspeita por um sólido segundo e namjoon fingiu suspirar frustrado e fez sinal para se aproximasse; mesmo que ele estivesse aterrorizado com a ideia de ser pego no ato.

"eu gostaria de pedir... discrição da sua parte e de todos os envolvidos sobre o que vou falar agora." sussurrou em falso segredo, olhando os dois lados com cuidado para que ninguém o ouvisse. "jungkook é um nobre de um reino longe daqui, seus pais o mandaram para longe numa tentativa de protegê-lo e é meu dever cuidar dele. imagino que entenda como essas situações são... delicadas."

a seriedade no tom de namjoon fez o recepcionista arregalar os olhos e levou uma das mãos a boca, acreditando tão fácil que ele quase se arrependeu de ter passado tanto tempo preparando a mentira perfeita. essas pessoas acreditam em tudo que ouvem.

"compreendo, senhor." ele se endireitou no lugar, olhando jungkook com uma mistura de dó e encorajamento que quase fez namjoon rir alto. "eu manterei os nossos empregados de confiança informados, sua segurança é garantida conosco."

"é o que eu espero." jungkook se intrometeu na conversa, o tom e olhar de superioridade tomou namjoon de surpresa, ele parecia completamente seguro do seu personagem, se não o conhecesse confundiria com um nobre real. "estamos investindo tudo nesse lugar, não quero ser decepcionado tendo incidentes desagradáveis."

"p-pode deixar, senhor." o recepcionista assentiu com a cabeça de imediato e terminou de carimbar os dois comprovantes e os entregar de volta. "tenham uma boa viagem!" apontou na direção onde era designado para a espera do trem e namjoon sorriu educado em agradecimento.

eles caminharam pelo caminho apontado e, depois de terem certeza que ninguém os ouviria, jungkook pulou na sua frente, mochila cheia de roupas balançando nas suas costas, um sorriso gigante e uma expressão que gritava para que ele lhe elogiasse pela atuação de antes. namjoon riu com o quão óbvio ele estava sendo e balançou a cabeça.

"você foi ótimo lá, um verdadeiro nobre, senhor jungkook." se curvou de brincadeira, recebendo um empurrão do mais novo que gargalhava da situação. a felicidade dele era contagiante.

os dois entraram mais fundo na estação, observando todo o lugar com olhos curiosos. namjoon não podia acreditar que tudo estava dando tão certo e eles iriam mesmo viajar de trem junto com um bando de nobres metidos. tinha que admitir que estava curioso para saber como seria o trem, nunca havia visto um antes.

a área de embarque era uma longa plataforma com inúmeros bancos de madeira alinhados perto das paredes beges e portões dourados. nas paredes estavam pendurados quadros com as pinturas dos cenários que eles passariam durante a viagem, tinha de tudo desde montanhas e vales até cidades agitadas, no canto das imagens trazia os nomes dos lugares que foram registrados, mas ele não conhecia nenhum deles. eles caminharam enquanto olhavam as imagens, apontando o que estavam mais empolgados de conhecer e o que parecia menos interessante.

"olha, edessa!" namjoon chamou jungkook para ver o que havia achado. o quadro trazia uma pintura elegante do palácio de edessa cercado por folhas alaranjadas do outono.

era muito bonito, só tinha visto pessoalmente aquele lugar uma vez numa feira de caridade que os nobres fizeram. sua mãe o levou quando era criança, ela dizia que eles se compadeceriam se ele a acompanhasse e dariam mais comida e roupas para o inverno se ele parecesse mais fraco e adoentado do que era. aparentemente, nobres gostavam de usar os pobres para se sentirem melhores uma vez no ano. depois que ela morreu ele parou de ir, não vendo motivo pra se sujeitar a tamanha humilhação agora que estava sozinho.

"que lindo!" jungkook comentou em surpresa, se aproximando para ver melhor. ele apertou os olhos, como se quisesse ver algo que estava além das pinceladas do pintor.

"namjoon, jungkook!" um par de vozes familiares ecoou pela plataforma, atrapalhando as conversas discretas ao redor. todos os olhos se viraram para as figuras de jimin e taehyung correndo do portão até onde estavam.

seus rostos estavam vermelhos do esforço, provavelmente correram o caminho inteiro, não duvidaria que fosse algo que fariam. os dois pareciam emburrecer quando estavam juntos, jimin até perdia aquela pose formal que carregava por todo lado.

"jimin!" o rosto de jungkook se iluminou ao reconhecê-los e correu também para encontrá-lo num abraço.

os quatro haviam se despedido no mesmo dia que jimin e taehyung haviam decidido viver juntos, ele explicou as circunstâncias de maneira breve e avisou que estariam indo de trem, felizmente taehyung distraiu jimin para que ele não precisasse se demorar nos detalhes do como eles estavam fazendo isso. não imaginou que os dois apareceriam de supetão na estação daquele jeito. eles eram uma dupla surpreendente.

"que bom que conseguimos alcançar vocês, ficamos com medo de nos atrasar e não conseguir fazer uma despedida decente." o pintor explicou com um sorriso genuíno, segurando as mãos de jungkook entre as dele com delicadeza.

namjoon foi transportado para o dia que os três se conheceram, jimin estava ajudando um jungkook desesperado e perdido enquanto namjoon corria como um louco atrás dele pela cidade. parecia algo que aconteceu há tanto tempo e ao mesmo tempo como se fosse ontem. eles haviam chegado bem longe para duas semanas de amizade.

taehyung estava com as bochechas vermelhas ao lado de jimin, quase escondido atrás da sua figura pequena, mas não parecia ter sido forçado a vir junto — como imaginava, era um bom garoto. namjoon tocou o bolso da frente da calça e retirou de lá a adaga de taehyung, o símbolo dourado brilhava contra a luz do sol que entrava na estação. pelo visto era realmente uma herança de família.

"aqui." entregou nas mãos dele assim que se aproximou do mercenário — ah, será que deveria chamá-lo de ex-mercenário agora?

"minha adaga!" sussurrou com um misto de surpresa e emoção na voz. apesar de seus dedos tocarem gentilmente o emblema de família seus olhos estavam pesados. as duas semanas em aeta também foram agitadas para o rapaz.

"foi muito útil, devo admitir. mas já que era uma herança sua, não podia ficar por muito mais tempo." deu de ombros, tentando não pôr muita emoção no ato.

"achei que tivesse dito que pobres não têm herança e eu tinha pegado ela de alguém e ficado." o sorriso pentelho dele fez namjoon querer lhe dar uma tapa no topo da cabeça para colocar juízo nela.

ele iria acabar estragando seu disfarce tão bem criado daquele jeito.

"mas de toda forma eu agradeço por vocês terem vindo até aqui." limpou a garganta e mudou de assunto; voltou seu olhar a jimin, que tinha olhos marejados enquanto abraçava jungkook de novo. os dois pareciam prestes a cair no choro a qualquer momento.

"sim, jiminie hyung." jungkook sorriu, tocado pela presença do pintor ali. "conhecer você nesse lugar foi uma verdadeira benção, eu sou muito agradecido por ter me ajudado tantas vezes. nunca vou esquecer de você nem do quão bondoso você foi com nós dois." ele puxou namjoon para mais perto, fungando enquanto falava. namjoon se preocupava com o quanto ele choraria dentro do trem, mas não podia negar que estava igualmente emocionado.

não imaginava que era tão fácil se apegar a pessoas que conhecia há tão pouco tempo.

"digo o mesmo. você foi um anjo para nós quando estávamos perdidos nesse lugar. acho que nunca vou poder retribuir a ajuda que nos deu." namjoon curvou a cabeça num agradecimento formal e jimin sorriu envergonhado, cobrindo as bochechas coradas e arrancando uma gargalhada de taehyung.

"vocês vão mesmo me fazer chorar na frente de tantas pessoas?" ele empurrou os dois com pouca força e os quatro riram. o pintor respirou fundo, enxugando as lágrimas com as mangas da blusa, tomando alguns segundos para se recompor. "eu amei poder conhecer vocês, eu desejo toda a felicidade aos dois pelo resto das suas histórias." ele pegou as mãos dos dois e os puxou num abraço forte, o cheiro do perfume dele invadiu seus sentidos de uma maneira tão familiar que namjoon precisou fechar os olhos para evitar se emocionar demais. "que o destino nos permita um reencontro."

os três se separaram e compartilharam um sorriso.

prometer algo nas condições que viviam era difícil, mas namjoon com certeza torcia para que esse tal destino os fizesse cruzar o caminho dos dois amigos novamente.

"apesar de todo o início conturbado, vocês são ótimas pessoas." taehyung começou, parecendo envergonhado demais para erguer os olhos dos sapatos, namjoon sorriu baixinho com o quão tímido ele parecia. "eu sei que não fui a melhor aparição de todas, mas eu-" ele foi interrompido bruscamente quando jungkook lhe puxou para um abraço apertado. taehyung imediatamente retribuindo, fechando os olhos e se deixando relaxar entre seus braços.

jungkook sussurrou algo no ouvido de taehyung que o fez gargalhar alto, mas negar com a cabeça. o mais novo sorriu travesso — namjoon com certeza iria perguntar depois.

"também foi bom conhecer você, taehyung hyung," o ex-mercenário arregalou os olhos com o termo, obviamente feliz e cutucando jimin como se ele não estivesse ali do lado o tempo inteiro ouvindo tudo. "eu também espero que tenhamos outra oportunidade para conversar mais sobre pontos turísticos e arte." com um sorriso sincero e inocente, taehyung concordou de imediato.

aquela expressão, contente e sem malícia, combinava mais com ele do que a que usava para matar pessoas por dinheiro. namjoon só podia desejar que agora, na sua cidade natal e com alguém tão fantástico ao seu lado quanto jimin, ele pudesse viver uma vida mais tranquila e feliz.

"também foi bom conhecer você, taehyung. seja um bom garoto e não cause problemas pro jimin, tudo bem? cuide bem dele." talvez apenas eles dois entenderiam o significado real daquela frase — só use o que aprendeu como mercenário para cuidar de quem precisa —, mas o sorriso confiante dele já lhe tranquilizou. podia contar que ele se manteria fora de problemas.

"pode ter certeza, eu farei o meu melhor... namjoon hyung!" suas bochechas coraram enquanto dizia. o mais velho encarou-o com um misto de horror e choque, arrancando uma risada alta de jimin e jungkook. apesar de ainda sem muita cara para encará-lo, taehyung lhe deu um abraço forte e rápido, tão de repente que os dois quase caiam para trás.

o que ele faria com aquele rapaz? era apenas uma criança por dentro.

"todos os passageiros devem se preparar para embarcar no trem, partiremos em breve!" um empregado do trem gritou pela plataforma, anunciando que já estava na hora.

os quatro se encararam com um olhar que gritava saudades antes mesmo de se separarem. o som alto de uma máquina gigante começou a soar pela plataforma e do final dos trilhos o trem se aproximou. era algo muito maior do que esperava, todo feito de metal escuro e cheio de janelas nas laterais. a frente dele tinha uns círculos de metal e uma luz amarela que parecia ser só ativada durante as noites. do topo saia fumaça e as rodas pequenas corriam pelos trilhos no chão.

era algo de outro mundo, realmente não imaginava que fosse possível algo assim existir.

o grande trem correu toda a plataforma até parar exatamente com a frente dele numa ponta e a parte de trás ficar alinhada na outra. as portas de metal se abriram e um pequeno degrau desceu para servir de apoio e evitar quedas no espaço que ficava entre a plataforma e o chão do trem.

"então é isso." namjoon suspirou pesado, incrédulo que estava finalmente voltando para casa. parecia uma realidade tão distante poucos dias atrás. "novamente, agradeço por toda a hospitalidade e ajuda que nos ofereceram. nunca esqueceremos."

"nós vamos visitar vocês assim que possível!" jungkook prometeu, as lágrimas voltando a ameaçar cair. não deveria ser fácil para ele.

"eu vou contar com isso." jimin sorriu, tão chorão quanto o mais novo.

os quatros se abraçaram uma última vez, todos juntos, a pedido de jungkook. namjoon nunca teve amigos daquela forma antes, mas a sensação de se separar deles era tão dolorosa quanto uma facada. só podia desejar que eles vivessem bem e que conseguisse uma oportunidade de voltar a aeta, talvez num estado melhor que o que tinham naquela vez.

"tenham uma boa viagem!" os dois desejaram, acenando juntos para jungkook e namjoon enquanto eles seguiam as instruções dos empregados do trem na porta mais próxima.

"é uma surpresa que eles tenham conseguido juntar o dinheiro necessário para o trem, ouvi que uma passagem é bem cara." namjoon pôde ouvir jimin comentar, ele parecia surpreso, mas feliz pelos dois.

"o que esperar dos ladrões? eles sempre conseguem tudo." taehyung riu, as palavras pulando da sua boca. namjoon parou no seu lugar e se virou imediatamente, olhando escandalizado para aquele tagarela descontrolado.

"ladrões? eles são ladrões? como você sabe disso?!" jimin murmurou chocado, tendo a decência de ter cuidado com o tom de voz ao redor de tantas pessoas.

"explique como nos conhecemos, tae!" namjoon interrompeu antes de entrar no vagão, parando na porta com jungkook rindo ao seu lado.

"é que eu fui mandado pra matar o namjoon porque ele não devolveu o que roubou para um nobre em edessa- ah!" taehyung levou as mãos a boca, só então percebendo o que havia acabado de deixar escapar ao ser levado pela conversa. com um olhar chocado e traído na direção de namjoon, que riu enquanto acenava um adeus para os dois.

"kim taehyung! como ousa não me contar algo tão importante, que você era-" jimin olhou para os dois lados antes de continuar baixinho, estapeando-o no ombro. "um mercenário? você estava maluco?!"

namjoon sorriu consigo mesmo, satisfeito com o rumo da situação. se ele seria desmascarado taehyung também seria.

"você acha que eles vão ficar bem, hyung?" jungkook perguntou ao olhar uma última vez para os dois na plataforma, jimin ainda batia no rapaz, horrorizado com as notícias atrasadas enquanto taehyung buscava uma brecha para explicar tudo. ele provavelmente levaria um tempo para se acostumar com a realidade, mas...

"eles vão sim. eles têm um ao outro."

"assim como nós temos um ao outro, certo?"

namjoon sorriu com a comparação, puxando-o para mais perto num abraço.

"exatamente assim."

ele agora estava a poucos dias de distância de edessa — e a ideia de voltar para casa nunca soou tão parecida com a de 'voltar ao lar'.

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